O ENSINO DA MATEMÁTICA SOB A PERSPECTIVA INTERCULTURAL DO POVO JIRIPANKÓ 

TEACHING MATHEMATICS FROM THE INTERCULTURAL PERSPECTIVE OF THE JIRIPANKÓ PEOPLE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202407311210


Clara dos Santos Silva1
Claudiene dos Santos2


Resumo: O artigo em questão discorre sobre a relevância do ensino da matemática ministrado de forma intercultural. Mais especificamente sob a ótica do Povo Jiripankó. O objetivo principal é apresentar a etnomatemática como uma proposta de ensino com a intencionalidade de correlacionar o conhecimento do cotidiano do Povo Indígena Jiripankó com a matemática secular vista em sala de aula e proposta no currículo a fim de que os alunos possam atribuir um significado às aulas de matemática, ao passo que podem relacionar o conhecimento adquirido na sua comunidade com as aulas de matemática ministradas na escola. Nesta perspectiva, as temáticas a serem trabalhadas são a etnomatemática como proposta de ensino, a integralização da interculturalidade ao ensino de matemática, os desafios e as possibilidades da implementação da etnomatemática nas escolas indígenas e quais são os saberes matemáticos relacionados à cultura indígena de forma geral, e também ao povo Jiripankó que estão presentes nas aulas de matemática. Salienta-se que esta pesquisa é bibiográfica e de caráter qualitativo. Em tempo, como fundamentação teórica para a realização desta pesquisa, utilizou-se os escritos de D’Ambrósio (1990, 1993, 2001, 2008, 2016), Knijnik (2006, 2012), Santos (2016), Boyer (2012), dentre outros, que abrangem estudos referentes a esta discussão.

Palavras-chave: Ensino de Matemática. Perspectiva Intercultural. Povo Jiripankó.

Abstract: The article in question discusses the relevance of teaching mathematics taught in an intercultural way. More specifically from the perspective of the Jiripankó People. The main objective is to present ethnomathematics as a teaching proposal with the intention of correlating the everyday knowledge of the Jiripankó Indigenous People with the secular mathematics seen in the classroom and proposed in the curriculum so that students can attribute meaning to the classes mathematics, while they can relate the knowledge acquired in their community to the mathematics classes taught at school. From this perspective, the themes to be worked on are ethnomathematics as a teaching proposal, the integration of interculturality into mathematics teaching, the challenges and possibilities of implementing ethnomathematics in indigenous schools and what mathematical knowledge is related to indigenous culture in general and also to the Jiripankó people who are present in mathematics classes. It should be noted that this research is bibiographical and qualitative in nature. In time, as a theoretical basis for carrying out this research, we used the writings of  D’Ambrósio (1990, 1993, 2001, 2008, 2016), Knijnik (2006, 2012), Santos (2016), Boyer (2012), among others, which cover studies related to this discussion.

Keywords: Teaching Mathematics. Intercultural Perspective. Jiripankó people.

1 – Introdução 

O ensino da matemática é uma área que desperta muitas dúvidas e dificuldades entre os alunos devido à sua abordagem tradicional e eurocêntrica; no entanto, cada cultura tem sua própria maneira de compreender e se relacionar com conceitos matemáticos o que pode ser uma oportunidade para enriquecer o ensino e torná-lo mais inclusivo e diversificado.

A trajetória histórica do ensino da matemática no contexto intercultural é bastante rica e complexa. 

Ela envolve a interação de diferentes culturas e sistemas de conhecimentos matemáticos ao longo do tempo. Desde a antiguidade, diversas civilizações contribuíram para o desenvolvimento da matemática e a interação entre elas influenciou a forma como a disciplina é ensinada e compreendida em contextos interculturais. Por exemplo, a matemática grega teve influência do Egito e da Mesopotâmia, enquanto a matemática islâmica preservou e expandiu o conhecimento matemático grego e indiano (Boyer, 1991).

