ESTRATÉGIAS DE COMBATE E PREVENÇÃO AO BULLYING SOB A ÓPTICA DA PSICOLOGIA

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th10247311502


Mateus Alves Ferreira


Resumo: O presente trabalho se constitui uma revisão bibliográfica e documental acerca do bullying. Como forma de atender aos objetivos dessa pesquisa, esse trabalho dedicou-se a investigar a questão do bullying enquanto um fenômeno social e as contribuições que a Psicologia apresenta para o seu combate e enfrentamento. Inicialmente, esse trabalho abordou os aspectos teóricos e conceituais do bullying, bem como suas características e especificidade de cada personagem envolvidos em uma situação de violência. Em seguida, discorreu sobre os aspectos psicológicos que permeiam a problemática em questão, apontando as consequências do bullying na subjetividade dos atores de uma cena de violência (agressor, vítima e testemunha). E por último, discutiram as estratégias de enfrentamento e combate ao bullying, sob a óptica da Psicologia, como forma de intervir em um cenário de violências entre pares, com vistas à redução desse fenômeno social e a promoção de ações afirmativas que promovam a manutenção de relações saudáveis nos diversos contextos de inserção do indivíduo. O tema em questão é relevante, pois viabiliza o estudo e análise do bullying recorrente nas redes de ensino, favorecendo o entendimento de como a Psicologia lida com esse fenômeno social e ampliando as possibilidades de discussão acerca do tema, a fim de se propor novas formas de pensar e intervir em situações de violência escolar. Com base nessa pesquisa, foi possível concluir que a Psicologia apresenta um olhar diferenciado para a questão do bullying escolar, atuando no acolhimento de todos os envolvidos em uma situação de violência e oferecendo suporte emocional para que tanto as vítimas quanto os autores desse tipo de agressão possam lidar de maneira saudável com suas vivências intrapessoais e interpessoais, favorecendo desta forma, um ambiente saudável para o desenvolvimento da criança/adolescente. 

1  INTRODUÇÃO

 A violência entre os seres humanos ocorre desde os tempos mais primitivos e permanece nos tempos atuais. A intolerância ao diferente, a não aceitação das próprias limitações, a busca do poder e da dominação levam os indivíduos a utilizarem de recursos violentos de ordem física ou psicológica, buscando a submissão e afirmação por meio do ataque a outras pessoas. 

As práticas de violência presente nas relações interpessoais eram pouco estudadas, por isso o conhecimento sobre os impactos que tais comportamentos violentos geravam nos envolvidos eram escassos. Partindo dessas considerações, compreende-se que as práticas de violência ocorrem nas diversas interações humanas. 

 O presente trabalho foi fruto de uma pesquisa dedicada ao estudo do bullying no contexto escolar, tendo como objetivo estudar esse fenômeno social sob a ótica da Psicologia, com o intuito de averiguar os métodos de intervenção e prevenção e as especificidades apresentadas por essa perspectiva em relação ao bullying.

 Para a realização do presente trabalho, foram realizadas uma revisão bibliográfica e uma pesquisa documental acerca da temática do bullying, pesquisando-se em artigos, livros e documentos emanados de órgãos públicos (Ministério Público), com o objetivo de verificar como a problemática em questão é tratada. De acordo com Gil (2017), a pesquisa bibliográfica se define por ser um estudo desenvolvido a partir de material científico já elaborado por outros autores, que inclui a pesquisa a livros, artigos científicos, teses, etc. 

 A pesquisa documental apresenta pontos em comum com a pesquisa bibliográfica. Porém, um ponto que difere uma pesquisa de outra é que na pesquisa documental o material elaborado não recebeu ainda um tratamento analítico e pode ser adequado de acordo com o objeto de estudo da pesquisa. (GIL, 2017). 

