MELANOSE DE BECKER EM PACIENTE PEDIÁTRICO DO SEXO FEMININO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12820437


Lucia Marcela Da Silva Magalhães1
Orientador (a): Ylka Virginia Ribeiro Gomes2


RESUMO

As lesões típicas da melanose de Becker geralmente aparecem durante a infância ou adolescência, começando como uma mancha hiperpigmentada irregular, que pode aumentar em tamanho ao longo do tempo. Essas lesões são mais comumente localizadas no tronco, ombros ou braços. A associação com hipertricose pode se desenvolver gradualmente, levando a uma aparência distintiva que pode causar preocupações estéticas e psicológicas, especialmente em pacientes do sexo feminino. Mediante o exposto, esse artigo tem por finalidade relatar o caso de uma paciente de 9 anos com achado acidental no exame físico de lesão marrom claro, de bordas irregulares em ombro e tórax direito sem outras acometimentos associados e sem prejuízo estético relatado. No caso relatado, observou-se um quadro típico de Melanose de Becker, evidente no exame físico, sem relação com o sexo acometido, mas consistente com a idade e o aspecto da lesão e caso seja necessário no futuro, o tratamento é reservado para quando existe queixa estética com aplicação de laser para reduzir a hiperpigmentação e hipertricose, contudo possui chances de recidiva.

Palavras-chave: Melanose de Becker. Dermatologia. Nevo pigmentado.

1 INTRODUÇÃO

O nevo de Becker, foi descrito por S. William Becker em 1949 por meio de dois casos de mácula hipercrômica unilateral e com hipertricose em paciente jovens do sexo masculino (Baeta et al., 2010). É caracterizado como hamartoma benigno que se apresenta como placa pigmentada de coloração marrom unilateral na maioria dos casos, evoluindo com o tempo em lesão pilosa podendo tornar-se ligeiramente elevada (Kane; Nambudiri; Stratigos, 2019). Pacientes do sexo masculino são mais acometidos com prevalência estimada de 0,5%, apresentando as lesões durante a puberdade (Kaliyadan; Ashique, 2022). Apesar desses dados, autores acreditam que a prevalência se iguala entre os sexos, sendo no sexo feminino muitas vezes subdiagnosticado devido a formas mais discretas (Baeta et al., 2010).

A etiologia da melanose de Becker (MB) não é clara, acredita-se que a causa seja um defeito genético com surgimento desencadeado pela circulação dos hormônios androgênicos na puberdade (Lima, 2023). O aumento do número de receptores de andrógenos na pele lesionada foi relatado contribuindo para entender e associar o aparecimento clínico de hipertricose, hipertrofia de glândulas sebáceas e lesões acneiformas no período da puberdade (Kaliyadan; Ashique, 2022).

O diagnóstico é feito pela história clínica e exame físico, raramente apresenta achados associados, quando isso ocorre o processo é conhecido com síndrome de Becker e as manifestações podem ser: hamartoma de músculo liso, hipoplasia (como exemplo de mamas) e hipertrofia de estruturas como glândulas, membros e escroto (Lima, 2023). No exame dermatológico o achado comum consiste em mácula ou placa isolada unilateral, frequentemente com crescimento piloso aumentado, de coloração bege a marrom, de tamanho variado, com formato grande e irregular (Kane; Nambudiri; Stratigos, 2019). Como diagnósticos diferenciais encontra-se: mácula café com leite, nevo melanocítico congênito, hamartomas de fibras musculares lisas e hiperpigmentação pós-inflamatória (Baeta et al., 2010).

A maioria dos nevos melanocíticos adquiridos não exige tratamento, exceto os com comprometimento estético, nevos submetidos à irritação traumática, localizados em áreas de difícil acompanhamento clínico e os que apresentam alterações sugestivas de malignidade (Machado, 2022). O nevo de Becker não possui tratamento bem estabelecido, muitas vezes a mácula permanece estável, com alguns relatos de desbotamento espontâneo em alguns casos. Quando gera repercussão estética, a hiperpigmentação e hipertricose respondem a laser, porém com índices de regressão (Kaliyadan, Ashique, 2022). Vale pontuar a orientação de evitar expor a região ao sol a fim de evitar estímulo à pigmentação (Lima, 2023).

