SÍNDROME DE DESMIELINIZAÇÃO OSMÓTICA: UM RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12761303


José Otho Leal Nogueira; Lucas Neves Solon Petrola; Alexandre Guilherme Santos Nunes; Glenda Helena Silveira Rodrigues; Larissa Édila de Oliveira Nogueira; Renato Brito Oliveira Martins; Vinícius Calvário Alvares Pinheiro; Laísa Noronha Machado; Leonardo Martins Dantas; Daniele Guedes Jucá.


Resumo:

A faixa normal de natremia no sangue humano é tipicamente entre 135 e 145 mmol/L; valores abaixo dessa faixa são denominados hiponatremia. As hiponatremias são classificadas em: hipertônicas, isotônicas, e hipotônicas. Esta última, será abordada neste artigo como causa da Síndrome de Desmielinização Osmótica, com ênfase à hiponatremia hipotônica do subtipo normovolêmica, a qual ocorre por excesso de água livre em relação ao sódio corporal total. A Síndrome de Desmielinização Osmótica (SDO) é uma condição neurológica rara ocasionada por dano à bainha de mielina dos neurônios. Esta condição está relacionada à mudança súbita na osmolaridade plasmática, em especial do sódio sérico, após o paciente estar com estado hiponatrêmico hipotônico por período de 2 à 3 dias, tempo hábil para que seja possível a readaptação do sistema nervoso central, que pode impedir o edema cerebral. Neste artigo, apresenta-se o caso de uma paciente com evolução desfavorável após correção inadequada do sódio sérico e discute-se, também, as possíveis causas da hiponatremia.

PALAVRAS CHAVE: Síndrome de desmielinização osmótica; mielinólise osmótica; hiponatremia; mielinólise pontina

Introdução Sódio / Natremia

A natremia refere-se ao nível de sódio no sangue e é uma parte crucial do equilíbrio eletrolítico no corpo humano. O sódio é um íon essencial que desempenha um papel fundamental na regulação do equilíbrio hídrico, pressão arterial e função nervosa. A concentração normal de sódio no sangue é geralmente mantida dentro de uma faixa estreita para garantir o funcionamento adequado do organismo, tendo sua medida expressa em milimoles por litro (mmol/L) ou miliquivalentes por litro (mEq/L). A faixa normal de natremia no sangue humano é tipicamente entre 135 e 145 mmol/L; valores abaixo dessa faixa são denominados hiponatremia, e os acima denominados de hipernatremia. Sobre a hiponatremia, seus sintomas podem variar dependendo da rapidez com que ocorre a diminuição dos níveis de sódio sérico e da gravidade do desequilíbrio, sendo eles: náuseas e vômitos, cefaleia, confusão e desorientação, fadiga e astenia, edema. Em casos mais graves, convulsões e até mesmo óbito.

As hiponatremias são classificadas em hipertônicas, quando forças oncóticas de outros agentes induzem o fluxo de água em direção ao meio extracelular, diminuindo assim seus níveis séricos, tendo como principal exemplo estados hiperglicêmicos como estado hiperosmolar; as isotônicas, que são denominadas pseudo-hiponatremias, pois ocorrem devido a um erro laboratorial causado pela espectrofotometria em pacientes em estados de hiperlipidemia ou hiperproteínemia, como mieloma múltiplo e hipercolesterolemia familiar, falseando assim o resultado laboratorial do sódio pela fração não aquosa do plasma; e as hipotônicas, que serão melhor abordadas no próximo parágrafo.