 O tema em questão é de grande relevância social, pois visa contribuir para o estudo e análise do bullying recorrente nas redes de ensino, favorecendo o entendimento de como a Psicologia lida com esse fenômeno social e ampliando as possibilidades de discussão acerca do tema a fim de se propor novas formas de pensar e intervir em situações de violência escolar.   Nas Considerações Finais, destacou-se que pela lógica da Psicologia, o bullying é encarado como um sintoma de uma relação inadequada do agressor, o qual reproduz os comportamentos agressivos como forma de lidar com seus conflitos interpessoais. Nessa perspectiva, os autores de bullying não são vistos como os vilões da história, mas sim como pessoas que carecem de cuidado. 

REFERENCIAL TEÓRICO 

Definição e tipos de bullying

O bullying é compreendido como um fenômeno social, que ocorre com mais frequência no contexto escolar, envolvendo crianças e adolescentes com episódios de agressões físicas, verbais, psicológicas e morais contra alguém ou a um grupo específico. (STEPHAN et al., 2013).

Embora Stephan e colaboradores (2013) considerem que o bullying ocorre com maior frequência no contexto escolar, Albino e Terêncio (2009), afirmam que o conceito de bullying não é algo unívoco e que pode ocorrer em outros contextos relacionais. Apesar de esse fenômeno social ocorrer com mais frequência no ambiente escolar, pode estar presente em outros contextos sociais, os quais envolvem uma relação de poder que uma pessoa exerce sobre a outra, configurando uma situação de humilhação, intimidação e ataques.

Stefano (2014) afirma que o bullying é um tipo de comportamento consciente através da agressão física ou psicológica que visa “humilhar, agredir, intimidar, dominar, difamar, furtar, excluir a vida social da vítima, apelidar de forma pejorativa, abusar sexualmente etc.” (STEFANO, 2014, p. 183). Considerando a proposição de Stefano em relação às formas de manifestação do bullying, Stephan e colaboradores (2013) observam que esse tipo de violência ocorre com o intuito de causar danos morais, psicológicos ou até mesmo físicos às vítimas, os quais podem comprometer a integridade física, moral e psíquica de quem sofre tal tipo de violência.

Dessa forma, Formosinho e Simões citados por Lopes e colaboradores (2011), consideram que o bullying caracteriza-se por ser um tipo de comportamento intencional, no qual o agressor assume um lugar de poder em relação à vítima, que por sua vez, têm pouca ou nenhuma capacidade para se defender contra os ataques praticados pelo agressor. 

Leão (2010) concorda com a ideia apresentada no parágrafo anterior, ao afirmar que os casos de bullying, na sua maioria, ocorrem de forma latente, constante e consciente, sendo que o agressor ataca a vítima sem motivos aparentemente definidos, adotando comportamentos cruéis e hostis, os quais podem gerar consequências desastrosas para a subjetividade da vítima.

As manifestações do bullying podem ocorrer de várias formas, podendo ser classificadas, segundo Stefano (2014), como: bullying direto, bullying indireto e ainda o cyberbullying

Em relação ao bullying direto, Leão (2010) afirma que essa modalidade de bullying é mais observada entre meninos em uma proporção maior em relação às meninas. É um tipo de comportamento expressado pelos bullies (termo usado para caracterizar os autores de bullying) para atacar as vítimas com “insultos, xingamentos, apelidos ofensivos por um período prolongado, comentários racistas, agressões físicas – empurrões, tapas, chutes – roubos, extorsão de dinheiro, estragar objetos de colegas e obrigar a realização de atividades servis.” (LEÃO, 2010, p. 124). 

Já a forma indireta de manifestação do bullying é mais comum de ser observada entre as meninas. (LEÃO, 2010). Stefano (2014) salienta que este tipo de agressão ocorre de forma sutil e pode levar a vítima a um estado de isolamento social, praticado através de “fofocas, difamação, atos que acarretam sentimentos de medo no outro através de intimidação, acusações injustas e etc […].” (STEFANO, 2014, p. 184).  

