REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11217381
Luciana Neves Dias¹;
Suelem Neves de Brito²;
Vera Mônica Queiroz Fernandes Aguiar³.
RESUMO
O artigo aborda a prática da venda casada no mercado brasileiro, destacando sua importância e impacto negativo tanto para os consumidores quanto para a economia como um todo. Explora-se a definição precisa da venda casada, distinguindo-a de ofertas combinadas legítimas. O estudo discute casos emblemáticos, como o da Apple vendendo o iPhone sem o carregador, e casos envolvendo instituições financeiras. Além disso, são analisadas as consequências dessa prática, incluindo a perda de autonomia do consumidor, a distorção do livre mercado e a desconfiança do público nas relações comerciais. Destaca-se a importância da conscientização dos direitos do consumidor e do acesso à justiça para combater esses abusos. Por fim, ressalta-se a necessidade de uma ação coordenada entre consumidores, empresas e autoridades reguladoras para garantir um mercado justo e transparente para todos.
Palavras-chave: Direito do Consumidor; Venda Casada; Ação Regulatória; Livre Mercado
ABSTRACT
The article discusses the practice of tied selling in the Brazilian market, highlighting its importance and negative impact on both consumers and the economy as a whole. It explores the precise definition of tied selling, distinguishing it from legitimate bundled offers. The study discusses emblematic cases, such as Apple selling the iPhone without the charger, and cases involving financial institutions. Additionally, the consequences of this practice are analyzed, including the loss of consumer autonomy, distortion of the free market, and public distrust in commercial relationships. The importance of consumer rights awareness and access to justice to combat these abuses is emphasized. Finally, the need for coordinated action among consumers, businesses, and regulatory authorities to ensure a fair and transparent market for all is underscored.
Keywords: Consumer rights; Tied selling; Regulatory action; Free market
1 INTRODUÇÃO
A considerar que no Brasil é praticado o livre mercado, é normal que as empresas e comerciantes elaborem as mais diversas técnicas e táticas para aumentar as suas vendas e otimizar os seus lucros.
Para Lopes (2019), existe até mesmo uma máxima comum para o mercado privado, que pode se fazer tudo o que a lei não proíba, e com isso o leque de campanhas e tipos de marketing e práticas comerciais que beiram ao incerto tendem a aumentar, porém algumas cruzam aludida linha e se tornam de fato práticas comerciais não consideradas lícitas.
Nessa seara, encontra-se a prática conhecida como venda casada, uma atividade na qual o vendedor veicula a venda de um bem ou serviço a compra de um outro produto adicional.
Tal prática é ilícita, como pode ser observado no art. 39 da Lei nº 8.078, de 11/09/1990, Código de Defesa do Consumidor, que proibi a venda de um produto ou serviço veiculado a outro, sendo por abstração, adotado não simplesmente para produtos materiais, como também para os serviços incorpóreos, com mencionadas vinculações de venda.
Donnini (2020) aduz quanto à venda casada ou operação casada, que representa uma das hipóteses de práticas abusivas elencadas no CDC, em que o fornecedor busca submeter, por intermédio de um ato de condicionamento, o consumidor à aquisição de outro produto ou serviço, distinto daquele escolhido, para que possa comprar o originalmente almejado.
Assim, a conduta abusiva e excessiva, se opera com o comportamento distante do fornecedor da noção de correção, honestidade e equilíbrio, que é imposto pela boafé objetiva, quando este se distancia dos padrões esperados para a atividade empresarial aceitável e comete um ou vários atos considerados ilícitos que, ipso facto, levam à sua nulidade absoluta, respondendo, desta feita, pelos danos que foram ocasionados.
É óbvio que nem toda venda de produtos de forma separada e juntos integrando um quadro maior e completo se constitui como sendo praticada uma venda casada, daí porque a necessidade de uma análise cuidadosa quanto ao assunto.
Dentre os casos práticos que serão adotados ao presente estudo, o do Iphone seja talvez o mais emblemático e que venha auxiliar na compreensão do tema, dada a sua notoriedade e riqueza de conteúdo a ser estudado.
Em macro, procura-se assentar como essa prática ilícita comercial é não só aniquiladora, conforme ressalta Silva (2020), mas também causa danos para a economia nacional, ao pôr em jogo a confiabilidade e o respaldo do comércio nacional, frente às práticas que esclarecem a iniciativa dos consumidores, que receiam serem prejudicados ou atrelados a ônus que não são esperados.
