ANTIFIBRINOLÍTICO NA CIRURGIA CARDÍACA: REVISÃO DA LITERATURA

ANTIFIBRINOLYTICS IN CARDIAC SURGERY: REVIEW OF THE LITERATURE

ANTIFIBRINOLÍTICOS EN CIRUGÍA CARDIACA: REVISIÓN DE LA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10901528


Leonardo José Martins Lima1
Leonardo Squariz Brotto1
Vinícius Marciano Cardoso1
Cairo José Alves Vieira1


RESUMO 

Introdução: Os antifibrinolíticos desempenham um papel importante na cirurgia cardíaca, onde o risco de sangramento perioperatório é alto e afeta a maioria dos pacientes. Eles atuam inibindo a fibrinólise e ajudam a preservar a função plaquetária. Os principais antifibrinolíticos são: aprotinina, o ácido epsilon-aminocapróico e o ácido tranexâmico, e podem diminuir a perda de sangue e a resposta inflamatória associada à cirurgia, assim como reduzir a necessidade de transfusões sanguíneas no pós-operatório. Devem ser usados com cautela devido ao risco de complicações, como o tromboembolismo. A escolha do medicamento, a dosagem e o momento da administração devem ser cuidadosamente considerados pelo médico responsável. Objetivo: Elucidar, com base na literatura clássica e atual, o papel dos antifibrinolíticos em cirurgia cardíaca em adultos, enfatizando o conceito de gerenciamento de sangue do paciente, os principais antifibrinolíticos, sua eficácia, e de que maneira agem para diminuir o sangramento em cirurgia cardíaca. Metodologia: Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, de forma a evidenciar a indicação de antifibrinolíticos na cirurgia cardíaca, particularmente a aprotinina e análogos de lisina (ácido tranexâmico – TXA, e ácido ε-aminocapróico – EACA), e como isto pode impactar no contexto hospitalar e de saúde. Considerações finais: Mimetizar efetivamente sangramentos, transfusões e reoperações em cirurgias cardíacas, bem como a morbidade e mortalidade associadas são alguns dos fundamentos pelos quais são importantes se pensar em medicamentos antifibrinolíticos. Contudo, a falta de diretrizes comuns pode dificultar dados robustos. Estabelecer comparações entre os principais antifibrinolíticos para determinar melhores protocolos e dosagens para uso na prática, e assim homogeneizar a clínica são imprescindíveis. É sempre um desafio, mesmo com todas as abordagens em relação a esta temática, o que reforça a necessidade de estudos como este, correlacionando o uso de antifibrinolíticos em cirurgia cardíaca.

Palavras-chave: Antifibrinolíticos, Antifibrinolíticos na Cirurgia Cardíaca, Ácido Tranexâmico, Ácido ε-Aminocapróico, Aprotinina.


ABSTRACT 

Introduction: Antifibrinolytics play an important role in cardiac surgery, where the risk of perioperative bleeding is high and affects the majority of patients. They work by inhibiting fibrinolysis and help preserve platelet function. The main antifibrinolytics are: aprotinin, epsilon-aminocaproic acid and tranexamic acid, and can reduce blood loss and the inflammatory response associated with surgery, as well as reduce the need for postoperative blood transfusions. They should be used with caution due to the risk of complications, such as thromboembolism. The choice of medication, dosage and timing of administration must be carefully considered by the treating physician. Objective: To elucidate, based on classic and current literature, the role of antifibrinolytics in cardiac surgery in adults, emphasizing the concept of patient blood management, the main antifibrinolytics, their effectiveness, and how they act to reduce bleeding in surgery cardiac. Methodology: This is an integrative literature review, in order to highlight the indication of antifibrinolytics in cardiac surgery, particularly aprotinin and lysine analogues (tranexamic acid – TXA, and ε-aminocaproic acid – EACA), and how this can impact on the hospital and healthcare context. Final considerations: Effectively mimicking bleeding, transfusions and reoperations in cardiac surgeries, as well as the associated morbidity and mortality are some of the reasons why it is important to consider antifibrinolytic medications. However, the lack of common guidelines can make robust data difficult. Establishing comparisons between the main antifibrinolytics to determine better protocols and dosages for use in practice, and thus homogenizing the clinic, is essential. It is always a challenge, even with all approaches to this topic, which reinforces the need for studies like this, correlating the use of antifibrinolytics in cardiac surgery.

Keywords: Antifibrinolytics, Antifibrinolytics in Cardiac Surgery, Tranexamic Acid, ε-Aminocaproic Acid, Aprotinin. 


