VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E O DIREITO DA MULHER

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10908310


Karolyne Franco de Castro1
Orientador: Rafael Rodrigues Alves2


RESUMO

Este estudo investigou a violência obstétrica no contexto brasileiro, destacando suas diversas formas de violação dos direitos das gestantes durante o processo de gestação, parto e pós-parto, o objetivo foi analisar as lacunas na legislação brasileira que permitem a perpetuação dessa prática e propor medidas para prevenir e combater essa violência. A justificativa para este estudo reside na necessidade de proteger os direitos das mulheres durante a gravidez e o parto, garantindo uma maternidade segura e humanizada, a metodologia empregada incluiu uma abordagem qualitativa, por meio de revisão bibliográfica e análise de legislação pertinente, os resultados destacaram a gravidade da violência obstétrica como uma séria violação dos direitos humanos das mulheres, comprometendo sua integridade física e emocional, as discussões enfatizaram a urgência de fortalecer a legislação e implementar políticas públicas para prevenir e punir efetivamente a violência obstétrica, conclui-se que é fundamental promover uma mudança cultural que valorize a experiência da maternidade livre de qualquer forma de violência ou discriminação.

Palavras-chave: Violência Obstétrica; Contexto Brasileiro; Gestação.

ABSTRACT

This study investigated obstetric violence in the Brazilian context, highlighting its various forms of violation of pregnant women’s rights during the pregnancy, childbirth and postpartum process. The objective was to analyze the gaps in Brazilian legislation that allow the perpetuation of this practice and propose measures to prevent and combat this violence. The justification for this study lies in the need to protect women’s rights during pregnancy and childbirth, ensuring a safe and humanized motherhood. The methodology used included a qualitative approach, through bibliographical review and analysis of relevant legislation, the results highlighted the seriousness of obstetric violence as a violation of women’s human rights, compromising their physical and emotional integrity, research has emphasized the urgency of strengthening legislation and implementing public policies to prevent and punish obstetric violence, concluding that it is essential to promote a cultural change that values the experience of motherhood free from any form of violence or discrimination.

Keywords: Obstetric Violence; Brazilian Context; Gestation.

1.  INTRODUÇÃO 

A violência obstétrica, infelizmente, tem se destacado cada vez mais nos meios de comunicação, revelando uma realidade preocupante onde profissionais de saúde, em momentos de extrema vulnerabilidade, desrespeitam os direitos humanos das mulheres, esta prática, lamentavelmente, persiste em grande parte devido à lacuna existente em nosso ordenamento jurídico, que falha em proteger e sancionar adequadamente os responsáveis por tais violações.

Assim sendo, este trabalho propõe-se a aprofundar o conhecimento sobre a violência obstétrica, analisando suas diversas formas de violação e os amparos jurídicos que podem ser invocados para garantir uma maior proteção dos direitos das mulheres.

O objetivo aqui delimitado foi investigar a violência obstétrica, destacando seus aspectos legais, suas consequências para as mulheres e as possíveis medidas para prevenir e combater essa prática, Destarte, diante de tal realidade, questiona-se: Como a violência obstétrica é tratada na atualidade brasileira?

Os objetivos específicos do presente trabalho foram, em primeiro ponto, identificar as diferentes formas de violência obstétrica e suas manifestações antes, durante e após o parto; analisar as lacunas na legislação brasileira que permitem a perpetuação da violência obstétrica; investigar os mecanismos de responsabilização dos profissionais de saúde e das instituições hospitalares envolvidas na prática da violência obstétrica.

Além disso, a presente pesquisa se justifica pelo fato de que, a violência obstétrica representa uma grave violação dos direitos humanos das mulheres, comprometendo sua saúde física e emocional, bem como sua dignidade, diante da crescente preocupação pública e da necessidade de proteger os direitos das gestantes, é fundamental aprofundar o debate sobre este tema e buscar soluções eficazes para prevenir e combater essa prática.

Este estudo utilizou uma abordagem qualitativa, por meio de revisão bibliográfica e análise de legislação pertinente, para investigar as diversas formas de violência obstétrica e as possíveis medidas legais e políticas para enfrentá-la, foram examinados casos concretos de violência obstétrica, bem como estudos e relatórios que abordam o tema, a fim de fornecer uma análise abrangente e embasada para as conclusões deste trabalho.

