REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11005452
Claudia Alves e Souza¹;
Emilene Dias Fiuza Ferreira²;
Valéria do Amaral³.
RESUMO
Desde o final da década de 1980, as substâncias alucinógenas vêm ganhando espaço, especialmente as derivadas de vegetais, como a ayahuasca, que é uma bebida psicoativa originada da Amazônia preparada com dois ingredientes: o cipó conhecido como mariri ou jagube (Banisteriopsis caapi) e o arbusto chamado chacrona (Psychotria viridis). Essas substâncias contidas no famoso chá de Santo Daime (ayahuasca) podem causar vários danos à saúde, inclusive psiquiátricos, através de seus efeitos colaterais (os quais muitas vezes superam os benefícios) e da intoxicação que pode ser causada por elas. Portanto, nesta pesquisa consta uma revisão sobre a farmacologia e a toxicologia envolvidas no chá de ayahuasca..
PALAVRAS-CHAVE: Banisteriopsis caapi; Dimetiltriptamina; Harmalina; Psycotria viridis; Toxicologia.
ABSTRACT
Since the end of the 1980’s decade, the hallucinogenic substances have been taking space, specially the plant-derived ones, such as ayahuasca, which is a psychoactive beverage originated from Amazon rain forest prepared with two ingredients: the vine known as mariri or jagube (Banisteriopsis caapi), and the bush called chacrona (Psychotria viridis). These substances contained in the famous tea of Santo Daime (ayahuasca) can cause many damages to health, including psychiatric damages, through their side effects (which very often overcome the benefits) and the intoxication that can be caused by them. Therefore, this research includes a review about the pharmacology and the toxicology involved in the ayahuasca tea..
KEYWORDS: Banisteriopsis caapi; Dimethyltryptamine; Harmaline; Psycotria viridis; Toxicology.
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como tema o estudo toxicológico da ayahuasca. Nela, serão abordadas algumas questões, como quais são os mecanismos de ação de seus compostos ativos? Quais os possíveis desfechos clínicos decorrentes de seu uso? Quais os dados epidemiológicos locais acerca da intoxicação causada pela ayahuasca?
O uso histórico de substâncias psicotrópicas naturais (plantas e cogumelos, por exemplo) pode ser notado em artes históricas (inclusive rupestres), especialmente quando há um contexto sagrado. Como exemplo, existem registros da civilização maia sobre alguns desses vegetais e fungos que eram usados para alcançar uma comunicação com entidades divinas de sua cultura. (Oga; Camargo; Batistuzzo, 2014)
Ainda, segundo Simão et al. (2019), os rituais religiosos com a consagração da ayahuasca costumam acontecer a cada 2 meses.
Fazendo uma ponte com a atualidade, com a popularização de práticas místicas xamânicas, houve um aumento do uso de alucinógenos, muitas vezes de forma ilegal. Dentre essas práticas, se destacam as cerimônias de origem indígena com o uso da ayahuasca (chá feito a partir de Banisteriopsis caapi e Psycotria viridis) – tema da pesquisa -, que têm compostos alcalóides como as ß-carbolinas (harmina e harmalina, que são inibidoras reversíveis da MAO) e o derivado indólico N,N-dimetiltriptamina (DMT, que é agonista de vários receptores serotoninérgicos). Esses princípios ativos mexem com o sistema nervoso de várias formas. Sendo assim, há uma dosagem quantitativa dessas substâncias a partir do chá e que será abordada nesta revisão. (Oga; Camargo; Batistuzzo, 2014)
Segundo Fonseca e Rodrigues (2021), como essas cerimônias fazem parte de culturas indígenas brasileiras, especialmente as que se desenvolveram nas proximidades da Bacia do Rio Amazonas, existem igrejas e comunidades voltadas para essa prática ritualística aqui no Brasil, como a doutrina do Santo Daime. Portanto, existe uma legislação acerca do uso do chá.
