TRATAMENTO COMPENSATÓRIO DA MÁ OCLUSÃO DE CLASSE III ESQUELÉTICA: REVISÃO DE LITERATURA 

COMPENSATORY TREATMENT OF SKELETAL CLASS III MALOCCLUSION: LITERATURE REVIEW 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12735422


Matheus Nascimento Marques Amorim1
Profª. Dra. Lúcia Silvestre2
Profª Dra. Priscila Prosini3


Resumo

O tratamento compensatório da má oclusão de Classe III esquelética envolve uma abordagem ortodôntica que visa corrigir ou mitigar os efeitos adversos desta condição sem a necessidade de cirurgia ortognática. Esta abordagem é frequentemente adotada nos pacientes que não desejam se submeter à cirurgia ou naqueles em que o procedimento cirúrgico não seja a única opção. Geralmente, o tratamento é realizado por meio de aparelhos ortodônticos fixos ou removíveis, bem como dispositivos ortopédicos, como a máscara facial de protração, para corrigir a discrepância dentária e esquelética, proporcionando uma melhoria estética e funcional na oclusão. O presente estudo tem como objetivo: realizar uma revisão integrativa da literatura compreendendo a etiologia, o diagnóstico e o tratamento da má oclusão de classe III esquelética, bem como a melhor época de tratamento compensatório desta má oclusão. Foram realizadas buscas nas bases de dados: Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que reúne bases de dados
(SCieLo), o portal PubMed que engloba o MedLine e Scielo, o Google Acadêmico, e a literatura cinza. A partir das informações obtidas pode-se concluir que: o tratamento compensatório é uma opção viável para pacientes com má oclusão de Classe III esquelética, especialmente em casos onde a discrepância esquelética é leve ou moderada; quanto mais precoces forem o diagnóstico e o tratamento interceptador, maiores serão as chances de sucesso através de abordagens não cirúrgicas; e que existem limites para a indicação do tratamento ortodôntico compensatório, havendo casos em que a combinação ortodôntico-cirúrgica é a única forma eficaz de tratamento. Estudos longitudinais devem ser realizados para o acompanhamento de pacientes submetidos a tratamentos compensatórios a fim de se avaliar, a longo prazo, a eficácia desta abordagem nos casos de má oclusão de classe III esquelética

Palavras-chave: Classe III; Má oclusão; Ortodontia.

1 INTRODUÇÃO 

A ortodontia é uma especialidade da odontologia voltada ao diagnóstico, prevenção e tratamento das maloclusões dentárias e faciais, que podem incluir dentes desalinhados, mordidas cruzadas e sobremordida profunda, entre outros problemas relacionados à posição dos dentes e dos maxilares. O ortodontista utiliza uma variedade de dispositivos fixos e removíveis para corrigir essas imperfeições e proporcionar ao paciente uma oclusão normal, contribuindo para a melhora de sua função mastigatória, estética facial e saúde bucal (TSENG, CHANG & ROBERTS, 2016). 

Angle (1899) foi o pioneiro em classificar as más oclusões em Classe I, Classe II e Classe III, com base na relação entre os primeiros molares permanentes. Apesar de ser universalmente aceita, com o aprofundamento das questões diagnósticas, esta classificação tornou-se insuficiente por não considerar aspectos esqueléticos importantes, tais como a relação sagital maxilomandibular, a relação dos maxilares com a base craniana e as relações esqueléticas transversais e verticais. Um padrão Classe III de crescimento era então definido como aquele com avanço desproporcional do crescimento mandibular ou crescimento maxilar insuficiente (NGAN & MOON, 2015). 

A compensação dentária da má oclusão de Classe III envolve a movimentação dos dentes com o objetivo de camuflar um problema esquelético. A movimentação ortodôntica pode ser realizada através de aparelhos fixos ou móveis, visando o novo posicionamento dos dentes, através da protrusão dos incisivos superiores e da retrusão dos inferiores em suas bases apicais, proporcionando uma melhor relação entre as arcadas dentárias superior e inferior, mascarando assim a má oclusão esquelética (ZERE et al., 2018). 

A estética do sorriso tem sido considerada um indicador de sucesso tanto por ortodontistas quanto por pacientes. A avaliação facial durante o sorriso também desempenha um papel importante no diagnóstico ortodôntico. Os incisivos superiores desempenham importante papel na definição da beleza e, por conseguinte, devem ser angulados e posicionados da maneira mais favorável em suas relações anteroposteriores e verticais com a estrutura facial, assegurando a harmonia facial. A labioversão excessiva dos incisivos superiores normalmente compromete a estética do sorriso e compensações dentoalveolares, como incisivos superiores inclinados para a vestibular e incisivos inferiores retroinclinados, são frequentemente observadas em pacientes com má oclusão de Classe III esquelética. Além disso, a inclinação moderada dos incisivos superiores é necessária no tratamento para corrigir mordidas cruzadas, especialmente na abordagem de camuflagem. Posicionar os incisivos superiores adequadamente em relação ântero-posterior, mantendo a harmonia facial, é sempre um desafio para os ortodontistas (JING et al., 2013). 