Neste artigo, será dada ênfase à hiponatremia hipotônica do subtipo normovolêmica, a qual ocorre por excesso de água livre em relação ao sódio corporal total, que costuma ser normal. Causas de hiponatremia hipotônica do subtipo normovolêmica incluem drogas (por exemplo, diuréticos tiazídicos), insuficiência adrenal, hipotiroidismo, SSIHAD, síndrome central perdedora de sal e polidipsia psicogênica. Além desse tipo, ainda existem outros dois que serão tratados de forma menos detalhada, que são as hiponatremias hipotônicas do subtipo hipovolêmica, ocorrendo quando há perda de água e sódio, sendo estes repostos com fluidos hipotônicos, ou quando há redistribuição do líquido extracelular, devido à ação do ADH em situações de perda de volume, a exemplo na sepse e em queimaduras extensas; e hipervolêmicas, as quais são denominadas os estados edematosos em que o volume total de água no corpo está tão elevado que faz a concentração de sódio ficar baixa, como na cirrose, na insuficiência cardíaca e na insuficiência renal crônica.

Síndrome de Desmielinização Osmótica

A Síndrome de Desmielinização Osmótica (SDO) é uma condição neurológica rara ocasionada por dano à bainha de mielina dos neurônios. Esta condição está relacionada à mudança súbita na osmolaridade plasmática, em especial do sódio sérico. Tem como fatores de risco: etilismo, desnutrição, hipocalemia, encefalopatia anóxico-isquêmica e doenças hepáticas.

À SDO ocorre após o paciente estar com estado hiponatrêmico hipotônico por período de 2 à 3 dias, tempo hábil para que seja possível a readaptação do sistema nervoso central, sua readaptação pode impedir o edema cerebral. No entanto, torna o cérebro suscetível às variações rápidas de osmolaridade do meio. Neste caso, quando ocorre uma rápida reposição de sódio, na tentativa de corrigir à hiponatremia hipotônica, no organismo acontece o mecanismo de shift extracelular, ocasionando desidratação celular do SNC, tal acontecimento precede de forma ainda não elucidada um processo de desmielinização aguda, que pode acometer a região da ponte, mais comum, ou regiões extra pontíneas, como substância branca ou Gânglios da base.

Em geral o quadro clínico da SDO ocorre por meio de distúrbios da consciência, podendo evoluir para o coma, tetraparesia, disartria e disfagia, devido à síndrome pseudobulbar.

Relato de Caso

Identificação: M.S.M.S; sexo feminino; 87 anos; aposentada (agricultora e dona de casa); natural de Quixeramobim e procedente de Fortaleza; evangélica; casada.

Trata-se de uma paciente portadora de longa data de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, depressão, dislipidemia e osteopenia. Fazia uso domiciliar de Indapamida 1,5 mg/dia; Hidroclorotiazida 25 mg/dia; Losartana 50 mg 12/12 horas; Propranolol 40 mg/dia; Espironolactona 25 mg/dia; Glifage 1000 mg/dia; Rosuvastatina 10 mg/dia; Fluoxetina 20 mg/dia; Colecalciferol 5000 UI/dia.

Em seu histórico familiar, a paciente possui pai falecido por complicações relacionadas ao diabetes, tendo necessitado amputar uma das pernas durante o tratamento. Possui 6 filhos, sendo 2 homens e 4 mulheres, alguns portadores de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus.

Seu quadro clínico iniciou-se em setembro de 2023, quando apresentou quadro de esquecimento, não reconhecendo pessoas próximas. Em outubro de 2023, a paciente evoluiu com fraqueza muscular, astenia, fadiga e sonolência. Buscou atendimento na UPA, onde foi internada e diagnosticada com hiponatremia de difícil correção, o que levou à sua transferência para outro hospital na região de Fortaleza.

Admitida em 23/10/23 no novo Hospital devido ao quadro de hiponatremia severa, a paciente também apresentou taquipneia e desorientação, motivo pelo qual foi iniciado tratamento antibiótico empiricamente por possível infecção. Após melhora do padrão respiratório e correção do sódio (136), a paciente recebeu alta em 03/11/23.

Em novembro de 2023, aproximadamente 20 dias após a alta, a paciente desenvolveu quadro progressivo de tetraparesia simétrica, com postura flexora patológica e espástica, sendo internada na UPA para investigação de possível AVC, descartado pela tomografia computadorizada de crânio.