2 RELATO DE CASO

Paciente gênero feminino, nove anos de idade, sem comorbidades procura o serviço de dermatologia pediátrico acompanhada da genitora com queixa de xerodermia e alergia à picada de inseto, nega outras queixas. Durante o exame dermatológico foi observado lesão acastanhada (marrom claro), de bordas irregulares, localizada em terço superior do tórax à direita, ombro direito e região proximal de membro superior direito, sem pêlos na superfície (Figura1), sem demais achados ao exame físico. Ao questionada, a genitora nega sintomas relacionados a lesão, refere ter surgido aos sete anos e que vem aumentando progressivamente em extensão ao aumento da idade. A paciente teve desenvolvimento neuropsicomotor normal, com calendário vacinal atualizado.

Por não ser considerado motivo de desconforto estético pela paciente e pela genitora, foi sugerido acompanhamento dermatológico e dermatoscopia periódicos, o que tem sido realizado até o momento.

Figura 1 — Lesões acastanhada unilateral à direita sem pilificação.

3 DISCUSSÃO

A MB, uma hiperpigmentação adquirida, apresenta-se geralmente como mácula hipercrômica acastanhada, unilateral, em ombros de indivíduos do sexo masculino, apresentação de hipertricose sob a lesão, comumente com apresentação na adolescência (idade média de 12 anos) podendo apresentar crescimento por meses ou anos (Machado, 2022).

A idade de acometimento ocorre com uma frequência de 50% antes dos 10 anos, acometendo mais o gênero masculino em uma relação 6:1 (Kane; Nambudiri; Stratigos, 2019). As lesões surgem por volta dos 8 anos e ficam mais evidentes na puberdade (Baeta et al., 2010). A paciente do caso, apesar da diferença epidemiológica do gênero, apresentou evidência da lesão antes dos 10 anos de idade, especificamente aos sete anos e crescimento diretamente proporcional ao aumento da idade.

Na avaliação clínica o nevo de Becker é evidenciado como mancha marrom, bem definida, unilateral, aumentando gradualmente para padrão geográfico. Estudos relatam um maior acometimento do lado direito do corpo e como principal localização o ombro, a região escapular e parte superior do braço. Raramente acomete de forma bilateral e membros inferiores. Os pelos geralmente apresenta após estabelecimento da hiperpigmentação podendo levar meses a anos para desenvolver (Kaliyadan; Ashique, 2022). Paciente dos sexo feminino tendem a apresentar menor crescimento piloso na região (Kane; Nambudiri; Stratigos, 2019). Os dados evidenciados são encontrados na paciente do caso, bem evidenciado na Figura 1, com lesão acastanhada à direita em ombro, terço superior do tórax e região proximal de membro superior direito e sem pelos no momento do exame.

Em um recorte breve da epidemiologia no Brasil em um estudo de Souza et al. (2020) foi avaliado o perfil epidemiológico das crianças atendidas no serviço de dermatologia do Núcleo de Ensino superior em Ciências Humanas e da Saúde em São Paulo – SP no ano de 2017, foram analisados 130 prontuários, encontrando melanose de Becker em um paciente (0,7%) e a idade encontrada foi de três anos. A lesão geralmente ocorre na puberdade, mas relatos raros se manifestaram no nascimento ou na primeira infância (Kaliyadan; Ashique, 2022). O estudo apresentou baixa prevalência do MB e em um paciente de idade mais rara de acometimento, diferente do visto no caso relatado, que evidenciou idade acompanhando a epidemiologia.

As lesões de nevos possuem clínica muito sugestiva, contudo o diagnóstico de certeza é feito pelo exame histopatológico (Machado, 2022). Na histologia da MB pode ser encontrada acantose, hiperqueratose, alongamento e retificação de cones epiteliais, hiperpigmentação da camada basal, ausência de células névicas, com número de melanócitos normal ou aumentados (Baeta, 2010). Em estudos recentes foi evidenciado hiperproliferação de queratinócitos, melanócitos, músculo eretor do pêlo e fibras nervosas dérmicas (Kaliyadan; Ashique, 2022). A paciente relatada no caso não passou por análise histopatológica da lesão, justificando a ausência pela evolução natural da lesão, excluindo processo de malignidade, uma vez que por meio de ferramentas diagnósticas não invasivas o número de biópsias desnecessárias, custos em saúde e morbidade na faixa etária pediátrica são reduzidos (Machado, 2022).

