ATENDIMENTO ÀS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10864044


Allan Gabriel de Souza Silva1
Marcos Gomes Moreira2
Dra. Patrícia da Silva3


Resumo

A emergência de uma doença respiratória aguda no cenário mundial, causada pelo novo coronavírus humano, teve grande impacto na saúde física e no bem-estar geral de diferentes nações. As consequências desse fenômeno, também refletiram na saúde mental dos indivíduos e puseram em evidência a vulnerabilidade socioeconômica das minorias, como a população em situação de rua. Diante disso, esse trabalho buscou identificar quais as políticas e ações foram desenvolvidas para garantir o atendimento às pessoas em situação de rua, durante a pandemia de COVID-19 na cidade de Rio Branco – Acre. Para isso, foi realizada uma análise documental acerca das atividades desenvolvidas, diretamente ou em parceria, pelo Núcleo de Apoio e Atendimento Psicossocial (NATERA), à luz das recomendações da Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR) e das diretrizes elaboradas pelo Estado e Município durante o período pandêmico. Foram identificadas ações em promoção e prevenção da saúde, assistência social, justiça e cidadania, apesar das adversidades, elas têm se mostrado efetivas e atendem às orientações de atendimento, além de evidenciarem a importância da atuação intersetorial, para sanar diferentes demandas particulares do sujeito, mas de forma integrada, assim como, pela possibilidade de pôr em pauta a condição do existir na rua. 

Palavraschave: Pessoas em Situação de Rua; Atendimento; Pandemia.

Abstract 

The emergence of an acute respiratory illness on the world stage, caused by the novel human coronavirus, has had a major impact on the physical health and general well-being of different nations. The consequences of this phenomenon also reflected on the mental health of individuals and highlighted the socioeconomic vulnerability of minorities, such as the homeless population. Therefore, this work sought to identify which policies and actions were developed to ensure care for homeless people during the COVID-19 pandemic in the city of Rio Branco – Acre. For this, a documental analysis was carried out about the activities developed, directly or in partnership, by the Psychosocial Support and Assistance Center (NATERA), in the light of the recommendations of the National Policy for the Homeless Population (PNPR) and the guidelines elaborated. by the State and Municipality during the pandemic period. Actions were identified in health promotion and prevention, social assistance, justice and citizenship, despite the adversities, they have been shown to be effective and meet the care guidelines, in addition to highlighting the importance of intersectoral action, to solve different particular demands of the subject, but in an integrated way, as well as the possibility of putting into question the condition of existing on the street.

Keywords: People on the Street; Attendance; Pandemic.

Introdução

A partir de março do ano de 2020, houve a emergência de uma doença respiratória aguda no cenário mundial, causada pelo novo coronavírus humano (SARS-CoV-2), adquirindo status de pandemia nomeadamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em decorrência de sua proporção e impacto na saúde e bem-estar coletivo de diferentes nações, com agravo em pessoas idosas e pacientes com comorbidades clínicas, como as cardiopatias, imunossuprimidos, doenças crônicas e pessoas com alguns tipos de restrições. 

Em resposta a esse fenômeno, os indivíduos precisaram se adaptar à nova realidade e respeitar as regras e restrições de contato com os demais sujeitos da população, bem como, se viram obrigados a utilizar de recursos, como álcool em gel e máscaras, para minimizar os riscos de contaminação. Com a medida de isolamento social, os sujeitos tiveram que permanecer afastados do ambiente coletivo e suscetíveis a ideia iminente de contágio, o que expõe as dificuldades de acessos às políticas de bens e serviços por grande parte da população e refletiu na subjetividade individual. Importante mencionar que essa vulnerabilidade só pode ser entendida dentro do contexto históricosocial, pois, todos os indivíduos são suscetíveis à infecção pelo vírus, mas as possibilidades de se proteger, são mensuradas pelas condições de vida e de acesso aos bens.