RESUMEN

Introducción: Los antifibrinolíticos juegan un papel importante en la cirugía cardíaca, donde el riesgo de sangrado perioperatorio es alto y afecta a la mayoría de los pacientes. Actúan inhibiendo la fibrinólisis y ayudan a preservar la función plaquetaria. Los principales antifibrinolíticos son: aprotinina, ácido épsilon-aminocaproico y ácido tranexámico, y pueden reducir la pérdida de sangre y la respuesta inflamatoria asociada a la cirugía, así como reducir la necesidad de transfusiones de sangre postoperatorias. Deben utilizarse con precaución debido al riesgo de complicaciones, como el tromboembolismo. El médico tratante debe considerar cuidadosamente la elección del medicamento, la dosis y el momento de administración. Objetivo: dilucidar, con base en la literatura clásica y actual, el papel de los antifibrinolíticos en la cirugía cardíaca en adultos, enfatizando el concepto de manejo sanguíneo del paciente, los principales antifibrinolíticos, su efectividad y cómo actúan para reducir el sangrado en cirugía cardíaca. Metodología: Se trata de una revisión integrativa de la literatura, con el fin de resaltar la indicación de los antifibrinolíticos en cirugía cardíaca, particularmente los análogos de aprotinina y lisina (ácido tranexámico – TXA, y ácido ε-aminocaproico – EACA), y cómo esto puede impactar en el hospital y contexto sanitario. Consideraciones finales: La imitación efectiva de sangrados, transfusiones y reintervenciones en cirugías cardíacas, así como la morbimortalidad asociada, son algunas de las razones por las que es importante considerar medicamentos antifibrinolíticos. Sin embargo, la falta de directrices comunes puede dificultar la obtención de datos sólidos. Es fundamental establecer comparaciones entre los principales antifibrinolíticos para determinar mejores protocolos y posologías de uso en la práctica y así homogeneizar la clínica. Siempre es un desafío, incluso con todos los abordajes a este tema, lo que refuerza la necesidad de estudios como este, que correlacionen el uso de antifibrinolíticos en cirugía cardíaca.

Palabras clave: Antifibrinolíticos, Antifibrinolíticos en Cirugía Cardíaca, Ácido Tranexámico, Ácido ε-Aminocaproico, Aprotinina.


INTRODUÇÃO 

Os antifibrinolíticos são medicamentos importantes na cirurgia cardíaca, especialmente em procedimentos que envolvem circulação extracorpórea. Eles atuam inibindo a fibrinólise, o processo que dissolve coágulos sanguíneos, e ajudam a preservar a função plaquetária. Isso pode reduzir significativamente o sangramento durante e após a cirurgia (KLEIN et al., 2022; AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020; RAMOS et al., 2011; SANTOS et al., 2007).

Após a retirada da aprotinina do mercado, o ácido epsilon-aminocapróico e o ácido tranexâmico tornaram-se os principais antifibrinolíticos disponíveis. Essas drogas podem diminuir a perda de sangue e a resposta inflamatória associada à cirurgia (SHI et al., 2022; NG et al., 2015; RAMOS et al., 2011). Além disso, o uso desses medicamentos pode reduzir a necessidade de transfusões sanguíneas no pós-operatório (NG et al., 2015; SANTOS et al., 2007).

É importante notar que, embora eficazes, os antifibrinolíticos devem ser usados com cautela devido ao risco de complicações, como o tromboembolismo. A escolha do medicamento, a dosagem e o momento da administração devem ser cuidadosamente considerados pelo médico responsável (RAMOS et al., 2011; SANTOS et al., 2007).

Neste contexto, o objetivo deste trabalho é elucidar, com base na literatura clássica e atual, sobre o papel dos antifibrinolíticos em cirurgia cardíaca em adultos, enfatizando o conceito de gerenciamento de sangue do paciente, os principais antifibrinolíticos, sua eficácia, e de que maneira agem para diminuir o sangramento em cirurgia cardíaca. 

REVISÃO DA LITERATURA

Gerenciamento de Sangue do Paciente

O conceito de gerenciamento de sangue do paciente (patient blood management – PBM) foi introduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2011. É definido como uma “abordagem sistemática, focada no paciente e baseada em evidências para otimizar o gerenciamento de pacientes e transfusão de hemoderivados, de forma a garantir atendimento eficaz e de alta qualidade ao paciente” (KLEIN et al., 2022).

O objetivo é controlar anemia e sangramento em pacientes cirúrgicos para minimizar ao máximo a necessidade de transfusão. A gestão de sangue do paciente é uma abordagem multimodal baseada em três pilares: otimização da massa sanguínea, minimização da quantidade de perda de sangue e otimização da tolerância do paciente à anemia, aplicado durante os três períodos da intervenção cirúrgica (pré-operatória, perioperatória e pós-operatória) (KLEIN et al., 2022).