Tendo tudo isso em vista, de acordo com Assis e Conceição (2020), a expansão da influência da ayahuasca mundialmente se deu nos anos 1980 e, portanto, é de suma importância que se conheça os mecanismos farmacológicos que podem trazer benefícios ou danos. Então, tendo essas informações em mãos, pode-se medir a segurança do uso do chá.
Ademais, os efeitos da ayahuasca (que, segundo Gonçalves et al., significa “corda da alma”) podem variar de acordo com a procedência do chá (que interfere no grau de pureza da substância) e as circunstâncias nas quais ele é ingerido. (Daldegan-Bueno et al., 2022)
Dentre os efeitos tóxicos e/ou colaterais da ayahuasca, se destaca a indução de quadros psicóticos (alucinações e/ou delírios) que precisam ser controlados com antipsicóticos, como em um caso relatado na publicação de Palma-Álvarez et al. (2021).
É importante, também, levar em consideração que o DMT e os inibidores da MAO podem interagir com uma série de fármacos e outras drogas, inclusive entre si. Portanto, essas substâncias podem causar uma atividade sinérgica ou antagônica com outras drogas. (Simon et al., 2020)
De acordo com Goldin e Salani (2021), os provedores de saúde, junto aos profissionais das equipes que saúde, precisam estar atentos à intoxicação por ayahuasca, suas interações medicamentosas e como proceder corretamente diante desses casos.
Diante do exposto, este artigo fará uma revisão sobre a farmacotoxicologia das substâncias contidas nas plantas do chá de ayahuasca e sobre possíveis desfechos através de relatos de caso. Para mais, será feita uma pesquisa sobre as condutas que são indicadas na clínica para diagnóstico e tratamento de intoxicações e efeitos adversos pelo uso da ayahuasca.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 METODOLOGIA
A metodologia desta pesquisa será de natureza básica, ao passo que se fará uma revisão de literatura, com abordagem qualitativa, já que se levantarão dados qualitativos. Para tanto, haverá a realização de uma revisão que incluirá uma série de relatos de caso e textos publicados sobre a toxicologia das substâncias (dimetiltriptamina e harmalina, presentes no chá de ayahuasca).
Na plataforma Cochrane, a pesquisa foi feita por “toxicity and Banisteriopsis or Psychotria or ayahuasca” em palavras-chave, título e resumo. A pesquisa resultou em 45 Trials de 2003 a 2023, porém não resultou em nenhuma revisão, assim como a pesquisa apenas pelo termo “ayahuasca”. Portanto, não se obteve resultados acerca de revisões que abordem o tema da pesquisa na plataforma, ressaltando a escassez de produções do tipo sobre o tema. Sendo assim, já que as revisões do Cochrane seriam a base para identificar a lacuna e direcionar a pergunta norteadora da pesquisa, se manteve o tema já citado (efeitos tóxicos sistêmicos da Banisteriopsis caapi em associação com a Psycotria viridis — chá de ayahuasca).
Para a revisão, foram utilizados relatos de caso de intoxicação, séries de casos de intoxicação, estudos toxicológicos in vitro, in vivo e em seres humanos. Além disso, as bases de dados que serão consultadas serão a PubMed, Science Direct, LILACS, sendo que os critérios de inclusão serão trabalhos a partir de 2003 até 2023, nos idiomas português, inglês e espanhol, trabalhos que estejam na íntegra, trabalhos que consigam responder à pergunta norteadora e ser artigo científico publicado em revista científica, já os critérios de exclusão serão trabalhos de revisão, trabalhos pagos. Ademais, os descritores da pesquisa serão pesquisados no DeCS/MeSH (descritores em ciências da saúde) e os mesmos serão utilizados para cruzamento de dados com os operadores booleanos AND e OR.
A sistematização dos estudos foi feita com a estratégia PICOD, que se aplicou da seguinte forma na busca:
- Pergunta norteadora: Quais são os efeitos tóxicos sistêmicos da Banisteriopsis caapi em associação com a Psycotria viridis — chá de ayahuasca?