Ao reconhecer a diversidade cultural e os saberes matemáticos presentes nas diferentes comunidades, busca-se promover uma educação matemática mais inclusiva e significativa, que valorize as contribuições de cada contexto cultural para o desenvolvimento do conhecimento matemático (D’AMBRÓSIO, 1990).

Em sua abordagem, D’Ambrósio (1990) enfatiza a importância de considerar os contextos culturais e sociais dos estudantes no ensino da matemática, promovendo uma educação mais inclusiva e igualitária.

A presente pesquisa trata do Ensino da Matemática sob a Perspectiva Intercultural do povo Jiripankó fruto de reflexões obtidas através do Estágio Supervisionado I3, realizado na Escola Estadual Indígena José Carapina, Aldeia Jiripankó, localizada no município de Pariconha/Alagoas.

Desse modo, há o intuito da busca de respostas para alguns questionamentos norteadores, a saber: Por que não lecionar os conteúdos de matemática voltados para a cultura da comunidade local?  

Posto isto, o ensino de matemática tratado em uma perspectiva intercultural poderia contribuir para uma melhoria na aprendizagem dos alunos Jiripankó?

Diante disso, foram estas inquietações que me fizeram refletir e trazer essa abordagem conduzindo a um estudo a partir desta pesquisa, que tem por finalidade provocar reflexões sobre a relevância e contribuições em relação a interculturalidade no ensino da matemática, tendo como objetivos específicos: discutir sobre aspectos do ensino da matemática de forma intercultural e expor a relevância da interculturalidade no ensino da matemática. 

O estudo sobre o ensino da matemática sob a perspectiva intercultural do povo Jiripankó visa promover a valorização e o respeito pela diversidade cultural e étnica dos estudantes, em especial os Jiripankó reconhecendo que diferentes grupos possuem formas únicas de compreender e comunicar conceitos matemáticos. Neste contexto, o professor atua como mediador entre as diferentes culturas, buscando integrar saberes locais a conhecimentos matemáticos de forma significativa para todos os alunos; ou seja, ensinar matemática de acordo com a cultura local.

Além disso, essa abordagem é de grande relevância para o contexto atual, onde há um ensino de matemática voltado para a interculturalidade ainda muito abstrato. No entanto, é preciso a busca por reconhecimento e valorização da diversidade de conhecimentos e práticas matemáticas presentes em diferentes culturas por meio de metodologias eficazes que possam nortear a interculturalidade na matemática. Isso permite que os estudantes não apenas aprendam os conceitos matemáticos gerais, mas também compreendam como a matemática é aplicada e interpretada de maneiras diversas ao seu redor, possibilitando a inclusão e o respeito à diversidade cultural e contribuindo para a formação de cidadãos mais críticos e conscientes da importância da sua cultura. Aliás, em um mundo cada vez mais interconectado e diverso, o ensino da matemática em uma perspectiva intercultural se torna fundamental para promover a compreensão mútua e valorização das diferentes abordagens matemáticas e combater estereótipos.

Foi perceptível que os conteúdos propostos nos livros didáticos de matemática, presentes na Escola Estadual Indígena José Carapina, não condizem em sua maioria com a realidade do Nordeste, mais especificamente para os povos indígenas Jiripankó, assim dificultando a compreensão da matemática para tais alunos que possuem realidade totalmente diferente daquelas apresentadas nos conceitos matemáticos propostos nos livros didáticos propostos pelo Ministério da Educação.

O presente trabalho contará com a pesquisa bibliográfica com o intuito de refletir e entender a interculturalidade no ensino da matemática como perspectiva inovadora, a fundamentação teórica deste estudo será embasada em teorias educacionais que defendem a importância da diversidade cultural, ou seja, terá as contribuições de D’Ambrósio (1990, 1993, 2001, 2008, 2016), Knijnik (2006, 2012), Santos (2016), Boyer (2012), dentre outros autores, que abrangem estudos referentes a essa discussão. 

