AVANÇOS E DESAFIOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) NO BRASIL: UMA ANÁLISE ABRANGENTE EM RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11663019


Pedro Vinicius Rodrigues de Godoi
Orientadora: Caroline Alves Carvalho


RESUMO

O artigo apresenta uma análise abrangente dos avanços e desafios enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no contexto brasileiro, com ênfase no fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) para assegurar um acesso universal e abrangente aos serviços de saúde. Destaca-se dentre a álise a necessidade premente de investimentos contínuos na expansão e aprimoramento dos serviços de APS, alinhados aos atributos essenciais propostos por Starfield (2006). Os desafios críticos incluem o subfinanciamento crônico, a falta de integração entre os diferentes níveis de atenção, a fragmentação dos serviços e a imprescindibilidade de uma mobilização social efetiva para fortalecer o SUS. A Estratégia Saúde da Família (ESF) é, assim, ressaltada como um elemento central na promoção da saúde e prevenção de doenças, com destaque para o projeto “APS Forte” da OPAS como uma iniciativa relevante para impulsionar a eficiência e equidade do sistema de saúde no Brasil (OPAS, 2018).

Palavras-chave: SUS; Atenção primária à saúde; Desafios do SUS; Avanços do SUS.

ABSTRACT

The article provides a comprehensive analysis concerning some challenges and some advances faced by the Brazilian Health System (SUS), putting an analytical emphasis on the importance of strengthening Primary Health Care (PHC) strategies to ensure universal and comprehensive access to health services by the population. There is a pressing need for continuous investments intended to expand and improve PHC services, aligned with the essential attributes proposed by Starfield (2006). Critical challenges including chronical underfunding, lack of integration between different levels of health care, service fragmentation, and the essentiality of effective social mobilization to strengthen SUS potentialities. The Brazilian Family Health Strategy (FHS) is highlighted as a central element in health promotion and disease prevention, with the “Strong PHC” project by PAHO being a relevant initiative to boost the efficiency and equity of the healthcare system in Brazil.

Keywords: SUS; Primary healthcare; Challenges, SUS; advances, Analysis.

INTRODUÇÃO

Um dos principais avanços do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com os mais variados críticos em saúde neste último decênio, consiste na consolidação da Estratégia Saúde da Família (ESF) como modelo referencial de Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil (ANDRADE, et al. 2005; SORANZ, 2021; ARANTES, 2016; PAULA, 2021, etc.). A ESF, segundo este enfoque, promove o cuidado integral e a promoção da saúde em nível local, ampliando o acesso da população aos serviços, contribuindo à redução de desigualdades regionais. 

Muitas análises e contribuições, como a da própria Bárbara Starfield (2006), destacam a importância da expansão da cobertura de APS e do fortalecimento de seu papel como porta de acesso ao sistema de saúde visando atender às necessidades da população. Além disso, a política de medicamentos genéricos do SUS (BRASIL, 2007) tem contribuído significativamente para reduzir custos e aumentar a disponibilidade de insumos a tratamentos essenciais à população. Outro fator que pode ser integrado nesse rol de análise poderia ser a implementação de tecnologias inovadoras, como a telemedicina e a coleta e gestão de dados remota (TASCA, 2020), com o potencial de otimizar a gestão e a qualidade do cuidado na APS, promovendo uma abordagem mais eficaz e centrada no paciente. 

É a busca pela expansão, cobertura e ampliação da qualidade dos serviços de APS no Brasil (ANDRADE, 2005), seguindo os atributos essenciais definidos por Starfield, que exige capacidade prática contínua de inovação na formulação e implantação de políticas, modelos e práticas em saúde no SUS (STARFIELD, 2006). Reconhecendo, assim, a importância dos avanços em pesquisa sobre a APS no Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) propôs o projeto “APS Forte” como parte da Agenda OPAS “30 anos de SUS – que SUS para 2030?”, destacando a necessidade de avanços e investimentos para fortalecer a APS e garantir um sistema de saúde mais eficiente e equitativo (OPAS, 2018) colocando a lupa uma vez mais na importância da análise no ciclo da gestão dos processos de saúde e suas devidas resoluções. Neste trabalho ressalta-se, em primeiro lugar, a importância da contextualização da análise por meio de análise bibliográfica sobre a temática. Em segundo lugar propõe-se a descrição e contextualização do território no qual deu-se o desenvolvimento do relato de caso: UBS 02 de Ceilândia – DF. Por último realizasse análise de facto obtido enquanto que objeto de trabalho – realização de residência médica em Família e Comunidade.

