VIVA MEU MESTRE: MACHADO E SUA GINGA

LONG LIVE MY MASTER: MACHADO AND HIS GINGA

VIVA MI MAESTRO: MACHADO Y SU GINGA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10905940


Katiane Martins de Oliveira1


RESUMO:

Esse artigo analisou o conto “Teoria do Medalhão” de Machado de Assis, explorando a linguagem como uma arena discursiva, refletindo sobre a complexidade do fazer literário de Machado de Assis. A noção de literaginga age como instância de movimento, estética e escrita, pois dá vazão à mudança de perspectiva sobre a ideia aqui apresentada. No conto o autor constrói seu texto como um jogo de capoeira, onde a oralidade e a performance literária se entrelaçam. Como metodologia o conto foi examinado utilizando as características da literaginga: configuração semântica em oralidade, movimentos corporificados e estéticos, mandinga e cadência. Busca-se apontar que o conto apresenta a oralidade, usando coloquialismos e escolhas verbais que evocam a cadência do jogo de capoeira. A análise destaca a cadência do texto, evidenciada pelo ritmo verbal, cantigas de capoeira e construções contrastantes que dão vida à narrativa. O conto revela uma abordagem estética única, enraizada na cultura negro-brasileira e na experiência periférica. O objetivo central foi analisar o conto “Teoria do Medalhão” da obra selecionada para compor o corpus de modo a comprovar a funcionabilidade da categoria de análise literaginga. apresentando o teor performático no tecer literário do autor, abeirando os saberes ancestrais com seus textos. Ademais, buscou-se retificar a eficiência da categoria de análise desenvolvida por mim, literaginga2. Para fomentar os estudos da performance aproximando com a literatura, recorreu-se ao campo de estudos da performance.

Palavras-chave: Literatura; Capoeira; Performance; Machado de Assis; Literaginga.

ABSTRACT:

This article analyzed Machado de Assis’s short story ” Teoria do Medalhão,” exploring language as a discursive arena, reflecting on the complexity of Machado de Assis’s literary creation. The notion of “literaginga” acts as an instance of movement, aesthetics, and writing, as it allows for a change in perspective on the idea presented here. In the story, the author constructs his text as a game of capoeira, where orality and literary performance intertwine. As a methodology, the short story was examined using the characteristics of “literaginga”: semantic configuration in orality, embodied and aesthetic movements, “mandinga,” and cadence. It seeks to point out that the story presents orality, using colloquialisms and verbal choices that evoke the cadence of the capoeira game. The analysis highlights the cadence of the text, evidenced by verbal rhythm, capoeira songs, and contrasting constructions that bring the narrative to life. The story reveals a unique aesthetic approach, rooted in Afro-Brazilian culture and the peripheral experience. The central objective was to analyze the short story “Teoria do Medalhão” from the selected work to compose the corpus in order to verify the functionality of the “literaginga” analysis category, presenting the performative content in the author’s literary fabric, approaching ancestral knowledge with his texts. Furthermore, the efficiency of the analysis category developed by me, “literaginga,” was sought to be rectified. To promote the study of performance by approaching it with literature, the field of performance studies was relied upon.

Keywords: Literature; Capoeira; Performance; Machado de Assis; Literaginga.

RESUMEN:

Este artículo analizó el cuento “Teoría del Medalhón” de Machado de Assis, explorando el lenguaje como una arena discursiva, reflexionando sobre la complejidad de la creación literaria de Machado de Assis. La noción de “literaginga” actúa como una instancia de movimiento, estética y escritura, ya que permite un cambio de perspectiva sobre la idea aquí presentada. En el cuento, el autor construye su texto como un juego de capoeira, donde la oralidad y la performance literaria se entrelazan. Como metodología, el cuento fue examinado utilizando las características de “literaginga”: configuración semántica en oralidad, movimientos corporales y estéticos, “mandinga” y cadencia. Se busca señalar que el cuento presenta la oralidad, utilizando coloquialismos y elecciones verbales que evocan la cadencia del juego de capoeira. El análisis destaca la cadencia del texto, evidenciada por el ritmo verbal, las canciones de capoeira y las construcciones contrastantes que dan vida a la narrativa. El cuento revela un enfoque estético único, arraigado en la cultura afrobrasileña y en la experiencia periférica. El objetivo central fue analizar el cuento “Teoría del Medalhón” de la obra seleccionada para componer el corpus con el fin de verificar la funcionalidad de la categoría de análisis “literaginga”, presentando el contenido performativo en el tejido literario del autor, acercándose al conocimiento ancestral con sus textos. Además, se buscó rectificar la eficiencia de la categoría de análisis desarrollada por mí, “literaginga”. Para promover el estudio de la performance en relación con la literatura, se recurrió al campo de los estudios de performance.

Palabras clave: Literatura; Capoeira; Performance; Machado de Assis; Literaginga.

