FÓRUM ACADÊMICO COMO MÉTODO DE AVALIAÇÃO DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA INTEGRADA EM MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE ESCS-DF: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12025606


Gabriela Guerreiro Rocha e Silva;
Orientadora: Prof. Ilze Kaippert;
Co-orientador: Prof. Arthur Lobato Barreto Mello.


RESUMO

INTRODUÇÃO: A especialidade de Medicina de Família e Comunidade (MFC) no Brasil teve suas origens em 1974 e evoluiu significativamente com a implementação de programas de residência médica. No Distrito Federal (DF), a evolução foi marcada por políticas de saúde que expandiram a Atenção Primária à Saúde (APS) e aumentaram a demanda por especialistas em MFC. O Programa de Residência Médica em MFC da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) passou por diversas fases de desenvolvimento desde sua criação em 2000, culminando na instituição do Programa de Incentivo às Residências de MFC em 2021. Visando avaliar o Programa de Residência Médica foi realizado em 2022 um fórum acadêmico que adotou a metodologia do Planejamento Estratégico Situacional (PES), uma ferramenta de gestão que facilita a integração e participação dos diversos atores envolvidos. Este artigo relata a experiência de uma residente na coordenação e participação do fórum, utilizando o PES como método avaliador.

OBJETIVOS: Geral: Relatar a experiência de uma residente de Medicina de Família e Comunidade na coordenação e participação de um Fórum Acadêmico em que a metodologia utilizada foi o Planejamento Estratégico Situacional.Compartilhar o Planejamento Estratégico Situacional como ferramenta avaliadora do Programa de Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade da SES-DF. Aprofundar os conhecimentos acerca da ferramenta de gestão escolhida como norteadora do Fórum, o Planejamento Estratégico Situacional.

MÉTODOS: Trata-se de um artigo do tipo relato de experiência confeccionado após participação do Fórum Acadêmico e ampliação de conhecimento acerca do Planejamento Estratégico Situacional.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: Desde 2018, anualmente, um fórum acadêmico é organizado dentro do Programa de Residência para avaliação da mesma a fim de propor melhorias, envolvendo residentes de todos os anos, preceptores, tutores e supervisores. Em 2022, o fórum utilizou o Planejamento Estratégico Situacional (PES) como metodologia e se estruturou em três fases. A primeira partiu de uma aula expositiva sobre PES e evoluiu para formação de uma comissão organizadora por residentes voluntários que ficou responsável por criar um formulário para que os residentes apontassem problemas enfrentados na Atenção Primária à Saúde (APS). Tais problemas foram organizados em cinco temas principais. Na segunda fase os residentes discutiram esses temas em pequenos grupos, compostos por residentes de ambos os anos e preceptores, promovendo uma análise profunda dos problemas e sugerindo ações para melhorias. As discussões focaram em identificar as raízes dos problemas, definir objetivos ideais e elaborar planos de ação. A terceira fase culminou em uma plenária final onde 22 propostas levantadas na etapa anterior foram apresentadas e votadas. A plenária permitiu uma análise colaborativa e detalhada das propostas.

CONCLUSÃO: Usar uma ferramenta de gestão para aprimorar o currículo dos residentes, envolvendo-os nas decisões e respeitando as normas, questiona a necessidade de uma educação hierarquizada e promove habilidades de gestão e novas formas de comunicação.

Palavras-chave:

Planejamento Estratégico Situacional, Avaliação dos Programas de Residência, Atenção Primária, Residência Médica

INTRODUÇÃO:

A especialidade de Medicina de Família e Comunidade, anteriormente denominada Medicina Geral Comunitária, é uma das mais recentes entre as especialidades médicas no Brasil. Seu início, ainda sem um nome definido e sem respaldo normativo ou legal, deu-se em 1974 com a publicação do “Projeto de um Sistema de Saúde Comunitária” no Centro de Saúde Murialdo, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (FALK, 2004). Em seguida, surgiram os primeiros Programas de Residência Médica em 1976, destacando-se três iniciativas pioneiras: o programa do Centro de Saúde Escola Murialdo (Porto Alegre, RS), o Projeto Vitória (Vitória de Santo Antão, PE) e o Serviço de Medicina Integral da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) (Rio de Janeiro, RJ) (FALK, 2004).