Em dezembro de 2023, a paciente foi encaminhada para a Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza para uma investigação mais detalhada do quadro neurológico e da hiponatremia. Durante seu internamento na SCMF, foi evidenciado um quadro demencial associado à tetraparesia espástica simétrica, espasticidade e rigidez muscular. No exame neurológico, apresentou Escala de Glasgow 11 (AO 4 RV 3 RM 4), espasticidade em membros superiores com presença do Sinal do Canivete e reflexos hipoativos nos membros superiores.

A paciente apresentou variação na natremia de 106 a 135, sendo realizada reposição salina a 3%. Além disso, exames como TSH, T4 livre e ácido fólico estavam dentro dos limites normais, e outros exames sorológicos como VDRL, Anti-HIV, e HbsAG foram não reagentes. A paciente também teve um laudo de tomografia computadorizada de crânio que detectou microangiopatia supratentorial, alterações volumétricas do encéfalo e ateromatose carotídea e vertebral. Realizou também uma ressonância magnética de crânio, que, apesar de prejudicada pelo movimento da paciente durante o exame, evidenciou alteração volumétrica encefálica difusa. Houve sinais sugestivos de gliose ou microangiopatia supratentorial moderada, e alteração de sinal no aspecto ântero-mesial do lobo temporal esquerdo, caracterizada apenas na sequência FLAIR axial.

Discussão

Uma das causas mais comuns de hiponatremia, principalmente em idosos do sexo feminino, é o uso de diuréticos, sobretudo os tiazídicos ou similares aos tiazídicos. Esses agentes atuam apenas nos túbulos distais, que não interferem na concentração da urina e na capacidade do ADH de promover retenção hídrica. A associação do uso de hidroclorotiazida com indapamida feita pela paciente em questão aumenta substancialmente a perda urinária de eletrólitos (sódio e potássio) e a depleção de volume. Deve-se, portanto, descontinuar esses agentes na presença de hiponatremia, que pode demorar cerca de duas semanas para a normalização dos níveis séricos.

O uso de ISRS, como por exemplo, a fluoxetina, medicação que a paciente discutida faz uso, está sendo amplamente difundido pela população em geral, devido a sua classe representar a primeira linha para o tratamento do transtorno depressivo, sendo considerada uma medicação segura. Porém, o uso concomitante de ISRS e diuréticos, associado à idade avançada, constitui um risco significativo para o desenvolvimento de hiponatremia, processo desencadeado pela síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH). Essa alteração pode manifestar-se em até 16 meses após o início do tratamento, porém é mais prevalente na segunda semana, normalizando o sódio em até um mês após a suspensão do fármaco.

Outros medicamentos também podem causar hiponatremia, incluindo diuréticos de alça (com menor relevância), antidepressivos tricíclicos, inibidores da monoamina oxidase, fenotiazinas (como tioridazina e trifluoperazina), butirofenonas (como haloperidol), carbamazepina, oxcarbazepina, valproato de sódio, agentes anticancerígenos como alcalóides da Vinca (vincristina, vinblastina), compostos de platina (cisplatina, carboplatina), agentes alquilantes intravenosos (ciclofosfamida, melfalano, ifosfamida), metotrexato, levamisol, pentostatina, anticorpos monoclonais e opiáceos.

A tonicidade sérica é determinada principalmente pela concentração de sódio, pois ele é o cátion mais prevalente no fluido extracelular. A hiponatremia severa pode causar edema cerebral e sintomas neurológicos. Porém, o cérebro faz ajustes para reduzir a incidência de complicações relacionadas à hiponatremia quando a sua evolução é mais lenta, adaptando-se à hipotonicidade em cerca de dois dias. Essas adaptações cerebrais previnem o edema cerebral, ocorrendo o transporte de sódio, cloreto e potássio para o fluido extracelular, o que torna a osmolaridade do fluido intracelular similar. Outros mecanismos são posteriormente criados para manutenção desse processo homeostático, o que faz com que os sintomas da hiponatremia sejam discretos e inespecíficos, como os apresentados pela paciente deste caso, que apresentou sintomas de astenia, fadiga, letargia e confusão. Essa apresentação sintomática vaga, é mais comum na população geriátrica.