Diretrizes têm sido propostas como forma de implementar programas de PBM e ajudar a tornar um padrão, para efetivamente melhorar a qualidade e segurança no atendimento do paciente. Na Europa, há prerrogativas descritas para indicação e recomendação do uso profilático de antifibrinolíticos, devendo-se utilizar a fim de evitar ou reduzir o sangramento perioperatório. No entanto, há diferenças quanto ao tipo, quando e como deve ser administrado, e também quanto à dosagem (KLEIN et al., 2022).

Nos Estados Unidos e na Austrália, já é outra situação, sendo as práticas de PBM implementadas mais amplamente. As diretrizes australianas definem o princípio do PBM, seus objetivos e estratégias que incluem a implementação de medidas coordenadas, de maneira a diminuir as discrepâncias em práticas clínicas, consolidando programas existentes, identificando lacunas no conhecimento e no atendimento ao paciente, e aumentando a conscientização e a compreensão do PBM. Alguns países europeus poderiam beneficiar da experiência obtida por meio desses programas desenvolvidos por outros países para melhorar, acelerar e implantar o PBM em cirurgias cardíacas (KLEIN et al., 2022).

Cirurgia Cardíaca

A cirurgia cardíaca geralmente está associada a perda significativa de sangue, o que muitas vezes necessita de transfusão (AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020). Apresenta um alto risco de sangramento perioperatório, evidenciado pela alta proporção (50-60%) de pacientes cirúrgicos cardíacos que necessitam de transfusão de sangue alogênico durante e após a cirurgia. O risco de sangramento em cirurgia cardíaca é afetado por vários fatores, tais como: procedimento ser invasivo; uso de medicamento anticoagulante e anti plaquetário; uso de hipotermia; e uso de circulação extracorpórea (CEC) (KLEIN et al., 2022; NG et al., 2015; SERNA et al., 2005).

CEC usada durante cirurgia cardíaca leva à ativação do sistema de coagulação devido ao sangue entrar em contato com superfícies estranhas, e assim, ao final da CEC, uma proporção significativa de fatores de coagulação são ativados. Os níveis de fibrinogênio diminuem em aproximadamente 40%, já os níveis de trombina se elevam, o que não acontece em outros tipos de cirurgia. Tanto a fibrina como a trombina são ativadores reconhecidos para fibrinólise, que consiste em uma resposta fisiológica protetora, proporcionalmente inibindo a formação excessiva de coágulos. Contudo, depois de trauma, cirurgia e até uso de CEC, esta regulação local da resposta pode ficar sobrecarregada, e com isso, resultar em sangramento (KLEIN et al., 2022; RAMOS et al., 2011; SERNA et al., 2005).

A fibrinólise desempenha um papel importante na fisiopatologia da hemorragia durante a cirurgia cardíaca, como evidenciado pela forte correlação dos níveis de marcadores fibrinolíticos com a magnitude da perda sanguínea após CEC (KLEIN et al., 2022; SERNA et al., 2005).

Podem ainda contribuir: idade avançada, função plaquetária deficiente, anemia no pré-operatório, tamanho corporal pequeno, sexo feminino, cirurgia não eletiva e cirurgia de repetição (KLEIN et al., 2022).

O sangramento perioperatório demonstra ser um preditor independente da mortalidade hospitalar. Em um estudo que incluiu mais de 9.000 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com CEC, a perda sanguínea maciça (definida pela transfusão de pelo menos cinco unidades de concentrado de hemácias no dia da cirurgia) foi associada a um aumento de 8 vezes na mortalidade. Outros estudos também relataram morbidade excessiva, particularmente em termos de complicações tromboembólicas, infecções e maiores taxas de complicações cirúrgicas. Aliado a isso, ainda se verifica que hemorragia pós-operatória em cirurgia cardíaca tem um impacto econômico significativo (KLEIN et al., 2022).

Portanto, os medicamentos antifibrinolíticos inibem a fibrinólise e, quando administrados profilaticamente, ajudam a prevenir sangramento perioperatório (KLEIN et al., 2022; AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020).

Antifibrinolíticos

Os antifibrinolíticos desempenham um papel importante na cirurgia cardíaca, onde o risco de sangramento perioperatório é alto e afeta a maioria dos pacientes, reduzindo eficazmente hemorragias, transfusões, reoperações, bem como a sua morbidade e mortalidade associadas. Eles representam uma parte essencial do arsenal farmacológico do gerenciamento de sangue do paciente (KLEIN et al., 2022; AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020; SERNA et al., 2005).