2 – A Etnomatemática como proposta de ensino:  como ela pode ser utilizada para reconhecer e integrar os saberes matemáticos presentes em diferentes culturas?

A Etnomatemática surge como uma proposta de ensino que reconhece e valoriza os saberes matemáticos presentes em diversas culturas, entendendo que as práticas matemáticas são construções sociais e culturais que refletem as tradições, os costumes e os saberes matemáticos presentes no cotidiano. Essa abordagem busca promover uma visão mais inclusiva e contextualizada da Matemática, enriquecendo o ensino ao considerar a diversidade de concepções matemáticas ao redor do mundo. 

Segundo Knijnik et.al. (2012) o termo passou a ser amplamente divulgado por Ubiratan D’Ambrósio a partir de 1970 “junto à uma equipe de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento no Centre Pédagogique Superieur de Bamako, na República do Mali”. No entanto, Eduardo Sebastiani Ferreira (1991, 1993, 1994) foi o primeiro no Brasil a realizar trabalhos de campo nessa linha de pesquisa. Dito isto, a pesquisadora ainda relata a realização de pesquisas encabeçadas por outros estudiosos:

Entre os trabalhos de educadores brasileiros que vinculamos a uma primeira fase de pesquisas relacionadas à Etnomatemática, destacamos os realizados por Borba (1987, 1990, 1993), com crianças da favela Vila Nogueira – São Quirino, em Campinas, que se constituiu na primeira dissertação na área; o de Carvalho (1991) com os índios Rikbatsa, que vivem na região Centro-Oeste; o de Nobre (1989), sobre o jogo do bicho; o de Pompeu (1992), sobre as influências nas atitudes de professores de um trabalho que buscou introduzir no currículo escolar a etnomatemática, e os de Knijnik (1980, 2006a), envolvendo pesquisas empíricas em regiões da periferia urbana de Porto Alegre e no meio rural do Rio Grande do Sul. (KNIJNIK, 2012, P.20)

Então é graças a esse campo de estudo que hoje podemos identificar e explorar as práticas matemáticas presentes em diferentes culturas, ao contrário da matemática tradicional que se mostra muito distante da realidade de estudantes e de suas vivências, assim desconsiderando as ricas contribuições da matemática presentes nos saberes culturais, nas tradições, rituais, jogos, artesanatos e práticas do cotidiano, que podem até ser identificados, mas faltam ser reconhecidos e legitimados.

É importante ressaltar que a etnomatemática não está centrada apenas em estudar a matemática de outras culturas, mas também a matemática universal. 

“Etnomatemática é a matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos grupos”. (D’AMBRÓSIO, 2001).

Além disso é fundamental que as escolas incorporem a diversidade no currículo escolar, mas isso não quer dizer que seja necessário modificar completamente a sua estrutura curricular existente, pois é possível e existem maneiras de fazer com que isso aconteça. Uma delas é incluir materiais didáticos, atividades e projetos que abordem temas relacionados aos contextos culturais em que os alunos estão inseridos.

Nesse sentido, a etnomatemática entra como metodologia para condução desse caminho, ampliando as perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da matemática. 

Isto posto, trabalhar a etnomatemática no espaço escolar é contribuir para que as novas gerações conheçam e reconheçam uma matemática muito mais cultural, ligada ao cotidiano de diversos grupos étnicos (D’Ambrósio, 2008).

De acordo com o autor supracitado, isso significa explorar como a matemática está ligada ao cotidiano e às tradições de diversas comunidades, como, por exemplo, de um povo indígena que refletem os saberes matemáticos em seus elementos, rituais e práticas cotidianas próprias da comunidade. Além disso, é algo que faz parte da realidade de um povo e que pode ser desenvolvido na escola para estudantes dessa mesma comunidade.

