SAÚDE E DIREITOS HUMANOS: EXPERIÊNCIAS CULTURAIS COM EDUCANDOS DE PROJETO SOCIAL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10934263


Oliveira, Everton Conceição1
Pires, Rosely Silva2
Silva, Joaquim Luiz3
Pereira, Socrates da Silva4
Acker, Brener Araújo5


INTRODUÇÃO

Este texto tem como objetivo analisar uma experiência com a cultura, especificamente capoeira, dança e maculelê, na intenção de entender as possibilidades da mesma como manutenção de direitos humanos e de saúde numa perspectiva ampliada. Para abordar a temática, iremos utilizar de primeira mão uma discussão e análise do conteúdo dança numa perspectiva histórica, abrangendo temáticas como a de Fahlbusch (1990) onde resgataremos a história da dança voltada para um ponto de vista de agência social, onde o autor descreve a interação direta da dança desde o início da humanidade.

Trabalharemos também com o olhar de Oliveira (2001, p.14) para descrever e analisar as possibilidades da dança na construção de relação de direitos a partir de uma dinâmica mais coletiva, tendo em vista que a autora relata em seu trabalho que em tempos primitivos a dança era instrumento de relação com o próximo. Com Nani, trabalharemos a dança numa perspectiva de saúde, abrangendo as áreas da emoção, da comunicação e outras possibilidades, no seu trabalho ela aborda que independente da época, a dança é uma fonte de representação de estado de espírito e de emoção.

O artigo também traz no seu corpo teórico um relata sobre a Osc Secri e como a Dança, Capoeira e o Maculelê são utilizados como instrumentos para proporcionar transformações sociais dentro da Osc e na comunidade, demonstrando o potencial da dança em produzir inclusão, empoderamento, desenvolvimento pessoal e comunitário.

Dessa forma, Duarte e vários outros autores encontrados neste trabalho serão utilizados para entender todo esse movimento criativo que desperta no sujeito o protagonismo da sua história. Ajudando a entender como se constrói o trabalhado na Osc Secri em que as crianças aprendem com a cultura a fazer a reinvenção de sua própria história. A dança ainda possibilita uma melhor interpretação da realidade que cerca cada praticante, dando abertura para um entendimento social e cultural mais amplo para que o indivíduo perceba-se e se conscientize de sua capacidade possibilitadora.

Entendemos que o trabalho realizado pelo meio cultural com esses educandos possibilita os mesmos a entenderem as manifestações culturais e proporciona o fortalecimento desses sujeitos em vulnerabilidade social, o que também caracteriza como fortalecimento e saúde numa dimensão ampliada.

2 CENÁRIO HISTÓRICO DA DANÇA: A DANÇA COMO POSSIBILIDADE EDUCATIVA

O homem vive com uma enorme necessidade de expandir seu horizonte, levando junto o conhecimento de novas culturas. Estamos envolvidos numa realidade onde muito se fala da importância da diversidade cultural, mas muito pouco se faz em prol de um trabalho que realmente valorize essa diversidade, e acabamos indo contra aquilo que o tempo e a história nos forneceram, esquecendo-se da importância que certos costumes, gestos e atitudes têm em nossa relação como ser humano.

De acordo com Fahlbusch (1990), a dança sempre esteve ligada à sociedade e não há como relatar fatos ligados à dança sem descrever a imensidão do seu legado histórico em função do homem. Falar de sua corporeidade é resgatar a história de um ser social, que teve a dança como parte integrante do seu processo de desenvolvimento. Era através da dança que o homem em tempos mais remotos – que denominamos de primitivo – realçava sua relação com o próximo, com a natureza e consigo mesmo e reafirmava sua participação perante a sociedade. Esse fato é comprovado quando Oliveira (2001, p.14) afirma que:

Uma das atividades físicas mais significativas para o homem antigo foi a dança. Utilizada como forma de exibir suas qualidades físicas e de expressar os seus sentimentos, era praticada por todos os povos, desde o paleolítico 1 superior (60.000 a.C.) 