As abordagens relacionadas ao tratamento da má oclusão de Classe III durante a fase final da adolescência e na idade adulta geralmente abrangem a intervenção cirúrgica ou a camuflagem ortodôntica. A cirurgia pode corrigir a discrepância esquelética nas dimensões sagital, vertical e transversal. Nos casos leves ou moderados, a camuflagem pode ser uma alternativa. A extração dos pré-molares inferiores é frequentemente realizada para aliviar o apinhamento e reduzir a protrusão dos incisivos inferiores. A distalização da arcada mandibular tornou-se uma opção à extração de pré-molares para corrigir a má oclusão de Classe III. O uso do miniparafuso na ortodontia facilitou a distalização da arcada inferior. Inserido na região retromolar ou pré-molar, este dispositivo possibilita a distalização bem-sucedida da dentição mandibular em grande extensão (CHEN & CAO, 2015). 

Assim, este trabalho teve por objetivo realizar uma revisão de literatura do tipo integrativa acerca do tratamento compensatório da má oclusão de Classe III esquelética. 

Objetivo geral: 

Realizar uma revisão integrativa da literatura acerca do tratamento ortodôntico compensatório da má oclusão de Classe III esquelética. 

Objetivos específicos: 

Compreender a etiologia, o diagnóstico e o tratamento da má oclusão de classe III esquelética; 

Verificar a melhor época para o tratamento compensatório da má oclusão classe III. O tratamento compensatório visa corrigir ou minimizar os efeitos adversos dessa condição sem a necessidade de intervenções cirúrgicas invasivas. Pesquisar sobre esse tratamento é crucial para desenvolver abordagens mais eficazes e menos invasivas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes e reduzindo custos associados ao tratamento odontológico. Além disso, entender melhor essas técnicas pode contribuir para a formação de profissionais mais capacitados e atualizados na área de ortodontia e ortopedia facial. 

2 REVISÃO DA LITERATURA 

2.1 Má oclusão: definição, histórico e classificação

A má oclusão pode ser conceituada como a má posição individual dos dentes; a discrepância ósteo-dentária; a má relação dentais, sagital, vertical e transversal dos arcos; e as diferentes combinações entre as situações descritas (PINTO, GONDIM & LIMA, 2008). 

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1955), as irregularidades na posição dos dentes são classificadas como o terceiro problema de saúde bucal de relevância pública, sendo os primeiros, a cárie e as doenças periodontais. Elas exibem uma prevalência significativa em ambas as dentições, tanto decídua quanto permanente. A oclusão dentária é um sistema complexo compreendendo os maxilares, a articulação temporomandibular e os músculos responsáveis pelos movimentos de elevação e depressão da mandíbula. A etiopatogenia das más oclusões é multifatorial, decorrendo de uma interação entre fatores hereditários, congênitos, adquiridos, morfológicos, biomecânicos e ambientais, tanto na forma geral quanto local. Além disso, hábitos bucais deletérios também podem contribuir para o desenvolvimento dessas irregularidades (CAMPOS et al., 2013). 

No ano de 1889, E. Angle delineou a oclusão dentária normal, descrevendo-a como a relação entre os primeiros molares permanentes superiores e inferiores, na qual a cúspide mésio-vestibular dos molares superiores oclui no sulco bucal dos molares inferiores, com os dentes organizados em uma suave linha curva de oclusão. Com base nesta relação, Angle classificou as oclusões em quatro categorias: oclusão normal, má oclusão de Classe I, má oclusão de Classe II e má oclusão de Classe III (DE RIDDER et al., 2022) (MAIA, 2018). 

A má oclusão esquelética de Classe III foi descrita por Angle, com base na relação sagital dos primeiros molares permanentes e no padrão de crescimento. Esta condição é caracterizada por uma posição avançada da mandíbula em relação à maxila, frequentemente associada a uma posição mais mesial do primeiro molar inferior permanente. Embora em muitas situações, a Classe III esteja vinculada ao prognatismo mandibular, este é apenas um dos diversos componentes que compõem esta má oclusão complexa. Guyer et al. (1986) identificaram que, em cerca de 30% dos casos, a Classe III resulta de uma combinação entre prognatismo mandibular e retrusão maxilar. Para Maino et al (2023), aproximadamente 19,5% dos indivíduos apresentam retrusão maxilar com proeminência mandibular normal, enquanto 19,1% têm maxila normal com protrusão mandibular. 

Segundo Zere et al. (2018), a relação esquelética de Classe III indica que a mandíbula está posicionada mais mesial em relação à maxila e/ou à base do crânio, podendo haver uma compensação dentária resultando em uma relação dentária de Classe I sobre uma base esquelética de Classe III.

Charles Henry Tweed complementou esta classificação, considerando como pseudo má oclusão de Classe III, a relação entre uma mandíbula normal e maxila subdesenvolvida (categoria A), e uma má oclusão de Classe III esquelética, marcada por uma mandíbula prognática acompanhada ou não do subdesenvolvimento da maxila (categoria B). Estas classificações foram fundamentais para se melhorar a compreensão e as abordagens dessas más oclusões (ZERE et al., 2018). 

A etiologia da má oclusão de Classe III está associada a fatores hereditários e ambientais. Apresenta uma prevalência global variando de 0 a 26,7%, com maior incidência em populações asiáticas, onde os índices variam entre 15% e 23%, seguidas pela comunidade hispânica (8,3 a 9,1%), africanos (3 a 8%) e caucasianos (0,48 a 4%). Suas principais características incluem a deficiência no crescimento maxilar e/ou retrognatismo maxilar, crescimento mandibular excessivo e/ou prognatismo mandibular, ou uma combinação de ambos (NGAN et al., 2014). 