2.  AÇÕES CONSIDERADAS VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA 

A violência obstétrica pode ser vista como um tipo de violência contra a mulher, sendo praticada pelos profissionais que se encontram na assistência, tais como: médicos, enfermeiros, técnicos, e ainda, pode-se estender à recepcionistas, doulas e até mesmo acompanhantes.

Tal desrespeito à mulher, é caracterizado pelos abusos, maus-tratos ao longo da gestação e também no momento do parto, seja de forma psicológica, física e ainda como palavras, esses atos, podem se estender também durante o puerpério, a violência caracteriza-se principalmente pela perda da autonomia das mulheres durante esse processo de gestação, trabalho de parto, parto e pós-parto.

Assim sendo, sobre a Violência obstétrica, primeiramente entende-se que a forma mais específica de ignorar a violência corre das seguintes maneiras, tratar de forma natural os danos físicos, mentais e espirituais, exiguidade de percepção social sobre as consequências da violência e a aceitação de atos violentos. A mídia em geral, ajuda com o processo de banalização, começa-se pelo fato de impor estereótipos sociais que são aceitos como verdades absolutas, levando a uma diminuição de intervenções diante de situações reais (Meneghel, 2015).

Existe uma grande amplitude no conceito de violência obstétrica, considera-se que uma das passagens mais marcantes na vida das mulheres é a gravidez e o parto. Ao longo dos tempos o parto vem sendo modificado nas diferentes culturas, mesmo que o corpo da mulher seja feito de um planejamento de reprodução da espécie desde o início dos tempos. O intuito foi procurar meios de desenvolver um melhor atendimento a gestante e uma facilidade maior para a equipe de saúde, devido a tanta transformação a parturiente acabou de sujeito a objeto, pois elas possuem pouca decisão de como será realizado o parto. (Maldonado, 2002; Mott, 2002). Jardim e Modena (2018) cita da seguinte forma:

[…] a VO é uma questão feminista, fruto de uma opressão patriarcal que leva à redução, à repressão e à objetivação dos corpos femininos, limitando seu poder e suas maneiras de expressão. Ao contrário do pensamento masculino de fragilização, o corpo feminino é forte, ativo, criativo, capaz de suportar situações como o trabalho de parto e parto; por isso necessita de domesticação e controle para reduzi-lo a uma condição de objeto,[…].

Nos momentos em que a gestante se encontra mais fragilizada, sendo eles, gestação, parto, nascimento e pós-parto que são os momentos mais cercados pela VO (Violência Obstétrica), podendo ser feitos através de agressões psicológica, verbal, física e sexual, vindo acompanhados de discriminação na assistência e negligência, realizados com ou sem o consentimento (Souza e Dias, 2019).

Com isso, entende-se que a V.O vem de profissionais de saúde que violam o processo reprodutivo das mulheres através de patologização dos processos naturais, abuso de medicalização e relações desumanizadoras, não respeitando o verdadeiro processo que será natural do corpo da parturiente, apropriando de seu livre arbítrio durante o processo de parto, levando então a impactos negativos a vida das mulheres. (Portal de boas práticas, 2023)

É importante salientar que a V.O é uma questão complexa que se manifesta em três níveis de relações: violência no âmbito individual, institucional e estrutural. A violência individual ocorre na relação entre médico e paciente, muitas vezes com o apoio institucional, pois as práticas invasivas e desnecessárias são frequentemente padronizadas no atendimento às gestantes. A violência institucional ocorre quando há uma estrutura adequada para sua reprodução. Por fim, a violência estrutural alimenta a continuidade dessas práticas ao criar um ambiente que aceita e valida o modelo obstétrico atual, muitas vezes baseado em hierarquias e evidências médicas tecnocientíficas. Isso faz com que a sociedade aceite e perpetue essa violência obstétrica. (Gomes, 2017).

É de grande relevância ainda, compreender que, a V.O é muito peculiar em cada classe social e em cada realidade da mulher, as mulheres negras por exemplo, perpassam pelo racismo obstétrico, mulheres da rede privada de atendimento, são expostas às cirurgias cesarianas desnecessárias, mulheres pobres, sofrem a V.O mais cruel, episiotomia de rotina, manobra de Kristeller, e dentre outras violências, as gestantes em situação de abortamento, passam a ter suas dores veladas e serem totalmente maltratadas, ou seja, a V.O tem muitas faces.