Os Programas de Residência Médica estiveram em constante evolução, muitas vezes atrelado às políticas de saúde vigentes em cada período de governo, com maior destaque ao Programa de Saúde da Família (PSF) elaborado em 1995 em que houve uma expansão significativa as ações voltadas à Atenção Primária à Saúde (APS) e com isso a necessidade de uma ampliação de formação de pessoal capacitado para atuação nesse setor (SIMAS, 2018). Mais recentemente, em 2005, o Ministério da Saúde buscou por meio da Portaria 1.143 apoiar programas de residência médica em Medicina de Família e Comunidade (MFC) através de bolsas para Educação pelo Trabalho. Ademais, destaca-se a Lei 12.871, de 2013, que instituiu o Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB) e veio para ampliar a formação de especialistas em MFC (SIMAS, 2018). A lei determinava uma série de bonificações para estimular a realização da especialização de MFC.

O Distrito Federal passou por alguns períodos bem marcados de evolução da APS (GOTTEMS, 2009), (POÇAS, 2017), com diferentes reviravoltas até a nomeada por Nabuco et al. (2019) “virada de chave da Atenção Primária à Saúde do Distrito Federal”, consubstanciada na Portaria da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) número 77, de 14 de fevereiro de 2017 que estabeleceu uma nova política de APS no Distrito Federal e tornou a Estratégia de Saúde da Família (eSF) como seu modelo exclusivo de organização. Tal portaria encabeçou um substancial aumento do número de equipes de saúde da família fazendo com que a cobertura crescesse, em pouco mais de um ano, de cerca de 30% para 69,1%, com 549 eSF (FONSECA, 2019).

Ademais, já em 2018, no edital No 6, de 02 de março de 2018, pela primeira vez, a SES-DF passou a exigir a especialização em MFC para a carreira. Frente a esse substancial aumento de eSF com exigência de formação em MFC, houve também uma potencial ampliação de demanda por esses profissionais para abastecer a rede da SES-DF. Assim, passou a ser fundamental ampliar os programas de residência para essa especialidade.

A história da residência em Medicina de Família e Comunidade no DF tem um início mais recente, com o seu primeiro programa iniciado em 2000, integrando o Serviço de Atenção Multiprofissional em Domicílio (SAMED), no Hospital Regional de Sobradinho (HRS). Essa primeira versão da residência em MFC enfrentou um cenário desfavorável à formação de apenas 15 residentes de 2000 a 2015 (NABUCO et al., 2019). No ano de 2012, com o incentivo do Pró-residência, ainda vigente pelo Governo Federal, e com o apoio do Grupo Hospitalar Conceição do Rio Grande do Sul, foi aberto o Programa de Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade (PRM-MFC) de Planaltina/DF, que oferecia 3 vagas ao ano. O citado programa nascia em contraposição ao programa de residência do HRS, cuja distribuição dos estágios valorizava significativamente os níveis secundário e terciário, sacrificando a formação para uma rede de atenção à saúde (NABUCO et al., 2019). Nesse cenário descrito, e impulsionado pela presença de mais especialistas em MFC no DF, um contexto nacional de estímulo de vagas de residência na especialidade, além de um cenário político favorável no Distrito Federal em 2016, nasce o PRM em Rede de MFC da SES-DF (NABUCO et al., 2019). Tal programa, resultante da absorção dos dois programas de residência vigentes até então, nasce em total consonância com o movimento nacional de aperfeiçoamento, expansão e consolidação da especialidade (NABUCO et al., 2019).

A partir de então, o PRM em rede da SES-DF seguiu com progressiva ampliação e estruturação até que, em 21 de setembro de 2021, é publicada a portaria No928, de 17 de setembro de 2021 que Institui o Programa de Incentivo às Residências de Medicina de Família e Comunidade no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Tal portaria, dentre outras normatizações, define que os residentes que assumirem eSF poderão fazer jus à complementação de Bolsas, além de determinar que os preceptores que aderirem ao programa passassem a ser responsáveis por até 3 residentes. Esse novo arranjo proposto demandou uma nova reestruturação dos PRM em MFC do Distrito Federal com consequente necessidade de reavaliação dos cenários, perfil de preceptores, bem como do projeto político pedagógico vigente.

A organização pedagógica atual do PRM em MFC do DF é pautada em 3 eixos longitudinais com duração de 2 anos, são eles: o clínico, o de comunicação e o de política, planejamento e gestão. Este por sua vez é responsável por ensinar, promover discussões, introduzir temas ligados à gestão em saúde e por promover o Fórum Acadêmico anual na qual se utilizam ferramentas de gestão aprendidas nesse eixo com a finalidade de avaliação e reavaliação do PRM.