Portanto, a hiponatremia, pode não estar relacionada a um edema cerebral importante, fato que deve implicar na reposição do sódio, pois taxas de correção mais rápidas aumentam a probabilidade e a gravidade das lesões cerebrais. Dessa forma, antes de conduzir esse perfil de paciente, deve-se coletar minuciosamente a história clínica, com ênfase, principalmente, nos medicamentos em uso pelo paciente, na ingesta de líquidos e no questionamento sobre uso/abuso de substâncias.

Manejo da Hiponatremia

No tratamento da hiponatremia, podemos dividi-la em hiponatremia aguda e hiponatremia crônica. A discussão deste artigo abordará de forma simplificada a terapêutica que deve ser realizada na hiponatremia aguda e crônica, que é o caso da paciente relatada.

Tratamento da Hiponatremia aguda: Terapia inicial (Primeiras seis horas)

Devido ao fluxo de água conduzido osmoticamente através da barreira hematoencefálica, um início agudo de hiponatremia pode resultar em edema cerebral potencialmente fatal. Então, mesmo pacientes com hiponatremia aguda apresentando sintomas leves devem ser considerados emergência médica e requerem tratamento imediato com solução salina hipertônica para prevenir hérnia cerebral.

Em pacientes com hiponatremia aguda com sódio sérico <130 mEq/L que estão assintomáticos, geralmente devem ser tratados com um bolus de 50 ml de solução salina a 3%, a fim de evitar que o sódio sérico caia ainda mais. Em seguida, após a reavaliação do paciente quanto aos sintomas, verificamos novamente o sódio a cada uma ou duas horas para avaliar a necessidade de terapia adicional.

Os pacientes que apresentam hiponatremia aguda, com sódio sérico <130 mEq/L e quaisquer sintomas que possam ser atribuídos ao aumento da pressão intracraniana, como convulsões, coma, parada respiratória, distúrbios da marcha, confusão, entre outros, devem receber um bolus de 100 ml de solução salina a 3%, seguido, se os sintomas persistirem, de até duas doses adicionais de 100 ml cada (dose total de 300 ml). Cada bolus deve ser infundido durante 10 minutos.

Uma abordagem alternativa recomendada por organizações europeias é tratar com duas infusões em bolus de solução salina a 3%, cada uma administrada durante 20 minutos, e medir o sódio sérico durante as infusões.

O objetivo da terapia é aumentar rapidamente o sódio sérico em 4 a 6 mEq/L durante um período de algumas horas.

Pacientes com hiponatremia leve (sódio sérico de 130 a 134 mEq/L) não devem apresentar sintomas relacionados à hiponatremia, não estão em risco de hérnia cerebral e, portanto, não necessitam de solução salina hipertônica. No entanto, precisam de monitorização para detectar queda adicional do sódio sérico.

Em todos os pacientes com hiponatremia aguda, medidas adicionais devem ser tomadas para prevenir a queda do sódio, como a suspensão de alguns medicamentos e a restrição da ingestão de líquidos hipotônicos.

Tratamento da hiponatremia aguda: Terapia subsequente

Pequenos aumentos diários (4 a 6 mEq/L) na concentração de sódio são suficientes, independentemente do valor inicial do sódio. Aumentos maiores aumentam o risco de complicações neurológicas.

Além disso, a monitorização dos sintomas e do aumento do sódio sérico a cada hora é fundamental para avaliar a necessidade de terapia adicional. A frequência dessa monitorização pode ser reduzida quando o sódio sérico aumentar em 4 a 6 mEq/L.