INTRODUÇÃO:

1 Chamada: literaginga como dispositivo de análise

O corpo dança o tempo. Dançar é como inscrever, que é como estar no
tempo curvo do movimento. (Leda Maria Martins)

Qual a diferença do livro para a roda? É com essa provocação que começo a discorrer sobre a importância social da roda de capoeira na construção do conhecimento, com seus saberes e ensinamentos ancestrais. E é partindo dessa chamada que começo o meu jogo. Na roda de capoeira, é possível perceber que há uma interação do corpo com o espaço em vários níveis. Sendo que o primeiro nível, linguístico verbal, dá-se pelas cantigas, já o segundo nível é baseado na entonação, no ritmo e no dialeto que determina a cadência do jogo, atribuindo aí características performáticas à capoeira. O que remete a Diana Taylor (2012), no que tange arquivo e repertório, ao indagar sobre a diferença do livro para a roda de capoeira, é inegável a aproximação com o que a teórica nos apresenta.

O livro é a representação do arquivo em que se consegue guardar e eternizar os seus escritos, já a roda de capoeira é contemplada pelo repertório, que apesar de sua reiteração durante toda sua história é fundamentalmente construída no improviso e, portanto, o novo. A capoeira se refaz a cada jogo. Por fim, é interessante descrever como a roda se estrutura; o jogo dos capoeiristas no centro, a formação da bateria, marcando o círculo, enfim, tudo interfere na interação. É cinético, tem a ver com a linguagem corporal e verbal, todos os movimentos comunicam-se. Ao falar de capoeira e literatura, de modo também se fala de arquivo e repertório.

A partir dessa imagem simbólica de todos os traços que envolvem a performance da capoeira, propõe-se a literaginga como uma categoria de análise, que engloba os saberes da capoeiragem, as experiências literárias e as percepções corporais. Ou seja, Literaginga sinaliza os movimentos oralizados, corporificados e estéticos presentes na literatura negro-brasileira, de modo a nomear algumas análises que já estão sendo realizadas, a partir dessa mesma perspectiva. Como por exemplo, observa-se semelhanças em leituras de literaturas canônicas e/ou contemporâneas que se apropria de elementos da capoeira para sua elaboração, tal como, as análises feitas por Eduardo de Assis Duarte (2008), em seu artigo Capoeira literária de Machado de Assis3, em que o autor caracteriza o estilo machadiano como “capoeira verbal”.

Além de Duarte, pode-se pensar, também, em Luiz Costa Lima que ao se referir a Machado de Assis usou a expressão “capoeirista da palavra4”, para sintetizar os movimentos que o célebre escritor fazia em sua escrita.

Com isso, o dispositivo de leitura literaginga, como uma nomenclatura de categoria de análise, que contempla determinadas movimentações nas literaturas, seja defendido como um termo para compreender um tecer literário, para que dessa forma não mais precise recorrer a expressões compostas que tragam uma ideia. Não estou aqui dizendo que as análises que Duarte ou Lima fizeram em seus artigos foram pautadas na utilização da categoria Literaginga. Pelo contrário, estou afirmando que a categoria de análise, aqui apresentada, se aproxima, em particular, com o que os autores sinalizaram em seus artigos, ou seja, há uma percepção em comum entre estudos, pois elas se valeram da essência da capoeira na arguição do fazer literário. No caso dos pesquisadores, com o foco em Machado de Assis.

As categorias de análises apresentadas a seguir se pautaram a partir da percepção de uma certa recorrência de elementos em literatura negro-brasileira, observadas por mim, acerca das minhas experiências enquanto leitora. Dessa forma, ao pensar em quatro características, que, de forma recorrente, observei no tecer literário de literatura negro-brasileira, esquematizei as categorias para, minimamente, demonstrar que é possível a utilização do dispositivo de análise. Alerto para aquilo que foge dessa roda. Faço isso, por uma preocupação particular em não me arriscar em um jogo rasteiro que limite as diferentes possibilidades, como uma boa defensora do jogo livre, não quero com esse dispositivo fechar a roda de análises, pelo contrário, a ideia é sempre buscar novas possibilidades de perguntas e respostas. Sendo assim, apresento um encaminhamento para compreender as características do que reconheço como uma literatura que se aproxima da análise da literaginga.

Para chegar a essa sequência, foi feito um trabalho de observação e comparação entre as literaturas, de forma que as características recorrentes foram destacadas e categorizadas. Para a categoria de análise destaca-se aquelas qualidades que se aproxima do gingar escrito/performático. Para isso, foi organizado uma sequência lógica de fatores, buscando características na escrita do texto, bem como nos aspectos oralizados e a construção rítmica, de modo que a junção desses fatores possa auxiliar na análise aproximando as produções.

Além disso, o mandingar das autoras/es também se destacou, ou seja, cada autor, em seus textos, de forma única apresenta suas percepções, embora todos apresente um balancê que os unem. Interessante pensar que tal fatores podem ou não, aparecer todos no objeto a ser analisado. As categorias são: 1. Configuração semântica em oralidade;

2. Movimentos oralizados, corporificados e estéticos presentes na literatura (negro- brasileira); 3. Mandinga: Problematização de maneira não direta; 4. Cadência: ritmo verbal.