2.1 Violência verbal

Trata-se de uma vertente na qual o agressor começa a ofender, desrespeitar, humilhar ou constranger a parturiente inferindo falas de nível inferior.

Tais falas podem ser grau preconceituoso referindo-se a cor, etnia, religião, idade, condição socioeconômica, orientação sexual, estado civil, grau de escolaridade e posicionamento político (Pereira e Andrade, 2020).

Os profissionais que praticam esse tratamento grosseiro costumam assumir uma postura de perda de controle fazendo com que a parturiente entre em estado de choque e se sinta insegura. Com isso pôde-se constatar a objetificação das gestantes a qual se sentiram como “um animal” (Calheiros, 2020). Outros sentimentos que esse ato pode causar na mulher é o sentimento de inferioridade, vulnerabilidade, medo, abandono e instabilidade emocional (Pereira & Andrade 2020).

Portanto, como dito por com Vieria e Apolinário (2017, p.42), a Violência Obstétrica tende de ter uma compreensão de modo singular com caráter material e midiático:

Violência Obstétrica de caráter material: são ações condizentes em ativas e passivas a fim de obter fundos per capito de mulheres em processos reprodutivos. Infringindo seus direitos já garantidos por lei, sendo de benefício de pessoa física ou jurídica; Violência obstétrica de caráter midiático: interpreta como as ações executadas por profissionais entre os meios de comunicação, dirigidas a violar, psicologicamente, mulheres em processos reprodutivos, bem como, denegrindo seus direitos mediante mensagens, imagens publicamente como a apologia às práticas cientificamente contraindicadas, com fins sociais, econômicos ou de dominação (Calheiros, 2020, p. 157).

Assim sendo, essas mulheres escutam algumas frases como: “faça força, continue, se não me ajudar eu vou sair daqui e te abandonar”; “na hora de fazer foi bom, não foi? Então me ajuda aqui”; “até sei que daqui um ano lhe vejo aqui de novo”.

2.2 Violência psicológica

Ato seguinte, Violência psicológica dentro da violência obstétrica é o que julga a mulher parturiente, tratando-a com crueldade e a humilhando, fazendo com que se sinta culpada por qualquer acontecimento durante o parto ou atendimento. Identifica- se tal violência de forma ativa ou passiva, sendo a ativa no modo de falar ou agir com a mulher, trazendo para ela um sentimento de menosprezo, e na forma passiva, sendo ações do tipo negar atenção e cuidados necessários (Medeiros, 2021). Aguiar et al (2013, p. 2289) fala sobre:

É no campo das relações entre profissionais e pacientes que encontramos as situações de violência mais difíceis de serem percebidas como tal pelos sujeitos envolvidos, ainda que impliquem de forma bastante clara a anulação da autonomia e a discriminação por diferença de classe, raça ou gênero. Essas formas estão frequentemente presentes em falas grosseiras, desrespeitosas e discriminatórias para com as pacientes e em desatenção quanto às suas necessidades de analgesia e uso apropriado de tecnologia, podendo ser expressadas também por agressões físicas ou sexuais explícitas.

Esses tipos de violência de cunho psicológico são vindos da ausência de explicações para a mulher sobre os procedimentos a serem realizados durante a gestação, parto ou pós-parto, fazendo com que a parturiente se sinta despreparada para o parto. Além das ofensas verbais, a violência psicológica também pode ser resultado de outras práticas, que serão citadas um pouco mais à frente que fazem com que deixe profundos traumas na vítima, o seguinte relato mostra claramente um pouco do que ocorre na violência psicológica (Medeiros, 2021): 

O médico só gritava: ‘puxa ele logo, vocês estão quebrando ele todo, esse bebê já era, sintam o cheiro de podre, vou ter que interditar a sala, puxem! ’. Então meu bebê nasceu e logo foram reanimar com apenas 50 batimentos cardíacos por minuto. O médico dizia: ‘Não adianta, esse já era, eu tenho 30 anos de profissão, esse já era, não percam tempo, ele está sofrendo… Já era, sintam o cheiro de podre, como uma mãe pode deixar uma infecção chegar a esse ponto? ’. Eu estava em estado de choque, mas eu disse: ‘Estive aqui há 15 dias e o senhor disse que minha dor era frescura.’. O bebê faleceu, todos se calaram e me perguntaram: ‘Quer ver o corpo? ’. Eu não quis.K.F.M.T.,atendida na Maternidade Santa Therezinha, em Juiz de Fora-MG (REDE PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 138).