Com o crescente desemprego e consequente situação de desabrigamento, viu-se à mostra a problemática do existir na rua, notadamente caracterizado por uma população heterogênea, com vínculos rompidos ou abalados com suas famílias, pobreza extrema e falta de moradia fixa, fazendo com que se utilizem das ruas ou dos espaços irregulares, para abrigar a possibilidade de sobrevivência e de proteção, rotineiramente atravessada pela violência, hostilidade e precariedade. De acordo com o Manual sobre o Cuidado à Saúde junto à População em Situação de Rua, que aborda sobre a vida na rua e a exposição aos problemas de saúde, os principais motivos de agravo incluem: a vulnerabilidade à violência, a alimentação incerta e sem condições de higiene, pouca disponibilidade de água potável, privação de sono e afeição e a dificuldade de adesão a tratamento de saúde. Dentre os problemas de saúde identificados estão: problemas nos pés, infestações, infecções sexualmente transmissíveis, gravidez de alto risco, doenças crônicas, consumo de álcool e drogas, deterioração da saúde bucal e tuberculose (BRASIL, 2012). 

Diante desse contexto, se faz necessário pensar quais são as políticas públicas destinadas às pessoas em situação de rua e quais ações foram efetuadas em atendimento às necessidades desses sujeitos, diante da crise sanitária que tem assolado o mundo e se mostrado implacável mesmo para indivíduos com recursos financeiros abundantes. As políticas socioassistenciais vinculadas à saúde, apresentam-se como válvula de escape para a população em situação de rua, com destaque para as instituições que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que possuem um papel fundamental no enfrentamento das desigualdades e na articulação dos serviços públicos, visando oferecer atendimento qualificado aos sujeitos e responder a essa demanda diversificada e complexa. No que tange a intersetorialidade, foi necessário que os serviços fossem adaptados, bem como, exigiu dos profissionais a elaboração de propostas de intervenção para problemas plurais da sociedade, como também requereu a mobilização das diferentes esferas públicas, incluindo ações em saúde e educação e englobando as políticas assistenciais e órgãos da justiça. 

É importante destacar a articulação entre as políticas de atenção primária à saúde e à justiça são de extrema relevância para sociedade, a exemplo, as atividades desenvolvidas pelo Núcleo de Apoio e Atendimento Psicossocial (NATERA), órgão vinculado ao Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), responsável pelo cuidado aos indivíduos em situação de rua e suas famílias e pela fiscalização das instituições integrantes da RAPS, com intuito de facilitar o acesso às políticas públicas vigentes na capital do estado do Acre. Desse modo, o presente estudo teve como objetivo identificar as ações de atendimento às pessoas em situação de rua durante a pandemia de Covid-19 em Rio Branco – Acre. 

Para isso, buscou-se realizar uma análise documental acerca das atividades desenvolvidas, diretamente ou em parceria, pelo NATERA à luz das recomendações da Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR) e das diretrizes elaboradas pelo Estado e Município, contidas no Plano Emergencial de Atenção à População em situação de Rua Durante o Período de Pandemia da Covid-19. O capítulo a seguir, abordará a fundamentação teórica do presente trabalho, sendo estruturado em quatro tópicos, a saber: Pandemia de Covid-19 e impactos na saúde; Sistema Único de Saúde (SUS) e Redes de Atenção Psicossocial; Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e PNPR; Plano Estadual e Municipal de Atenção à Pessoa em Situação de Rua (PSR) durante a pandemia. 

Justificativa

Em uma entrevista à BBC Espanha em 2020, o antropólogo e médico Merril Singer afirmou que a pandemia de Covid-19 atingiu o status de sindemia, termo cunhado em 1990 para designar uma situação em que “duas ou mais doenças interagem de tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas doenças” (Singer, 2020). Singer acrescenta que o impacto dessa interação é facilitado pelas condições sociais e ambientais, que podem tornar a população mais vulnerável aos estressores. Nessa perspectiva, a falta de condições habitacionais adequadas e as dificuldades de acesso a serviços essenciais, se mostram como fatores de risco e agravo à saúde da população em situação de rua. 

O desemprego e o subemprego são apontados por diferentes pesquisadores (Prates, Prates e Machado, 2011; Sousa e Macedo, 2019; Tiengo, 2021) como uma das causas que colocam os indivíduos em situação de extrema vulnerabilidade, de ocupações irregulares, de moradia em hotéis mensalistas e de moradia nas ruas. Segundo o Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (IPEA), em pesquisa publicada em março de 2020, as estimativas do número de pessoas em situação de rua no Brasil eram de aproximadamente 221.869, momento em que a pandemia começava a se expandir, com provável aumento posterior nos anos seguintes. De acordo com o CENSO SUAS, de setembro de 2012 até março de 2022, houve um crescimento de 139% de pessoas em situação de rua no Brasil. Analisando os dados do IPEA (2020), a região que mais teve um aumento foi a sudeste, no qual inclui os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. 