A dança tinha características lúdicas e ritualísticas, tanto que se percebe um grande envolvimento corporal que era significativo na sociedade antiga, Nanni confirma isso citando em um de seus trabalhos que:

As danças, em todas as épocas da história e/ou espaço geográfico, para todos os povos é representação de suas manifestações, de seus “estados de espírito”, permeio de emoções, de expressão e comunicação do ser e de suas características culturais. (NANNI apud GARIBA, 2007 p. 156)

Devemos frisar que é de fundamental importância o conhecimento da dança e de si mesmo porque através dela, como já foi citado, o homem pode voltar às suas origens e conhecer seu legado cultural, sua história e a de seu povo. A dança sempre esteve ligada a acontecimentos históricos importantíssimos, ela sempre esteve ligada à vida, religião e a saúde, oferecendo assim, uma gama de oportunidades para a expressão corporal.

Robinson, citado por Strazzacapa (2001), para relatar melhor a diversidade encontrada dentro do conteúdo da dança, elaborou um diagrama ao qual denominou de árvore da dança, tentando demonstrar algumas classificações de importantíssimo significado. Segundo o mesmo, no tronco da árvore dá para se observar a interligação de todas as modalidades de dança e que essa ligação é fruto da relação do ser humano com a sociedade, e que a expressão é a motivação essencial na dança. Ao observarmos a classificação, fica claro o envolvimento da dança não só como manifestação cultural de um povo no campo profissional e amador, mas também dentro do setor educativo.

Strazzacappa (2001) resolveu utilizar o diagrama como instrumento de trabalho. Reconheceu que o desenho exposto como árvore mostra claramente as ramificações encontradas no conteúdo da dança, também acredita que a dança pode ser motivada através de três funções fundamentais que são a expressão, a recreação e o espetáculo. 

Devemos levar em consideração a forma como trabalhar o conteúdo da dança e seus elementos, de forma que venhamos oportunizar o desenvolvimento humano por meio das modalidades citadas e não o campo de trabalho escolhido por um ou outro meio de estilo de dança. É crucial que façamos dentro e fora da escola um trabalho voltado para despertar no homem o interesse pela dança, olhando-a como espaço democrático, acabando com a ideia imposta pela maioria da sociedade, de que alguns conteúdos que envolvem a corporeidade sejam privilégio de poucos. 

O homem tem que começar a compreender a dança como linguagem capaz de produzir conhecimento, e ligá-lo ao social, analisando e priorizando o processo de construção e os resultados obtidos, passando a despertar e a ter um pensamento crítico de quem passa pela vivência. Desse modo, a dança pode ser analisada e compreendida como linguagem que pode ser vivenciada e ensinada na medida em que venha desenvolver e contribuir com vertentes cognitivas, éticas e estéticas. 

Esse ponto de vista defende o grau de importância da dança como movimento participativo de vários momentos sociais, onde comunicação, alegria e liberdade são elementos expressivos, encontrados e cruciais na vida do ser humano. Devemos lembrar que o ensino da dança deve ser consciente, partindo do pensamento e do princípio, que o indivíduo, praticante deve entender o que é, e porque fazer o movimento expressivo.

É importante que as pessoas se movimentam tendo consciência de todos os gestos. Precisam estar pensando e sentindo o que realizam. É necessário que tenham a “sensação de si mesmos”, proporcionada pelo nosso sentido sinestésico […], normalmente desprezado. Caso contrário estaremos (sic) diante da “deseducação física” (OLIVEIRA, apud GARIBA, 2001).

Na concepção de Nanni (1998), a consciência adquirida através da dança auxilia o homem a se reafirmar como um ser no mundo, ajudando na interação com sujeitos diferentes, e a relatar sua realidade histórica por meio de sua corporeidade. Até porque, para ser declarado sujeito, o indivíduo deve construir uma integração constante com o contexto sócio-histórico no qual se encontra inserido.

Abordar uma prática com uma pedagogia mais coerente através da dança significa criar possibilidades para que o praticante possa expressar seus sentimentos e sua criatividade, fazendo com que essa linguagem corporal passe a ser transformadora e não apenas reprodutora de movimentos já pré estabelecidos pela sociedade. Autores consagrados como Kunz (2003) e Barreto (2005), trabalham com a ideia de que o processo criativo da dança faz com que os praticantes passem por um processo de modificação mental e corporal.