Entende-se a necessidade metódica em se pensar categorias objetivas de análise para guiar o embasamento do dispositivo de leitura. A metodologia foi criada especialmente para sintetizar e compreender o conteúdo de maneira sistemática, a fim de construir um processo lógico de análise, ao explicar a movimentação literária do texto. Pretende-se aqui apontar um método para tratar as relações da literatura ou um conjunto  de  técnicas  literárias,  explicando  cada  uma  das  quatro  sequências apresentadas. Para isso, Allan da Rosa servirá como exemplos de escritas literárias que performatizam a literaginga.

Configuração semântica em oralidade: Observar no texto a configuração de sentido das palavras utilizadas, de modo que a palavra escrita consiga transmitir o mesmo poder na oralidade, que sua semântica, seja preenchida de todo significado sonoro que carrega consigo.

Movimentos corporificados e estéticos presentes na literatura negro-brasileira: A segunda sequência pensa uma composição de fatores que alcançam uma totalidade da imagem através dos sons, do ritmo e do corpo em movimento. Inicialmente, é importante pensar na concepção do ritmo para a capoeira e a cultura africana, no qual o ritmo não compreende a concepção europeia em que há um conjunto de marcações. Para a capoeira o ritmo está muito próximo do balanço, em que os diferentes tons se encaixam no vazio, a fim de que as marcações rítmicas encontrem espaços provisórios. Cada batida pode transformar o rumo da melodia.

Mandiga: Problematização de maneira não direta: Essa problematização de maneira não direta foi feita genuinamente por Machado de Assis, em que ele conseguiu criticar os senhores escravocratas sem ser tachado como um escritor panfletário, mais que isso, a ginga machadiana em se fazer ser lido por essa mesma elite escravocrata é a síntese desse ir e vir literário.

Essa mandinga pode ser vista em muitas literaturas, sobretudo a literatura negro- brasileira, que a partir de situações simples, sem panfletagem ou discursos elaborados, antirracistas ou de empoderamento, se cria uma camada de problematização indireta que consiste verdadeiramente em críticas latentes ao sistema. Há sim, nessas literaturas, todas essas questões mencionadas, mas o fazer literário é de tal manejo que para a/o leitor(a) mais desavisada/o, como já sinalizava Machado de Assis, tais questões podem passar despercebidas. Esse manejo eu chamo de mandinga, ou o gingar para iludir.

Cadência: Ritmo verbal: Em outras palavras, o ritmo ou uma cadência que algumas/alguns autoras/es constroem em seus textos, proposta em sua dimensão rítmica, que possibilita, de forma singular, a produção e a circulação de significantes nas verbalizações, aproximando um movimento do que se escreve ao que se lê.

Ao organizar essas categorias de análises contendo inicialmente quatro aspectos determinantes é importante ressaltar a necessidade de pensar a partir de uma nova epistemologia, que permite criar alicerces sobre perspectivas que atravessam conhecimentos já existentes, e assim compreender a criação da palavra, de tal forma que a ideia semântica seja conceituada. Sobre novas perspectivas de ruptura do conhecimento já existente, Mignolo citado por Dantas (2018), disse que a ruptura “[…] é epistêmica, ou seja, ela se desvincula dos fundamentos genuínos dos conceitos ocidentais e da acumulação de conhecimento” (Mignolo Dantas, 2018, p. 28).

1.2 VIVA MEU MESTRE: MACHADO E SUA GINGA

A cultura negra nas Américas é de dupla face, de dupla voz, e expressa nos seus modos
constitutivos fundacionais, a distinção entre o que o sistema social pressupunha que os sujeitos deviam
dizer e fazer, e o que por inúmeras práticas, realmente diziam e faziam.
(Leda Maria Martins)

Tem uma cantiga de capoeira que o refrão é marcado pelo verso: “Iê, viva meu mestre, camará”, essa é a cantiga que influencia o nome desse último tópico do capítulo, os versos servem como uma forma para referenciar Machado de Assis como um mestre da capoeira da palavra.

O autor carioca é um dos maiores escritores brasileiros do século XIX e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, deixou um legado literário notável e multifacetado. Nascido em 1839, no Rio de Janeiro, Machado ficou conhecido por suas obras que transcendem o tempo, explorando as complexidades da condição humana. Enquanto sua escrita é muitas vezes associada à exploração das nuances psicológicas e sociais, há uma dimensão menos explorada, mas igualmente intrigante, que pode ser relacionada ao jogo de capoeira. Machado ensinou o caminho da escrita inovadora, o que remete ao fechamento dos versos da cantiga: “Iê, quem me ensinou camará”. Portanto, para além da análise do conto, esse tópico pretende explorar o fazer literário machadiano, como sendo um ensinador da escrita negro-brasileira.