Na região norte, em 2012, existiam cerca de 3.218 mil pessoas nessa situação, já em 2020 esse número passou a ser de 9.626 mil (IPEA, 2020).  De acordo com os dados do Plano Emergencial de Atenção à População em Situação de Rua Durante Período de Pandemia da Covid-19 (2020), atualmente, o número de pessoas em situação de rua no município de Rio Branco é de 262 pessoas, as quais estão referenciadas e acompanhadas pelo Serviço Especializado para População em Situação de Rua e/ou ainda pelo Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS), serviços ofertados pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – Centro POP. Sabe-se que cada indivíduo vivenciou o período pandêmico de forma singular, mas para as pessoas em situação de rua, viu-se a necessidade de pensar novas formas de cuidado coletivo, uma vez que se trata de uma população que tende a ter restrições mais severas, como a privação alimentícia e falta de recursos para prover cuidados com a higiene pessoal, por exemplo. 

Pandemia de Covid-19 e impactos na saúde 

Em dezembro de 2019, um novo vírus foi nomeado cientificamente como SARS-COV-2, que ficou conhecido em todo o mundo como causador da doença Covid-19, sendo oficialmente reconhecida como pandemia no dia 11 de março de 2020 (OMS, 2020). No Brasil, o Ministério da

Saúde confirmou o primeiro caso em 26 de fevereiro de 2020, sendo registrados 17.702.630 casos e

496,004 de óbitos até a data de 17 de junho de 2021. No estado do Acre, por meio de dados da Secretaria de Saúde do Estado do Acre, os três primeiros casos de Covid-19 foram confirmados no dia 15 de março de 2020, sendo o número de infectados registrados de 84.487 casos e 1.725 óbitos até o dia 17 de junho de 2021 (Acre, 2021).

A Covid-19 se caracteriza por ser uma infecção respiratória aguda, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global. A transmissão acontece através de uma pessoa contaminada para outra, principalmente por vias aéreas ou por meio de objetos ou superfícies contaminadas, como mesas e maçanetas, dentre outras maneiras de transmissão (OMS, 2020). A infecção pelo vírus pode variar de casos assintomáticos, sintomas leves, até quadros moderados e graves, que podem resultar em óbito. Em razão da inexistência de ações ou medicamentos para prevenção específicas para a Covid-19, em período anterior a vacina, Malta et al. (2020) apontou medidas adotadas para a prevenção da doença:

 A OMS recomendou aos governos a adoção de intervenções não farmacológicas (INF), as quais incluem medidas de alcance individual (lavagem das mãos, uso de máscaras e restrição social), ambiental (limpeza rotineira de ambientes e superfícies) e comunitário (restrição ou proibição ao funcionamento de escolas e universidades, locais de convívio comunitário, transporte público, além de outros espaços onde pode haver aglomeração de pessoas) (p. 2).

Entre as medidas adotadas para a prevenção do contágio, deve-se destacar a restrição social, por ser considerada a estratégia mais importante neste cenário. Malta et al. (2020), refere que a restrição apresenta eficácia comprovada para a saúde pública, em casos da implantação adequada desta medida. No entanto, é importante se atentar para as consequências que o isolamento pode acarretar, os quais incluem efeitos negativos para a saúde física e mental dos indivíduos. 

No que tange às consequências psicológicas, alguns autores indicam que mesmo não havendo exposição ao vírus, os indivíduos podem apresentar ansiedade, raiva, desesperança, medo, alterações no sono e na alimentação, sensação de desamparo e culpa pelo adoecimento dos demais (Kavoor, 2020). Apesar das evidências de alterações já observadas, Nabuco, Oliveira e Afonso (2020) reforçam que os estudos acerca dos impactos psicológicas de grandes catástrofes ainda são limitados, principalmente no cenário brasileiro, mas é inegável o consenso de que os impactos na saúde mental podem ser mais prolongados, além de exacerbar condições médicas e sociais préexistentes, como transtornos mentais, abuso de substâncias e violência, produzindo agravos na saúde como um todo. 