Compreende-se que a violência psicológica seja uma das mais difíceis de identificar, tendo caráter imaterial e naturalizado de vários procedimentos que são causadores de danos psicológicos, causadores de traumas na paciente e em alguns casos até depressão pós-parto, afetando a mulher em percepções em si própria e como mãe (Medeiros, 2021).

2.3 Violência física

Quando se fala em Violência Física reconhece que são atos que incidem sobre o corpo da mulher, que o violem, causando dor ou dano físico podendo ser de grau leve ou intenso, sem que haja recomendação e sejam baseadas em evidências científicas (Rede parto do princípio, 2012). As mais rotineiras formas dessa violência são ao privar a mulher de ingerir alimentos ou bebidas, privando os movimentos na hora do parto e utilizando sem necessidade a ocitocina, realização de cesariana eletiva e prática como manobra de Kristeller e episiotomia (Medeiros,2021).

A cesariana pode ser vista como uma forma de violência obstétrica quando é aplicada sem necessidade médica e sem o consentimento da mulher. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara, o Brasil se destaca como o segundo país com a maior taxa de cesariana em todo o mundo. Com isso, a OMS recomenda que a proporção ideal de cesarianas fique entre 25% e 30%, a realidade brasileira mostra que 55,6% dos partos são realizados por meio dessa intervenção. Na medicina privada, nota-se que os números se encontram mais elevados sendo eles, 85,5% dos partos cesarianas, conforme informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (Hamermüller e Uchôa, 2018).

3.  RESPONSABILIDADE CIVIL E CRIMINAL NOS CASOS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA 

A responsabilidade, tanto na esfera civil quanto na penal, está intrinsecamente ligada à prática de atos ilícitos, dessa forma, o ilícito gera consequências que, de acordo com sua natureza e gravidade, resultam em sanções punitivas ou ressarcitórias, conforme estabelecido no artigo 935 do Código Civil de 2002, a responsabilidade civil é independente da responsabilidade criminal (Veloso e Serra, 2016).

Há de mencionar que no âmbito penal, a responsabilidade deriva de condutas criminosas, seja de forma ativa ou omissiva, nesses casos, não se busca reparação, mas sim a aplicação de uma pena pessoal e intransferível, em conformidade com o princípio da pessoalidade, visando não apenas a punição, mas também a preservação da ordem social (Veloso e Serra, 2016).

Embora não exista um tipo penal específico para punir a violência obstétrica, é possível tipificar tais atos em infrações como injúria, difamação, ameaça, lesão corporal, entre outros, todos delineados no Código Penal Brasileiro (Da Silva, 2019).

Frequentemente, mulheres vítimas de violência obstétrica são submetidas a situações vexatórias, incluindo exposição ao ridículo, tratamento desumano, julgamentos, chacotas e violência psicológica, a prática desses atos pode configurar crimes como difamação, conforme o artigo 139 do Código Penal, com pena de detenção de 3 meses a 1 ano, e injúria, nos termos do artigo 140 do Código Penal, com pena de detenção de 1 a 6 meses, em casos específicos, como ofensas à dignidade de mulheres idosas ou portadoras de deficiência, a pena pode ser aumentada em 1/3 (Lima, 2019).

Outra conduta comum na violência obstétrica é o crime de ameaça, previsto no artigo 147 do Código Penal, com pena de detenção de um a seis meses, ou multa, a ameaça, quando relacionada à violência moral obstétrica, busca intimidar e amedrontar gestantes mediante a promessa de causar-lhes mal injusto e grave (Lima e Albuquerque, 2018).