A má oclusão de Classe III também pode se manifestar através do prognatismo mandibular causado por interferências oclusais, influenciando a posição ântero-posterior da mandíbula e resultando em uma pseudo-Classe III, que, se não tratada, pode evoluir para uma Classe III esquelética. Ao se considerar o tratamento para esses pacientes, a idade deve ser levada em consideração como fator determinante. Pacientes que estão antes do pico máximo de crescimento podem receber tratamento ortopédico. No entanto, em pacientes que já completaram o crescimento, a abordagem pode envolver camuflagem dentoalveolar ou, em alguns casos, intervenção cirúrgica. (CARO & AWUAPARA, 2021). 

A alta prevalência da má oclusão é considerada mais comum nos tempos contemporâneos se comparados a épocas pré-históricas. Além disso, nas últimas décadas, muitos países observaram um aumento na demanda por tratamento ortodôntico, o qual não pode ser completamente explicado apenas pelo estado de saúde bucal. Estudos acerca dos aspectos físicos, sociais e psicológicos das más oclusões apresentam evidências sobre existência de repercussões destas condições na vida das pessoas, contribuindo para uma melhor compreensão de que a busca pelo tratamento ortodôntico deve ser considerada para além dos parâmetros clínicos. É imprescindível que o parâmetro para avaliar o sucesso do tratamento ortodôntico seja, ao seu término, a melhora significativa da qualidade de vida do paciente (ZHANG, MCGRATH & HÄGG, 2006). 

As principais manifestações da má oclusão de Classe III são produtos da interação entre fatores inatos ou genéticos hereditários e fatores ambientais. Estudos sobre genética humana têm fornecido evidências substanciais ao tema, estabelecendo que o crescimento mandibular é principalmente influenciado pela hereditariedade. Assim, a influência genética familiar exerce um papel significativo nas dimensões craniofaciais do esqueleto, contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento da má oclusão de Classe III. Notavelmente, observou-se uma incidência consideravelmente maior desta maloclusão em famílias ao longo de várias gerações. Os fatores ambientais que contribuem para o desenvolvimento desta má oclusão envolvem os hábitos posturais inadequados da mandíbula, os quais provocam alterações patológicas na posição da cabeça da mandíbula na fossa, resultando em uma posição final mandibular caracterizada por um deslocamento anterior. Diversos elementos, como estímulo de crescimento, histórico de hábitos prolongados de sucção ou repouso da língua, deglutição atípica, obstrução das vias aéreas superiores, respiração bucal, alterações mandibulares funcionais em resposta a necessidades respiratórias, tamanho da língua, modificações nos formatos e nas dimensões das vias aéreas faríngeas (incluindo amígdalas aumentadas, língua volumosa, adenóides), desequilíbrios hormonais, condições como gigantismo ou adenomas hipofisários, eventos traumáticos, perda prematura de dentes decíduos, defeitos anatômicos congênitos (como fissuras labiais e fendas palatinas) e disfunção muscular, podem participar, isoladamente ou em conjunto, na etiologia desta má oculsão (ZERE et al., 2018). 

Um exemplo clássico da relação hereditária desta má oclusão com agregação familiar é o caso da família Habsburgo, uma das proeminentes castas reais da Europa. Esta família é reconhecida não apenas pela longevidade de seu reinado, que continua até os dias atuais, mas também por sua distintiva malformação facial que ficou conhecida como “The Habsburg Jaw”. Esta condição apresenta um prognatismo proeminente que foi observado em nove gerações consecutivas da família (MARTINEZ, MARTINEZ, 2020). 

De acordo com Xue et al. (2010), a má oclusão de Classe III é classificada como um distúrbio poligênico, indicando a herança de um traço fenotípico atribuído a dois ou mais genes de susceptibilidade. Ela surge da interação entre tais genes e fatores ambientais, mas também pode manifestar-se como um fenótipo monogênico dominante. Pesquisas revelam que genes responsáveis pela codificação de fatores de crescimento específicos ou outras moléculas de sinalização desempenham um importante papel no desenvolvimento da má oclusão de Classe III, e que as variações em seus níveis de expressão contribuem significativamente para a etiologia desta condição. 

Segundo Mossey et al. (1999) a transmissão de características poligênicas ou multifatoriais apresenta desafios à elucidação das questões de herança, uma vez que distintos indivíduos podem manifestar as mesmas características. Tomando o comprimento mandibular como exemplo, a micrognatia pode surgir tanto de distúrbios cromossômicos, como a síndrome de Turner, quanto de distúrbios monogênicos, a exemplo da síndrome de Treacher. A existência de obstrução nas vias aéreas, especialmente nas regiões nasal e faringeana, leva o paciente a adotar a respiração pela boca. A rinite alérgica e a hipertrofia adenotonsilar destacam-se como principais causas dessa obstrução. Geralmente, tais condições estão associadas a diversos sintomas, como falta de fluxo de ar nasal, espirros, coceira, coriza clara, além de ronco, possibilidade de apneia obstrutiva do sono (SAOS) e aumento de infecções respiratórias, como otites, sinusites e amigdalites. A respiração pela boca, originada pela obstrução das vias aéreas, resulta em modificações posturais, tais como incompetência labial, posicionamento mais baixo da língua no assoalho bucal e aumento da altura facial vertical, com rotação no sentido horário da mandíbula. A relação entre a respiração nasal insuficiente e a morfologia dentofacial tem sido extensivamente explorada, principalmente pelo padrão de crescimento que pode ser impactado pela função muscular desequilibrada, característica da respiração bucal. Crianças que respiram pela boca frequentemente apresentam características faciais distintas, como rosto alongado, olheiras, narinas estreitas, contração transversal da porção superior do maxilar, palato alto e arqueado, além de sorriso gengival associado à má oclusão de Classe II ou, ocasionalmente, de Classe III, com alta prevalência de mordida cruzada posterior e mordida aberta anterior (ZERE et al., 2018) 

A respiração bucal pode desempenhar um importante papel na etiopatogenia de algumas formas de má oclusão de Classe III. Crianças que respiram pela boca frequentemente mantêm a mandíbula constantemente aberta, adotam uma postura baixa da língua, resultando em crescimento mandibular excessivo, com distração constante da cabeça da mandíbula da fossa, que pode servir como estímulo ao crescimento. Adicionalmente, a ausência de pressão da língua no palato e no maxilar superior pode ocasionar um déficit esquelético sagital e transversal, resultando em um quadro de má oclusão de Classe III com overjet reduzido ou invertido (GRIPPAUDO et al., 2016). 