Fazendo uma analogia sobre essa questão, Strazzacappa e Morandi (2006) argumentam dizendo que, quando a dança estiver na grande parte das escolas, talvez se consiga visualizar e perceber a relação entre a dança, a educação e a sociedade.

Essa afirmação nos faz refletir que a dança pode ser uma grande ferramenta para que o indivíduo passe a trabalhar suas necessidades. Devemos entender a dança como fonte de aprendizado e perceber que a elaboração do conhecimento passa pelo corpo. O ensino da dança deve ser trabalhado em cima de aspectos motores, sociais, cognitivos, afetivos, culturais e artísticos. Pois a utilização da mesma, como conteúdo pedagógico tem a função de superar uma cultura corporal voltada para execução de movimentos já preestabelecidos, produzidos pela humanidade.

Duarte (1991) relata que o processo criativo desperta o indivíduo fazendo com que ele passe a senti-lo, produzindo uma melhor elaboração e compreensão das coisas existenciais, ajudando o indivíduo a ter posições perante a sociedade e suas necessidades.

O grande problema que podemos encontrar é que o ser humano vem sendo moldado e coisificado, passando a seguir modelos que podemos chamar de tradicionais. O homem é obrigado a seguir, pensar e acreditar em valores que a maioria da sociedade acredita, e lugares onde teriam a obrigação de nos ajudar a sermos críticos, criativos e reflexivos, como família e escola, dizem-nos o tempo todo o que fazer, tirando-nos a possibilidade de crescer. A dança serve exatamente para nos ajudar a sermos seres pensantes e não reprodutores ou seguidores de um único pensamento.

Para que a dança consiga ser um caminho a mais para educação, ela tem que ser desvinculada de alguns estereótipos em relação ao gênero masculino e feminino, e ser trabalhada de maneira diferente das outras matérias de sala de aula. Ela tem que ser um atrativo que realmente chame a atenção dos educandos, não trabalhando a técnica em si, mas o desenvolvimento de cada pessoa dentro de suas possibilidades.

2.1 A DANÇA NA ESCOLA: SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOS EDUCANDOS

De acordo com autores como Paul Valey (1936) a dança, vai muito além do ato de dançar. O seu conteúdo engloba o desenvolvimento de habilidades que aparecem na arte de modelar e criar, contribuindo também no desenvolvimento psicomotor do praticante. Paul Valey (1936) relata que a dança é mais que um exercício físico, um divertimento, um ornamento e um passa-tempo social.

Barreto (2005) nos ajuda a compreender melhor esse conceito sobre a dança quando afirma em um dos seus trabalhos que ela é um sinônimo de prazer, utilizado pelo homem, e quando diz que a dança faz com que os sentimentos venham à tona e que isso influencia, fazendo com que o homem passe a conhecer o próprio corpo.

No Brasil, segundo Marques (1997), existe uma preocupação hoje em dia de vários educadores em citar a dança dentro de seus trabalhos e isso tudo aconteceu depois que um grande pensador, conhecido como Roger Garaudy (1980), anunciou a dança como primo pobre da educação. Desde então, ela veio sofrendo várias transformações, até que em 1992 começa a fazer parte do regimento da Secretaria Municipal de Educação do estado de São Paulo, passando a ser uma linguagem diferenciada dentro do currículo escolar, ganhando um grande reconhecimento.  A partir desse momento, a dança vem crescendo e fazendo cada dia mais parte da vida social de homens e mulheres do nosso país. 

Percebemos uma grande preocupação em organizar simpósios, congressos e cursos de nível superior com o intuito de fortificar a dança dentro do currículo de graduação e pós-graduação. Mesmo assim existem problemas que ainda fazem com que a dança fique estagnada e demore a crescer. Um deles é desvendar em que disciplina a dança poderia estar sendo ensinada dentro do setor escolar, e quem estaria habilitado para ministrar este conteúdo, observando que a dança tem o que podemos chamar de multiplinaridade que é a presença de pessoas de culturas e até mesmo de etnias diferentes convivendo em uma intensa troca, e que nome teria a dança dentro da escola, até porque partimos do pressuposto que é conteúdo da Educação Física, mas que pode ser ministradas em paralelo às demais atividades de sala de aula.