Assim como o jogo de capoeira incorpora movimentos ritmados, imprevisíveis e fluidos, a obra de Machado de Assis apresenta um gingar literário que escorrega dos limites da narrativa engessada. O autor, como um bom mestre, utilizou a fluidez das metáforas para sua própria abordagem literária, iludindo seus leitores, em um diálogo constante de ação e reação. Os personagens de Machado de Assis parecem dançar através das páginas, desafiando as expectativas e desconstruindo convenções literárias. Sobre a escrita machadiana, Duarte escreveu:

Assim, a capoeira verbal, em sentido amplo, não se resume às crônicas do tempo de censura à imprensa, mas se faz presente nos escritos do autor desde a juventude. Isto porque, em função do público-alvo e da própria estrutura dos periódicos mencionados, tinha o autor que conviver a todo o tempo com cerceamentos mais ou menos explícitos de sua expressão, o que leva automaticamente à busca de disfarces. Se, na crônica, assuntos banais ou aparentemente inocentes se revezam para encobrir reflexões mais agudas sobre a realidade brasileira da época; e se, nas narrativas de ficção, muitas vezes a voz em primeira pessoa dissimula o verdadeiro lugar de onde fala o discurso do autor; no conto “A mulher pálida”, que passaremos a examinar, Machado constrói um enredo de amor não correspondido como forma de tecer uma crítica sutil ao padrão feminino de beleza disseminado a partir da Europa e difundido mundo afora como conceito e critério de julgamento (Duarte, 2008. p. 04).

A capoeira verbal, assim, torna-se uma estratégia literária que transcende o momento histórico específico, destacando-se como uma forma de resistência e crítica nas obras do autor. Dessa forma, Machado de Assis oferece um meio para abordar implicitamente questões sociais e raciais em sua escrita, através da maleabilidade do jogo de capoeira, suas reviravoltas e estratégias, podem ser vistas como uma metáfora da agudeza crítica que Machado aplicava a aspectos da sociedade de sua época. Neste contexto, explorar a relação entre o jogo de capoeira e a obra machadiana oferece uma perspectiva interessante sobre sua contribuição para a literatura brasileira.

No conto analisado, o leitor é apresentado a conto é um diálogo que se dá entre pai e filho, após o jantar comemorativo de 21 anos deste. Estando os dois a sós, o pai aconselha ao filho tornar-se um Medalhão, ou seja, alguém que conseguiu conquistar riqueza e fama. Ele passa, então, a tecer uma teoria de como o filho conseguiria isso, aconselhando-o a mudar seus hábitos e costumes, anulando seus gostos e opiniões pessoais. O filho deveria sempre se manter neutro perante tudo, possuir um vocabulário limitado e conhecer pouco, e sempre preferir um humor mais simples e direto ao invés da ironia, que requeria certo raciocínio e construção imaginativa. Após muitos outros conselhos, o pai termina a conversa admitindo que suas palavras têm certa semelhança com a obra “O Príncipe”, de Maquiavel, e diz para o filho ir dormir. E dessa forma o autor envolve o leitor em uma cena que transcende um simples diálogo entre pai e filho.

No conto “Teoria do Medalhão” de Machado de Assis, a capoeira pode ser interpretada como uma forma de mandinga na escrita do autor, representando uma astúcia, uma habilidade em lidar com as complexidades sociais e uma dança sutil entre as expectativas convencionais e a originalidade literária. A relação entre a produção literária de Machado de Assis e a literatura negro-brasileira é complexa, pois, apesar de ser um escritor negro, escreveu em uma época em que o racismo era endêmico no Brasil, entre os séculos XIX e início do século XX, um período em que as condições sociais e políticas para os negros eram extremamente desafiadoras.

O impacto de Machado de Assis na literatura negro-brasileira pode ser percebido na discussão mais ampla sobre a representatividade negra na literatura brasileira. Sua presença como um dos principais escritores do cânone literário brasileiro destaca a importância de reconhecer e analisar as complexidades raciais presentes na produção literária do país. Desse modo, a discussão sobre a representatividade negra na literatura ganha destaque diante da presença significativa do autor, que foi fundamental na construção da narrativa literária brasileira. Analisar o legado de Machado de Assis na literatura negro-brasileira implica reconhecer e compreender as nuances raciais que permeiam as produções literárias do Brasil, promovendo um diálogo mais amplo sobre identidade e representação na literatura.

A capoeira, ao longo da história, foi uma forma de resistência da população negra. Da mesma forma, Machado de Assis, como um escritor negro, em uma época de profundo preconceito racial, utilizou sua escrita como uma forma de ginga literária. É possível observar elementos de sua herança afro-brasileira, como a capoeira, para subverter as normas literárias e abordar temas sociais de maneira astuta e penetrante. Ao estabelecer essa relação entre o conto Teoria do Medalhão e a capoeira, percebe-se que Machado de Assis não apenas criticava a superficialidade da sociedade de sua época, como também, contribuía para a construção de uma narrativa que desafia as normas estabelecidas, ou seja, como uma forma de ginga na escrita, ou como este estudo aponta, a literaginga.

Ao explorar as nuances da produção machadiana, pode-se perceber uma rede intricada de significados que ecoam na oralidade, destacando uma categoria particular: a configuração semântica em oralidade. É nesse enlace entre a expressão escrita e a tradição oral que emergem elementos fundamentais, proporcionando uma rica compreensão da narrativa machadiana, especialmente evidenciada no conto em questão.