2.2 Classe III: diagnóstico e tratamento 

A Classe III caracteriza-se por uma deformidade dentofacial relacionada ao crescimento, com prognatismo mandibular em relação à maxila e/ou à base do crânio. A sua prevalência apresenta variações significativas entre diferentes raças, grupos étnicos e regiões geográficas estudadas. Diversas configurações esqueléticas subjacentes à má oclusão de Classe III são atribuíveis a discrepâncias no crescimento maxilar e mandibular, associadas a problemas verticais e/ou transversais, juntamente com malformações sagitais. A gama de complicações associadas à mesma varia em intensidade, indo desde questões dentoalveolares com deslocamento funcional anterior da mandíbula a verdadeiros problemas esqueléticos que apresentam notáveis discrepâncias maxilomandibulares. Esta condição representa um desequilíbrio esquelético facial tridimensional complexo, envolvendo o crescimento da maxila e mandíbula, acompanhado por vários graus de compensações dentoalveolares e tecidos moles, que podem se manifestar de diversas formas morfológicas. A má oclusão de Classe III pode estar associada à deficiência de crescimento maxilar (ou retrognatismo maxilar), ao excesso de crescimento mandibular (ou prognatismo mandibular), ou a uma combinação de ambos, juntamente com malformações verticais e transversais (WENDL et al., 2017; ZERE et al., 2018). 

O espectro dos desafios associados à má oclusão de Classe III varia em gravidade, abrangendo desde questões dentoalveolares com deslocamento anterior funcional da mandíbula até problemas verdadeiramente esqueléticos com discrepâncias maxilomandibulares significativas. (NGAN et al., 2014; BATTAGEL, TURLEY, 2015). 

A anamnese deve incluir a indagação ao paciente ou aos familiares sobre a presença de prognatismo mandibular ou de mordida cruzada anterior em familiares e/ou parentes próximos, que pode apontar para a possibilidade de etiologia genética. No exame clínico, deve-se avaliar a relação entre maxila e mandíbula em relação cêntrica (RC) e oclusão cêntrica (OC) para se identificar possíveis alterações funcionais. A análise das relações molares e incisivas neste grupo de má oclusão é um dos critérios diagnósticos mais significativos. A presença de uma má oclusão de Classe III com overjet positivo ou relação bordo-a-bordo dos incisivos, acompanhada de inclinação lingual dos incisivos inferiores, sugere uma forma compensatória de má oclusão de Classe III. Um perfil reto ou côncavo em pacientes jovens pode indicar uma relação esquelética de Classe III. Da mesma forma, a dimensão transversal deve ser examinada para se identificar quaisquer assimetrias faciais ou dentárias. A avaliação da mordida cruzada anterior, com o objetivo de distinguir uma má oclusão de Classe III verdadeira de uma pseudo Classe III, como proposto por Ngan et al. (2015), pode ser adaptada no esquema diagnóstico (ZERE et al., 2018). 

As análises cefalométricas mais eficazes para avaliação da má oclusão de Classe III são aquelas que estabelecem a correlações entre maxila e mandíbula e de ambas em relação à base anterior do crânio. Nessas análises, incluem-se diferentes grandezas lineares e angulares que levam à interpretação diagnóstica, tais como: ANB (2°), Wits (0 mm), triângulo de McNamara, Násio perpendicular ao ponto A (A-Nperp = 2,3 mm) e Násio perpendicular ao ponto pogônio (Pog-Nperp = 0 mm). Os valores das medidas cefalométricas referem-se ao valor padrão de indivíduos portadores de relações esqueléticas normais. Segundo Zere et al (2018) o valor de “Wits” é o fator primordial na tomada de decisões, abrangendo desde o tratamento ortodôntico de camuflagem até opções cirúrgicas. Uma pontuação “Wits” de 0 a -5mm pode indicar a possibilidade de se resolver um problema de Classe III por meio de tratamento ortodôntico com máscara facial ou terapia com mentoneira. Avaliações de “Wits” entre -4 e -12 mm exigem uma análise mais aprofundada do vetor de resposta ao tratamento de crescimento (GTRV), utilizando-se radiografias cefalométricas seriadas, para uma adequada decisão entre camuflagem ou espera da conclusão do crescimento para o tratamento cirúrgico. 

Na fase da dentadura mista, do ponto de vista do tratamento, podem ser identificados efetivamente três tipos de más oclusões de Classe III: Dentária: caracterizada pela inclinação ou posição inadequada dos incisivos superiores ou inferiores; Pseudo Classe III: manifesta-se pelo posicionamento anterior da mandíbula, resultante de contatos dentários prematuros que deslocam a mandíbula para frente, permitindo ao paciente alcançar uma intercuspidação completa; e Esquelética: envolve verdadeiras discrepâncias esqueléticas na maxila e/ou mandíbula (NGAN et al., 2014; OLTRAMARI et al., 2013). 