A técnica de utilização de medidas farmacológicas para reduzir a perda de sangue remonta à década de 1980, quando a desmopressina e as prostaciclinas foram introduzidas na cirurgia cardíaca. No entanto, com o passar do tempo, estes foram considerados ineficazes (AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020; SANTOS et al., 2007). 

Os antifibrinolíticos comumente usados incluem inibidores de protease (aprotinina) e análogos de lisina (ácido tranexâmico – TXA, e ácido ε-aminocapróico – EACA) (KLEIN et al., 2022; NG et al., 2015; GERSTEIN et al., 2017). Os possíveis efeitos colaterais de outros antifibrinolíticos, demonstrado por alguns ensaios, fizeram com que a comunidade científica ponderasse sobre qual droga usar, e qual a mais eficaz para controlar a perda sanguínea perioperatória (AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020). O uso de antifibrinolíticos em cirurgia cardíaca muitas vezes não é discutido em detalhes além da profilaxia geral. Seu uso e quaisquer recomendações carecem de detalhes, incluindo escolha do medicamento, dosagem e modo de administração (KLEIN et al., 2022).

A aprotinina é um inibidor da serina protease, derivada do pulmão bovino SHI et al., 2022; AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020; GERSTEIN et al., 2017). É considerada um potente inibidor da plasmina livre que tem um efeito limitado na fisiologia da fibrinólise, e também interage com várias outras proteases plasmáticas como tripsina, calicreína e elastase. Entre os antifibrinolíticos, é considerado o que tem a atividade mais potente, além de possuir também ação anti inflamatória, diminuindo a inflamação sistêmica após CEC (KLEIN et al., 2022; SERNA et al., 2005).

Os análogos da lisina são atualmente os antifibrinolíticos mais utilizados, são derivados sintéticos da lisina, e inibem a fibrinólise impedindo a formação de plasmina através da sua capacidade de se ligar ao plasminogênio no sítio de ligação da lisina, e assim, evita sua ligação à fibrina (KLEIN et al., 2022; AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020; SERNA et al., 2005). O TXA foi originalmente descoberto por um médico japonês na década de 1950, sendo aplicado em cirurgia cardíaca somente na década de 1990 (PATEL et al., 2022; GERSTEIN et al., 2017). Está na lista de medicamentos essenciais da OMS, e sua administração como componente do PBM tem sido fortemente defendida (PATEL et al., 2022). Recomenda-se na redução da perda de sangue e transfusão em cirurgia cardíaca. No entanto, permanece incerto se é melhor tolerado doses mais ou menos elevadas, sem que ocorra aumento do risco de complicações trombóticas ou convulsões associadas à cirurgia cardíaca (SHI et al., 2022). O estudo clínico conduzido por Shi e colaboradores (2022), avaliaram 3.079 pacientes que foram randomizados para grupos de tratamento com TXA, sendo que entre os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com CEC, uma dosagem mais alta favoreceu os resultados encontrados. Houve uma modesta redução estatisticamente significativa na proporção de pacientes que receberam transfusão de glóbulos vermelhos alogênicos e preencheram critérios de não inferioridade em relação a um desfecho primário composto de segurança que consiste em mortalidade em 30 dias, convulsões, problemas renais e eventos trombóticos (SHI et al., 2022).

EACA foi estudado pela primeira vez em laboratório em 1914, entretanto, somente na década de 1950, a pesquisa em humanos aumentou e um grupo de pesquisadores japoneses testaram seu uso para o tratamento de várias outras doenças para o qual EACA foi eficaz com mínimo de efeitos colaterais. Esta medicação foi então aprovada pelo FDA – Food and Drug Administration, órgão americano, em 1964 (GERSTEIN et al., 2017).

A administração profilática de antifibrinolíticos em cirurgia tem sido amplamente pesquisada e discutida. Os antifibrinolíticos reduzem sangramento peri e pós-operatório, transfusões, reoperações, bem como morbidade, mortalidade e custos associados, sem aumentar a incidência de trombose aguda do enxerto ou tromboembolismo. Os dados sugerem que a aprotinina tem uma vantagem sobre os análogos da lisina na redução da perda sanguínea pós-operatória. Esses resultados foram demonstrados e conduzidos por estudos, considerando ser um pouco mais eficaz na redução da necessidade de transfusão de hemácias (KLEIN et al., 2022; NG et al., 2015; SERNA et al., 2005).