No ano de 2022 o Fórum aconteceu utilizando a metodologia do Planejamento Estratégico Situacional (PES). Essa ferramenta de gestão foi elaborada em 1984 por Carlos Matus, um economista chileno que buscava criar uma proposta para planejar e governar diferente do modo horizontal de governo que imperava no momento de elaboração dessa ferramenta. Tal proposta acabou posteriormente sendo implementada e aprimorada em outros setores e ganhou popularidade na área da saúde, agregando assim outros métodos dando origem à chamada “trilogia matusiana” (SÁ; ARTMANN, 1994). A abordagem situacional do planejamento segundo Matus (1993) reconhece a presença de diversos atores e propõe uma perspectiva policêntrica. Isso implica a integração de ações estratégicas e comunicativas entre os envolvidos, com o objetivo de construir consensos sobre os problemas a serem enfrentados, os objetivos a serem alcançados e as alternativas de ação a serem desenvolvidas para atingi-los (TEIXEIRA, 2010).

Essa estratégia proposta por Matus é dividida em 4 momentos: o “explicativo”, o “normativo”, o “estratégico” e o “tático-operacional”. A fase explicativa envolve a análise da situação inicial, incluindo a identificação, descrição e avaliação dos problemas e das oportunidades de ação disponíveis ao ator em questão. A fase normativa se concentra na formulação da situação desejada, baseada na decisão sobre as ações a serem tomadas dentro do prazo político disponível para enfrentar os problemas selecionados. A fase estratégica implica a definição das operações a serem realizadas, com o delineamento dos Módulos Operação-Problema, incluindo a análise da viabilidade de cada operação proposta. Já a fase tático-operacional refere-se à implementação das ações, sob a gerência, monitoramento e avaliação das operações que constituem o plano (TEIXEIRA, 2010).

EXPLICATIVONORMATIVOESTRATÉGICOTÁTICO – OPERACIONAL
– Identificação
– Descrição
– Explicação de problemas
– Cenário
– Definição Situação-Objetivo
– Análise de coerência
– Tipos de estratégias: Cooperação/conflito
– Análise de viabilidade: Decisão, operação, permanência
– Agenda do dirigente;
– Gerência de operações;
– Sistema de “prestação de contas” (monitoramento e avaliação)
(TEIXEIRA, 2010)

Dessa forma, a realização do fórum para avaliação do Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade (PRM em MFC) do Distrito Federal, em 2022, utilizou as três primeiras etapas do Planejamento Estratégico Situacional (PES), sendo a última e quarta etapa destinada aos supervisores, tutores e preceptores. A organização do fórum foi estruturada em três fases, com o objetivo de tornar a participação mais efetiva e a metodologia mais didática, facilitando, assim, o envolvimento dos atores envolvidos e o presente estudo visa relatar as perspectivas e experiências vividas por uma residente do Programa.

OBJETIVO GERAL:

Relatar a experiência de uma residente de Medicina de Família e Comunidade na coordenação e participação de um Fórum Acadêmico em que a metodologia utilizada foi o Planejamento Estratégico Situacional.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Compartilhar o Planejamento Estratégico Situacional como ferramenta avaliadora do Programa de Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade da SES-DF

Aprofundar os conhecimentos acerca da ferramenta de gestão escolhida como norteadora do Fórum, o Planejamento Estratégico Situacional.

METODOLOGIA:

Foram descritas as ações desenvolvidas por residentes do primeiro e segundo ano e o corpo docente do PRM de MFC da SES-DF durante a realização do 5º fórum acadêmico que ocorreu no período de dezembro de 2022 a janeiro de 2023. Tal evento é realizado anualmente desde 2018 e em cada ano é aplicado uma metodologia de gestão diferente para sua realização Nesse fórum a metodologia de escolha foi a de planejamento estratégico situacional (PES). A organização se deu por meio de residentes voluntários do primeiro ano, sendo 4 ao todo, que se dividiram nos dias das realizações das atividades e por meio dos docentes responsáveis pelo módulo transversal de política, planejamento e gestão. A participação dos residentes no fórum foi obrigatória e ocorreu de forma presencial em 3 dias de evento. As reuniões de organização que antecederam o evento ocorreram de forma remota com elaboração de ata e formulários eletrônicos que estão em domínio público por meio de acesso via Google Drive. O documento elaborado na plenária final também encontra-se em domínio público nesse mesmo local de acesso.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