Cravo (2013) quanto à venda casada aduz que essa circunstância como sendo uma prática de má-fé comercial, um prejuízo para o consumidor, que tem não somente o encargo financeiro alto pela prática, mas também um prejuízo em decorrência de sua autonomia e autogerência.
Observando-se aqui que o art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal de 1988, enfatiza que o Estado proporcionará, nos moldes da lei, a defesa do consumidor, razão pela qual foi editada a Lei nº 8.078, de 11/09/1990, que veio preconizar sobre a proteção do consumidor.
Por tal, o presente tema representa um grande acréscimo ao debate quanto à questão da venda casada, os seus impactos sociais, representando também um risco à economia brasileira.
2 MATERIAL E MÉTODOS
A presente pesquisa possui natureza básica, uma vez que busca analisar e compreender como funciona a prática da venda casada, as suas consequências e como enfrentá-las, de forma a ter um plano geral da situação, buscando uma solução com fulcro em dados e abstrações das fontes selecionadas.
A presente pesquisa detém natureza exploratória e descritiva, conforme conceitua Severino (2013), que aponta pesquisa de tal sorte, como possuidora de uma delimitação do objeto de estudo, compreendendo os elementos constitutivos. A natureza exploratória busca a compreensão da relação da prática da venda casada e seus efeitos na economia nacional.
O método de revisão sistemática de literatura, conduzida por meio de pesquisa bibliográfica, compreendendo os artigos acadêmicos, livros, notícias de portais de alta relevância e documentos jurídicos relacionados aos temas de direito do consumidor, venda casada e seus impactos na economia, além de dados sobre esse tipo de ilícitos, bem como exemplos práticos. Isso permitirá uma análise aprofundada das implicações jurídicas e práticas. Como expõe, novamente, Severino (2013), faz-se referente ao emprego de literatura especializada e relevante para construção de conhecimento a partir da abstração de conhecimentos prévios.
Para construção dialética, optou-se por uma abordagem dual qualitativa e quantitativa, que, como ensina Almeida (2021), refere-se à abordagem que busca analisar os dados e informações, através da densidade e qualidade das informações, consoante os conhecimentos que se consegue correlacionar ou abstrair desse primeiro; já no segundo caso, a análise do conjunto dos dados e as inferências de natureza estatística, que é a abordagem quantitativa. Tal abordagem conjunta permitiu uma análise mais completa e aprofundada dos conteúdos analisados para a construção dos conhecimentos e teses abaixo expostas.
3 RESULTADOS
Anote-se que a venda casada consiste em danos aos consumidores porque limita a liberdade de escolha do consumidor, nos moldes do art. 6º, inc. II, do Código de Defesa do Consumidor, o que revela prática abusiva.
Assim, quando os consumidores se sentem atrelados em relações consideradas abusivas de consumo, aludida situação não apenas danifica a sua capacidade de realizar escolhas informadas, como também passa a restringir a concorrência e a inovação no mercado.
A ocorrência da venda casada traz em longo prazo, um prejuízo à estabilidade do livre mercado brasileiro, e uma responsabilização mais rigorosa em combate a tal prática ilegal, que é considerada como infração à ordem econômica, como se infere do art. 36 da Lei nº 12.529, de 30/11/2011, culmina, portanto, em uma redução drástica do ilícito, com resultado positivo para a economia.
4 DISCUSSÃO
O tema aqui trabalhado é de grande relevância, pois versa sobre a prática ilícita que se observa com certa recorrência e que por sua natureza, pode culminar em prejuízos não só para os consumidores, mas para o mercado brasileiro como um todo e em uma macro dimensão.
Não se trata de prática isolada, mas sim algo que vêm despontando cada vez mais, com registros de tais ocorrências se tornam quase massificados.
Há uma grande preocupação em proteger e preservar o consumidor, todavia, é importante ressaltar que nesse caso eles não são os únicos lesados, a considerar a dada escala que a situação pode atingir, aborda-se, portanto, a verificação de um potencial dano na economia pátria.
Ao fazer alusão à venda casada, observa-se que está comprometendo muito mais do que apenas o bolso do consumidor, macula-se, portanto, a sua autonomia, a sua autogerência, o seu livre arbítrio, como também o seu exercício sobre o poder de compra, em razão de uma postura abusiva e predatória daqueles desempenhando a posição de comerciantes e vendedores.