Entretanto, em 2008, a aprotinina foi retirada do mercado devido uma série de publicações científicas, que relataram um risco aumentado de eventos adversos cardiológicos, neurológicos e renais. Os resultados preliminares de um estudo comparativo, randomizado e duplo-cego, conhecido como BART, contribuiu, à medida que levantou a suspeita de excesso de mortalidade ligado à aprotinina, o que não foi corroborado por outras pesquisas (KLEIN et al., 2022; SHI et al., 2022; AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020; GERSTEIN et al., 2017).

Em 2012, após reavaliação dos dados, a Agência Europeia de Medicamentos concluiu que: “os dados do estudo BART relativos ao excesso de mortalidade associada à aprotinina não eram confiáveis” e restringiu a sua indicação para uso profilático em pacientes adultos com alto risco de sangramento submetido a cirurgia isolada de revascularização do miocárdio (KLEIN et al., 2022; AGGARWAL E SUBRAMANIAN, 2020; GERSTEIN et al., 2017).

Para os análogos da lisina, recentemente foi chamada a atenção para uma ocorrência rara, relacionada a crises epilépticas. Um estudo retrospectivo com mais de 11.000 pacientes submetidos à CEC relatou a incidência de 0,9% de convulsões em pacientes tratados com TXA. Esses pacientes tiveram uma taxa de mortalidade 2,5 a 3 vezes maior e a internação hospitalar foi o dobro do tempo. A administração de TXA demonstrou ser um preditor independente de convulsões, correlacionado com doses mais altas (COLOMINA et al., 2022; KLEIN et al., 2022; SHI et al., 2022).

Ainda são necessários grandes estudos comparativos a despeito dos antifibrinolíticos disponíveis, levando-se em consideração: a segurança, eficácia e custo-efetividade, com foco em casos de cirurgias cardíacas e não cardíacas, e pacientes de alto risco. O uso dessa classe de medicamentos é comum, e é exatamente por este motivo, que deve-se manter a atenção, pois mesmo que a maioria dos pacientes não tenha nenhum tipo de complicação relacionada ao seu uso, se esta acontecer, poderá muito grave e até fatal (GERSTEIN et al., 2017).

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, com abordagem qualitativa. Este tipo de estudo utiliza-se de fontes para descrever e atualizar a despeito de determinado assunto. Em nosso caso, evidenciamos a indicação de antifibrinolíticos na cirurgia cardíaca, particularmente a aprotinina e análogos de lisina (ácido tranexâmico – TXA, e ácido ε-aminocapróico – EACA), e como isto pode impactar no contexto hospitalar e de saúde.

Como critério de inclusão foram adotados os materiais encontrados que atendessem ao objetivo deste estudo, sem período de corte pré-estabelecido. Foram analisadas as que mais se adequaram ao tema e que continham informações relevantes e atualizadas. Os artigos foram obtidos diretamente no National Center for Biotechnology Information (NCBI) – PUBMED, e Scientific Electronic Library Online – SCIELO. 

Foram consultados artigos originais e de revisão sobre o tema, utilizando-se os seguintes descritores: “antifibrinolíticos; antifibrinolíticos na cirurgia cardíaca; ácido tranexâmico; ácido ε-aminocapróico; aprotinina”. O fluxo utilizado para seleção dos artigos inseridos está apresentado na Figura 1. Após uma primeira busca, como foram encontrados cerca de 1.513 artigos no PUBMED, dada a relevância do tema, julgamos adequar a pesquisa, e uma das considerações foi: a utilização de estudos clássicos como também mais recentes. Alguns destes estudos, apresentaram duplicidade, e outros, foram excluídos após efetiva análise dos resumos onde foi feita a opção por aqueles mais pertinentes e relevantes.

Figura 1: Fluxograma do protocolo de pesquisa e tratamento da produção científica.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Os antifibrinolíticos desempenham um papel importante na cirurgia cardíaca, onde o risco de sangramento perioperatório é alto e afeta a maioria dos pacientes. Mimetizar efetivamente esses sangramentos, transfusões e reoperações, bem como a morbidade e mortalidade associadas são alguns dos fundamentos pelos quais são importantes se pensar em medicamentos antifibrinolíticos. Eles representam um elemento essencial do manejo do sangue do paciente.

Contudo, o uso destes medicamentos em cirurgia cardíaca, em muitos países, ainda não é suficientemente detalhado, e esta falta de diretrizes comuns, pode dificultar dados robustos. Estabelecer comparações entre os principais antifibrinolíticos para determinar melhores protocolos e dosagens para usar na prática, e assim homogeneizar a clínica são imprescindíveis.

É sempre um desafio, mesmo com todas as abordagens em relação a esta temática, o que reforça a necessidade de estudos como este, correlacionando o uso de antifibrinolíticos em cirurgia cardíaca.

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1Santa Casa de Franca, SP