Este conto, ao ser submetido à análise da oralidade, revela camadas complexas de significado que dialogam com as raízes culturais negro-brasileiras. Desse modo, nesta análise, a Configuração semântica em oralidade”, desvela-se as escolhas linguísticas de Machado de Assis e sua reverberação na tessitura literária.

No conto, Machado de Assis aborda satiricamente a mentalidade aristocrática e o hábito de colecionar medalhões como símbolos de status social. O protagonista reflete sobre a vida e as experiências por meio do uso de medalhões, cada um representando um aspecto específico de sua existência. A narrativa explora a superficialidade das relações sociais e a busca por reconhecimento através de símbolos externos. Com ironia, Machado de Assis critica a vaidade e a futilidade da sociedade da época, oferecendo uma reflexão perspicaz sobre os valores e as prioridades que orientam as escolhas individuais na busca por reconhecimento e status. E é através dessa ironia, por meio do diálogo que essa categoria se aplica.

Pensando na categoria configuração semântica em oralidade, no trecho: “Vinte e um anos, meu rapaz, formam apenas a primeira sílaba do nosso destino” (Assis, 2020, p. 1099). O autor utiliza uma metáfora que sugere a jornada da vida como uma palavra em formação, essa escolha, ao ser submetida à categoria, adquire um tom mais informal, como quem, realmente, compartilha um segredo a um filho, ou amigo próximo. A oralidade aqui se manifesta na expressão direta e coloquial, aproximando o texto de uma conversa cotidiana.

Ainda, “Não te ponhas com denguices, e falemos como dois amigos sérios” (Assis, 2020, p. 1099). A instrução para não se comportar com “denguices” revela a preocupação com a seriedade e compostura, características valorizadas no conto. O termo “falemos como dois amigos sérios” indica a busca por uma interação formal, mas a escolha do vocábulo “denguices” remete a uma linguagem mais descontraída, introduzindo elementos da oralidade na escrita.

Já em outro trecho o autor escreve: “O mesmo ofício te irá ensinando os elementos dessa arte difícil de pensar o pensado” (Assis, 2020, p. 1100). A expressão “pensar o pensado” revela uma reflexão intrincada sobre a natureza do ofício do medalhão. Nesse contexto, a oralidade se manifesta na escolha de palavras que, mesmo mantendo uma estrutura gramatical, refletem a cadência e os jogos de linguagem presentes em tradições orais. A configuração semântica em oralidade amplia o espectro de significados, adicionando nuances à reflexão proposta.

Ao observar o trecho: “Há um meio; é lançar mão de um regime debilitante, ler compêndios de retórica, ouvir certos discursos, etc.” (Assis, 2020, p. 1100). Ao considerara prática de capoeira, essa passagem pode ser interpretada como uma alusão à necessidade de domínio físico e mental. Seja, a questão da oralidade não se refere apenas à coloquialidade, mas ao uso de refrões, provérbios, cantigas e à transmissão de saberes tradicionais, desse modo, ao analisar o conto é observado usos de provérbios ao longo do texto como forma de transmissão de saberes, se aproximando da capoeira como uma ferramenta para construção do conto.

A capoeira, com seus elementos corporais e musicais, exige um equilíbrio entre força e astúcia, aspectos que dialogam com a sugestão de um “regime debilitante” e a absorção de conhecimento por meio de leituras e discursos. Desse modo, ao explorar fragmentos dessa obra à luz da configuração semântica em oralidade, percebe-se como Machado de Assis tece uma narrativa complexa, entrelaçando elementos linguísticos e culturais, ao construir o conto em forma de diálogo, o autor aproximar a oralidade de sua escrita, como quem avisa desde o início que o que se escreve, antes foi oralizado.

A literatura é um espaço dinâmico que transcende a mera palavra escrita, capturando movimentos, sensações e expressões estéticas que ecoam nas experiências culturais e corpóreas. Ao adentrar a esfera da literatura negro-brasileira, essa riqueza de movimentos corporificados se torna ainda mais evidente. Nesse contexto, as narrativas não são apenas palavras dispostas em páginas, são gestos, danças, ritmos que ecoam as tradições ancestrais e contemporâneas da diáspora africana no Brasil.

Ao explorar a categoria de movimentos corporificados e estéticos na literatura (negro-brasileira), destacando como autores incorporam em suas obras elementos que verbalizam e se manifestam nos corpos, nas danças, na musicalidade que permeiam as experiências afro-brasileiras. A literatura negro-brasileira, assim, se revela como uma expressão, onde as histórias são contadas não apenas através das letras, mas também pelos corpos que movimentam, pelos gestos que determinam e pelos ritmos que pulsam. Pode-se trazer para o jogo de análise a categoria que se refere aos Movimentos corporificados e estéticos presentes na literatura (negro-brasileira)”.