No que se refere ao cyberbulying, esse tipo de violência é caracterizado pela utilização dos meios de comunicação, sites de relacionamento e aparelhos ligados à internet, como forma de atacar alguém ou a um grupo com insultos, humilhações e exposição das vítimas a situações de constrangimento. (ALBINO; TERÊNCIO, 2009). Ainda em relação ao cyberbullying, Stefano (2014) ressalta que o mesmo pode dificultar a identificação do agressor, pelo fato do autor do bullying se valer do anonimato, ou seja, se esconder ou até mesmo não revelar sua verdadeira identidade pessoal nos meios de comunicação. 

Os personagens de bullying e suas características 

 Em uma situação de bullying observam-se três categorias de pessoas envolvidas: os agressores ou bullies, as vítimas e os espectadores, conhecidos também como as testemunhas. (LEÃO, 2010). 

 Com base nessa categorização, os autores Albino e Terêncio (2009) traçaram o perfil e comportamentos das vítimas e autores de bullying, enfatizando que: 

Os agressores, por exemplo, são comumente caracterizados como “fisicamente mais fortes que seus pares, dominantes, impulsivos, não seguem regras, baixa tolerância à frustração, desafiantes à autoridade, boa autoestima”, etc. As vítimas, por seu turno, seriam “inseguras, sensíveis, pouco assertivas, fisicamente mais débeis, com poucas habilidades sociais e com poucos amigos. Em geral, bons alunos”. Finalmente, haveriam (sic) as testemunhas, aquelas que assistem ao drama silenciosamente, com medo de serem as próximas vítimas. (ALBINO; TERÊNCIO, 2009, p. 07).

 Leão (2010), ao discorrer sobre as características apresentadas por Albino e Terêncio em relação aos agressores, considera que os bullies são aquelas pessoas que praticam o bullying. Geralmente os autores de bullying apresentam comportamentos hostis e cruéis em relação à vítima como forma de se impor e serem considerados entre as pessoas ao seu redor, como sendo valentão. (LEÃO, 2010).

A cartilha intitulada “Diga não ao bullying” publicada pelo Estado de Minas Gerais (s/d), declara que uma das características principais de quem pratica o bullying é a covardia. O agressor adota tal conduta tendo como objetivo se auto afirmar diante de uma situação de vulnerabilidade emocional ou psicológica da vítima. Para esse órgão público, grande parte das pessoas que praticam o bullying advém de uma família desestruturada, que não recebeu o apoio familiar e que em algum momento da vida presenciou cenas de violência praticadas entre os integrantes da família. 

  Já na cartilha “Bullying não é legal” publicada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (2011), os bullies são caracterizados como pessoas que gostam de intimidar, colocar apelidos maldosos e insultar. Geralmente, assumem postura de líderes de grupos e são temidos por colegas que apresentam personalidade frágil e sensível. Os bullies se sentem superiores em relação aos demais colegas, quando humilham e insultam alguém ou a um grupo específico. (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011).

  Em uma situação de bullying as vítimas são aquelas pessoas que são alvo dos ataques praticados pelo agressor.A cartilha intitulada “Diga Não ao Bullying” publicada pelo Ministério Público de Minas Gerais (s/d), define as vítimas como apresentando falta de habilidade para reagirem diante de uma situação de conflito e comportamento temeroso. Geralmente são passíveis e quietas e apresentam dificuldades de pedir ajuda a alguém. 

 Já a cartilha “Bullying não é legal” publicada pelo Ministério Público de São Paulo (2011), concebe as vítimas como sendo pessoas muito tímidas que apresentam dificuldade de se relacionar e interagir com grupos e pessoas diferentes. Esse mesmo órgão público também define as vítimas do bullying como pessoas com pouca capacidade de reagir e de se posicionar frente a uma situação de conflito. Ainda na referida cartilha são descritos os possíveis comportamentos e sinais que as vítimas das práticas de bullying podem apresentar:

Apresenta baixo rendimento escolar; finge estar doente para faltar às aulas; sentir-se mau perto da hora de sair de casa; volta da escola com roupas e livros rasgados; tem alteração extremas de humor; aparece om hematomas e ferimentos após aulas; tenta se proteger colocando faca, abridores de lata ou garrafa na bolsa. (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011, p. 04).  