A lesão corporal também é frequente nos relatos de violência obstétrica, envolvendo práticas como fórceps e cesáreas desnecessárias. Caso seja constatada culpa, o agressor pode ser responsabilizado por lesão corporal culposa, conforme o artigo 129, § 6.º do Código Penal. Se a violência resultar em lesão corporal grave, havendo aceleração do parto, será conduta enquadrada no artigo 129, § 1.º, inciso IV, do Código Penal, com pena de 1 a 5 anos. Caso resulte em lesão corporal gravíssima com aborto, a conduta se enquadrará no artigo 129, § 2.º, inciso V do Código Penal, com pena de reclusão de 2 a 8 anos (Lima, 2019).

Por outro lado, a responsabilidade civil está relacionada a danos causados pela lesão a um bem jurídico tutelado, sem configuração de um delito criminal. Nesses casos, busca-se reparar o dano, seja ele patrimonial ou moral, por meio de indenização ou compensação (Veloso e Serra, 2016).

A relevância da responsabilidade civil na violência obstétrica é crucial para interromper, prevenir e garantir a proteção ao nascimento, à saúde e à dignidade da parturiente. A responsabilidade civil pode ser aplicada no caso de tratamento desumanizado no nascimento, evitando procedimentos desnecessários realizados por mera conveniência médica, que ferem as liberdades individuais, sexuais e de saúde da mulher, assim como sua autonomia sobre o corpo antes, durante ou após o parto (Da Silva, 2019).

Dependendo da conduta e da gravidade do dano, o agente causador pode ser obrigado a reparar o dano moral e, eventualmente, o dano material causado à mulher vítima de violência obstétrica. O artigo 186 do Código Civil de 2002 estabelece os requisitos para configurar a responsabilidade civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (Brasil, 2002).

É crucial destacar que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, § 4º, estabelece critérios específicos para a caracterização da responsabilidade civil, especialmente no que diz respeito aos profissionais liberais, que são aqueles sem vínculo empregatício, conforme tal dispositivo, além do estabelecimento do nexo causal entre o dano e o fato, é necessário comprovar a culpa do profissional para que ele possa ser responsabilizado civilmente e, consequentemente, ocorra a reparação do dano. Dessa forma, a responsabilidade civil do médico é subjetiva, conforme salientado por Lopes (2020).

Contudo, diante da atual compreensão de que os casos de violência obstétrica não devem ser exclusivamente enquadrados como erros médicos, mas sim como uma forma de violência de gênero, uma abordagem diferente se faz necessária, nessas situações de violência obstétrica, não é mais imperativo comprovar a culpa do agente, mas sim estabelecer o nexo causal entre o dano e o fato, em outras palavras, o dano é presumido, e, portanto, deve ser passível de indenização, tal perspectiva representa uma mudança significativa na abordagem da responsabilidade civil em casos de violência obstétrica (Lopes, 2020).

4.  A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE 

No que se refere à responsabilidade civil em casos de violência obstétrica, torna-se elementar compreender que ocorre da mesma forma que o erro médico, a legislação civil, em seu art. 951, estabelece que os dispositivos referentes à responsabilidade civil, contidos nos arts. 948, 949 e 950, aplicam-se também nos casos em que um profissional, no exercício de sua atividade, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agrava seu estado de saúde, causar-lhe lesões ou o incapacita para o trabalho (Cordeiro, 2018).

De maneira semelhante, o art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, determina que a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada com base na verificação de culpa (Cordeiro, 2018).

A questão em relação ao erro médico envolve a responsabilidade do médico no exercício de suas funções, como regra geral, a responsabilidade civil do médico é sempre subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa, isso significa que o médico só será responsabilizado pelos danos causados ao paciente se for comprovado que agiu com imprudência, negligência ou imperícia, como explicado por venosa (2013, p. 154):

A responsabilidade do médico ou outro profissional da saúde é subjetiva, dependente de culpa, e assim foi mantida no CDC. O mesmo não ocorre com os hospitais clinicas e assemelhados que se colocam na posição de fornecedores de serviços, sob a teoria de risco.

Conforme preceitos de Diniz:

A responsabilidade do médico é contratual, por haver entre o médico e seu cliente um contrato, que se apresenta como uma obrigação de meio, por não comportar o dever de curar o paciente, mas de prestar- lhe cuidados conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina. Todavia, há casos em que se supõe a obrigação de resultado, com sentido de cláusula de incolumidade, nas cirurgias estéticas e nos contratos de acidentes. Excepcionalmente a responsabilidade do médico terá natureza delitual, se ele cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentares da profissão. (2009, p. 317).