Apesar de terem passado alguns anos desde que pesquisas sobre o conteúdo da dança começaram a ser realizadas, temos ainda uma grande preocupação em inseri-la dentro da escola, pode haver um risco na sua prática devido às diversas propostas de ensino que ela traz em seu contexto. Acreditamos que a dança ainda é desconhecida devido aos seus diversos estilos culturais, e que essa visão de risco esteja ligada à preocupação com fatores de formação do profissional que irá trabalhar com o conteúdo da dança, uma vez que ele terá que trabalhar aspectos criativos e transformadores através dela. Porém, já conseguimos olhar a dança como produto capaz de ampliar ações corporais relatando que a mesma, dentro da escola, ajudará na compreensão de valores e por isso deve ser abordada seguindo objetivos educacionais.

[…] a dança é um conteúdo fundamental a ser trabalhado na escola: com ela, podem-se levar os alunos a conhecerem a si próprios e/com os outros; a explorarem o mundo da emoção e da imaginação; a criarem; a explorarem novos sentidos, movimentos livres […]. Verifica-se assim, as infinitas possibilidades de trabalho do/para o aluno com sua corporeidade por meio dessa atividade (PEREIRA, 2001, p. 61).

Com uma visão mais abrangente, Marques (2003), Sborquia e Gallardo (2006) e Strazzacappa e Morandi (2006) abordam em seus trabalhos sobre o processo de escolarização da dança e chamam a atenção quando dizem que por meio de um trabalho consciente desenvolvido através da dança, a escola terá condições de atuar com maior intensidade na formação de indivíduos, com conhecimento de suas possibilidades corporais expressivas. 

Vargas (2003) ainda colabora quando diz que a implantação da dança na escola situa-se como temática da cultura corporal, caracterizada como linguagem expressiva. 

A dança é importante no que diz respeito à formação humana, possibilitando o desenvolver de experiências dos alunos, proporcionando uma gama de olhares novos para o mundo, a mesma tem que ser ensinada na escola com intuito de liberdade e não para o academicismo, com intuito de desenvolver técnicas específicas, encontradas no ballet clássico e no jazz. 

Porém, não se podem negar essas artes tradicionais, até porque um dos verdadeiros objetivos é demonstrar que a dança não está ali por estar, mas para ser aprendida e compreendida, experimentada e explorada, numa perspectiva de fazer com que o indivíduo vivencie seu corpo em toda dimensão, aumentando assim seu aprendizado e seu conhecimento, manifestando-o em seu próprio corpo, dando prioridade a relação consigo mesmo e com os demais a sua volta, passando a ter uma visão de mundo bem mais ampla. Marques (2003, p. 20) ressalta algumas palavras que envolvem a educação pelo movimento para uma melhor compreensão da dança, dizendo que:

[…] os conteúdos específicos da dança são: aspectos e estruturas do aprendizado do movimento (aspectos da corologia, educação somática e técnica), disciplinas que contextualizam a dança (história, estética, apreciação e crítica, sociologia, antropologia, música, assim como saberes de anatomia, fisiologia e cinesiologia) e possibilidades de vivenciar a dança em si (repertórios, improvisação e composição coreográfica).

Através do que foi visto acima podemos perceber a dimensão e a riqueza que a dança traz em seu contexto, porém temos que lembrar que não se deve entender essa diversidade e abrangência como receita de bolo, aumentando uma visão tradicional. Mas sim como algo que auxilie no processo de aprendizagem, desenvolvendo aspectos relacionados ao corpo, a dança e a pluralidade cultural.

Fazendo uma analogia em cima desse pressuposto Sborquia e Gallardo (2006,) relatam que a dança deve ser conduzida de maneira que promova e transmita uma cultura já existente, levando a novas descobertas e um novo conhecimento. Dizem também que a escola deve estar aberta aos valores e vivências corporais que os indivíduos trazem consigo, trabalhando e dando um novo significado aos seus legados corporais. 