Além da reduzida produção acadêmica acerca dos efeitos da Covid-19, também há uma limitação no que se refere às orientações de atendimento a serem prestados à população em situação de rua, em especial no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS). Por isso, é necessário evidenciar as políticas de saúde e assistenciais destinadas a essa população, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com destaque para as instituições e estratégias que fazem parte da RAPS. 

Sistema Único de Saúde (SUS) e Redes de Atenção Psicossocial (RAPS) 

Nas últimas décadas, a atenção e o cuidado com a população em situação de rua vem sendo objeto de responsabilização do poder público, a partir disso, houve a formulação de políticas de saúde e assistência em âmbito nacional, para orientar e assegurar o atendimento humanizado, visando ampliar a qualidade da atenção integral à saúde e romper com os moldes do tratamento psiquiátrico clássico. Marcando assim em 19 de setembro de 1990 a regulamentação da lei de nº 8080, que constitui a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que foi um marco para a história do Brasil, principalmente para a garantia da saúde pública. 

Esse sistema buscou organizar os níveis de atendimento em baixa, média e alta complexidade, respeitando os princípios da universalidade, integralidade e da equidade para sua ordenação. Ao eleger como modelo, a criação de uma política pública de saúde para a população em situação de rua em convergência com as diretrizes da atenção básica e a lógica da atenção psicossocial, o Ministério da Saúde propõe trabalhar a redução de danos e assumiu a responsabilidade da promoção da equidade, garantindo o acesso dessa população às outras possibilidades de atendimento no SUS. 

A Política Nacional de Saúde Mental (PNSM) visa consolidar um modelo de atenção aberto e de base comunitária, no qual busca garantir a livre circulação das pessoas com problemas mentais pelos serviços e espaços públicos e coletivos. Neste cenário, a Atenção Básica (AB) se mostrou como um espaço para o fortalecimento dos vínculos e do cuidado, bem como, constitui uma porta de entrada ao SUS, através das ações de equipes multiprofissionais que visam a promoção da saúde mental, prevenção de agravos, assistência e cuidado, bem como, a reabilitação e reinserção das pessoas com transtornos mentais, incluindo os problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas (Brasil, 2012). 

Após a Portaria Ministerial nº 3.088/2011, os serviços em saúde mental passaram a ser organizadas seguindo a lógica da Rede de Atenção à Saúde (RAS), que funciona como um sistema integrado e opera de forma contínua e proativa, direcionada para as condições agudas e crônicas de saúde/doença, incluindo os cuidados em saúde mental, por meio da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A reestruturação da atenção à saúde mental em rede, proporcionou a criação de um instrumento de cuidado integral, ancorado nos direitos humanos, no trabalho intersetorial e na territorialização, cujo princípios incluem a igualdade e equidade, o respeito à dignidade da pessoa humana, o direito à convivência familiar e comunitária, a valorização e respeito à vida e à cidadania, o atendimento humanizado e universalizado, o respeito às condições sociais e diferenças socioculturais, de raça e gênero (Brasil, 2012). 

A RAPS integra o SUS e estabelece os pontos de atenção para o atendimento de pessoas com problemas mentais, incluindo aquelas causadas por efeitos nocivos do uso de crack, álcool e outras drogas. A Rede é composta por serviços e equipamentos variados, tais como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III) e programas como De Volta para Casa, que oferece bolsas para pacientes egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos (Brasil, 2012). Embora não façam parte da RAPS, os órgãos de justiça, como o Ministério Público e Defensorias dos Estados, são responsáveis pela fiscalização do funcionamento das instituições que a compõem, por isso, devem atuar de forma integrada.  

Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a Política Nacional para População em situação de Rua (PNPR) e outros norteadores de atendimento durante a pandemia 

Em 1993, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que regulamenta os Artigos 203 e 204 da Constituição Federal e reconheceu a Assistência Social como política pública, direito do cidadão e dever do Estado, assim como, garantiu a universalização dos direitos sociais. Posteriormente, a LOAS recebeu alterações para a inclusão da obrigatoriedade da formulação de programas de amparo à população em situação de rua, por meio da Lei n° 11.258/05, de 30 de dezembro de 2005. Isso deu origem ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), caracterizado como um sistema público que organiza os serviços de assistência social no Brasil, de forma participativa e colaborativa, não restrita à uma ou outra instituição. Enquanto, a Política Nacional para População em situação de Rua (PNPR), reconheceu a população em situação de rua como detentora de direitos e estabeleceu os atributos e responsabilidades de diferentes setores, por meio do Decreto nº 7053/2009, visando o atendimento integral das necessidades desse grupo. Apesar de considerar que essas instituições são independentes, ao mesmo tempo, possuem um fim comum, ao convergirem para a descentralização dos serviços de assistência prestados à comunidade. 