DESENVOLVIMENTO

O Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta uma série de desafios complexos que impactam, consequentemente, sua capacidade de garantir o acesso universal e equitativo aos serviços de saúde no Brasil. Um dos principais obstáculos é o subfinanciamento crônico (ARANTES, 2016), isso limita a expansão e a qualidade dos serviços oferecidos à população. Além disso, a falta de integração entre os diferentes níveis de atenção e a fragmentação dos serviços acometem à continuidade do cuidado e a eficiência do sistema como um todo (ARANTES, 2016). Estudos apontam para a necessidade de reformas estruturais e investimentos significativos para superar esses desafios e fortalecer a atenção primária à saúde no país, considerando que este sistema recebe financiamento da União, Estado e Município. Outro desafio relevante é a falta de articulação entre o movimento sanitário e o sindical (ARANTES et al., 2016), o que dificulta a mobilização social em prol do fortalecimento do SUS e da universalização do acesso aos serviços de saúde. A pouca base política de apoio social para investimentos no sistema de saúde, aliada à evasão de recursos públicos para o setor privado, representa um obstáculo adicional para a expansão e estruturação adequada do SUS. Além disso, a escassez de profissionais de saúde, as restrições orçamentárias e a maior cobertura populacional por planos privados também são desafios significativos que afetam a capacidade do SUS de atender às necessidades da população de forma eficaz e abrangente. Para garantir a eficácia e a equidade do sistema de saúde no Brasil, é fundamental enfrentar esses desafios de forma integrada, promovendo reformas que fortaleçam a APS e assegurem o acesso universal e de qualidade aos serviços de saúde para toda a população.

Diante dos desafios enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a adoção de estratégias abrangentes e inovadoras com foco no fortalecimento da atenção primária à saúde teriam por preceito garantir a eficácia e a sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro. Uma das estratégias essenciais, por tanto, seria o investimento contínuo na expansão da cobertura e na melhoria da qualidade dos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), seguindo os atributos essenciais definidos por Starfield, como acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação (STARFIELD, 2006). 

Além disso, a implementação de redes integradas de atenção à saúde e o fortalecimento do papel da APS como porta de entrada no sistema de saúde são fundamentais para promover uma abordagem mais eficiente e centrada no paciente. Importa evocar a evolução em curso no campo da tecnologia de informação e comunicação que também gera oportunidades significativas na ampliação dos conceitos e princípios da APS, promovendo o acesso a serviços de qualidade e reduzindo custos operacionais desnecessários (SORANZ, 2021). Neste contexto, a pesquisa em APS desempenha um papel crucial no desenvolvimento de políticas e práticas inovadoras em saúde, e o Brasil se destaca como um polo privilegiado para estudos nesse campo, dada a riqueza de experiências desenvolvidas no país. Neste sentido, para alcançar uma transformação efetiva no sistema de saúde brasileiro, é necessário adotar uma abordagem integrada e colaborativa, envolvendo diversos atores e setores da sociedade na construção de um sistema de saúde mais justo, eficiente e equitativo.

A integração de novas ferramentas tecnológicas na Atenção Primária à Saúde (APS) representa uma oportunidade única para aprimorar a qualidade, eficiência e acessibilidade dos serviços de saúde no Brasil. A adoção de sistemas de informação e comunicação avançados pode facilitar a gestão de dados clínicos, o monitoramento de pacientes e a coordenação do cuidado, contribuindo para uma abordagem mais integrada e centrada no paciente (TASCA, 2020). Além disso, a telemedicina e a telessaúde emergem como ferramentas promissoras para ampliar o acesso a serviços de saúde em áreas remotas e para otimizar a comunicação entre profissionais de saúde e pacientes, possibilitando a realização de consultas e acompanhamentos à distância. A utilização de plataformas virtuais e aplicativos móveis também pode facilitar o agendamento de consultas, o acesso a informações de saúde e a comunicação entre equipes de saúde e usuários, promovendo uma maior interação e engajamento dos pacientes no cuidado de sua saúde (BRASIL, 2020), já sendo uma realidade prática na Atenção Primária. Há, também, o fato de que a coleta de dados remota e o uso de tablets para registro de informações clínicas podem agilizar os processos de trabalho das equipes de saúde, permitindo-lhes uma tomada de decisão mais rápida e baseada em evidências. A implementação de novas tecnologias na APS requer investimentos em capacitação profissional e aquisição de infraestrutura adequada, bem como de políticas de segurança da informação para garantir a proteção dos dados dos pacientes de acordo com a legislação vigente. Uma colaboração entre instituições acadêmicas, órgãos de saúde e empresas de tecnologia, no sentido de convergir esforços na análise e discussão sobre esta seara, é essencial para promover a inovação e a disseminação de boas práticas na APS, visando a melhoria contínua dos serviços de saúde e o fortalecimento do sistema de saúde em geral.