O livre mercado funciona pela oferta e demanda, ou seja, pessoas têm produtos a vender e pessoas que querem comprar mencionados produtos, com os preços sendo de livre fixação, e até esse ponto tudo está correto, mas a partir do momento em que o vendedor impõe que para a obtenção do produto A, o comprador deverá também adquirir onerosamente o produto B, o que infringe a autodeterminação dos compradores, que representam o elo mais frágil da relação comercial.
Tal cenário se agrava quando essa prática se estende para uma venda casada de objetos que não funcionam isoladamente, como é o famoso caso do Iphone, conforme Blasi (2022), que é, então, vendido, de forma separada, de seu carregador. Uma grande aberração e de tamanha repercussão que exemplifica como o consumidor se vê prejudicado, sendo onerado de maneira desrespeitosa.
O art. 39, inc. I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) veda a venda casada, por considerá-la prática abusiva, quando se condiciona o fornecimento de produto ou de serviço ao provimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justo motivo, a limites considerados quantitativos.
Assim, para além da dimensão financeira, é necessário compreender a dimensão social, em que os direitos dos consumidores são feridos, ocasionando uma tendência de desconfiança que pode ocasionar um desaceleramento da economia, pelo temor da onerosidade de uma venda forçosa ou até mesmo embutida.
Desta forma, o presente trabalho se apresenta como uma potencial contribuição para o desanuviamento da circunstância e consequente elaboração de posterior solução posta em prática.
4.1 O QUE É A PRÁTICA DA VENDA CASADA
A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, CDC, preconiza, de forma cristalina, é a ampla liberdade de escolha do consumidor no que diz respeito ao que almeja consumir, não sendo, portanto, válida e legal a imposição, do fornecedor, de qualquer produto ou serviço para aquisição de outro.
A matéria sobre venda casada foi objeto de relevante debate pela ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial nº 1737428/RS, julgado em 12/03/2019.
Observou-se no aludido julgado que o cerne do microssistema de defesa do consumidor está no reconhecimento de sua vulnerabilidade no que tange aos fornecedores de produtos e serviços, que possuem todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, sem, contudo, abordar quanto à fixação da margem de lucro auferida.
Melo (2014) enfatiza que a venda casada se trata de uma conduta desleal do fornecedor que passa a impor ao consumidor a aquisição de produto ou serviço que ele não almeja adquirir. Referida obrigação se denota por meio dos atos de condicionar a aquisição de um produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço ou por condicionar a sua obtenção a limites quantitativos sem que haja justo motivo.
Denota-se, portanto, que a venda casada consiste na abusividade de conduta resultante da imposição de uma condição negocial que é totalmente desproporcional e injustificada e que só encontra amparo na superioridade econômica do fornecedor.
Benjamin et al (2020), ao tratar do tema, enfatizam que o CDC veda, de forma expressa, duas espécies de condicionamento do fornecimento de produtos e serviços. Na primeira, o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou o serviço, exceto se o consumidor concordar em adquirir também um outro produto ou serviço. Trata-se da venda casada. Na segunda hipótese, a condição é quantitativa, fazendo alusão ao mesmo produto ou serviço objeto de fornecimento. Para aludida hipótese, contudo, o CDC não preconiza uma proibição absoluta. Assim, o limite quantitativo é admissível desde que exista uma justa causa para a sua imposição.
Depreende-se que o CDC veda e tenta impedir que o fornecedor venha então se prevalecer de sua condição de superioridade, tendo em vista a hipossuficiência do consumidor, seja ela econômica ou técnica, para passar a impor condições comerciais que são desfavoráveis e que venham, portanto, a prejudicá-lo.
Assim, após ser trazido conceitos doutrinários sobre a venda casada e antes de começar a falar sobre o que é a venda casada na prática, se faz necessário realizar uma conceituação do que não se enquadra como tal, mas possui alguma semelhança aparente.
Bezerra (2022) ao falar sobre a venda casada se refere ao recente sucesso e popularidade da boneca mais famosa do mundo, a Barbie, pois ela é um exemplo exato sobre algo que aparenta ser uma venda casada, todavia não é o caso.
É importante frisar que a venda casada equivale a vincular o fornecimento de um produto ou serviço a outro, que frequentemente é vendido separado, com o objetivo de forçar o consumidor a aceitá-los em decorrência de sua necessidade ou vulnerabilidade, sendo que o CDC veda aludida conduta por entender como sendo abusiva.