Para que haja escolhas significativas devemos valorizar melhor o contexto cultural e social dos alunos, e que o respeito ao educando pelas suas escolhas seja fundamental para o desenvolvimento em termos de opinião, criação e possibilidades, sendo crucial para trabalharmos o cidadão com uma visão mais ampla, crítica, autônoma e participativa. 

O grande problema encontrado é que no processo do desenvolvimento histórico, a educação escolar vem privilegiando os chamados valores intelectuais em relação aos valores corporais. Silva e Damiani (2005) relatam que houve uma inadequação dentro de uma esfera relacionada à sociedade em relação à cultura corporal, ou seja, se verificarmos com atenção perceberemos certa discriminação envolvendo as disciplinas artísticas que são desenvolvidas em vinculo com a ludicidade. Alguns autores apontam uma ausência de seriedade dando para essas atividades certo caráter supérfluo.

2.2 ONG SECRI: TRANSFORMANDO VIDAS ATRAVÉS DA CAPOEIRA, DANÇA E MACULELÊ

A história do Educador Everton da Conceição de Oliveira, com o Serviço de Engajamento Comunitário (SECRI), tem início em 2007. Ao chegar à instituição ficou muito encantado vendo a quantidade de crianças que eram atendidas e como eram tratadas dentro da mesma. Para que tenham uma ideia, o educador se viu dando aulas para primos e filhos de amigos de infância.

Contudo, isso a importância do trabalho, que ali era desenvolvido para cerca de 270 crianças, incluindo adolescentes e jovens, foi ganhando uma importância ainda mais grandiosa, pois poderia ampliar a visão de mundo da comunidade e ajudá-los a  perceberem que existia vida além das paredes da comunidade.

Com o passar do tempo, foi possível perceber o impacto transformador que as atividades de Corpo e Movimento, proporcionavam não só para os participantes da instituição, mas também para as comunidades locais e do entorno. 

Com o tempo, o Secri percebeu que poderia incluir outra atividade que era a dança de salão. Devido a essa inclusão aconteceu uma ampliação da linguagem, fazendo com que fosse planejada para estabelecer um equilíbrio entre as modalidades ensinadas, tentando estabelecer certa coerência entre o ensino técnico da dança, capoeira e maculelê, e as habilidades socioemocionais que o Secri exigia que fossem postas no plano de trabalho. 

É importante dizer que nem tudo foi mil maravilhas foi necessario muito trabalho para reduzir o preconceito de famílias que achavam que capoeira era Macumba, foi preciso mostrar para as famílias e para educandos do sexo masculino que a dança não era uma pratica só de mulheres. 

As modalidades eram usadas para promover valores como respeito, cooperação, trabalho em equipe, autoconfiança e para fortalecer a identidade cultural dos participantes e da comunidade. Com a capoeira, foi feito um trabalho que desenvolvia não só a parte física, mas a herança cultural, combinando elementos da luta, dança, música e jogos. Ao apresentar estas modalidades para as crianças, adolescentes e jovens na instituição e fora dela em apresentações, não estávamos apenas incluindo em suas vidas uma prática de atividade física que promove a saúde, mas também proporcionando aos mesmos a vivência com uma atividade cultural afro-brasileira, fazendo um resgate de valorização de sua herança cultural, aprendendo com a mesma, princípios como respeito, cooperação e superação de limites. 

Na parte da dança, além de desenvolver o que foi visto acima, foi dada ênfase à expressão corporal que permitia aos educandos explorarem sua criatividade e emoções. Já no Maculelê, por ser uma dança folclórica que tem origem na cultura afro-brasileira, era feito um trabalho em que era visto o fortalecimento do senso de comunidade e o pertencimento. Destacamos que, assim como as atividades aqui relatadas se entrelaçam, os objetivos atribuídos a cada modalidade também sofrem o mesmo, sendo encontrados em todas as modalidades. 

No Secri, além das aulas regulares, os educandos também eram inspirados a criarem, em conjunto com o educador, meios e formas de se apresentarem uns para os outros e para a comunidade, dando início às Mostras Culturais que aconteciam duas vezes por ano. O método utilizado como meio pedagógico dentro das atividades de Corpo e Movimento era de cunho participativo e inclusivo, para estimular e valorizar a autonomia e a criatividade dos participantes. Todos os profissionais do Secri se envolviam no planejamento uns dos outros para trabalhar a interdisciplinaridade e fazer com que todos conhecessem o trabalho uns dos outros. 