Em face desta problemática geral, este trabalho foi levado a cabo com base na metodologia Relato de Experiência focando fornecer inputs ao conhecimento científico geral, tendo sempre como foco a pergunta norteadora: “O que fazer para dar solução a problemas que emperram a atuação ótima da UBS 02 de Ceilândia-DF?” 

Sobre a metodologia, o Relato de Experiência trata-se do relato de uma experiência acadêmica e ou profissional vivida em um contexto específico (MUSSI, 2001) cuja principal característica consiste na descrição de um evento, constando de embasamento teórico, crítico e reflexivo. Para isso, uma bibliografia foi estudada e referenciada visando acrescentar bagagem científica ao propósito descritivo.

Quanto às obras de referência, todas foram triadas com o uso do método “Booleano” que consiste na busca em um servidor específico, dados sobre a pesquisa (TREINTA, 2014), O servidor utilizado foi o “Google Acadêmico) e todas as obras foram referenciadas por ordem de relevância sobre suas respectivas publicações, quantidade de citações etc. Ainda quanto à bibliografia, relata-se dificuldade em encontrar estudos e publicações realizadas no território de Ceilândia. Neste sentido, espera-se que este trabalho possa iniciar o processo de reflexão, registro e análise acadêmica. 

Ato 1. Organização da Análise – l’État des lieux

Este relato de experiência é fruto de dois anos de atuação enquanto Médico Residente da especialização em Medicina de Família e Comunidade da UNIVERSIDADE, na UBS 02 Ceilândia-DF. Neste objetivo, antes de prosseguir com qualquer análise, é imprescindível, para toda e qualquer estratégia de saúde da família, a contextualização territorial do local de trabalho.

A UBS 02 Ceilândia-DF situa-se na QNN 15 Lote F – Ceilândia Norte (DF). Esta UBS é uma UBS-Escola composta por cinco equipes amarela, azul, lilás, rosa e verde, sendo composta por cinco médicos, cinco enfermeiros, 12 técnicos de enfermagem. Conta com o suporte de uma nutricionista, uma fisioterapeuta, uma assistente social, duas equipes de odontologia completas, sala de vacina, sala de medicação, sala de reunião, 10 salas de atendimento multiprofissional, uma farmácia com uma farmacêutica e três técnicos, uma gerente e uma supervisora, além de possuir uma sala de expurgo e um banheiro. Por ser uma UBS-escola, três equipes (Azul, Rosa e Verde) são acompanhadas por três preceptores médicos e três supervisores enfermeiros que supervisionam e dão suporte aos atendimentos, porém, não assumem equipe e não têm agenda aberta ao atendimento. Também há 2 seguranças por turno que são terceirizados e ajudam na organização do fluxo de pessoas dentro da Unidade e, eventualmente, precisam ser enérgicos com usuários desrespeitosos.

Ato 2. A estratégia de análise

Conforme citado na introdução, o sistema de saúde brasileiro encontra-se a todo tempo confrontado seus problemas sistêmicos em vista a promover seu objetivo central que é: Universalizar o direito a saúde; – Integralizar as ações; – Inverter a entrada no sistema de saúde; – Descentralizar a gestão; – Promover a participação e o controle social, conforme preconiza a Lei n° 8.080 – 1990 (BRASIL, 1990) sobre a organização do serviço de saúde no Brasil. Neste sentido, sabe-se que a práxis social do sistema de saúde brasileiro distancia-se de sua inspiração legal, e que muitas disparidades são encontradas na prática de atuação de cada unidade de saúde no Brasil. 

Entretanto, para realizar este relato, as problemáticas que foram suscetíveis de análise são agrupadas em dois grupos: Grupo 1 – problemáticas inerentes ao sistema quanto à I) limitação do espaço, II) baixo quantitativo de RH e III) Alta pressão assistencial. Com isto, visa-se perfilar um panorama organizacional realizado sob a perspectiva do próprio Médico de Família. O Grupo 2 – foca na análise pessoal relacionada à situação do profissional de saúde, analisando, essencialmente, o efeito que a situação emergencial em um contexto específico (cf. campanha de dengue) pode gerar instabilidade na organização e confusão de papeis.