No conto, a interação entre os personagens por meio de diálogos é uma representação clara dos movimentos corporificados e estéticos presentes na literatura (negro-brasileira), sendo que o próprio formato do diálogo, em que os personagens se expressam verbalmente, traz à tona elementos da corporeidade tão presentes nas tradições culturais negro-brasileiras. Que pode ser observado no fragmento:

—Upa! que a profissão é difícil.
—E ainda não chegamos ao cabo.
—Vamos a ele.
—Não te falei ainda dos benefícios da publicidade. A publicidade é uma dona loureira e senhoril, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição. Que D. Quixote solicite os favores dela mediante ações heróicas ou custosas é um sestro próprio desse ilustre lunático. O verdadeiro medalhão tem outra política. Longe de inventar um Tratado Científico da Criação dos Carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos. Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo. Comissões ou deputações para felicitar um agraciado, um benemérito, um forasteiro, têm singulares merecimentos, e assim as irmandades e associações diversas, sejam mitológicas, cinegéticas ou coreográficas. Os sucessos de certa ordem, embora de pouca monta, podem ser trazidos a lume, contanto que ponham em relevo a tua pessoa. Explico-me. Se caíres de um carro, sem outro dano, além do susto, é útil mandá-lo dizer aos quatro ventos, não pelo fato em si, que é insignificante, mas pelo efeito de recordar um nome caro às afeições gerais. Percebeste?
—Percebi. (Assis, 2020, p. 1101)

No trecho, a categoria de análise movimentos corporificados e estéticos presentes na literatura (negro-brasileira), se manifesta na dinâmica do diálogo entre os personagens. O intercâmbio verbal é habilmente coreografado, destacando-se não apenas pelo conteúdo das palavras, mas pela maneira como são apresentadas. O diálogo revela uma dança de ideias, onde a interação entre os personagens se assemelha a uma performance. O que se pode abeirar ao que Graciela Ravetti afirmou:

Escreve-se como um performer quando as imagens e os objetos criados pela ficção se entre mesclam com algo de pessoal, com gestos que transbordam o ficcional e instalam o real indomável, convocando os agenciamentos coletivos; quando de repente se podem instalar diálogos perigosos sobre medos e desejos interculturais, identidades, fronteiras e responsabilidade ética nesta “escura era da globalização”, como manifestam Gómez-Peña e Roberto Sifuentes, do México edos Estados Unidos, sobre seu próprio trabalho como performers. Escreve-se como performer quando a palavra consegue dar um salto a outras linguagens, a imagens geradas por outras leis, e o diálogo que se instala faz uma alquimia que reforça os sentidos (Ravetti, 2011, p. 39)

A citação de Ravetti destaca a escrita como um ato performático, enfatizando a interseção entre o fictício e o pessoal, onde gestos ultrapassam os limites do fictício para incorporar o real. No contexto do conto essa perspectiva de escrita como performance se torna evidente na forma como os diálogos são construídos. A interação entre os personagens não se limita à troca de palavras, mas se assemelha a uma encenação, onde as imagens criadas pela ficção se misturam com elementos pessoais dos personagens.

Portanto, a categoria movimentos corporificados e estéticos presentes na literatura (negro-brasileira) pode ser percebida no conto não apenas na estrutura dialógica, mas também na capacidade de transcender as fronteiras entre o fictício e o real, incorporando elementos performáticos que reforçam os sentidos e a complexidade da narrativa, a estratégia de escrita revela uma habilidade em incorporar movimentos corporificados e estéticos na trama como uma série de diálogos é uma expressão estética que se alinha com a oralidade.

Ao analisar os elementos presentes na obra Teoria do Medalhão de Machado de Assis, é intrigante adentrar o universo da categoria Mandinga: problematização de maneira não direta que se manifesta desafiando as convenções. Esta categoria sobressai a simples manipulação de situações; o autor é sutil e perspicaz, como um bom capoeirista. Neste contexto, a mandinga emerge como uma força subversiva que

permeia a narrativa, construindo-a com nuances complexas e interpretativas. Ao considerar essa categoria, será apontado como Machado de Assis, de maneira hábil e muitas vezes velada, dialoga com as características afro-brasileiras, especialmente através de uma relação profunda com a prática da capoeira.

No conto, Machado de Assis apresenta de maneira sutil, algumas críticas à sociedade de forma não explicitam o que reforça a aplicabilidade da categoria. A análise dessa categoria revela-se através de diálogos e conselhos dados pelo pai ao filho recém tornado adulto, abordando a construção da persona do medalhão. Em um trecho, o pai aconselha o filho sobre a importância de não possuir ideias próprias, afirmando que a verdadeira essência do medalhão é a ausência de pensamentos originais. Esta abordagem aparentemente inofensiva, mas essencialmente manipuladora, é uma forma de mandinga literária, em que a subversão ocorre não de maneira explícita, mas através da influência e da manipulação do pensamento alheio. Como também pela ironia e pela crítica contundente à classe hegemônica, alienada e acrítica.