Para Rios (2022) dentro da linha Barbie são vendidos vários produtos, além da boneca titular da marca, a exemplo de seus amigos, dos pets, dos cenários, dos veículos, dos acessórios e adereços das centenas de profissões que a boneca da fabricante Mattel teve ao longo das décadas, mas tudo vendido de forma separada.
Infere-se que isso não se caracteriza como sendo venda casada, porque mesmo que os acessórios, cenários e bonecos adicionais sejam vendidos isoladamente, o consumidor não é compelido a comprar todos, adquiri o produto se quiser.
Ressalta Rios (2022) que o fato de não deter ou possuir o produto não impede que o consumidor venha desfrutar do objeto principal, que é uma boneca, pois há milhares de formas de interagir e brincar com a boneca. Resta configurado, portanto, como uma simples oferta combinada.
Vê- se que é distinto de vender um produto, obrigatoriamente condicionando a comprar outro, ou vender, de forma separada, produtos que necessitam um do outro para funcionarem em conjunto.
Segundo, Silva (2020), a vedação do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, se trata de um abuso de poder econômico por parte daqueles que oferecem o produto e/ou serviço frente aos consumidores, porque estes representam a parte mais frágil da relação.
Desta maneira, para que ocorra a configuração da venda casada, é necessário mais do que apenas a venda de produtos diversos que formam um todo, mas sim que essas partes não possam se completar sem a outra a ser adquirida ou que na obtenção do bem material ou serviço, seja atribuída a necessidade de que se venha auferir um outro bem ou serviço.
Como será melhor explorado posteriormente, a venda casada se manifesta de diversas formas, e possui efeitos negativos que podem prejudicar a economia.
4.2 O CASO DO IPHONE VENDIDO SEM O CARREGADOR E SIMILARES
Uma vez estabelecido o que é e o que não é uma venda casada, faz-se imperioso olhar para os casos práticos, e nessa seara em que o presente projeto se propõe a versar, o caso da marca norte-americana Apple que passou a vender o seu produto principal, o Iphone, separadamente de seu carregador.
De acordo com Blassi (2022) o caso com o celular norte-americano começou em 2020, com a tentativa de venda sem o carregador, o que fora suspendido por decisão judicial. O processo ao qual se refere a suspensão é o Mandado de Segurança, Processo nº 1073642-37.2022.4.01.3400, que tramita na 17ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, e também temos o Agravo de Instrumento nº (202) 1001830-13.2023.4.01.0000, este tramitando no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Melo (2023) aduz que quem move o processo é a Advocacia Geral da União em prol da defesa do consumidor brasileiro, além da suspenção, há também a multa de R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais). E a Apple, obviamente, procurou recorrer da decisão proferida nos autos do processo.
Trata-se, portanto, de uma situação que é bastante intricada e também insultante, já que sem o carregador, o aparelho celular não funcionará, e considerando o alto valor de um Iphone, é torna-se quase incoerente pensar que seria um grande encargo dispendioso para a Apple, inserir o carregador na venda do aparelho celular, considerando-se que se trata de um aparelho celular com um importe que irá variar entre de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Anote-se que esse é o caso em destaque e o carro-chefe quando se faz referência à venda casada no cenário contemporâneo, entretanto, aludida prática não se dá unicamente com bens materiais, mas também com serviços, como por exemplo, é o caso dos processos nº 0050239-51.2020.8.06.0038 do Estado do Ceará, além dos processos nº 0652769-76.2022.8.04.0001 e nº 0761093-97.2021.8.04.0001, ambos do Juizado Especial Cível do Amazonas, portanto, são exemplos de relações consumeristas financeiras com entidades bancárias, em que se processaram contratações obrigatórias além do que fora, de forma objetiva, contratado, sendo considerado um inegável abuso por parte dos ofertantes dos serviços.
Demonstra-se assim que não diz respeito a acontecimento isolado, mas algo que tem ocorrido com bastante constância, em inúmeras escalas, em todas as instâncias e regiões do nosso País.
4.3 CONSEQUÊNCIAS DA VENDA CASADA NO MERCADO NACIONAL
Após definir o que se trata o ilícito principal do presente trabalho e a expansão de seus danos, é relevante aqui abordar os seus efeitos e também as suas consequências no mercado nacional.