O programa de residência de Medicina de Família e Comunidade da SES-DF é estruturado em três eixos fundamentais: clínico, comunicação e política, planejamento e gestão. Ao longo dos dois anos da especialização, os residentes são expostos a uma ampla gama de tópicos, visando enriquecer sua base de conhecimento acadêmico e desenvolver habilidades práticas para enfrentar as complexidades do trabalho diário como médicos de família. Em consonância com esses objetivos, surgiu a necessidade de organizar um fórum acadêmico envolvendo residentes de todas as turmas, preceptores, tutores e supervisores. O propósito desse fórum é avaliar a residência sob diversas perspectivas e propor diretrizes para aprimorar continuamente o programa de residência, alinhando-o às demandas dos participantes e às regulamentações vigentes.

O fórum acadêmico é realizado anualmente, desde 2018, dentro do módulo de política, planejamento e gestão em saúde. No ano de 2022 a ferramenta norteadora utilizada para a realização do evento foi a do planejamento estratégico situacional e se estruturou em 3 fases que para melhor visualização e entendimento encontra-se esquematizada no fluxograma abaixo.

A primeira fase foi composta pelos residentes do primeiro ano e iniciou-se com uma aula expositiva ocorrida no quarto trimestre de 2022, apresentada pelos preceptores responsáveis pelo módulo de gestão onde discutiu-se definições, origens e aplicações do PES. Ao final da aula foi disponibilizado leituras complementares a fim de que os residentes pudessem se aprofundar em relação a esse assunto e foi então solicitado pelos preceptores que alguns dos residentes se voluntariassem para a composição de uma comissão organizadora do fórum, cuja finalidade seria a de elaborar e organizar o evento com data prevista para janeiro de 2023. Após conversas entre os próprios residentes foram definidos 4 voluntários. Com a formação da comissão organizadora definiu-se então por meio de uma reunião remota mediada pelos preceptores, o organograma do fórum, e suas regras de funcionamento e os demais passos. Ainda nessa reunião foi criado um formulário eletrônico para que todos os residentes de ambos os anos pudessem expor e descrever quais seriam para eles os principais problemas enfrentados em suas vivências na APS. O formulário, não obrigatório, ficou disponível por pelo menos 7 dias e havia-se a possibilidade de elencar mais de 1 problema, no entanto era permitido apenas uma resposta por e-mail cadastrado. Nesse momento foi notório que houve uma grande adesão dos residentes do primeiro ano, sugerindo diversos problemas em diversas áreas. No entanto, os residentes do segundo ano pouco contribuíram com a elaboração e preenchimento deste questionário. Acredita-se que seja devido ao fato de tais participantes estarem na reta final da especialização, onde outras demandas são priorizadas como a execução do trabalho de conclusão de curso e a participação em estágios secundários.

Com o fim do período de respostas do formulário, todos os questionamentos levantados foram divididos, organizados e agrupados pela comissão organizadora em 5 grandes temas de discussão, sendo eles: “Preceptoria e tutoria”, “Trabalho na UBS”, “Aulas Teóricas e Avaliações”, “Módulos Transversais” e “Estágios Secundários e Quantidade de Atividades da Residência”.

A segunda fase do evento foi caracterizada pela discussão em pequenos grupos desses 5 grandes temas pré-estabelecidos e ocorreu de forma presencial no prédio sede da Escola Superior de Ciências da Saúde, em duas datas, na terça e quinta-feira da mesma semana. Essa divisão ocorreu, pois os residentes são divididos desde o início da especialização em 2 grupos, A e B, e possuem horários protegidos para aulas e atividades acadêmicas nesses dias, respectivamente. A separação entre grupos facilita as atividades e evita com que as unidades básicas de saúde fiquem desassistidas nos momentos das atividades obrigatórias, uma vez que os residentes atualmente são também os médicos das suas respectivas equipes de saúde da família. Sendo assim, para facilitar a dinâmica das discussões cada dia dessa segunda etapa ainda contou com mais uma subdivisão em 2 grupos mistos, compostos por residentes do primeiro e segundo ano e preceptores.