Hiponatremia crônica

Na hiponatremia crônica, a terapia inicial depende da gravidade da hiponatremia, da presença de e gravidade dos sintomas e da presença de patologia intracraniana preexistente, como lesão cerebral traumática recente, neoplasia intracraniana, entre outras.

Podemos classificar em leve (sódio sérico 130-134 mEq/L) que não tratamos com solução salina hipertônica, e moderada a grave (sódio sérico <130 mEq/L) em que a terapia inicial depende da gravidade dos sintomas, da presença ou ausência de patologia intracraniana preexistente.

Tratamento da hiponatremia crônica: Primeiras seis horas

Em alguns pacientes, são observados sintomas graves de hiponatremia, como convulsões, obnubilação, coma e parada respiratória. Nesses casos, o tratamento consiste na administração de bolus de 100 mL de solução salina a 3%. Se os sintomas persistirem, são administradas até duas doses adicionais de 100 mL, totalizando uma dose de 300 mL. Cada bolus é infundido ao longo de 10 minutos. O objetivo da terapia é elevar rapidamente o sódio sérico em 4 a 6 mEq/L durante algumas horas.

Na hiponatremia moderada (sódio sérico de 120-129 mEq/L), a solução hipertônica geralmente não é indicada, e muitas vezes esses pacientes não são admitidos em hospitais. No entanto, alguns pacientes com hiponatremia moderada e fatores de risco para a Síndrome de Desmielinização Osmótica (SDO), como transtorno por uso de álcool, hipocalemia, desnutrição, doença hepática avançada e distúrbios da vasopressina arginina, requerem atenção especial devido ao risco de correção excessivamente rápida do sódio.

Em pacientes com hiponatremia crônica grave (sódio sérico <120 mEq/L), a terapia inicia-se com solução salina intravenosa a 3%, com uma taxa de 15 a 30 mL/hora via acesso periférico, ou bolus de 1 mL/kg (máximo de 100 mL) de solução salina a 3% a cada 6 horas, conforme necessário. Alguns pacientes podem necessitar também de desmopressina para evitar uma correção excessivamente rápida.

A paciente discutida neste estudo apresentava uma das causas de hiponatremia rapidamente reversíveis devido ao uso de medicamentos, incluindo dois tiazídicos (hidroclorotiazida e indapamida) e um inibidor de recaptação de serotonina (fluoxetina). Nesse contexto, é necessário um cuidado especial ao realizar a reposição de sódio, devido ao alto risco de desenvolver Síndrome de Desmielinização Osmótica (SDO). Não há informações sobre a terapia realizada antes da paciente chegar à Santa Casa de Misericórdia.

Em pacientes com causas rapidamente reversíveis de hiponatremia, como discutido neste artigo, a desmopressina pode ser administrada proativamente no início da terapia com solução salina a 3%, na dose de 1 a 2 mcg, por via intravenosa ou subcutânea. Essa administração é realizada a cada seis a oito horas por um período de 24 a 48 horas, com o objetivo de reduzir as perdas de água urinária e criar um estado de Síndrome de Secreção Inadequada de Hormônio Antidiurético (SIADH) iatrogênico, que pode ser gerenciado de maneira mais eficaz.

Tratamento da hiponatremia crônica: terapia subsequente

Na terapia subsequente da hiponatremia crônica, a solução salina hipertônica deve ser descontinuada pelo restante do dia, uma vez que a meta de correção diária de 4 a 6 mEq/L foi alcançada. Se o sódio voltar a cair, a solução poderá ser retomada conforme necessário para manter o aumento desejado do sódio sérico durante o dia.

A restrição de líquidos também está indicada para pacientes com hiponatremia sintomática ou grave em estados edematosos, síndrome do hormônio antidiurético inapropriado (SIADH) e comprometimento avançado da função renal. O objetivo é alcançar um balanço hídrico negativo.