Os princípios da PNPR incluem, em seu artigo 5°, o respeito à dignidade da pessoa, o direito à convivência familiar e comunitária, a valorização e respeito à vida e à cidadania, o atendimento humanizado e universalizado e o respeito às condições sociais e diferenças, com atenção especializada às pessoas com deficiência (Brasil, 2009). A política versa ainda acerca das diretrizes, em seu Art. 6°:

São diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua: 

  1. – promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais;
  2. – responsabilidade do poder público pela sua elaboração e financiamento; 
  3. – articulação das políticas públicas federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal;
  4. – integração das políticas públicas em cada nível de governo; 
  5. – integração dos esforços do poder público e da sociedade civil para sua execução; VI – participação da sociedade civil, por meio de entidades, fóruns e organizações da população em situação de rua, na elaboração, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas; 
  6. – incentivo e apoio à organização da população em situação de rua e à sua participação nas diversas instâncias de formulação, controle social, monitoramento e avaliação das políticas públicas; 
  7. – respeito às singularidades de cada território e ao aproveitamento das potencialidades e recursos locais e regionais na elaboração, desenvolvimento, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas; 
  8. – implantação e ampliação das ações educativas destinadas à superação do preconceito, e de capacitação dos servidores públicos para melhoria da qualidade e respeito no atendimento deste grupo populacional; e 
  9. – democratização do acesso e fruição dos espaços e serviços públicos (Brasil, 2009).

O mesmo decreto assegura o acesso amplo, simplificado e seguro a diferentes serviços e setores; garante a formação e capacitação continuada dos profissionais e gestores atuantes; institui, produz e sistematiza os indicadores; devolve ações educativas pertinentes a desenvolvimento do respeito, ética e solidariedade; incentiva a pesquisa e divulgação de conhecimentos acerca dessa população; implanta os centro de defesa dos direitos humanos; incentiva a criação, divulgação e disponibilização de canais de comunicação, proporciona o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios previdenciários e assistenciais; articula ações entre o SUS e o SUAS; adota padrão básico de qualidade, segurança e conforto na estruturação e reestruturação dos serviços de acolhimento temporários; implanta centro de referência especializados; implementa ações de segurança alimentar e nutricional e; disponibiliza programas de qualificação profissional para essa população (Brasil, 2009).

Outro avanço observado, foi o desenvolvimento do Plano Operativo para Implementação de Ações em Saúde da População em Situação de Rua, instituído por meio da Resolução n° 2, de 27 de fevereiro de 2013. Esta Resolução define as diretrizes e estratégias de orientação para o processo de enfrentamento das desigualdades em saúde, com foco na População em Situação de Rua (PSR) no âmbito do SUS. Os objetivos traçados por esse Plano incluem: “garantir o acesso da PSR às ações e aos serviços de saúde; reduzir os riscos à saúde decorrentes dos processos de trabalho na rua e das condições de vida; e melhorar os indicadores de saúde e da qualidade de vida” (Brasil, 2014, p. 27). 

As estratégias recomendadas para a promoção da saúde da PSR definidas no Plano estão divididas em cinco eixos, sendo eles: 

Eixo 1: Inclusão da PSR no escopo das redes de atenção à saúde.

Ações pactuadas desse eixo: a implantação das equipes de Consultórios na Rua; a garantia de acesso à atenção domiciliar em espaços de acolhimento institucional; a capacitação das equipes da urgência e emergência para atendimento da PSR; e a inclusão da PSR no escopo das políticas de atenção à saúde para grupos específicos.

Eixo 2: Promoção e Vigilância em Saúde 

Ações que concretizam esse eixo: intensificar a busca ativa e os tratamentos supervisionados para o controle de doenças infecciosas; controlar e reduzir a incidência de tuberculose, DST/aids e outros agravos recorrentes nessa População; e propor para pactuação na CIT estratégias que garantam o acesso dessa população às vacinas disponíveis no SUS.