A divisão foi realizada por preceptores que disponibilizaram uma lista previamente ao encontro separando os estudantes nesses grupos de acordo com sua área de interesse para discussão, uma vez que os temas também seriam divididos em 2 subgrupos, o primeiro subgrupo abrangeu os temas de “Preceptoria e Tutoria” e “Trabalho na UBS” e o segundo subgrupo discutiu os temas de “Aulas Teóricas e Avaliações”, “Módulos Transversais” e “Estágios Secundários e Quantidade de Atividades da Residência”.

Nos dias programados para a discussão em pequenos grupos as atividades foram mediadas pela comissão organizadora e por preceptores responsáveis pelo módulo de Gestão. A maioria dos participantes foi formada por residentes do primeiro ano e com menor participação os residentes do segundo ano, tutores e preceptores. Houve a determinação de tempo para aplicação de cada uma das 3 primeiras etapas do planejamento estratégico situacional. Primeiramente foi delimitado tempo para o momento explicativo, motivando a discussão de cada uma das raízes dos problemas levantados pelos residentes, que chegaram por meio do preenchimento do formulário online. Nessa fase do processo, os estudantes e preceptores puderam expor suas percepções em relação aos problemas enfrentados por todos, nos diversos cenários de eSF do Distrito Federal, desde zonas mais centrais e com poder aquisitivo melhor como regiões mais afastadas e periféricas, que em sua maioria, possuem uma população mais fragilizada e vulnerável, onde os determinantes sociais são mais escancarados. Em meio às argumentações era perceptível que os residentes, apresentavam problemas semelhantes por mais diversos que fossem os cenários e em meio a isso, os preceptores e tutores instigavam as discussões com uma visão mais experiente e aprofundada dos problemas tentando fomentar a discussão para além dos simplismos levantados pelos pós graduandos. Após o debate de cada um dos problemas levantados, os grupos entravam em consenso para então indicar as raízes dos problemas. O momento seguinte foi o normativo, no qual ocorreu então para a elaboração de uma imagem e objetivo que foi caracterizado pelos mediadores como “mundo ideal”, ou seja, o que todos almejam dentro de um cenário de residência e atenção primária no contexto de saúde do DF. Nessa fase, as argumentações tornaram-se mais unânimes entre os indivíduos participantes e a discussão progrediu para um bem comum fazendo com que essa etapa fosse mais rápida e com menor tempo para a realização de réplicas e tréplicas.

Estabelecido então as imagens e objetivos das raízes dos problemas, os grupos passaram para a última parte da reunião, ou terceiro momento, denominado estratégico, que foi a elaboração de ações a fim de promover a melhoria do programa e dos cenários de atenção primária visando o “mundo ideal”. Por meio de inscrição para argumentação os residentes puderam sugerir planos de ação para cada um dos objetivos levantados na etapa anterior. As ideias puderam ser elencadas para que as mais executáveis fossem redigidas e reorganizadas em conjunto no grupo com a finalidade de levá-las à plenária final. Nesse momento, diversas opiniões e planos surgiam, porém os residentes do segundo ano e os preceptores engrandeceram essas ideias contribuindo para uma elaboração mais realista e aplicável desses objetivos, uma vez que, por terem mais experiência nos cenários e por conhecerem melhor os aspectos gerenciais do programa possuíam mais domínio em argumentar em relação à quais delas poderiam ser aplicáveis ou não e por fim quais propostas poderiam ter sucesso no dia da plenária final. Ao final dessa etapa todos os problemas receberam ao menos um plano de ação e que após consenso de todo o grupo esses planos representariam os trabalhos firmados naquele dia.

A terceira e última etapa do fórum deu-se em uma plenária final realizada de forma presencial no sábado dia 27 de janeiro de 2023 nas dependências da Escola Superior de Ciências da Saúde, foi uma atividade não obrigatória, porém contou com a presença maciça dos pós graduandos do primeiro ano e novamente em números menos expressivos os pós graduandos do segundo ano, preceptores, tutores e supervisores. Nesse dia o trabalho focou-se na análise e votação das ideias propostas nas reuniões descritas anteriormente. A comissão organizadora encarregou-se de compilar os planos de ações partindo daqueles 5 grandes temas descritos no início do trabalho. Cada plano era lido por um membro da comissão organizadora e abria-se tempo para que o grupo responsável pela sua elaboração justificasse o plano e a defendesse. Se houvesse alguma ressalva ou plano de reelaboração ou reestruturação a palavra era passada para os demais participantes da plenária. Se após a exposição de cada plano não houvesse nenhuma ressalva ou contestação a proposta era votada e incorporada no plano de ação se houvesse pelo menos 75% de aprovação dos participantes presentes na plenária. Aquelas propostas que por algum motivo passaram pela reelaboração eram anunciadas novamente após as mudanças e por fim colocadas em votação.