Em outro fragmento, o personagem principal sugere desencorajar qualquer envolvimento com a política, salientando que a adesão a partidos deve ser desprovida de ideias específicas, sendo apenas uma formalidade. Esse conselho dissimulado revela uma problematização da participação política direta, enfatizando a necessidade de manter uma postura apolítica e superficial, características fundamentais do medalhão, que se trata de uma metonímia usada ao longo do texto de forma mandingueira, brincando com os significados semânticos do objeto, trazendo para o conto novos significados para o medalhão.

Em vários trechos da obra, pode-se vislumbrar essa estratégia. Como por exemplo, no diálogo entre o pai e o filho, nota-se o patriarca delineando a trajetória do medalhão, recomendando uma abordagem aparentemente descompromissada à vida. Essa sutileza na orientação revela uma forma de mandingar intelectualmente, onde o filho é instruído a seguir um caminho sem que se perceba explicitamente a manipulação. No trecho em destaque é evidenciado de forma bem precisa esse mandingar:

Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente; coisa que entenderás bem, imaginando, por exemplo, um ator defraudado do uso de um braço. Ele pode, por um milagre de artifício, dissimular o defeito aos olhos da plateia; mas era muito melhor dispor dos dois (Assis, 2020, p. 1099).

Neste trecho, a sugestão de abster-se de ideias é apresentada como um conselho prático. A mandinga aqui reside na maneira como a instrução é dada, como se fosse uma mera reflexão sobre a vida, enquanto, na verdade, está moldando o pensamento do filho de maneira astuta. Outro ponto em que a mandinga se manifesta é na abordagem do pai sobre a filosofia política do medalhão. Ele aconselha a adesão à “metafísica política”, uma escolha que, apesar de aparentemente despretensiosa, tem implicações na maneira como o filho irá interagir com a política.

Desse modo, a característica em problematizar de forma não direta é habilmente construída por Machado de Assis no conto, utilizando-se de sutilezas literárias para problematizar conceitos como a ausência de pensamentos próprios e a superficialidade na participação política. Essa problematização, não direta, adiciona camadas de complexidade à narrativa. Na análise do conto, a categoria mandinga: problematização de maneira não direta revela-se como uma lente interpretativa que contribui para compreensão da forma de escrita machadiana. Sendo assim, Machado de Assis utiliza a mandinga como uma ferramenta para problematizar questões em forma de disfarces.

Com relação a categoria “cadência: ritmo verbal”, pode-se afirmar que ela colabora como um papel interessante na análise do conto. Machado utiliza a cadência como uma ferramenta sutil para transmitir nuances de significado, estabelecer atmosferas e dar ritmo aos diálogos entre os personagens. Nessa análise, a cadência, expressa através do ritmo da linguagem, contribui para a complexidade da narrativa, enfatizando pontos cruciais na construção do medalhão e na representação de elementos culturais e sociais.

Ao examinar os fragmentos da obra à luz dessa categoria, observa-se como Machado de Assis utiliza a cadência como ferramenta para enriquecer a experiência do leitor, criando uma tessitura literária que vai além das palavras, englobando o próprio pulso da narrativa. Como pode ser observado nos trechos: “-Vinte e um anos, meu rapaz, formam apenas a primeira sílaba do nosso destino.” (Assis, 2020, p. 1099). No fragmento, a cadência transmite a seriedade do pai ao abordar o tema do destino e da vida adulta. A escolha meticulosa das palavras e o ritmo ponderado criam uma atmosfera reflexiva. Como se o autor quisesse construir um tom de seriedade, mas que ao mesmo tempo brincasse com a questão ironicamente.

Em um outro trecho em que o personagem principal aconselha sobre o ofício de medalhão, o autor escreve: “- Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade; faltaram- me, porém, as instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti” (Assis, 2020, p. 1100). Aqui, a cadência é utilizada para transmitir o tom nostálgico do pai, que reflete sobre sua própria experiência como medalhão. O ritmo melancólico sugere uma resignação, acrescentando complexidade ao personagem.

No último fragmento destacado o personagem aponta sobre a importância da publicidade: “- A publicidade é uma dona loureira e senhoril, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição” (Assis, 2020, p. 1100). Nesse fragmento, a cadência é utilizada de maneira persuasiva, ressaltando a importância da publicidade. O ritmo, quase como uma melodia de conselho, também o uso de virgulas e substantivos, superpondo ideias e coisas, em tom de acúmulo não só de capital, mas de informações dispostas para o leitor, enfatiza a abordagem sutil que o medalhão deve adotar.

Além disso, mais uma vez, pode-se destacar a construção do texto como uma marcação de ritmo na narrativa, pois Machado de Assis constrói seu conto como uma roda de capoeira entre perguntas e respostas, determinando o ritmo. Ao construir o conto como uma conversa íntima entre os personagens, em que se pode cadenciar essa leitura, o autor determina o ritmo que ora acontece de forma mais rápida com períodos curtos, ora se dá de forma mais lenta.