Eixo 3: Educação Permanente em Saúde na abordagem da Saúde da PSR 

Ações definidas: capacitação e sensibilização de profissionais de saúde para atendimento da PSR; inserção da temática PSR no Módulo de Educação à Distância para cursos de formação voltados para profissionais de saúde; fomentar pesquisas com foco na saúde da PSR; e elaboração de material que informe a PSR sobre o SUS e as redes de atenção à saúde.  Eixo 4: Fortalecimento da Participação e do Controle Social, por meio das seguintes ações propostas: apoiar a formação e sensibilização de lideranças do Movimento Social da PSR; articular e fomentar com gestores estaduais e municipais a capacitação de conselheiros de saúde sobre a temática saúde da PSR, com participação do MNPR e entidades ligadas ao tema; produzir e publicar material sobre saúde da PSR destinado a gestores e a profissionais de saúde; apoiar encontros regionais sobre saúde da PSR; e instituir Comitê Técnico de Saúde da PSR ou referência técnica nas instâncias estaduais e municipais.  Eixo 5: Monitoramento e avaliação das ações de saúde para a PSR

Esse eixo ocupa-se de monitorar e avaliar as ações que foram pactuadas, considerando as prioridades e metas dos Planos Estaduais e Municipais de Saúde. É com base nesse Plano Operativo que o Ministério da Saúde atua na promoção da atenção à saúde da PSR. Nesse sentido, podemos registrar avanços significativos, como a ampliação do Programa Consultório na Rua (CnaR), que tem suas diretrizes de organização e funcionamento definidas pela Portaria n° 122, de 25 de janeiro de 2011, e pela Portaria nº 123, de 25 de janeiro de 2012. Dados de março de 2014 apontam que 114 equipes de Consultório na/de Rua estão em funcionamento (Brasil, 2014, p. 28-30).  

Com isso, entende-se que as ações orientadas pelo Plano Operativo para Implementação de Ações em Saúde da População em Situação de Rua incluem desde a inserção do sujeito a RAPS até o monitoramento e avaliação das ações realizadas, o que pressupõe a necessidade de uma atuação coletiva e integrada, isto é, que o trabalho seja desenvolvido de forma intersetorial. 

Plano de enfrentamento ao COVID-19 e Atenção à Pessoa em Situação de Rua (PSR) durante a pandemia 

Para o enfrentamento do Coronavírus no país, houve uma crescente mobilização por parte das instituições públicas e privadas, bem como, foram estabelecidas medidas de isolamento e quarentena e dispensados recursos financeiros como auxílio de custo para pessoas de baixa renda, à saber o Auxílio Emergencial. No Estado do Acre, o Governo do Estado estabeleceu um conjunto de medidas para enfraquecer os efeitos da pandemia, na tentativa de achatamento de incidência de casos confirmados da doença. Dentre as medidas, pode-se citar a criação do Centro de Operações de Emergência (COE) para planejamento, acompanhamento e monitoramento das ações voltadas ao enfrentamento a COVID-19 no Acre, tendo representação intersetorial da Secretaria Estadual de Saúde, Conselhos de Classe e de Secretários Municipais, instituições federais e estaduais de fiscalização e sindicato da saúde. Ao COE, foi incumbido o planejamento e monitoramento do Plano de Contingência da Secretaria de Estado de Saúde do Acre para Enfrentamento da Infecção pelo novo Coronavírus. 

Em julho de 2020, foi lançado pelo Governo do Acre, o “Pacto Acre sem COVID”, que consiste em uma estratégia para a retomada gradual e responsável das atividades econômicas e comerciais no âmbito estadual, a fim de viabilizar a harmonia entre o desenvolvimento econômico, o direito de proteção à saúde e os valores sociais do trabalho. As diretrizes contidas no Pacto também incluíam a efetiva priorização do direito à vida, a tomada de decisão com base em evidências científicas e a observância das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). O método de trabalho foi inspirado na atuação de outros Estados, especificamente do Estado de São Paulo, por conter o maior número de estudos complementares sobre os cenários e efeitos da crise na economia. 