Quadro 1. Estratégia PICOD para pesquisa e busca.
Sigla e significados | Correspondências da sigla | Descritores e operadores booleanos |
---|---|---|
P: População/ Paciente/ Problema | Pessoas que ingeriram o chá de ayahuasca | (Ayahuasca OR “Banisteriopsis caapi” OR “Psychotria viridis” OR “Chá de Santo Daime”) |
AND | ||
I: Intervenção | Não há | — |
C: Comparador | Não há | — |
O: Outcomes (desfechos) | Efeitos tóxicos sistêmicos e desfecho do caso, se for relato de caso | (“Efeitos tóxicos” OR Toxicidade OR Intoxicação OR Toxicologia OR “Substâncias Tóxicas” OR “Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias” OR Neurotoxinas OR Neurotoxina”) |
D: Desenho de estudo/ Delineamento | A depender de cada artigo analisado | — |
Fonte: autoria própria, adaptado de SANTOS, Cristina Mamédio da
Costa; PIMENTA, Cibele Andrucioli de Mattos; NOBRE, Moacyr Roberto Cuce. A estratégia PICO para a construção da pergunta de pesquisa e busca de evidências. Ribeirão Preto: Rev Latino-am Enfermagem, 2007.
2.2 RESULTADOS
2.2.1 Seleção de estudos
Para esquematizar a seleção de estudos a serem incluídos na revisão, foi utilizada a ferramenta PRISMA Flow Diagram.
Fluxograma 1. Identificação de estudos via base de dados.
2.2.2 Resultados dos estudos selecionados
O quadro abaixo (Quadro 2) apresenta o resultado da sistematização da pesquisa em cada publicação de acordo com autores, ano de publicação, título da publicação, tipo de estudo (delineamento), objetivo e conclusões/resultados que são relevantes ao tema desta revisão.
Quadro 2. Sistematização das publicações resultantes da pesquisa.
Autores | Ano | Título | Tipo de estudo | Objetivo | Resultados |
SIMÃO et al. | 2019 | Toxicological Aspects and Determination of the Main Components of Ayahuasca: A Critical Review | Revisão crítica | Abordar os aspectos toxicológicos dos compostos da ayahuasca e sua determinação em amostras biológicas e não biológicas com abordagens na preparação das amostras, principalmente in vitro | Uso prolongado pode causar episódios psicóticos Efeitos adversos do consumo a partir de 1 mg/kg de DMT via oral são: diarréia, náusea, vômito, aumento da frequência cardíaca (aumento de cerca de 26 bpm), pressão arterial (aumento, em média, de 32,5 mmHg) e temperatura retal, já em altas doses tem efeito calmante Dose única pode causar redução rápida de sintomas depressivos, estado de pânico e ansiedade, dores etc Efeitos positivos na neurogênese Não há evidências de que a DMT cause dependência, mas pode causar transtornos psicológicos, como sofrimento emocional, ou até esquizofrenia 20-50 mg de harmina (uma β-Carbolina) via oral causa efeitos psicodélicos de 20 min a 8 h Harmina pode causar disautonomias como midríase, salivação, lacrimação, hipertermia, hiperglicemia, hipotensão etc As β-Carbolinas causam comportamentos agressivos em humanos e animais, assim como efeitos psicodélicos, emocionais, náusea e vômitos Os efeitos psicodélicos da harmalina só começam a partir de 4 mg/Kg via oral, depois de 1 h A harmalina e harmina possuem potencial terapêutico para a Doença de Parkinson A dose de um ritual geralmente é 0.146 mg/mL de DMT, 0.12 mg/mL de harmalina e 1.56 mg/mL de harmina Em um estudo com ratos Wistar, apenas os ratos que receberam uma dose 8x maior que a habitual apresentaram estresse (2 deles vieram a óbito), sendo que esses e os que receberam uma dose 4x maior que a habitual apresentaram inapetência, além de apresentarem efeitos tóxicos na reprodução e/ou diminuição do tamanho testicula In vitro, não demonstrou toxicidade celular digna de evidência, mas é necessário mais investimento nesse tipo de pesquisa |