Outra categoria de pessoas envolvidas em uma situação de bullying são os espectadores, conhecidos também como as testemunhas. Esses espectadores são assim identificados pelo fato de somente assistirem a uma prática de bullying e não se manifestarem, seja para ajudar a vítima ou até mesmo denunciar a agressão. Esse tipo de conduta (omissão) é adotado pelas testemunhas devido ao fato de elas temerem ser as próximas vítimas. (LEÃO, 2010).

Aspectos psicológicos e consequências do bullying 

 O bullying se apresenta como uma relação de conflito que envolve crianças e adolescentes no contexto escolar, cujas origens se encontram na busca do adolescente pela aceitação no grupo, apropriação da identidade, necessidade de autoafirmação, imposição de domínio e poder, já que a adolescência é a fase de introspecção ou manifestação de emoções exacerbadas. (ALKIMIN, 2011). 

Partindo da ideia de Alkimin em relação aos motivos que levam uma pessoa a praticar bullying, considera-se que esse tipo de agressão ocorre em um estado de vulnerabilidade emocional e psicológica do agressor em relação à vítima, tendo em vista que os autores desse tipo de violência atacam por que também se sentem atacados, fragilizados emocionalmente e psicologicamente. (ALBINO; TERÊNCIO, 2009).

 A cartilha intitulada “Diga não ao bullying” publicada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, também defende a ideia de que o autor de bullying adota comportamentos agressivos em relação à vítima como forma de se autoafirmar diante de uma situação de vulnerabilidade emocional e psicológica. (MINAS GERAIS, s/d). Para esse órgão público (Ministério Público do Estado de Minas Gerais), os autores de bullying, na sua maioria, advêm de uma família desestruturada e que em algum momento de suas vidas já presenciou cenas de violência praticadas entre os integrantes do grupo familiar. Vila e Diogo (2009) também defendem a ideia de que os motivos que levam uma pessoa a praticar bullying estão intimamente relacionados com as dificuldades emocionais e afetivas que o agressor apresenta para lidar com situações adversas do seu cotidiano.  

Tognetta (2005) afirma que quando meninos e meninas convivem com adultos violentos e autoritários, eles tendem a interiorizar a noção de que a violência é um valor, e assim essas crianças começam a aprender e admirar a força física e, consequentemente, a reproduzir esses comportamentos agressivos como forma de solucionarem algum problema ou até mesmo nas suas relações interpessoais. 

Uma criança e/ou adolescente que pratica o bullying, são, na maioria das vezes, pessoas que não veem possibilidades para resolver seus conflitos pessoais a não ser exteriorizá-los no outro. Por sua vez, as vítimas também não veem alternativas para lidar com os conflitos a não ser ficar quieta e introverter-se na sua própria condição de vítima. (TOGNETTA, 2005).  

Considerando que o bullying gera consequências desastrosas para a vida dos envolvidos (vítima, agressores e testemunhas), Tognetta (2005) afirma que tanto as vítimas quanto os agressores necessitam de ajuda, tendo em vista que a vítima sofre uma deterioração da estima que ela tem de si própria e o agressor também sofre, à medida que seu desenvolvimento moral e afetivo também é afetado. Steve e Arruda (2014) concordam com a ideia de Tognetta em relação ao agressor, ao afirmarem que aos olhos da sociedade, o autor de bullying sempre é visto como o vilão da história, mas é preciso considerar que por trás daqueles comportamentos agressivos, se encontra uma pessoa que precisa de ajuda, necessita do cuidado do outro. Em muitos casos, os autores de bullying agem agressivamente contra seus colegas como forma de descontar o que eles mesmos sofrem de outras pessoas. Na escola o autor de bullying se sente o mais forte e como forma de se autoafirmar ele pratica violência contra seus colegas.