Ato 1. Problemáticas Intrínsecas à UBS

 Não é recente nem inédito o levantamento de críticas acerca do sistema de saúde brasileiro. Em 10 de janeiro de 2024, o site <atencaoprimaria.com.br> publicou que as equipes de Saúde da Família (eSF) atingiu a marca histórica de 50.804 equipes cofinanciadas[1] pelo Governo Federal, distribuídas em 99,17% dos municípios brasileiros em 36.590 Unidades Básicas de Saúde[2]. Estes dados pujantes colocam em destaque as seguintes cifras: são 2780.209 Agentes Comunitários de Saúde que atendem em torno de 145 milhões de brasileiros (~70% da população). 

Em termo de recursos, em 2023 canalizaram cerca de R$ 13 Bilhões para a Atenção primária. Entretanto, destacam-se importantes desafios persistentes clássicos como i) a situação inadequada da rede física das unidades, ii) o insuficiente financiamento, iii) as dificuldades de integração da atenção primária à rede, iv) a garantia da continuidade e coordenação do cuidado na atenção primária à rede, v) a incorporação de recursos humanos qualificados. 

Esta temática, bem como esta estratégia analítica foi muito bem proposta e cuidadosamente sistematizada no trabalho de Aylene Bousquat da Faculdade de Saúde Publica, Universidade de São Paulo, em seu artigo “Tipologia da Estrutura das Unidades Básicas de Saúde Brasileiras: os 5 R” (BOUSQUAT, 2017) desenvolvido no seguimento dos resultados do censo do ciclo 1 do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (Idem). De acordo com a reflexão de seus autores, apesar dos crescentes avanços obtidos em nível da Atenção Primária no Brasil em termos de ampliação da oferta, facilitação de acesso, aumento da disponibilidade de serviços de procura regular e ampliação de recursos financeiros tenha incidido na redução da mortalidade infantil, da mortalidade cárdio e cerebrovascular, e de internações por condições sensíveis à Atenção Primária (Ibdem), ainda persistem cenários que os autores chamaram de “carência estrutural”.  Em se tratando da UBS 02 Ceilândia, as estruturas são limitadas e o espaço é reduzido. A UBS é construída em moldes antigos, trata-se da segunda UBS que a cidade de Ceilândia recebeu desde a sua inauguração. Por mais que haja equipes completas, há dias em que as salas não comportam o número de atendentes, sendo necessário, por vezes, conduzir o atendimento na sala de reunião ou há necessidade de esperar término de um atendimento para a sala seja liberada. 

Todos os pacientes, após serem triados, sentam-se de frente à porta de atendimento médico. É muito comum que as pessoas batam à porta da sala de atendimento na tentativa de acelerar uma consulta que está em andamento, ou para colherem informações. Por mais singela que seja essa interrupção, as consultas, sobretudo de saúde mental, ficam comprometidas, pois quase sempre o paciente não retoma sua linha de raciocínio. Devido ao alto número de pacientes em busca de atendimentos para sanar suas demandas é comum a intervenção dos seguranças quando os pacientes se exaltam no momento da espera.

 Direcionando o estudo ao nível organizacional, a literatura acadêmica tem apontado muitas reflexões no que concerne os complexos processos de trabalho de uma UBS que são agravados decorrentes de uma demanda diversificada e não programadas, típicas do sistema. Assim, o fator gerencial na UBS tem vários proxy de análise gerando alto nível de estresse em função da alta demanda da população, sobrecarga nas agendas, interferência dos níveis centrais de gestão e, não menos importante, as dificuldades encontradas no gerenciamento de equipes (LOCH, 2019). De acordo com os estudos de Loch (2019), as principais problemáticas de gestão sistematizadas destacaram a falta de experiências dos “novos gerentes” do equipamento público; a priorização da Agenda da UBS, e, a rede de relacionamentos das secretarias de saúde com o equipamento.

 A pressão assistencial é um conceito definido como o número de consultas realizadas em um período específico adicionado ao número de dias trabalhados neste mesmo período. Em se tratando da Atenção Primária, a busca por atendimentos é determinada pelas necessidades de saúde dos usuários e se apresentam caracterizadas enquanto demandas em saúde, e mais criticamente na Demanda Espontânea (CHAVEZ, 2020). A relação, assim existente, entre a demanda e a acessibilidade na eSF está intimamente relacionada com os meios de aceso e, dentre outros, a humanização na assistência e relacionam-se diretamente com a falta de profissionais.

 Em suma, os problemas relacionados com a conjuntura situacional presente podem ser reunidos em 3 blocos: Um que trata da inadequação das infraestruturas e a incapacidade dos órgãos de financiamento prover soluções neste sentido; o segundo que reflete sobre a penumbra existente quanto à grande variedade de demandas e sua correlação com a organização dos processos internos do equipamento público; e o terceiro que elenca-se a alta pressão assistencial da UBS e a quantidade de tempo destinado a dar resolução ao paciente. Estes três blocos consistem no grande cavalo de troia no que concerne à promoção da estratégia da Saúde de Família em todos seus níveis. Neste sentido, o segundo bloco pretende analisar sobre outro problema relevante: o desvio de função do RH da UBS.