SIMÃO et al. | 2020 | Evaluation of the Cytotoxicity of Ayahuasca Beverages | Pesquisa avaliativa | Estudar os efeitos citotóxicos dos componentes da ayahuasca e também de outras plantas (Peganum harmala, Mimosa tenuiflora e Dc Ab (nome comercial)) em linhagens celulares dopaminérgicas imortalizadas | O chá de ayahuasca causou uma toxicidade dosedependente em neurônios dopaminérgicos mesencefálicos de ratos in vitro, sugerindo uma neurotoxicidade exercida pela sinergia dos compostos das duas plantas Os mecanismos celulares dessa citotoxicidade não foram esclarecidos Além da diminuição da viabilidade celular, o conteúdo proteico celular também diminuiu quando em contato com cada substância, assim como quando expostas às duas combinações tradicionais do chá de ayahuasca |
GONÇALVES et al. | 2023 | A Systematic Review on the Therapeutic Effects of Ayahuasca | Revisão sistemática | Revisar a investigação das propriedades bioativas associadas à ayahuasca e seus efeitos terapêuticos | O uso terapêutico da ayahuasca pode ser benéfico em algumas condições, mais em distúrbios psicológicos, com ressalvas no tratamento de desequilíbrios químicos e de adicção Efeitos promissores no combate às patologias associadas à microbiologia dermatológica ou em doenças neurodegenerativas Existem mais estudos com voluntários em rituais e em trials do que de fato in vivo ou in vitro, limitando os resultados apresentados |
GONÇALVES et al. | 2020 | Ayahuasca Beverages: Phytochemical Analysis and Biological Properties | Pesquisa avaliativa | Avaliar o perfil fitoquímico, antioxidante, anti-inflamatório e antimicrobiano de 4 plantas e de 4 misturas das 2 plantas usadas no chá de ayahuasca | Inibição da peroxidação lipídica Limpeza de radicais livres Inibição da desnaturação de proteínas Inibição anti-quorum da Chromobacterium violaceae Atividade antibiofilme contra a A. baumannii |
GONÇALVES et al. | 2021 | Psychoactive Substances of Natural Origin: Toxicological Aspects, Therapeutic Properties and Analysis in Biological Samples | Revisão | Revisar os aspectos toxicológicos, uso tradicional e terapêutico e métodos analíticos em bases biológicas de 12 plantas, dentre elas, as da ayahuasca | Há uma escassez de legislação para controlar o uso A DMT é uma triptamina que age como agonista dos receptores de serotonina 5HT1A/2A/2C Quando ingerido sozinha, a DMT é degradada rapidamente pelas monoaminoxidases periféricas, mas quando ingerido com alcalóides βCarbolínicos (inibidores reversíveis da MAO-A) consegue penetrar o sistema nervoso central A tetrahidroharmina inibe a recaptação de serotonina aumentando os efeitos da DMT Usuárias referem alucinações visuais, mudanças de temperatura, de tamanho pupilar, com mudanças nos sistemas imune, endócrino e cardiovascular (midríase, hipertensão, taquicardia, vômito, agitação, ansiedade, paranoia e depressão) Possui agentes antioxidantes e antimicrobianos, panicolíticos, entre outros Ação em neurônios dopaminérgicos Redução da depressão mantida por 3 semanas O uso da ayahuasca é permitido em contexto religioso no Brasil e nos Estados Unidos da América, mas os EUA controlam substâncias que contêm DMT A detecção dos compostos pode se dar por sangue, plasma, urina e até em pêlos/cabelo |
GONÇALVES et al. | 2022 | Evaluation of the In Vitro Wound- Healing Potential of Ayahuasca | Pesquisa avaliativa | Avaliar o potencial cicatrizante de 4 misturas das 2 plantas usadas no chá de ayahuasca | Somente uma amostra mostrou citotoxicidade e as outras mostraram migração de fibroblastos da pele, sendo que a DMT e os alcalóides não foram absorvidos pelas células |