Através desses exemplos, percebe-se como Machado de Assis utiliza a cadência como um instrumento narrativo, contribuindo para a riqueza estilística da obra e proporcionando uma experiência sensorial ao leitor, onde a musicalidade das palavras se entrelaça com as complexidades dos personagens e das ideias exploradas. Por fim, ao examinarmos o conto através das categorias analíticas, observa-se o tecer do autor na construção literária que vai além da simples narrativa, adentrando os enredos da linguagem, da oralidade, e dos movimentos corporificados presentes na literatura negro- brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A literatura negro-brasileira, aqui analisada sob a lente da literaginga, através do conto “O Medalhão”, revela-se como uma arena discursiva onde as palavras dançam, equilibrando resistência e celebração, lamento e esperança. A busca por uma linguagem que ultrapasse os limites convencionais, desafiando o maniqueísmo e provocando reflexões, é uma constante nessa literatura, e o conto de Machado de Assis exemplifica essa abordagem estética e política. A categorização proposta neste estudo – configuração semântica em oralidade, movimentos corporificados e estéticos, mandinga e cadência – permitiu uma análise profunda do conto, destacando elementos que aproximam a literatura da capoeira. A oralidade, presente nos coloquialismos e escolhas verbais, evoca a cadência do jogo de capoeira. A mandinga, expressa na abordagem indireta de questões sociais, desafia o maniqueísmo e convida à reflexão. A cadência do texto, evidenciada pelo ritmo verbal e cantigas de capoeira, dá vida à narrativa, criando uma experiência única para o leitor.

A análise do conto, revela uma intricada teia de elementos literários que enriquecem a experiência do leitor e aprofundam a compreensão da obra. A configuração semântica em oralidade, primeira categoria de análise, destaca-se como uma ferramenta poderosa na transmissão da mensagem, conferindo ao texto uma autenticidade e vitalidade que ressoam com as tradições da oralidade. Os movimentos oralizados, corporificados e estéticos, segunda categoria, emergem como expressões vívidas da literatura negro-brasileira.

A relação entre o fazer literário de Machado de Assis e o jogo da capoeiragem expressa no uso da capoeira como forma de mandingar na escrita, destaca-se como um elemento central. Assim como os capoeiristas dançam e jogam com seus corpos, Machado manipula as palavras e estrutura os diálogos de forma a criar uma espécie de jogo literário, onde as sutilezas da linguagem e os movimentos narrativos se entrelaçam. A configuração semântica em oralidade, evidenciada na escolha vocabular e nos diálogos, destaca-se como uma característica marcante da prosa machadiana. O autor, ao capturar a sonoridade e a cadência da linguagem falada, insere uma autenticidade peculiar à obra, aproximando o leitor do universo representado.

A escolha cuidadosa das palavras e a disposição melódica contribuem para a expressividade dos personagens e a profundidade das reflexões apresentadas. Assim, ao explorar as múltiplas facetas do conto “Teoria do Medalhão” vislumbra-se uma obra que transcende o tempo, revelando a sagacidade do autor em questionar convenções sociais e revelando a complexidade do fazer literário desse grande mestre da capoeira verbal.

A análise das quatro categorias da literaginga no texto de Machado de Assis revela não apenas o fazer literário do autor em incorporar elementos orais, corporificados, estéticos e rítmicos, mas também a profundidade e complexidade de uma obra que se destaca na literatura brasileira contemporânea. Ao retomar a teoria de performance, especialmente a vocalidade trazida por Zumthor, podemos compreender ainda mais a importância desses elementos na construção dessa obra literária. Zumthor enfatiza a vocalidade como um dos aspectos centrais da performance, destacando a maneira como a oralidade e a sonoridade influenciam a recepção da obra. Nesse sentido, a literaginga apontada no texto de Allan da Rosa se destaca ao incorporar elementos visuais e textuais, além de aspectos vocais e rítmicos que enriquecem a experiência da/o leitor(a).


2 Termo criado por mim para aplicação e análise durante a escrita da dissertação. Uma parte do trabalho foi publicado na revista: https://revistas.uneb.br/index.php/missangas/article/view/15365/11010
3 O artigo encontra-se disponível no link: . Acesso em 25 de junho de 2022.
4 A expressão é vista no artigo de Eduardo Assis Duarte, no entanto em uma entrevista para o programa Literatura afro-brasileira – Conexão Futura – Canal Futura, Duarte atribui a expressão sendo de Luiz Costa Lima. Entrevista disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=oc-GF_n9Vvk. Acesso em 25 de junho de 2022.

REFERÊNCIAS

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1Mestranda do curso de Letras, Literatura: Alteridade e Sociedade da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (2022) e especialista em Linguagens, Suas Tecnologias e o Mundo do Trabalho (2022). Graduada em Letras: Língua Portuguesa e Literaturas pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB, 2022). Professora da rede particular do Ensino Fundamental II. Ativista de educação na Rede Emancipa (2021-2022). Organizadora e curadora do Sarau Não Cale a Arte desde 2017. Organizadora e curadora do concurso literário Escrevendo Meu Futuro. Atualmente se dedica à construção da categoria de análise Literaginga. Área de pesquisa: Literatura, literatura negro-brasileira, performance e capoeira