Para D’Ambrósio (1993) os povos têm uma cultura [etno], lidam e explicam sua própria cultura [matema]; no entanto, cada qual do seu jeito e de sua forma [tica]”.Assim, é destacada a ideia de que cada povo ou grupo cultural possui sua própria forma de lidar com a matemática, por exemplo, alguns povos possuem seu próprio sistema de numeração ou suas próprias formas de contar, e essa diversidade de sistemas numéricos e práticas matemáticas deixa transparente a riqueza cultural presente no ramo da matemática.

Para D’Ambrósio e Rosa (2016), trata-se de uma postura didática que busca uma melhoria no processo de ensino e aprendizagem da disciplina com a incorporação no currículo matemático do conhecimento advindo da vida do aluno e de valores humanos, como, por exemplo, a cooperação, a solidariedade e a ética.

Na visão dos autores essa perspectiva valoriza não apenas o desenvolvimento das habilidades matemáticas dos estudantes, mas também a conexão desses conhecimentos com suas vivências, assim contribuindo para um processo de ensino e de aprendizagem mais significativo e transformador. Além disso, se torna uma estratégia de conectar o aluno com o conteúdo matemático.

Diante disso, é fundamental demonstrar um embasamento sobre a natureza da matemática, sua relação com as culturas e práticas existentes ao redor do mundo. Ao embasar-se em teorias que defendem a interação entre a matemática e as diferentes manifestações culturais, proporciona-se um meio educacional de bases sólidas que direcione um caminho para um ensino intercultural o qual reconheça e valorize as múltiplas formas de conhecimento matemático presente nas diferentes culturas.

Portanto, esse é o caminho que pretendemos seguir para atingir o nosso objetivo principal, que é apresentar a etnomatemática como uma proposta de ensino com a intencionalidade de correlacionar o conhecimento do cotidiano do Povo Indígena Jiripankó com a matemática secular vista em sala de aula a fim de que os alunos possam atribuir um significado às aulas de matemática. E, é neste ponto que a etnomatemática surge como proposta de ensino, buscando desempenhar um papel fundamental na integração e no reconhecimento dos saberes matemáticos presentes na cultura indígena do povo Jiripankó, considerando algumas estratégias e práticas que podem ser adotadas.

3 – Desafios e Oportunidades: Integrando a Interculturalidade ao Ensino de Matemática em Escolas Indígenas

No contexto das escolas indígenas, o ensino de matemática muitas vezes é visto de forma descontextualizada e longe das suas vivências, o que dificulta o aprendizado e a motivação dos alunos, pois cada vez mais os estudantes estão perdendo o interesse pela disciplina, seja por falta de contextualização, dificuldades de compreensão ou por falta de apoio e incentivo.

Por estes motivos é fundamental adotar metodologias inovadoras e contextualizadas de ensino, destacando a aplicação prática dos conceitos matemáticos no cotidiano e promover o diálogo intercultural nas escolas.

A falta de contextualização no ensino da matemática pode acarretar o desestímulo pela disciplina, ressuscitando os métodos tradicionais que conceituam a matemática como uma ciência que trouxesse todas as coisas prontas, como se fosse um conhecimento pronto e acabado. (Santos, 2016).

Nesse sentido, integrar a interculturalidade ao ensino da matemática em escolas indígenas ainda é um desafio complexo, pois é um processo que enfrenta muitos obstáculos como, a carência de materiais didáticos adequados, a formação de professores insuficiente nessa temática, a necessidade de uma linguagem cultural que facilite a comunicação e o entendimento mútuo. Esses desafios envolvem repensar a forma como a matemática é ensinada, considerando as diferentes formas de praticar a matemática presentes na cultura indígena.

Por outro lado, as oportunidades provenientes da integração da cultura indígena ao ensino da matemática são inúmeras, tornando possível ampliar o repertório dos estudantes e estimular seu interesse pela disciplina.

Algumas práticas norteadoras e inovadoras que podem ser salientadas são o desenvolvimento de um currículo que incorpore perspectivas e práticas matemáticas de diferentes culturas, a promoção de um ensino colaborativo e o reconhecimento e valorização do fazer matemático presente na cultura do povo Jiripankó. Diante do exposto, para Knijnik (2012, p. 66): “a escola passou a ser entendida como um lócus privilegiado não só para a imposição das ideologias dominantes, mas, principalmente, como um espaço onde seria possível a construção de focos de resistência”. 