GONÇALVES et al. | 2021 | In Vitro Study of the Bioavailability and Bioaccessibility of the Main Compounds Present in Ayahuasca Beverages | Pesquisa avaliativa | Determinar a biodisponibilidade e bioacessibilidade dos principais compostos em 4 misturas das 2 plantas usadas na ayahuasca | A DMT, Harmina, Harmalina, Harmol, Harmalol e Tetrahydroharmine foram liberados da matriz durante a digestão in vitro, se tornando biodisponíveis, sendo que algumas delas ficaram biodisponíveis após incubação com monocamada celular, mas em menor concentração A digestão não é necessária para a absorção intestinal Não foi aferida citotoxicidade na incubação com os extratos das plantas e a integridade da monocamada celular foi preservada, sugerindo que as substâncias não interferiram nas junções intercelulares |
SIMÃO et al. | 2021 | Correction: Simão, A.Y., et al. Evaluation of the Cytotoxicity of Ayahuasca Beverages. Molecules 2020, 25, 5594 | Errata de uma revisão crítica | Clarificar algumas questões da publicação anterior para evitar divergências de interpretação, especialmente sobre as amostras utilizadas, que poderiam estar contaminadas com outras substâncias não comumente ligadas às substâncias estudadas | Os efeitos das plantas estudadas sobre o sistema nervoso central permanecem muito desconhecidas Existe uma toxicidade dosedependente, de fato, da ayahuasca sobre as células neuronais dopaminérgicas, sendo que os compostos de cada planta exercem a neurotoxicidade em sinergia |
SANTOS et al. | 2017 | Reproductive effects of the psychoactive beverage ayahuasca in male Wistar rats after chronic exposure | Experimental | Investigar os efeitos reprodutivos da ayahuasca em ratos Wistar machos após exposição crônica | Aumento significante da testosterona sérica Diminuição do tempo de trânsito espermático e de reservas espermáticas no epidídimo no grupo que tomou 4x a dose, mas não no grupo que tomou a dose mais alta (8x a dose) Sem alterações nos outros parâmetros Efeito potencialmente tóxico em ratos que receberam 4x a dose, com dose-resposta não monotônica |
ABANADES et al. | 2005 | Alucinógenos: ¿drogas para soñar? | Carta ao diretor | Adicionar comentários ao estudo de RoyoIsach et al. | Os usuários adictos de alucinógenos (tais como os naturais como a ayahuasca ou outros sintéticos) recorrem a outras substâncias durante a “recaída”, principalmente álcool e Cannabis Há um policonsumo de substâncias alucinógenas em festivais de música eletrônica ou na “cultura de clube”, representando boa parte do consumo de alucinógenos atualmente |
JÚNIOR, Tenes Dias de Jesus; SALVI, Jeferson de Oliveira; EVANGELISTA, Dilson Henrique Ramos | 2015 | Ayahuasca, qualidade de vida e a esperança de adictos em recuperação: relatos de caso | Relatos de caso/Estudo observacional | Descrever e relacionar a vivência no uso ritualístico da Ayahuasca à descontinuidade do abuso de substâncias | Através do questionário aplicado, observou-se que muitos usuários ficaram satisfeitos com o uso ritualístico da ayahuasca, ao passo que o consideraram um instrumento essencial para a desistência do uso de substâncias químicas É necessária padronização posológica para a realização de estudos maiores, uma vez que este estudo foi realizado em uma única comunidade religiosa, com apenas 6 participantes |
2.2.3 Discussão
A partir das informações obtidas através do Quadro 2 pode-se inferir que os parâmetros analisados são diversos e que os resultados apontam tanto para efeitos nocivos quanto para efeitos benéficos. Portanto, é necessária uma abordagem mais multicêntrica com vários grupos, visando delimitar um público para o qual a ayahuasca tenha efeito benéfico e a dose. Dessa forma, pode-se pensar no desenvolvimento de uma droga farmacêutica fitoterápica a partir desses compostos.