Além disso, deve-se interromper o uso de medicamentos potencialmente causadores de hiponatremia crônica rapidamente reversível, como foi feito com a paciente em questão.

Comparação da clínica da paciente com a SDO e correlação com exames de imagem

A mielinólise pontina central (MPC) e a mielinólise extrapontina (MEP), que fazem parte do grupo de Síndromes de Desmielinização Osmótica (SDO), apresentam causas multifatoriais, sem predominância por sexo ou idade, tendo como suas principais manifestações paresia espástica e alterações agudas do estado mental (BENTO e AUGUSTO, 2013; ADAMS et al., 1959), as quais foram apresentadas pela paciente abordada neste relato. Ela inicialmente cursou com um quadro de fraqueza muscular, sonolência, desorientação e confusão, sintomas geralmente observados em pacientes cronicamente hiponatrêmicos com níveis de sódio entre 125-130 mmol/L. Essa condição foi agravada pelo uso de diuréticos, um fator de risco para este distúrbio hidroeletrolítico, posteriormente evidenciado em seus exames laboratoriais.

Logo, a velocidade com que a hiponatremia se desenvolve, ou seja, se é aguda ou crônica, é de fundamental importância para a apresentação dos sintomas e a indicação do manejo inicial.

Diante do processo fisiopatológico da hiponatremia no organismo, tem-se que, à medida que a água ultrapassa a barreira hematoencefálica e as membranas celulares, ocorre sua entrada nas células cerebrais, levando a um quadro de edema cerebral causado pela redução do sódio plasmático abaixo de 120 mEq/L. O dano cerebral na hiponatremia aguda não tratada é causado por edema cerebral, enquanto as lesões cerebrais desmielinizantes na hiponatremia crônica são complicações da correção excessivamente rápida. Assim, em casos agudos, há um maior risco de edema cerebral e a correção rápida é benéfica, principalmente se houver sintomas como coma ou convulsões. No entanto, a correção rápida pode ser perigosa em pacientes com hiponatremia crônica, como no caso da paciente, uma vez que a desmielinização osmótica é um risco maior nestes pacientes.

As manifestações clínicas geralmente são moderadas, mas ocasionalmente graves, iniciando com um quadro de encefalopatia devido à hiponatremia, evoluindo posteriormente com melhora clínica após sua correção e, nas semanas seguintes, com tetraparesia, arreflexia, hipotonicidade muscular e, eventualmente, espasticidade, além de alterações do nível de consciência.

A paciente abordada neste relato desenvolveu as manifestações clássicas da doença após a correção dos níveis séricos de sódio durante internamento anterior em outubro de 2023, pois o principal fator precipitante dessa patologia é a rápida correção da hiponatremia, especialmente quando superior a 10 mEq/dia em pacientes com níveis séricos de sódio inferiores ou iguais a 120 mEq/L, embora alguns pacientes possam desenvolvê-la com concentrações séricas de sódio mais elevadas e taxas de correção menores. Os pacientes podem apresentar desde recuperação completa até sequelas neurológicas irreversíveis (BRITO et al., 2006), não existindo tratamento específico.

Quanto ao diagnóstico, este é principalmente clínico; no entanto, a ressonância magnética pode auxiliar, sendo o exame complementar de escolha. As sequências T2 e FLAIR são utilizadas para o diagnóstico, mostrando-se hiperintensas (BRITO et al., 2006; RUZEKA et al., 2004) e capazes de identificar lesões de desmielinização. No entanto, essas imagens geralmente são normais inicialmente, com alterações podendo surgir após cerca de uma semana do início do quadro. Além disso, esses achados são reversíveis e, em alguns pacientes, pode nunca ocorrer o desenvolvimento de alterações positivas na ressonância magnética, especialmente se a evolução da doença for inferior a uma semana. Nesse contexto, isso pode justificar o fato de a paciente do caso ter apresentado exames de imagem normais. Quando presentes, essas lesões são caracterizadas pelo sinal da “asa de borboleta” na base da ponte (BRITO et al., 2006; RUZEKA et al., 2004).