Vila e Diogo (2009) discorrem sobre as consequências psicológicas do bullying para a vítima e o agressor, afirmando que normalmente as vítimas podem apresentar um pensamento distorcido da realidade, chegando a perder sua confiança e autoestima, podem apresentar dificuldades para estabelecer relacionamentos interpessoais no futuro e em casos extremos, algumas vítimas recorrem ao suicídio como forma de lidar com os traumas ocasionados pelo bullying. Ao contrário do que se imagina, os agressores que praticam o bullying também sofrem consequências psicológicas, pois podem apresentar uma distorção da realidade criando a crença de que a força é o único meio para se resolver seus problemas, podem apresentar dificuldades para respeitar autoridades, dificuldades para se inserir no convívio social, problemas de ordem afetiva e social e também podem apresentar incapacidade de autocontrole de seus comportamentos antissociais.  

Discorrendo sobre as consequências psicológicas do bullying, Moura (2013) afirma que esse fenômeno social gera impactos em todos os envolvidos, tendo em vista que as crianças alvo do bullying podem apresentar déficit de aprendizagem, saúde comprometida e até mesmo desenvolverem sintomas psicossomáticos, tais como “[…] estresse, insônia, pesadelos, […], doenças como bulimia, anorexia, desejo de vingança, até pensamentos suicidas, entre outros.” (MOURA, 2013, p. 212). Em consonância com a ideia de Moura, Steve e Arruda (2014) afirmam que as vítimas de bullying podem apresentar problemas de socialização, chegando até mesmo à pensamentos suicidas ou situações extremas.  

 De acordo com Souza e Almeida (2011), o bullying não traz consequências somente para as vítimas, mas também para os agressores e as testemunhas. Nos agressores observa-se certo distanciamento e falta de adaptação aos interesses escolares e a supervalorização da violência como forma de imposição. Outra consequência que o autor de bullying pode sofrer é a perda de contatos interpessoais, gerando graves dificuldades no convívio pessoal, profissional e social. Em consonância com a ideia de Souza e Almeida em relação às consequências do bullying para o agressor, Moura (2013) afirma que os bullies apresentam como consequência déficit na aprendizagem, podendo na vida adulta, serem desprezados e desrespeitados pelas pessoas a sua volta.  

 Em relação às testemunhas, pode-se considerar que pelo fato de presenciarem cenas de violência, os espectadores ficam impedidos no seu direito de terem um ambiente escolar saudável e seguro que favoreça o seu desenvolvimento emocional, cognitivo e também social.(SOUZA; ALMEIDA, 2011). 

O papel da psicologia no combate e prevenção ao bullying 

 Por se tratar de um fenômeno social, Freire e Aires (2012) ressaltam que para enfrentar e combater o bullying é necessário que o psicólogo procure conhecer o modo como as relações interpessoais se estabelecem no contexto escolar, fazendo um trabalho de investigação e mapeamento da instituição como um todo, sem deixar de considerar os aspectos sociais, psicológicos e também institucionais que permeiam as relações humanas. Além de promover atividades voltadas para conscientização e discussão de questões relativas à violência escolar, o psicólogo deve atuar como mediador da relação pais-alunos-equipes pedagógicas, no sentido de estimular a inteiração e o diálogo entre a comunidade escolar. Monteiro (2011) também traz contribuições em relação à atuação do psicólogo no contexto escolar, destacando que esse profissional pode atuar de forma a remediar/prevenir os problemas de violência no âmbito escolar, como facilitador da resolução de problemas inter-relacionais e também em parceria com os professores, desenvolvendo trabalhos de orientação, informação e discussão de temas referentes à violência escolar.

Freire e Aires (2012) chamam a atenção para o fato de que antes mesmo do levantamento de alguma hipótese que busca culpabilizar o autor da prática de bullying, mostrase indispensável considerar e compreender os múltiplos contextos nos quais o agressor esteja inserido. Pois o fenômeno bullying não pode ser compreendido como um ato isolado dos contextos de inserção da criança/adolescente, mas como sintoma de uma relação que é disfuncional para o desenvolvimento emocional, afetivo e cognitivo do indivíduo.