Ao todo foram enviadas para a 5ª plenária do fórum de residência de Medicina de Família e Comunidade 22 propostas elencadas e discutidas nos pequenos grupos de ação. Dentre essas propostas apenas 2 tiveram que ser reformuladas ou por esbarrar em empecilhos em suas execuções conforme estavam formuladas ou por apresentarem erros gramaticais em sua elaboração que as tornavam dúbias ou por vezes incompreensíveis por parte dos participantes que não estiverem no grupo no qual as propostas foram elaboradas. Por fim, das 22 propostas 14 foram aprovadas e entraram no plano de execução no ano seguinte e 8 foram reprovadas.

As reprovações ocorreram em sua maioria após a exposição por parte de preceptores, tutores e supervisores de entraves que essas propostas teriam na sua execução seja por esbarrar em diretrizes estabelecidas pelo programa e regidas pelo Ministério da Educação (MEC), seja pela logística de execução ou seja por apresentar entraves por demais órgãos que regem e fiscalizam as atividades do programa. Em meio às propostas que não foram aprovadas, podemos citar dois exemplos que caracterizam esses problemas listados anteriormente. A primeira listada foi a de “Flexibilizar horários destinados à aulas teóricas”. Essa proposta apresentou entrave por parte dos preceptores que informaram problemas de logística, uma vez que os residentes eram igualmente divididos em dois grupos de cada ano para que não desfalcassem suas UBS no mesmo período. Assim, se os horários fossem flexíveis preocuparam-se com a adesão às aulas teóricas e com a abstenção nas UBS. Isto posto a proposta foi então reprovada pela maioria. A outra proposta reprovada trazida como exemplo é a de “Descentralizar as aulas teóricas”. No cenário atual as aulas teóricas do programa são realizadas no período vespertino uma vez por semana, presencialmente nas dependências da ESCS, e no período noturno de forma remota. A proposta visava realizar aulas teóricas presenciais em outras localidades ou outras regiões administrativas. Devido à pluralidade de localidades de residência essa proposta poderia favorecer aqueles que residem em regiões mais afastadas, no entanto viu-se que a mesma seria inviável de ser executada pois o programa não conta com demais locais para a realização das atividades que acolham o número de residentes.

De maneira geral, todas as propostas foram analisadas e repassadas por diferentes representantes de diferentes categorias dos indivíduos que compõem a residência. De forma livre e democrática todos puderam elaborar e discutir planos de ação para melhoramento e evolução do programa.

CONCLUSÃO:

Não é comum que docentes e discentes dialoguem na busca de melhorias na aperfeiçoamento do currículo das residências. Na maioria das vezes as decisões são verticais e culturalmente há um respeito pela hierarquia o que se pode ser visto inclusive nos ambientes de saúde. A Medicina de Família e Comunidade por ser uma especialidade que habitualmente trabalha em equipe e lida diretamente com diferentes atores necessita constantemente estudar, pesquisar, usar e treinar as habilidades de comunicação e gestão.

A proposta de se utilizar uma ferramenta de gestão para aprimorar o currículo dos residentes pensando em suas vivências e incluindo-os nessas decisões, porém respeitando as normativas, coloca em cheque a necessidade de uma educação hierarquizada onde os estudantes ou pós-graduandos não possuem tanta voz ativa. Além disso, testa suas habilidades de gestão e os incentiva a buscar novas formas de comunicação.

Ademais, o uso do PES colocou todos os atores envolvidos no processo da residência médica em uniformidade em relação à elaboração de propostas de mudança o que incentiva a prática e o aperfeiçoamento da escuta, do diálogo, da humildade e resiliência.

A residência de MFC da SES-DF por ser uma especialidade relativamente nova diante as demais especialidades coloca em discussão a reavaliação e evolução do currículo médico, bem como também na participação dos atores envolvidos na sua constante reestruturação, e isso é feito, de forma democrática.

REFERÊNCIAS

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