Em face do supracitado, as escolas indígenas atendem alunos de diferentes origens étnicas e culturais e é essencial que o ambiente educacional respeite e valorize a diversidade cultural presente nessas comunidades, bem como faça da instituição escolar um lugar de resistência e luta pelos seus direitos.

Neste ínterim, ao pôr em evidência os PCN (1998), “a Matemática é componente importante na construção da cidadania, na medida em que a sociedade se utiliza, cada vez mais, de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos, dos quais os cidadãos devem se apropriar”. Infere-se, então, que os discentes indígenas têm o direito a um ensino que contribua para o desenvolvimento da sua cidadania e que tal auxílio seja ministrado de forma respeitosa, estabelecendo-se de maneira que as suas raízes e o seu cotidiano sejam considerados.

A busca por um ensino respeitoso e diferenciado para os alunos indígenas, inclui a possibilidade de aprender matemática de forma contextualizada em sua própria cultura, que de fato só tem a contribuir para o fortalecimento de sua identidade cultural, bem como da sua formação cidadã.

Assim, para desenvolver oportunidades de ensino engajadas nas práticas matemáticas da comunidade indígena Jiripankó, requerer-se-á um esforço conjunto e dedicado por parte dos educadores, gestores escolares e membros da comunidade. Posto isto, cabe ressaltar aqui algumas formas eficazes de desenvolver essas oportunidades, a saber: a formação continuada de professores, isso inclui a compreensão dos saberes tradicionais do povo indígena Jiripankó; adaptação de metodologias pedagógicas para atender as necessidades dos alunos indígenas; desenvolvimento de materiais didáticos, nesse caso é importante que os educadores conversem com membros da comunidade Jiripankó para desenvolver materiais didáticos que incorporem práticas matemáticas locais; inclusão da diversidade cultural no currículo escolar, isso é fundamental para garantir que o currículo incorpore de forma autêntica e respeitosa os saberes matemáticos tradicionais da comunidade para que a aprendizagem de fato aconteça.

4 – Saberes Matemáticos na Cultura Indígena

A integração dos saberes matemáticos presentes na cultura indígena ao ensino da matemática representa uma oportunidade única de valorizar e reconhecer a diversidade, tornando-se essencial para promover uma educação mais inclusiva e diferenciada respeitando as diferentes maneiras como a matemática é configurada e praticada por esses povos.  Por esse motivo é necessário explorarmos a importância de reconhecer e integrar os conhecimentos matemáticos na cultura indígena, destacando como essa abordagem pode enriquecer o processo educativo e fortalecer a identidade cultural dos estudantes indígenas.

A inclusão de práticas matemáticas de diversas culturas no currículo escolar não apenas enriquece a experiência educacional dos estudantes, mas também os ajuda a desenvolver uma compreensão mais profunda e inclusiva da disciplina, pois a matemática é uma linguagem universal; porém, sua aplicação e interpretação podem variar significativamente de uma cultura para outra.  Reconhecendo-se e incorporando diferentes abordagens matemáticas em sala de aula, os estudantes são expostos a perspectivas e contextos diversos, que os desafiam a pensar de forma mais crítica e criativa.

Figura 1 – Discentes Jiripankó participando de exposições representando a sua cultura.

Fonte: As autoras (2024).

Além disso, valorizar os saberes matemáticos indígenas, não apenas é um ato de respeito à diversidade cultural, mas também significa enriquecer o ambiente educativo com conhecimentos tradicionais valiosos e que significam muito para um determinado povo, conhecimentos estes que já existem há muito tempo; no entanto, precisam ser reconhecidos e integrados no que se refere ao ensino da matemática. Para a efetivação de tal prática, alguns aliados a serem adotados em sala de aula são os materiais concretos. Estes devem, também, estar relacionados ao dia a dia do aluno, bem como à sua vivência social com a matemática. Tal manifestação é parte fundamental no processo de democratização do ensino de matemática, em especial, o indígena.