A MB é um hamartoma dos tecidos meso e ectodérmico, com fisiopatologia ainda não bem estabelecida, tendo como principal fator envolvido na patogênese a sensibilidade e estimulação androgênica (Kaliyadan; Ashique, 2022). A hipótese da desordem hormonal androgênica tem como base o aumento do número de receptores androgênicos nas áreas acometidas, sendo associado ainda o surgimento na puberdade, alterações como hipertricose e erupções acneiformes. Parte dos casos são esporádicos, relatada em alguns a ocorrência familiar (explicada como forma de herança paradominante) (Baeta et al., 2010).

Acometimentos associados não foram encontrados na paciente do caso relatado, contudo, na presença de achados, a síndrome de Becker se faz presente. A síndrome de Becker é representada pela associação do nevo de Becker com achados associados, dentre eles hipoplasia do tecido adjacente, anormalidades músculo-esqueléticas (escoliose, pectus excavatum, pectus carinatum e defeitos vertebrais) e maxilo-facial (assimetria facial, ausência de incisivos centrais e caninos). Nas mulheres, a hipoplasia mamária ipsilateral é a anormalidade associada mais frequente, podendo estar presente também no sexo masculino (Baeta et al., 2010).

O nevo de Becker possui caráter benigno, portanto nenhum tratamento é necessário, estando reservado aos casos essencialmente estéticos. As lesões tendem a ser grandes, o que torna o tratamento impraticável muitas vezes. A hiperpigmentação e pilificação podem ser removidos com terapia a laser, porém possuem alto índice de recidiva (Kane; Nambudiri; Stratigos, 2019). Nenhum tratamento foi feito na paciente relatada no caso, uma vez que a parte estética não estava prejudicada, nenhuma queixa foi feita da lesão.

Vale ressaltar a importância de procurar envolvimento extracutâneo nos casos suspeito de MB, além de deixar a paciente ciente da possibilidade de crescimento de pelos na lesão e a opção de tratamento nos casos que há prejuízo estético, e também orientar o uso de protetor solar na exposição solar (Kaliyadan; Ashique, 2022).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Melanose de Becker possui caráter benigno e com apresentação característica no exame físico dermatológico, sua maior incidência ocorre em meninos no período da puberdade, apresentando evolução que acompanha o avançar da idade, podendo estar associado a achados em tecidos adjacentes caracterizando a síndrome de Becker. O tratamento está reservado a pacientes com queixas essencialmente estéticas, com clareamento das lesões e redução da hipertricose, contudo, o índice de recidiva das lesões é relatado. Diante do caso relatado foi possível avaliar um quadro típico da MB evidente no exame físico, sem relação epidemiológica com o sexo acometido, mas com relação à idade e com aspecto da lesão.

REFERÊNCIAS

BAETA, I. G. R et al. Síndrome do nevo de Becker – Relato de caso. An bras Dermatol. v.85, n.5, p.713-716, 2010.

KALIYADAN, F.; ASHIQUE, K. T. Becker Melanosis. StatPearls Publishing. National Library of Medicine. 2022.

KANE, K. S.-M.; NAMBUDIRI, V. E.; STRATIGOS, A. J. Atlas Colorido e Texto de Dermatologia Pediátrica. 3.ed. Rio de Janeiro, 2019.

LIMA, R. B. Nevo de Becker. 2023. Disponível em: <https://www.dermatologia.net/ cat-doencas-da-pele/nevo-de-becker/.> Acesso em 04 de dezembro de 2023.

MACHADO, M. C. M. R. Dermatologia pediátrica. 3. ed. rev. E atual. – Barueri [SP]: Manole, 2022.

SOUZA, M. L. P. et al. Perfil epidemiológico das crianças atendidas no serviço de dermatologia da BWS, São Paulo – SP. BWS Journal. v.3, p.1-9, 2020.


1Pós-Graduando do Curso Superior em Dermatologia Pediátrica
E-mail: luma.magalhaes@hotmail.com

2Professor orientador Centro de Estudos e Treinamentos Avançados em Saúde.
E-mail: ylkavirginia@hotmail.com