O manejo das más oclusões de Classe III é considerado desafiador, principalmente devido ao padrão de crescimento complexo e potencialmente desfavorável. Vários estudos indicaram que, na ausência de intervenção, a retrognatia maxilar não apresenta melhora com o tempo, enquanto a protrusão mandibular tende a aumentar (AMAT, DELAIRE, 2013). 

Para um planejamento de tratamento eficaz e uma previsão realista da estabilidade dos resultados em pacientes em crescimento com má oclusão de Classe III, faz-se necessária a compreensão das tendências de crescimento. A questão do tratamento precoce e da necessidade de cuidados interceptativos na abordagem da Classe III sempre foi um dilema para profissionais e pacientes, reconhecendo-se que nem todos os problemas serão resolvidos antes da conclusão do crescimento. Resultados a longo prazo, independentemente das estratégias de tratamento, dependem da tendência de crescimento individual. Turpin (2000), em seu editorial no American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopaedics, enfatizou que uma compreensão aprofundada do crescimento individual do paciente é mais importante do que o tempo de tratamento e a mecânica específica usada nesses. Ele resumiu os estudos de Mitani et al. (2009), destacando que “o padrão básico de prognatismo mandibular é estabelecido antes da puberdade e não muda fundamentalmente. No entanto, os seus incrementos totais de crescimento foram aproximadamente os mesmos daqueles com uma mandíbula normal após o pico de crescimento puberal.” Segundo Zere et al (2018),

apesar da controvérsia em relação ao momento ideal para realização do tratamento, os profissionais de saúde devem continuar a considerar o tratamento interceptivo precoce da má oclusão de Classe III, quando necessário. 

2.3 Tratamento compensatório da má oclusão de Classe III 

A prévia tomada de decisão quanto ao correto manejo da má oclusão de Classe III é crucial ao sucesso do tratamento, ou seja, a escolha do momento para o tratamento precoce desempenha um papel fundamental no alcance de resultados bem-sucedidos. Os principais propósitos da intervenção precoce consistem em estabelecer um ambiente propício ao crescimento e aprimorar a relação oclusal, incluindo a correção de mordida cruzada e melhorias na estética facial. Portanto, a abordagem interceptativa das más oclusões de Classe III deve ser implementada para se evitar danos nos tecidos orais e reduzir substancialmente a necessidade futura de intervenções ortodônticas e cirúrgicas (ZERE et al., 2018). 

O elemento fundamental para a tomada de decisão é a avaliação clínica para determinar a necessidade de se aprimorar a estética facial. A união de dados clínicos e cefalométricos revelará qual categoria de má oclusão de Classe III pode ser abordada durante a dentição mista e guiará na escolha da abordagem interceptiva mais apropriada (FARRET, 2016). 

A má oclusão de Classe III com mordida cruzada anterior simples pode ser corrigida por meio de aparelhos removíveis ou fixos. A eficácia do tratamento é aprimorada quando há uma inclinação mínima dos incisivos superiores e sobremordida adequada para se manter a correção ao término do tratamento. Os principais aparelhos removíveis utilizados são o plano inclinado; o plano inclinado modificado e o aparelho Hawley ativo. O aparelho fixo mais utilizado é o 4 x 2 (ZERE et al., 2018; ARAUJO, SQUEFF 2021). 

O tratamento da Classe III pode envolver a utilização de um ou mais tipos de dispositivos ortodônticos. Alguns aparelhos aplicam uma força diretamente nos dentes, podendo ser removíveis ou fixos. Outras categorias de dispositivos são retidas nos dentes e conectadas a aparelhos externos, como a máscara facial, permitindo a aplicação de forças nos dentes e maxilares. Geralmente o tratamento é realizado quando os pacientes apresentam-se em dentição mista ou permanente (WATKINSON et al., 2013). 

Aparelhos do tipo plano inclinado são alternativas eficazes par o tratamento na dentição decídua e início da dentadura mista. São recomendados para pacientes que apresentam a seguinte condição: (1) retroinclinação dos dentes anteriores superiores com mordida cruzada anterior, com ou sem desvio funcional; (2) dentes anteriores inferiores alinhados e sem proclinação; (3) sobremordida normal a profunda; (4) padrão de crescimento equilibrado a horizontal. O plano inclinado fixo é cimentado nos dentes anteriores inferiores por meio de cimento temporário. A angulação apropriada entre o plano inclinado e os dentes anteriores superiores na mordida cruzada deve ser determinada considerando-se a discrepância vertical entre os dentes na mordida cruzada e os dentes adjacentes, além do grau de sobremordida dos dentes na mordida cruzada, ajustando-se às diferentes angulações de contato. Na maioria dos casos, mordidas cruzadas dentárias anteriores podem ser corrigidas no período de três a quatro semanas com o uso deste dispositivo (CHANG, CHANG, 2009). 