Para Cravo (2013) trata-se de uma prática lesiva ao livre arbítrio dos consumidores, subtraindo-se a sua gerência sobre as próprias compras, posto que muitas vezes a venda casada não se desponta essencialmente como uma cominação opcional, como no caso do Iphone, em que o consumidor pode escolher por não comprar o carregador, entretanto o seu aparelho não irá funcionar, ou seja, de forma eventual necessitará do carregador, todavia não é obrigado a adquiri-lo.
Sabe-se que em outras situações como é comum em ocasiões desse ilícito na esfera bancária, serviços extras são atrelados à contratação de serviço original, os quais os consumidores desconheciam.
Ocorre que pela própria organização do Poder Judiciário, ele permanece parado até que então seja instigado por jurisdicionados que possuam competência e interesse para judicializar a demanda, assim, para que haja o processamento contra os praticantes de venda casa, torna-se imprescindível uma sociedade que conheça os seus direitos e ingresse em juízo para solucionar referidas celeumas.
De acordo com Cravo (2013) quando práticas do ilícito abordado e já bem conceituado, são considerados impunes, se está atuando no sentido de precarizar o livre mercado, pela conduta predatória dos ofertantes para com os seus clientes.
Não se almeja a conjectura de uma paralização massiva do consumo, vez que como nossa sociedade se encontra organizada, mencionado cenário é quase impraticável. O que está sendo enfatizado é a situação que tanto se abordou aqui como perda do livre arbítrio, muitas dessas vendas casadas prendem o consumidor àquele produto e/ou serviço, além de adquirir extras compulsoriamente, gerando uma relação de dependência e exploração do consumidor, mantendo-o preso a uma relação de consumo, de forma que não há obrigação por parte do ofertante de fornecer qualidade, posto que o cliente está enlaçado de escolha e opção.
De acordo com Silva et al (2020), o não enfrentamento desse panorama, passa a propiciar que a qualidade do serviço e oferta de produtos no livre mercado seja fragilizado, com o processo de dominar o consumidor em relações de consumo consideradas totalmente abusivas.
Assim, o fomento do conhecimento e acesso aos direitos do consumidor, alinhado com posterior denúncia de casos desses ilícitos ajudam a combater tais abusos tanto judicial, quanto na esfera extrajudicial.
Anote-se que a conduta relacionada à venda casada, ainda, é considerada como infração à ordem econômica, como se infere do art. 36 da Lei nº 12.529, de 30/11/2011, trata-se da lei que passou a estruturar o sistema brasileiro de defesa da concorrência:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: VIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;
Assim, é manifesta, então, a aversão e o problema social que a venda casada constitui para a sociedade, sendo analisada até mesmo como sendo infração à ordem econômica, posto que os mesmos fatores que danificam o mercado, prejudicam os direitos dos consumidores que se encontram fragilizados nesta relação.
O Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC4 (2023) aduz que a venda casada é também denominada de venda condicionada, conjugada ou cruzada, aludida prática é coibida pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC e daí o seu direito de contestála, senão vejamos:
É o que chamamos de venda casada, também conhecido como venda condicionada, cruzada ou conjugada. Essa pratica é ilegal, abusiva e desrespeita o Código de Defesa do Consumidor.
Situações de venda casada inibem a liberdade de escolha e por isso proibidas por lei, definidas como crime contra a ordem econômica e contra as relações de consumo. Ela viola os artigos 6º, II e 39, I do Código de Defesa do Consumidor e artigo 5º, II e III, da Lei nº 8.137/1990. (Negritos de agora).
Depreende-se que o consumidor tem o direito de impugnar a venda casada, posto que ao compreender que está sendo vítima dessa prática ilegal, é essencial que o consumidor exerça os seus direitos e proceda com uma denúncia aos Órgãos de Proteção de Defesa do Consumidor – PROCON. Sendo necessário conservar os comprovantes atinentes à compra, para que se possa pleitear o ressarcimento pelo dano sofrido.
Ademais, caso ocorra uma prática de venda casada por parte dos bancos, aconselha-se proceder com uma reclamação junto ao Banco Central do Brasil – BACEN. E nas situações de serviços de telecomunicações, denuncia-se para o Órgãos de Proteção de Defesa do Consumidor – PROCON e também para a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. Considera-se que a venda casada é definida como sendo crime contra a ordem econômica e contra as relações de consumo.