A responsabilidade civil do médico é fundamentada na suposição da culpa, que se manifesta por meio da culpa ou do dolo, a culpa ocorre quando o médico age com negligência, imprudência ou imperícia, resultando em dano ao paciente, o dolo, por sua vez, está presente quando o médico age com intenção consciente de causar o dano ou assume o risco de fazê-lo, o que é expressamente proibido pelo Código de Ética Médica (Cordeiro, 2018).

Portanto, é correto afirmar que o médico não está obrigado a garantir um resultado específico, mas é exigido dele que atue com diligência, cautela e conhecimento técnico, visando à cura do paciente, compete ao paciente comprovar a ocorrência de negligência, imprudência ou imperícia por parte do médico, caso o resultado almejado não seja alcançado (Leite, 2016).

A equipe médica só pode ser responsabilizada por danos civis mediante a comprovação de sua conduta e culpabilidade, demonstrando que agiu com negligência, imprudência ou imperícia, conforme estabelece o artigo 14, § 4º do CDC, e de forma subjetiva, conforme descrito no artigo 951 do CC de 2002, como mencionado anteriormente (Cordeiro, 2018).

No que se refere aos danos materiais decorrentes da violência obstétrica, estes podem incluir despesas médicas desnecessárias, abuso dos valores cobrados, custos médicos para corrigir erros de outros profissionais ou tratar sequelas resultantes do parto, além das situações em que o plano de saúde nega cobertura à segurada, obrigando-a a arcar com as despesas hospitalares, todos esses aspectos caracterizam danos materiais (Cordeiro, 2018).

A violência obstétrica também pode acarretar a necessidade de reparação por danos morais, atribuídos ao agente que causou o prejuízo à mulher, o médico pode ser responsabilizado por danos morais caso não cumpra suas obrigações no exercício de sua profissão, o que reforça a importância de sua conduta ética e diligente no atendimento às pacientes (Cordeiro, 2018).

5.  CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O presente estudo sobre violência obstétrica revelou a urgência de se abordar essa questão complexa e delicada que afeta inúmeras mulheres em nosso país, ao longo da análise, foi possível identificar as diversas formas de violações dos direitos das gestantes durante o processo de gestação, parto e pós-parto, bem como as lacunas existentes na legislação brasileira que permitem a perpetuação dessas violências.

A violência obstétrica, além de constituir uma violação dos direitos humanos das mulheres, representa uma séria ameaça à sua integridade física e emocional, comprometendo o bem-estar não apenas das gestantes, mas também dos recém- nascidos e suas famílias, é fundamental reconhecer a gravidade desse problema e adotar medidas eficazes para prevenir e combater essa prática.

Diante disso, fica evidente a necessidade de fortalecer a legislação brasileira, garantindo a proteção dos direitos das mulheres durante todo o processo de gravidez e parto, isso inclui a implementação de políticas públicas voltadas para a promoção da saúde materna, a capacitação adequada dos profissionais de saúde e a criação de mecanismos eficazes de responsabilização dos envolvidos na prática da violência obstétrica, outro fator a ser dimensionado é que a Medicina Baseada em Evidências científicas deve ser a regra e não a exceção dos profissionais.

Além disso, é imprescindível promover uma mudança cultural que valorize a experiência da maternidade como um momento único e sagrado na vida das mulheres, livre de qualquer forma de violência ou discriminação, somente por meio de um esforço conjunto da sociedade civil, do poder público e das instituições de saúde é possível garantir o respeito aos direitos das gestantes e a promoção de uma maternidade segura e humanizada para todas as mulheres.

Por fim, é importante ressaltar a importância da continuidade das pesquisas e do debate sobre a violência obstétrica, visando a construção de soluções cada vez mais eficazes para enfrentar esse problema e assegurar o pleno exercício dos direitos reprodutivos e da dignidade das mulheres em nosso país.

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1Discente do Curso Superior do Direito da Instituição Universidade Evangélica de Goiás Campus: Ceres, e-mail: karolynecastro1409@gmail.com
2Docente do Curso Superior do Direito da Instituição Universidade Evangélica de Goiás Campus: Ceres, e-mail: rafaelralvesadv@gmail.com