O plano inclinado modificado é recomendado para pacientes que apresentam mordida cruzada dentária anterior, com inclinação lingual dos incisivos superiores e vestibular dos incisivos inferiores. Nesses casos, o plano inclinado tradicional é contra indicado, pois pode resultar no agravamento da proclinação dos incisivos inferiores. O plano inclinado modificado assemelha-se a um aparelho Hawley, acrescido de um plano inclinado na região anterior. A parte plana inclinada abrange os dentes anteriores inferiores até o terço incisal. Ao se realizar a mordida, a porção inclinada eleva a mordida e promove a inclinação vestibular dos dentes anteriores superiores. As partes metálicas do fio incluem um arco labial e grampos de Adams nos primeiros molares permanentes, proporcionando maior retenção e estabilidade. O arco labial é posicionado na face vestibular dos incisivos inferiores, próximo ao terço cervical, para garantir que a aplicação da força esteja mais próxima do centro de resistência dos dentes anteriores inferiores. A resina acrílica lingual aos incisivos inferiores pode ser ajustada para permitir o movimento lingual dos dentes anteriores inferiores durante a ativação do arco labial. A correção de problemas de mordida cruzada anterior pode ser alcançada em três a quatro semanas com o uso do plano inclinado modificado. Após a correção, o mesmo aparelho pode servir como contenção, ajustando a porção anterior do plano inclinado (WIEDEL,BONDEMARK, 2014). 

Um aparelho do tipo Hawley removível é recomendado para pacientes com mordida cruzada anterior na fase de dentição mista. Este dispositivo possui um componente ativo na região anterior projetado para inclinar os dentes anteriores superiores e corrigir a mordida cruzada anterior. O componente ativo pode ser uma mola “Z” palatina, manipulada pelo profissional, ou um parafuso, que é acionado pelo próprio paciente. A utilização do parafuso de expansão Jack é aconselhada para inclinar os dentes anteriores superiores, com uma volta a cada três dias, até que a correção da mordida cruzada anterior seja alcançada. Cada quarto de volta (90°) no parafuso resulta em aproximadamente 0,18 mm de movimento linear, dependendo do passo do parafuso. A correção de um overjet de 2 mm com este aparelho pode ser obtida em cinco a seis semanas. O aparelho também incorpora componentes retentivos, preferencialmente o grampo de Adams, para manter a estabilidade do dispositivo, e possivelmente uma placa de mordida posterior deve ser incorporada para desobstruir a oclusão e facilitar a inclinação contínua dos dentes anteriores. Um aparelho removível é indicado apenas para movimentos simples de inclinação dos dentes anteriores superiores (LITTLEWOOD, 2017). 

O aparelho fixo é comumente denominado como aparelho “4 por 2” ou “6 por 2”, pois os dispositivos de bandagem e/ou colagem são instalados apenas nos dois primeiros molares permanentes superiores e nos quatro ou seis dentes anteriores superiores. Este tipo de aparelho é utilizado principalmente durante a dentição mista tardia ou dentição permanente precoce. Para inclinar os incisivos, pode-se empregar uma mola de NiTi de bobina aberta, frequentemente posicionada entre os molares e os incisivos, ou um fio de aço inoxidável de 0,016 polegadas com uma alça tipo “stop” para aumentar o comprimento do arco. Quando o levantamento de mordida se faz necessário, o cimento de ionômero de vidro pode ser temporariamente colocado como um plano de mordida posterior fixo nos molares (WIEDEL, BONDEMARK, 2014). 

A interferência sobre o crescimento, durante o desenvolvimento da má oclusão de Classe III, é indicada para pacientes com discrepância esquelética. O principal objetivo deste tratamento interceptativo é reduzir ou corrigir a discrepância esquelética, possibilitando tratamentos futuros com camuflagem ortodôntica, sem que se necessite recorrer à cirurgia ortognática. Esta abordagem de modificação do crescimento em pacientes de Classe III pode ser alcançada por meio de aparelhos funcionais, terapia com mentoneira, máscara facial de protração e aparelhos ancorados no osso. Aparelhos funcionais têm sido empregados para alterar o padrão esquelético, promovendo o crescimento da maxila e controlando ou redirecionando o crescimento da mandíbula. Dois dispositivos funcionais frequentemente utilizados para intercepção de má oclusão de Classe III são o Aparelho Regulador Funcional Frankel III (FR III) e o Aparelho Twin-block Reverso. O FR III possui escudos vestibulares maxilares que se estendem até o sulco vestibular, posicionados para estimular o desenvolvimento anterior da maxila. A porção inferior do aparelho visa controlar o crescimento mandibular ou direcioná-lo posteriormente. No aparelho twin-block reverso, os blocos são configurados para aplicar forças posteriores na mandíbula e forças anteriores na maxila (ZERE et al., 2018). 

Kidner et al., (2003) afirmam que os aparelhos funcionais podem corrigir com sucesso a má oclusão de Classe III em desenvolvimento, mas seus efeitos são predominantemente dentoalveolares, com pouco ou nenhum impacto no padrão esquelético subjacente. A complexidade e a propensão a quebras dos aparelhos funcionais, especialmente o FR III, podem tornar seu uso desafiador. Assim, em vez de aparelhos funcionais, métodos mais simples, como camuflagem ortodôntica, podem ser considerados. 

O tratamento compensatório com mentoneira é apropriado para pacientes jovens em crescimento com prognatismo mandibular. Pesquisas indicam que a terapia com a mentoneira não restringe o crescimento mandibular, mas redireciona o crescimento da mandíbula, promovendo sua rotação posterior, contribuindo para a melhoria da relação ântero-posterior maxilo-mandibular. É importante destacar a eficácia da terapia com mentoneira no tratamento interceptativo da má oclusão de Classe III em crescimento, a curto prazo. No entanto, observou-se que essas alterações não se mantêm a longo prazo, e o padrão de crescimento mandibular normal é restaurado se a terapia for interrompida antes da conclusão do crescimento. Portanto, é recomendado que pacientes com má oclusão de Classe III e prognatismo mandibular utilizem a mentoneira até o término do crescimento para preservar os efeitos do tratamento (CHATZOUDI et al., 2014). 