Todavia, também existem efeitos adversos importantes, que podem levar a desfechos ruins através da intoxicação. Além disso, pôde-se notar a ação da DMT sobre os receptores serotoninérgicos, podendo causar uma interação medicamentosa com inibidores seletivos da recaptação de serotonina, por exemplo, ou, ainda, com medicações que interferem na ação do sistema nervoso autônomo, como a escopolamina (sendo, inclusive uma possível opção terapêutica para vômitos e diarreia causados pela intoxicação pelo chá de ayahuasca, além de, é claro, hidratação via fluidoterapia), que tem ação antiespasmódica pelo bloqueio muscarínico.
Quanto à psicose, sua fisiopatologia está mais ligada à ação dopaminérgica na via mesolímbica. Sendo assim, pode-se inferir uma ação da ayahuasca na dopamina não só através das β-Carbolinas, mas também através da neurogênese de neurônios dopaminérgicos. Portanto, é discutível se o uso do chá pode levar a síndromes psicóticas, como o transtorno esquizofreniforme, ou a própria esquizofrenia, especialmente quando o paciente em questão tem predisposição a esse tipo de transtorno. Então, pode ser necessário lançar mão de antipsicóticos.
É necessário, também, ressaltar a importância dos estudos in vitro, uma vez que demonstram a ação dos compostos a nível celular/molecular. No entanto, é preciso de mais estudos in vivo e, depois, em seres humanos para a consolidação ou não de evidências sobre desfecho e possíveis tratamentos da intoxicação.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o processo de pesquisa de trabalhos nos bancos de dados citados na metodologia, foi notada a escassez de artigos científicos que respondessem a pergunta norteadora. Portanto, um dos principais objetivos deste trabalho é aumentar a produção científica acerca do assunto, que vem se tornando recorrente no contexto brasileiro, de forma a difundir o conhecimento para colaborar com a adoção de práticas clínicas e em saúde pública.
Ademais, averigua-se que essa discussão permeia questões culturais e religiosas, que devem ser levadas em consideração e respeitadas quando as práticas forem exercidas de forma ética e legal.
Além disso, nota-se no desenvolvimento da pesquisa que os estudos abordados sempre demarcam a necessidade de se esclarecer mecanismos com mais detalhes e a falta de trabalhos que esclareçam tanto a parte bioquímica quanto a parte clínica.
Infelizmente, como a estratégia de busca não resultou em relatos de caso, não foi possível concretizar uma revisão de uma série de casos. Sendo assim, numa próxima pesquisa, será válido delimitar tal recorte na pergunta norteadora e, consequentemente, na estratégia de busca.
REFERÊNCIAS:
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JÚNIOR, Tenes Dias de Jesus; SALVI, Jeferson de Oliveira; EVANGELISTA, Dilson Henrique Ramos. Ayahuasca, qualidade de vida e a esperança de adictos em recuperação: relatos de caso. Buenos Aires: Acta toxicol. argent, 2015. Páginas 53-61.
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¹Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR. Bolsista PIBIC/ICETI-UniCesumar. ra-20143179-2@alunos.unicesumar.edu.br
²Orientadora, Doutora, Docente no Curso de Medicina, UNICESUMAR. Pesquisadora do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação – ICETI. emilene.ferreira@docentes.unicesumar.edu.br
³Orientadora, Doutora, Docente no Curso de Medicina, UNICESUMAR. Pesquisadora do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação – ICETI. valeria.amaral@docentes.unicesumar.edu.br