Isto posto, conforme uma pesquisa realizada por Knijnik (2012, p.85):

Professores e professoras se sentem pressionados por “cumprir o programa”. Resistem ao “novo”, não porque avaliam que seu trabalho docente usual esteja produzindo tão bons resultados, mas porque temem se aventurar por caminhos outros que não aqueles nos quais realizaram seus estudos e sua formação profissional. Cientes de nossas responsabilidades, ficamos temerosos em “arriscar”, sem nos sentirmos convenientemente preparados. (KNIJNIK, 2012)

No entanto, essa integração beneficia não apenas os estudantes indígenas, mas toda a comunidade escolar, mostrando aos alunos a diversidade de abordagens e aplicações dos conceitos matemáticos. Isso contribui para ampliar a visão dos estudantes sobre a matemática mostrando que ela vai além dos livros didáticos. 

A identificação dos saberes matemáticos presentes na diversificada cultura indígena é um passo fundamental e um dos primeiros para o reconhecimento e integração desses conhecimentos no ensino da matemática em escolas indígenas.

Figura 2 – Discentes e docente Jiripankó no momento da aula.

Fonte: As autoras (2024).

Na cultura indígena os conhecimentos matemáticos estão presentes de diversas formas, muitas vezes de maneira não formal, ou seja, são conhecimentos e práticas utilizadas pelas comunidades indígenas sem necessariamente seguir a estrutura formal da matemática tradicional. Esses conhecimentos matemáticos são transmitidos de geração em geração apenas através da oralidade, da observação e da prática cotidiana ao passo que estão ligados às necessidades e atividades da vida diária das comunidades indígenas e às vezes nem mesmo as próprias pessoas da comunidade indígena se dão conta de que podem estar utilizando a matemática para tais necessidades, mas que envolve e se assemelha à matemática tradicional como a geometria, medidas, cálculos numéricos, entre outros. São exemplos disso, as práticas de medições baseadas em observações da natureza.

Nesse sentido podemos citar a agricultura onde os indígenas utilizam conhecimentos matemáticos para calcular a melhor época de plantio. Estes povos se baseiam apenas na combinação de observações detalhadas da natureza e conhecimentos matemáticos tradicionais para calcular o tempo específico para começar as suas plantações. Observações essas a partir das fases da lua, também levam em consideração uma estação específica do ano que normalmente é mais propícia para o plantio segundo alguns povos indígenas, entre outros indicadores naturais. Através da observação atenta destes elementos e do conhecimento transmitido oralmente ao longo das gerações, certos povos conseguem calcular a melhor época para a agricultura, além de saber a quantidade de sementes necessárias para plantar.

Essa abordagem ressalta a importância de integrar e discutir essas práticas ancestrais ao ensino da matemática nas escolas. Desta forma, o ensino secular estará atrelado às práticas cotidianas dos povos tradicionais, tornando mais significativo e familiar para o aluno indígena os conhecimentos matemáticos propostos no currículo escolar.

Como exemplo, um dos conteúdos que podem ser explicitados são os sistemas de contagem que advêm das necessidades das comunidades. Algumas culturas indígenas desenvolveram sistemas de numeração e contagem que se baseiam em elementos presentes em seu ambiente natural que são adaptados às atividades diárias das suas comunidades, permitindo calcular quantidades e realizar outras tarefas essenciais para a vida cotidiana. 