A máscara facial de protração, também denominada tração reversa, é um dos aparelhos amplamente empregados na interceptação da má oclusão de Classe III esquelética. O dispositivo é composto por dois elementos: uma estrutura extraoral (máscara facial) que se ajusta à testa e ao mento do paciente, e uma fixação intra oral na arcada superior. Os apoios da estrutura extra oral são conectados através de uma barra intermediária, com apoios para a utilização de elásticos que a conectam à fixação intraoral. O acessório intra oral pode apresentar diversos modelos, todos incorporando ganchos posicionados bilateralmente. Para minimizar a rotação indesejada do plano palatino, os elásticos de Classe III devem ser fixados próximo aos caninos superiores a 30° do plano oclusal. O aparelho de expansão colado apresenta as vantagens de proporcionar um efeito temporário de plano de mordida em casos hiperdivergentes e de facilitar a correção da mordida cruzada anterior em casos de mordida profunda. As forças elásticas geralmente variam de 400 a 450 g por lado (14 a 16 OZ) e devem ser usadas de 12 a 14 horas diárias. O tempo total de tratamento normalmente situa-se entre seis e nove meses. É observada uma liberação aumentada de hormônio do crescimento e outros fatores endócrinos promotores de crescimento durante a tarde e a noite em comparação ao período matinal. Portanto, é recomendável a utilização do aparelho durante a noite (WATKINSON et al., 2013; HE et al., 2013; LIU et al., 2015; SMYTH, RYAN, 2017). 

O tratamento compensatório de más oclusões de Classe III através da protração dentária apresenta desafios relacionados a alterações dentárias indesejadas. Essas alterações incluem a inclinação vestibular e a extrusão dos molares superiores, que podem resultar no aumento das dimensões verticais e no crescimento mandibular para baixo e para trás. Além disso, pode ocorrer a diminuição do comprimento do arco devido ao movimento mesial dos molares superiores, levando ao apinhamento dos dentes anteriores. Para superar essas limitações, recentemente aparelhos de protração maxilar ancorados no osso (bone-anchored maxillary protraction [BAMP]) têm sido indicados. Esses dispositivos envolvem o uso de elásticos de Classe III fixados entre miniplacas colocadas na crista infrazigomática e na região da sínfise mandibular, ou associados à máscara facial extra oral. O sucesso dessas miniplacas está relacionado à técnica cirúrgica e à qualidade e espessura do osso. Especificamente na maxila, a qualidade óssea muitas vezes não é ideal até que o paciente atinja pelo menos 11 anos de idade; consequentemente, essa técnica interceptiva tende a ser aplicada em pacientes um pouco mais velhos do que aqueles tratados com aparelhos dentários convencionais (NGAN et al., 2015; DE CLERCK,PROFFIT, 2015). 

O estudo de Ngan et al., (2015) abordou o uso de mini-implantes para correção da má oclusão de Classe III esquelética, especificamente comparando dois protocolos de protrusão maxilar. Como elementos de ancoragem, um dos protocolos incluía os mini-implantes, enquanto o outro utilizava os dentes para fixar o aparelho de protrusão. Os resultados demonstraram que o uso de mini-implantes como ancoragem proporciona uma vantagem significativa em relação à eficácia do tratamento e ao controle esquelético, devido à estabilidade e à capacidade de ancoragem mais efetiva fornecida. 

3 METODOLOGIA 

3.1 ESTRATÉGIA DE BUSCA 

A presente revisão integrativa da literatura baseou-se na investigação de estudos primários publicados sobre tratamento compensatório da má oclusão de classe III esquelética. Este trabalho foi realizado na Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP-UPE), durante o período de agosto de 2023 a fevereiro de 2024, quando foram realizadas buscas no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que reúne bases de dados (SCieLo), o portal PubMed que engloba o MedLine (Literatura Internacional em Ciências da Saúde e SCieLo – Scientific Eletronic Library Online), e a plataforma do Google Acadêmico, além da literatura cinza. Além das buscas nas bases de dados, também houve complementação através de busca manual. Os descritores utilizados nas buscas foram: “Classe III”, “Má oclusão”, “Ortodontia” (DeCs/MeSH).

3.2 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO: 

Os artigos incluídos nesta revisão obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: artigos completos disponíveis nas bases de dados referidas; idiomas de publicação: Inglês, Português ou Espanhol; e período de publicação compreendido entre os anos de 2003 a 2023. 

3.3 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO: 

Foram excluídos da pesquisa os artigos de divulgação e entrevistas. 

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1955), as más oclusões representam o terceiro problema de saúde bucal de relevância pública, sendo os primeiros, a cárie e as doenças periodontais. A literatura aborda que a oclusão dentária é um sistema complexo compreendendo os maxilares, a articulação temporomandibular e os músculos responsáveis pelos movimentos de elevação e depressão da mandíbula. Os estudos são unânimes em afirmar que a etiopatogenia das más oclusões é multifatorial, decorrente de uma interação entre fatores hereditários, congênitos, adquiridos, morfológicos, biomecânicos e ambientais, tanto de forma geral quanto local (ARAGÓN, 2017; SMYTH, 2017; ZERE, 2018; JING et al., 2013). 