 Monteiro (2011) ressalta a necessidade de se criar uma política antibullying nas escolas, tendo como objetivo promover o engajamento de toda comunidade educativa. O comprometimento de todos possibilitará a elaboração e execução de ações pedagógicas capazes de trabalhar os casos de violência escolar, incluindo no currículo pedagógico abordagens que tratem a problemática do bullying de forma educativa. Fante e Pedra (2008) enfatizam a importância das instituições de ensino se implicarem ativamente com a questão do bullying. Os referidos autores afirmam ainda que a escola, por meio de programas preventivos deve constituir uma equipe para que juntos possam articular políticas pedagógicas e preventivas capazes de eliminar ou reduzir os casos de violência escolar.

 Além da criação de propostas pedagógicas como forma de trabalhar a questão da violência no âmbito escolar, Monteiro (2011) afirma que é de suma importância que o psicólogo desenvolva trabalhos de informação sobre a definição de bullying com toda comunidade escolar, pois o termo bullying ainda é banalizado nas escolas, sendo confundido com atitudes indisciplinadas e incoerentes. Partindo dessa proposição, considera-se a necessidade de desenvolver trabalhos de orientação para que a equipe pedagógica saiba identificar casos de bullying e intervir de maneira adequada. 

 Trautman citado por Albino e Terêncio (2009), afirma que existem três modalidades de programas de prevenção ao bullying, sendo elas: as intervenções individuais, as curriculares e as intervenções multidisciplinares. 

Em relação aos programas de intervenção individual, Albino e Terêncio (2009) ressaltam que nesta estratégia busca-se desenvolver habilidades sociais em crianças e adolescentes, para o enfrentamento de situações de conflito. 

Já as intervenções curriculares são definidas como estratégias de combate e prevenção ao bullying que visam promover atitudes e comportamento antibullying no contexto escolar. Essas estratégias são desenvolvidas por meio da utilização de vídeos que abordem a questão da violência escolar de forma educativa, criação de grupos de reflexão que promovam a conscientização e o resgate de valores morais e sociais que regem as relações humanas. Por sua vez, Pereira (2009) destaca a questão do treino da assertividade como forma de desenvolver competências em crianças e adolescentes que são vítimas de bullying, para elas se posicionarem frente a uma situação de violência. Mediante esse treino individual, a criança é estimulada a responder com firmeza às ameaças do colega sem partir para a agressão (física, verbal, moral, psicológica, etc.), o que contribui para o aumento do sentimento de confiança e da autoestima. 

No que se refere às propostas de intervenção multidisciplinar, Albino e Terêncio (2009) afirmam que ela busca envolver toda comunidade escolar (pais, alunos e equipe pedagógica) incluindo os funcionários que fazem parte da escola. Essas intervenções obtêm sucesso, pois reafirmam a ideia de que as raízes dos conflitos interpessoais se originam de processos amplos de interação social, e não somente da relação entre alunos. 

 De acordo com Pereira (2009), o envolvimento de crianças e adolescentes pelos círculos de qualidade é outra estratégia de intervenção no combate e prevenção ao bullying, na qual os próprios alunos assumem o papel de detectar os problemas relacionados à violência na escola e a partir desta detecção, proporem formas de solução do problema. Envolver os alunos na questão do bullying implica em estabelecer uma responsabilidade coletiva no combate e enfrentamento desse fenômeno social. Indo ao encontro à ideia de Pereira em relação ao envolvimento dos alunos no processo de combate e prevenção ao bullying, Ortoga e Del Rey citados porFreire e Aires (2012) salientam que quando os alunos desempenham um papel ativo no processo de enfrentamento do bullying, a tendência é que esses estudantes acabem interiorizando a questão da regra como sendo suas e consequentemente esforçando-se para cumpri-las. 