Nos jogos indígenas, por exemplo, há modalidades que envolvem estratégias matemáticas, estimulam o raciocínio lógico e o trabalho com formas geométricas e o cálculo de áreas, além de outros conteúdos matemáticos. Para Campos, Silva Neto e Pereira Neto (2016):

Do ponto de vista matemático, por meio de atitudes lúdicas é possível desenvolvermos o raciocínio, estimulando nosso pensamento, nossa criatividade e nossa capacidade de resolver problemas. Percebemos que ao jogar ou brincar a criança utiliza e desperta o conhecimento matemático, o que torna esse recurso, uma ferramenta pedagógica potencial na construção do conhecimento. (CAMPOS, SILVA NETO, PEREIRA NETO, 2016)

Outrossim, a identificação desses saberes matemáticos na cultura indígena requer um diálogo colaborativo com os membros da comunidade indígena. Ouvi-los atentamente conforme as suas concepções e representações matemáticas é apenas o primeiro passo para integrar esses conhecimentos de forma significativa e respeitosa para o discente indígena.

5 – Matemática do povo Jiripankó 

Ao adentrarmos na cultura do povo Jiripankó, não apenas iremos conhecer os saberes matemáticos, mas também destacar a importância e a beleza dos conhecimentos matemáticos presentes nessa cultura, ou seja, explorar os ricos saberes atrelados à esta área do conhecimento praticados na comunidade indígena Jiripankó e descobrir a incrível diversidade de práticas, símbolos e conceitos que compõem a sua tradição por meio da matemática. 

Figura 3 – Imagem de alunos Jiripankó em aula de campo.

Fonte: As autoras (2024).

Vale ressaltar também a importância de não só reconhecer esses conhecimentos matemáticos, mas também valorizar e preservar tais práticas que possuem características únicas e específicas e refletem as histórias, os valores e as necessidades deste povo e que devem ter sua continuidade ao longo do tempo.

Os saberes matemáticos do povo Jiripankó são diversos e refletem a sua relação única com o mundo ao seu redor, alguns dos saberes matemáticos incluem: a geometria, o uso de padrões, medições e tempo, jogos e atividades matemáticas.

Nas pinturas corporais dos Jiripankós a presença da geometria é viva e é uma manifestação concreta do diálogo entre os saberes matemáticos e as formas geométricas. Por isso, é importante considerar a observação e análise desse diálogo, pois a partir desse ponto é que se pode explorar os padrões geométricos presentes nas composições, identificar linhas, círculos, triângulos e outras formas geométricas. 

É essencial também compreender os significados culturais atribuídos a esses padrões geométricos nas pinturas corporais dos Jiripankós, além de entender as técnicas de composição, proporção e simetria. Outro elemento cultural no qual a geometria pode ser identificada é o grafismo indígena no qual a geometria desempenha um papel fundamental refletindo a profunda conexão entre a arte, a cultura e a matemática. Podem ser destacados aspectos da geometria como linhas, círculos, triângulos, quadrados e padrões repetitivos para criar composições visualmente impressionantes e cheias de significados simbólicos para o povo Jiripankó, que por sua vez podem ser aproveitados nas aulas de matemática.

Figura 4 – Alunos Jiripankó dos anos finais do ensino fundamental em sala de aula.

Fonte: As autoras (2024).

A presença da matemática na agricultura do povo Jiripankó é evidente em suas práticas e conhecimentos tradicionais que envolvem medições, cálculos e planejamento cuidadoso para garantir o sucesso das colheitas, conhecimentos esses baseados apenas em observações naturais a fim de determinar a melhor a específica época para o plantio, colheita, a quantidade exata das sementes que deve ser plantada, entre outras atividades relacionadas à agricultura. Tudo isso envolve um conhecimento matemático que é próprio do povo indígena Jiripankó e é isso que garante uma ótima colheita. Os povos da aldeia também utilizam como forma de medição, o selamim4 que é uma unidade de medida muito utilizada pelas pessoas da comunidade para medir farinha feijão entre outros alimentos.

Reconhece-se também a matemática nos jogos e brincadeiras indígenas, pois muitas dessas práticas envolvem conceitos matemáticos de forma contextualizada. Nesse caso, os jogos indígenas são praticados pelo povo Jiripankó e outros povos indígenas e envolvem estratégias complexas que exigem raciocínio lógico, cálculos numéricos entre outros conceitos, até mesmo habilidades matemáticas que podem ser desenvolvidas e integradas. A integração entre jogos tradicionais e conceitos matemáticos não só enriquece a experiência de quem participa dessas práticas culturais, mas também evidencia a relevância da matemática como uma ciência universal presente em diversas culturas.