A maloclusão de Classe III esquelética é aquela que ocorre devido a retrognatismo maxilar, prognatismo mandibular ou a uma combinação de ambas as situações, apresentando forte influência genética em sua etiologia, influenciada por componentes ambientais. Os autores são unânimes em afirmar que o tratamento da maloclusão de classe III esquelética, a depender do grau de comprometimento maxilo-mandibular, pode ser realizado de forma precoce, com o paciente em crescimento, direcionando-se ortopedicamente o crescimento da maxila e da mandíbula da melhor forma possível, seguido da compensação ortodôntica, posicionando-se os dentes de forma harmoniosa, mascarando-se a discrepância remanescente; ou pode ocorrer de forma tardia, quando não existe mais crescimento e a discrepância não pode mais ser tratada. Neste caso, o tratamento se configura na abordagem ortodôntica descompensatória, preparando-se as arcadas para a cirurgia ortognática (AMAT, 2013; FARRET, 2016; HE, 2013). 

Para se decidir quanto à melhor abordagem terapêutica para a má oclusão de Classe III esquelética, o diagnóstico preciso é fundamental. Os autores são unânimes em afirmar que a anamnese minuciosa, o exame facial e do sorriso e a avaliação cefalométrica do paciente são primordiais para um diagnóstico seguro e um planejamento adequado de tratamento para cada paciente (CHANG, 2009; CHEN, 2015; LIU, 2015; LITTLEWOOD, 2017; MAIA, 2018; WIEDEL, 2014). Segundo Amat, Delaire (2013), o manejo das más oclusões de Classe III é considerado desafiador, principalmente devido ao seu padrão de crescimento complexo e potencialmente desfavorável, pois na ausência de intervenção, a retrognatia maxilar não apresenta melhora com o tempo, enquanto a protrusão mandibular tende a aumentar. Farret (2016) e Zere et al. (2018) destacam que o elemento fundamental para a tomada de decisão quanto à melhor abordagem terapêutica para o paciente é a avaliação clínica para determinação da necessidade de se aprimorar a estética facial. E Zhang, Mcgrath, Hägg (2006) destacam que a atuação sobre a estética comprometida por esta má oclusão repercute diretamente na melhoria da qualidade de vida do paciente. 

Apesar ainda de se observar algumas controvérsias a respeito da melhor época de tratamento da má oclusão de Classe III, Mitani et al.,(2009) defendem que o prognatismo mandibular é estabelecido antes da puberdade e não muda fundamentalmente, pois incrementos totais de crescimento mandibular se equiparam aos de indivíduos portadores de uma mandíbula normal após o pico de crescimento puberal. Assim, entende-se que os profissionais de saúde devem continuar a considerar o tratamento interceptivo precoce da má oclusão de Classe III, quando necessário (ZERE, 2018). 

Amat, Delaire (2013) e De Clerck, Proffit (2015) defendem a utilização de aparelhos ortopédicos no tratamento precoce da má oclusão de classe III esquelética e destacam que este tipo de abordagem deve estar alinhada com os pacientes e seus pais. Para Chang, Chang (2009), o sucesso do tratamento precoce depende não somente da cooperação das crianças e dos seus pais, mas transpõe a esfera ortodôntica, alcançando pediatras e otorrinolaringologistas. 

A ortopedia mecânica tem sido bastante enfatizada no tratamento precoce da Classe III esquelética. Para Kapust, Sinclair, Turley (1998) a utilização da máscara facial como tratamento terapêutico ortopédico da má oclusão de classe III esquelética se mostra eficaz em grande parte dos casos. Contudo, estudos mais recentes como o de Liu et al. (2015) mostram que apesar da eficácia da máscara, o protocolo de protração maxilar associado à expansão palatina rápida possui resultados significativamente superiores, levando à melhora significativa na protrusão maxilar e na correção da má oclusão de Classe III. Além dos aparelhos ortopédicos convencionais, o tratamento compensatório de classe III com utilização de ancoragem com mini-implantes e mini-placas têm demonstrado resultados promissores. (HE et al.,2013; JING et al.,2013; NGAN et al., 2015; BORTOLO, 2023). 

É importante ressaltar que o tratamento compensatório por camuflagem ortodôntica pode ser uma alternativa em pacientes adultos com má oclusão esquelética classe III leve a moderada, pois trazem mudanças faciais limitadas, tornando-se uma ótima opção para aqueles que não querem se submeter à cirurgia ortognática (ARAGON et al., 2017; ARAÚJO, 2021; CARO, AWAPARA, 2021). Porém, é fundamental a abordagem individualizada no planejamento desta e de todas as más oclusões, reconhecendo-se a importância da análise cuidadosa das características faciais, oclusais e de crescimento de cada paciente para se determinar o plano de tratamento mais adequado (PINTO, 2008; MITANI, 2009). 

5 CONCLUSÕES 

Baseados na avaliação dos estudos desta revisão integrativa, pode-se concluir que:

1 – O tratamento compensatório é uma opção viável para pacientes com má oclusão de Classe III esquelética, especialmente em casos onde a discrepância esquelética é leve a moderada.

2 – O diagnóstico e o tratamento precoces de classe III oferecem maiores chances de sucesso no sentido de se conseguir um tratamento exclusivamente clínico e sem a necessidade de intervenção cirúrgica. 

3 – Existem limitações no tratamento compensatório da má oclusão de classe III esquelética e os casos mais severos devem ser tratados associando-se ortodontia e cirurgia ortognática. 

REFERÊNCIAS 

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1Cirurgião-Dentista pela Universidade de Pernambuco e-mail: matheus.nasc9753@gmail.com;
2Doutora em Odontologia pela Universidade de Pernambuco e-mail: lucia.silvestre@upe.br;
3Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco e-mail: priscila.prosini@upe.br