Ao longo dos anos, foi possível testemunhar casos de mudanças de jovens que se encontravam no tráfico de drogas, resgatarem a sua dignidade de vida através das atividades oferecidas. Foi possível ver crianças tímidas evoluírem e se perceberem confiantes, adolescentes que não tinham amor por si se olharem no espelho através das dinâmicas de grupo e perceberem o amor por elas mesmas, e jovens descobrirem seus talentos e correrem atrás dos seus sonhos, ao mesmo tempo, em que recebiam oportunidades de educação e emprego. as atividades no Secri não se limitavam a atividades práticas. Também era oferecido, quando tínhamos parcerias, suporte psicossocial, orientação educacional e encaminhamentos quando necessário para a área da saúde, tentando de forma coerente garantir os direitos dos atendidos e seu desenvolvimento integral. 

Foi perceptível ver a troca de conhecimentos com os educandos, deixando claro que o conhecimento é uma via de mão dupla. Cada dia no Secri era uma oportunidade para fazer a diferença na vida das crianças, adolescentes e jovens que passavam por nossas portas. Cada sorriso, cada gesto de superação e cada conquista fazia parte do poder transformador da dança, capoeira e maculelê na vida delas. E acima de tudo, era uma lembrança do imenso privilégio que era fazer parte desse trabalho tão significativo e inspirador.

Na comunidade onde residem, enfrentam dificuldades todos os dias, sejam elas brigas entre suas famílias, abusos físicos e emocionais, e violência institucional que deixa o grupo sem acesso a uma educação, saúde e outros serviços de qualidade mínima, colocando-os à margem da sociedade, sem proteção adequada por parte das autoridades.

As atividades físicas, as aulas animadas de capoeira, dança e maculelê oferecidas no Secri abrem um espaço seguro e divertido para as crianças se movimentarem, se exercitarem e cuidarem de seus corpos de maneira saudável. Durante essas atividades, as crianças podem expressar suas emoções livremente, encontrando conforto e apoio em um ambiente acolhedor e empático, promovendo o bem-estar emocional.

Conclusão:

Dentro deste contexto, é preciso reconhecer a importância dos trabalhos desenvolvidos dentro e fora das comunidades e valorizar ainda mais quem está na linha de frente trabalhando para o desenvolvimento das potencialidades desses jovens. É necessário lembrar que a violência não apresenta apenas uma ameaça física, afetando a saúde mental e emocional e prejudicando diretamente o seu desenvolvimento e crescimento.

REFERÊNCIAS

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FAHLBUSCH, Hannelore. Dança moderna-contemporânea. Rio de Janeiro: Sprint, 1990.

GARAUDY, Roger. Dançar a vida. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 

KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. 5. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003.

MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. São Paulo: Cortez, 2003.

NANNI, Dionísia. Dança educação: princípios, métodos e técnicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 1998

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STRAZZACAPPA, Márcia; MORANDI, Carla. Entre a arte e a docência: a formação do artista da dança. São Paulo: Papirus, 2006.

SBORQUIA, Silvia. P.; GALLARDO, Jorge S. Pérez. A dança no contexto da educação física. Ijuí: UNIJUÍ, 2006.

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VARGAS, L. A. A dança na escola. Cinergis. Santa Cruz do Sul, v. 4, n. 1, pp. 7-17, Jan/Jun, 2003.


1 Pesquisador do Programa de pesquisa e extensão Fordan: cultura no enfrentamento as violencias.
2 Professora da UFES, Doutora em Ciências Jurídicas e sociais, coordenadora do Programa de pesquisa e extensão Fordan: cultura no enfrentamento as violencias.
3 Pesquisador do Programa de pesquisa e extensão Fordan: cultura no enfrentamento as violencias.
4 Pesquisador do Programa de pesquisa e extensão Fordan: cultura no enfrentamento as violencias.
5 Pesquisador do Programa de pesquisa e extensão Fordan: cultura no enfrentamento as violencias.