Dessa forma pode-se observar que a matemática está entrelaçada naturalmente com a tradição e costumes da comunidade indígena Jiripankó, e que de certa forma podem ser explorados em sala de aula, ao incorporar a matemática como parte integrante das práticas cotidianas e da tradição da comunidade na escola indígena, os estudantes têm a oportunidade de se conectar de forma mais profunda com o conhecimento matemático, reconhecendo a sua aplicabilidade em diferentes contextos  além de despertar o interesse dos estudantes.

5 – Considerações Finais

É fundamental que o ensino da matemática promova a interculturalidade, incentivando a troca de experiências e saberes entre diferentes culturas, e contribuindo para a formação de cidadãos críticos, conscientes e respeitosos das diferenças e semelhanças existentes entre os povos.

Vale ressaltar também a grande relevância que essa abordagem pode promover , como a  valorização da diversidade cultural, a promoção da inclusão e igualdade no ensino e aprendizagem da matemática, e a busca por estratégias que integrem práticas matemáticas de acordo com a cultura local. Este é  o primeiro passo, contribuindo assim para a construção de uma educação mais justa e igualitária, que respeite e valorize  a pluralidade de saberes presentes na sociedade em que estão inseridos. 

Além  disso, o ensino da matemática de forma intercultural amplia a visão dos estudantes sobre a disciplina, mostrando que existem diversas maneiras de abordar e compreender os conceitos matemáticos, enriquecendo sua aprendizagem e desenvolvendo habilidades cognitivas, como o raciocínio lógico , resolução de problemas e a facilidade no diálogo entre professor e aluno, ou seja, facilitar o entendimento dos alunos sobre conteúdos matemáticos, quando os mesmos são relacionados com a realidade em que os estudantes possuem conhecimentos.

Ao integrar saberes matemáticos na escola indígena, os educadores podem contribuir para a preservação e o fortalecimento da identidade cultural dos alunos, promovendo um ambiente de aprendizado mais inclusivo e respeitoso. Dessa forma a educação matemática se torna uma ferramenta poderosa para empoderar os estudantes indígenas capacitando-os a enfrentar desafios acadêmicos e sociais com base em uma formação sólida e contextualizada. 

Portanto, ao aprender sobre práticas matemáticas dentro da própria cultura, os estudantes têm a oportunidade de valorizar a diversidade e a riqueza cultural de todo o contexto no qual estão inseridos. Eles podem perceber que não existe apenas uma maneira “correta” de resolver um problema matemático, mas sim várias abordagens válidas que refletem a diversidade de experiências e conhecimentos existentes, impulsionando a redução de estereótipos e preconceitos em relação à matemática e a implementação de conhecimentos de diferentes origens culturais, propiciando a construção de um diálogo contemporâneo intercultural.


3Disciplina obrigatória do curso em Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Alagoas.
4O celamim ou selamim é uma antiga unidade de medida de capacidade para secos, usada em Portugal e no Brasil, correspondendo à décima sexta parte de um alqueire.
Hoje em dia, o celamim é usado no Brasil para medidas agrárias.
Designação
Braças
Metros
Hectares
Estados
Celamim
12,5 x 6,25
27,5 x 13,75
0,04
MT
Celamim
12,5 x 25
27,5 x 55
0,15125
SPPRSCRSMG

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SELAMIM. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em:<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Selamim&oldid=59039497>. Acesso em: 27 jul. 2024.


1Graduanda em Licenciatura em Matemática – CLIND/UNEAL.
2Doutoranda em Ciências da Educação – UTIC. Mestra em Ensino de Ciências e Matemática – UFS. Professora Auxiliar CLIND/UNEAL.