 Em relação ao método de preocupação partilhada (Método Pikas), Pereira (2009) afirma que essa intervenção é desenvolvida individualmente com os autores de bullying. Esse método consiste em pedir a criança ou o adolescente que apresente sugestões sobre o que pode ser feito para evitar que outras crianças continuem sendo vítimas de violência. É um método no qual o autor de bullying é convidado a refletir sobre a questão da violência e acompanhado de um profissional (professor, psicólogo, etc.) elabore alternativas para combater e prevenir o bullying.  Constatado algum caso de bullying no contexto escolar, Fante e Pedra (2008) ressaltam que a escola não deve adotar de imediato medidas punitivas contra os agressores, mas deve procurar acolher esses indivíduos no sentido de ouvir o que eles têm a dizer sobre suas experiências com o bullying e os sentimentos que eles apresentam por praticarem esse tipo de violência. Para os referidos autores, mostra-se necessário fazer um trabalho de escuta não somente com os autores de bullying, mas também com as vítimas. É de suma importância que o profissional que fizer o acompanhamento dessas pessoas demonstre compreensão e disponibilidade para ajudá-las, proporcionando às vítimas segurança para falarem de seus sentimentos e limitações diante de uma situação de conflito, evitando críticas e superproteções.  

 Dessa forma, quando se abre um espaço para que o diálogo aconteça, dá-se a possibilidade para que os envolvidos em casos de bullying expressem suas emoções e sentimentos e, consequentemente, possibilita-se que essas pessoas desenvolvam seu autoconhecimento e mudem suas formas de penar e agir nas suas relações interpessoais. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

  Diante do presente estudo, verificou-se que a Psicologia apresenta um olhar mais voltado para o indivíduo em si e as influências que perpassam as relações humanas. A perspectiva da Psicologia não tem como foco a punição aos autores de bullying, mas procura compreender esse indivíduo nas suas relações interpessoais, possibilitando e ele ser acolhido. 

Por meio da revisão bibliográfica ficou evidente o quanto ainda a Psicologia tem que percorrer para trabalhar de maneira mais efetiva a questão do bullying. Na maioria das obras consultadas não fica explícita a maneira de intervir pela perspectiva da Psicologia frente à ocorrência de violência no contexto escolar. Os autores diziam da importância de envolver os pais, os funcionários da escola e os alunos, porém não descreviam de que maneira se daria o envolvimento dessas pessoas, qual a contribuição que cada indivíduo teria nesse contexto. Nesse sentido, percebe-se que combater talvez não fosse o termo mais adequado, e sim conscientizar. 

Dessa forma, acredita-se que os profissionais que desejam atuar no contexto escolar devem ter consciência do seu real desejo de estarem como psicólogo educacional/escolar, profissionalizando-se cada vez mais. Cabe ao psicólogo propor a criação de programas voltados para a formação de professores, de pais e de alunos, os quais irão criar campanhas de prevenção/combate mediante as práticas de bullying. Para isso, o psicólogo deve estreitar suas relações com a comunidade escolar, buscando conhecer os profissionais que ali trabalham, os pais dos alunos, os próprios alunos e procurar conhecer a comunidade externa à escola e o quanto essa comunidade interfere no interior da instituição de ensino. 

Verifica-se a importância da criação de campanhas nas classes primárias até o ensino médio, pois tais eventos podem proporcionar aos alunos o conhecimento das diferenças entre as pessoas e que, para viver em sociedade, é preciso respeitar essas diferenças, uma vez que existem diversas maneiras de expressar a não aceitação do que é diferente. Nesse sentido, praticar bullying é uma maneira doentia de manifestar as emoções e sentimentos.  

No campo da Psicologia, ainda é necessário o desenvolvimento de pesquisas direcionadas a todos os envolvidos em casos de bullying, com o objetivo de compreender a percepção de cada envolvido (vítima, agressor, testemunha) e a partir dessas percepções, elaborar estratégias para lidar com os conflitos interpessoais existentes no contexto escolar. Compreender a maneira como os envolvidos percebem as situações de violência não é o suficiente, mostra-se relevante desenvolver pesquisa com pais e comunidade escolar a fim de entender como esses contextos se posicionam frente à questão do bullying e quais alternativas os mesmos sugerem para tornar a instituição escolar um ambiente harmonioso e favorável ao desenvolvimento biopsicossocial da criança/adolescente. 

REFERÊNCIAS

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