Ademais, a rápida correção da hiponatremia não é a única causa de lesões evidenciadas na ressonância magnética; outras causas incluem malignidade, hipernatremia e hiperglicemia grave. Portanto, o diagnóstico não se baseia exclusivamente nos achados de imagem, mas sim na avaliação clínica do paciente.

TRATAMENTO DA SÍNDROME DE DESMIELINIZAÇÃO OSMÓTICA

Desmopressina: As complicações da correção da hiponatremia quando excedem os limites recomendados podem ser evitadas pela administração de desmopressina no início do tratamento, reduzindo a concentração sérica de sódio através da diminuição da diurese hídrica. Geralmente, utiliza-se de 1 a 2 mcg de desmopressina por via intravenosa ou subcutânea a cada 6 ou 8 horas, por um período de 24 a 48 horas. Simultaneamente, administra-se uma solução salina hipertônica na proporção de 15 a 30 mL/hora, ajustada conforme a taxa de correção desejada. Este esquema é continuado até que a concentração sérica atinja 125 a 130 mEq/L. O débito urinário deve ser monitorado hora a hora, pois pode ocorrer perda do efeito antidiurético da desmopressina. Recomenda-se reduzir o sódio sérico para um valor logo abaixo do valor alvo máximo em 48 horas, ou seja, inferior a 16 mEq/L acima do sódio sérico inicial. Este esquema terapêutico baseia-se em estudos com animais e relatos de casos em humanos que demonstraram recuperação da iatrogenia com menos ou nenhuma sequela neurológica.

Terapia de suporte: A terapia de suporte é extremamente recomendada para todos os pacientes que desenvolvem SDO, especialmente aqueles que eram funcionais antes da correção do sódio sérico. Alguns pacientes recuperaram a função neurológica após períodos prolongados de comprometimento. Em casos de insuficiência respiratória, frequentemente é necessária intubação orotraqueal e suporte ventilatório. A terapia de suporte deve ser mantida por pelo menos seis a oito semanas antes de concluir que os déficits neurológicos são irreversíveis. Em um estudo com 36 pacientes tratados em uma unidade de cuidados intensivos, 56% deles apresentaram apenas sequelas neurológicas mínimas.

Plasmaférese: Em um relato de caso com 3 pacientes que desenvolveram SDO devido à hiponatremia, confirmada por ressonância magnética, observou-se que 2 pacientes apresentaram melhora acentuada dos déficits neurológicos, sem sinais clínicos evidentes de comprometimento, associada à plasmaférese. O terceiro paciente apresentou comprometimento da memória a médio prazo e necessitava de assistência para deambulação. No entanto, as lesões pontinas observadas na ressonância magnética dos pacientes permaneceram inalteradas, e alguns pacientes podem ter episódios breves de comprometimento neurológico que resolvem espontaneamente. Portanto, são necessários estudos adicionais para esclarecer a eficácia da plasmaférese no tratamento da síndrome de desmielinização osmótica.

Conclusões Finais

Com base neste artigo, verifica-se a importância de estar atento aos efeitos adversos de substâncias durante o manejo do tratamento de comorbidades crônicas. Um exemplo destacado é a combinação de dois diuréticos tiazídicos associados a inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), ambos com efeitos que resultam em hiponatremia.

Além disso, destaca-se a relevância significativa da correção adequada da hiponatremia. Quando realizada de maneira inadequada, essa correção pode influenciar negativamente o desfecho do paciente, aumentando o risco de síndrome de desmielinização osmótica. Essa condição apresenta terapêuticas experimentais promissoras, porém ainda mantém um prognóstico neurológico desfavorável.

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