Ato 2. Análise do profissional de saúde 

 Conforme elencado a priori, outro proxyde análise coerente ao desvio de função do RH da UBS em decorrência da aplicação de alguma medida estratégica emergencial faz-se necessário. Desde 2019 o mundo tem vivido cenários emergenciais em termos de saúde pública, principalmente decorrente da pandemia COVID-19 e todas suas inflexões. No contexto de 2024 o episódio que colocou em risco a saúde pública foi a epidemia de dengue, considerado um dos piores da história. 

Toda imprensa brasileira estampou em seus editoriais, e primeiras capas, a famigerada cifra de mais de 4 milhões de casos (prováveis e confirmados) de dengue no Brasil no primeiro trimestre de 2024[3]. Nessa lógica, quanto mais aumenta a incidência da endemia de dengue, maior a pressão assistencial por tratamento e controle da endemia, e, consequente, maior necessidade de implementação de estratégias de contenção da endemia. Esta relação tende a reestruturar o corpo funcional das unidades, readequando suas funções para o controle da situação emergencial.

No caso deste trabalho, e no contexto do Distrito Federal, a análise do desvio de função do RH da UBS é centrada na resolução de demandas espontâneas advindas do acolhimento central a falta de RH. Na tentativa de absorver as demandas advindas de situações especiais como a disparada de buscas pelo serviço em situações de epidemias como foi o caso da Dengue no primeiro trimestre de 2024 o profissional de saúde que antes estava incluído em ações essenciais para o planejamento das ações da UBS passa a ser solicitado para realização de tarefas de triagem e organização. Isso lança uma análise áspera sobre o sistema de saúde pois, considerando a alta pressão na assistência, e o alto número de atendimentos diários na própria UBS, conforme exposto anteriormente, o profissional já escasso na unidade passa a ser solicitado para exercício de outra função. Isso gera insatisfação profissional decorrente do acúmulo de funções e da reorganização do trabalho na UBS. 

CONCLUSÃO

Em face da análise realizada dos desafios e oportunidades no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, é imprescindível reconhecer a importância de fortalecer a Atenção Primária à Saúde (APS) como pilar fundamental para a promoção da saúde e o acesso universal aos serviços de saúde. Não obstante, somente isto seria insuficiente sendo necessária a implementação de reformas estruturais, que promovam o aumento do financiamento, a melhoria da gestão e a integração de novas ferramentas tecnológicas enquanto elementos essenciais para garantir a sustentabilidade e a eficácia do SUS a longo prazo. Nesse sentido, a incorporação de tecnologias de informação e comunicação, a telemedicina e a coleta de dados remota representam oportunidades promissoras para fortalecer a APS, ampliar o acesso aos serviços de saúde e melhorar a qualidade do cuidado prestado à população. Ao adotar uma abordagem abrangente e inovadora, é possível mitigar desafios e focar na construção de um sistema de saúde mais justo, eficiente e centrado no paciente, promovendo o bem-estar e a qualidade de vida dos brasileiros.

Por último, a Medicina de Família e Comunidade como disciplina tem integrado diversas áreas do conhecimento em sua hermenêutica e as últimas ações de grande envergadura que vigoram têm focado a implementação de práticas voltadas à clínica individual, é dizer, focada no paciente e não na contenção da doença. Neste sentido, a gestão dos planos terapêuticos – individual e familiar – têm negligenciado, ou deixado em segundo plano, o viés de análise referente à comunidade, que tem sido utilizado, basicamente, sob o efeito da exceção ou pressão epidemiológica, o que indica que, todavia, há muito por ser feito.


1 Lembre-se que o financiamento da Atenção Primária à Saúde é composta pelos três entes de governo (União, Estado e Município) e que o município é o maior responsável pelo financiamento.

2 Disponível em: https://atencaoprimaria.com.br/50-000-equipes-de-saude-da-familia-nobrasil/#:~:text=Atingimos%20a%20marca%20hist%C3%B3rica%20de,B%C3%A1sicas%20de%20Sa %C3%BAde%20(UBS). Acesso em 02/06/2024.

3 Vide matéria “Brasil passa de 4 milhões de casos de dengue” publicada no G1 em 29/04/2024. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/dengue/noticia/2024/04/29/brasil-passa-de-4-milhoes-decasos-de-dengue.ghtml acesso em 04/06/2024.


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