Atente-se ainda que o site consumidor.gov.br diz respeito a um serviço público instituído pela Secretaria Nacional do Consumidor – SENACON para a solução alternativa de conflitos envolvendo o consumidor e qualquer pessoa pode registrar uma reclamação às empresas cadastradas na aludida plataforma, que tem por obrigação responder ao registro. Sendo que para utilizar a plataforma, é indispensável ter uma conta com o seu CPF que pode ser criada de forma instantânea, caso ainda o consumidor não possua uma conta bancária.
São vários os meios de se proceder, extrajudicialmente e administrativamente, com a reclamação ou impugnação em decorrência de uma venda casada sofrida pelo consumidor por aqueles que ofertam produtos e serviços.
Pode o consumidor, em decorrência da infração cometida, partir para judicializar a reclamação. Assim, em primeira instância os casos levados à apreciação da justiça serão um combate às essas transgressões consumeristas, e com a percepção social e midiática, por parte dos ofertantes de produtos e serviços, de que tais práticas são devidamente punidas, se sentirão coagidos a não as executar, assim promovendo uma queda gradativa desses comportamentos e preservando o livre mercado.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão sobre a prática da venda casada revela uma realidade complexa e multifacetada que impacta não apenas os consumidores, mas também o mercado como um todo. Este trabalho explorou a natureza prejudicial dessa prática, destacando seus efeitos nocivos e suas ramificações em diferentes setores da economia brasileira.
Em primeiro lugar, é essencial reconhecer que a venda casada não se limita a uma questão financeira; ela vai muito além, afetando a autonomia e o livre arbítrio dos consumidores. Ao impor a aquisição de um produto ou serviço adicional para obter outro de interesse, os comerciantes não apenas desrespeitam os direitos dos consumidores, mas também distorcem o funcionamento saudável do livre mercado.
A venda casada é uma prática que mina a confiança dos consumidores nas relações comerciais, gerando um clima de desconfiança que pode desencorajar o consumo e, por sua vez, afetar negativamente a economia. Quando os consumidores se sentem presos em relações abusivas de consumo, isso não apenas deprecia sua capacidade de fazer escolhas informadas, mas também limita a concorrência e a inovação no mercado.
O caso emblemático do iPhone vendido sem o carregador ilustra vividamente os efeitos prejudiciais da venda casada. Ao tentar comercializar o dispositivo sem um componente essencial para o seu funcionamento, a empresa não apenas desrespeita os direitos dos consumidores, mas também coloca em evidência a ganância e a falta de consideração pelos interesses dos clientes.
Além disso, a abordagem da venda casada não se limita apenas a bens materiais; também se estende a serviços, como evidenciado pelos casos envolvendo instituições financeiras. A imposição de serviços adicionais sem o consentimento dos consumidores é uma clara violação dos princípios básicos do direito do consumidor e contribui para um ambiente de exploração e abuso.
No entanto, é importante reconhecer que a luta contra a venda casada não é uma batalha perdida. Por meio da conscientização dos direitos do consumidor, das reclamações junto aos Órgãos de Proteção do Consumidor e demais legalmente instituídos, como também do acesso à justiça, é possível combater essas práticas abusivas e promover um ambiente mais justo e transparente para todos os envolvidos. Ações judiciais e denúncias públicas são ferramentas essenciais nesse processo, pois enviam um claro sinal de que tais práticas não serão toleradas e podem resultar em consequências sérias para os infratores.
Ademais, é fundamental que as autoridades competentes estejam vigilantes e atuem proativamente na fiscalização e na aplicação da legislação pertinente. A criação de políticas e regulamentações mais rigorosas podem ajudar a prevenir a ocorrência de venda casada e proteger os consumidores de possíveis abusos.
Em suma, a venda casada é um problema sério que exige uma resposta enérgica e coordenada de todos os atores envolvidos, desde os consumidores e as empresas até as autoridades reguladoras. Somente por meio de esforços conjuntos e uma abordagem firme pode-se garantir um mercado justo, transparente e verdadeiramente livre para todos.
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¹Acadêmico do Curso de Direito. E-mail: suelem_eduardos@hotmail.com. Artigo apresentado à Faculdade UniSapiens, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
²Acadêmico do Curso de Direito. E-mail: lucianandias3004@gmail.com. Artigo apresentado à Faculdade UniSapiens, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
³Professora Doutora do Curso de Direito. E-mail: vera.aguiar@gruposapiens.com.br.