De acordo com o Plano Emergencial de Atenção à População em Situação de Rua Durante Período de Pandemia da Covid-19 (2020), no âmbito municipal, foram adotadas uma série de medidas, tais como: suspensão das aulas da rede municipal de ensino e rede privada (ensino infantil, fundamental, médio e superior), suspensão de eventos que causasse aglomeração de pessoas (eventos culturais, esportivo, lazer, cultura, religiosos), restrições para o segmento de transporte e comércio, como também, a suspensão das atividades coletivas das políticas de assistência social, dentre outras ações classificadas em cada eixo respectivo. As ações da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos foram enquadradas no Eixo 2, no qual inclui a oferta de comida, água e assistência social dentro do Plano Municipal. A partir das ações macros, a mesma Secretaria elaborou o Plano de Contingência Específico da Instituição, com as principais atividades a serem implementadas e fortalecidas durante o período pandêmico, considerando o caráter essencial dos serviços e políticas socioassistenciais. 

O desenvolvimento deste plano teve como objetivo “assegurar a proteção social e os direitos básicos das pessoas em situação de rua de Rio Branco/AC, contaminadas ou não, de forma a reduzir os impactos gerados pela pandemia do COVID – 19” (2020, p. 3). As diretrizes elaboradas, incluem: a) a promoção e garantia dos direitos humanos fundamentais da população em situação de rua, prezando pela construção do vínculo, do acesso e do acolhimento na rede; b) corresponsabilidade do poder público e da sociedade civil; c) democratização do acesso às políticas públicas; d) atendimento aos pressupostos do SUAS e da PNPR e; e) articulação da rede socioassistencial e demais políticas setoriais de Atenção à População em Situação de Rua.

Metodologia 

O presente trabalho trata-se de uma análise documental, de abordagem qualitativa e exploratória e corte transversal, situada entre o período de abril de 2020 e setembro de 2022. Faz-se necessário destacar que apesar da flexibilização das medidas restritivas e retomada gradual da vida coletiva e social, não se tem um marco definido acerca do encerramento da pandemia, por isso, o período escolhido ainda data meses do presente ano, o que permite alcançar o maior número de ações efetivadas. 

De acordo com Gil (2008), a pesquisa documental apresenta similaridades com o estudo bibliográfico, mas se diferencia por ter objetivos mais específicos. Ainda segundo o autor, a pesquisa documental envolve algumas etapas, sendo elas: determinação do objetivo, identificação da fonte, localização e extração do material, tratamento dos dados e redação do trabalho. Considerando que o objeto de estudo deste ensaio são as ações desenvolvidas para o atendimento de pessoas em situação de rua durante a pandemia da COVID-19, com atenção especial ao trabalho desenvolvido pelo NATERA, optou-se por realizar a análise de documentos escritos e não escritos, de fontes primárias e secundárias, o qual inclui reportagens, fotografias, cartilhas, decretos, entre outros arquivos. 

Lüdke e André (1986) reforçam que:

Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte “natural” de informações. Não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (p. 39). 

Os documentos foram selecionados tendo por base a inclusão de arquivos relacionados a experiências práticas de atendimento a pessoas em situação de rua, disponíveis e de livre acesso na internet, publicados no período anteriormente especificado, excluindo aqueles que não apresentam relevância para atingir o objetivo do estudo. Para tratamento dos dados, utilizou-se da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977) definida como:

[…] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (p. 42).

Resultados e discussão

1)  Atribuições do MPAC e do NATERA e ações de articulação dos serviços  

O Núcleo de Apoio e Atendimento Psicossocial (NATERA) é órgão de apoio do Ministério Público do Acre – MPAC, especializado em apoio e atendimento às pessoas em situação de rua e/ou aquelas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. Esse núcleo busca garantir os direitos dessa população ao acesso à saúde mental, dentro da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS. Com base no

Plano Emergencial de Atenção à População em Situação de Rua Durante Período de Pandemia da Covid-19 (2020), as atribuições do MPAC incluem: 

1. Acompanhar a execução do Plano de Atenção à População em Situação de Rua no

Município de Rio Branco, por meio do Procedimento Administrativo instaurado pela Promotoria Especializada de Direitos Humanos. 2. Apoiar a interface da execução do Plano com as demais instituições do Sistema de Justiça por meio do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos; 3. Manter plantão para atender demandas específicas da rede, garantindo o cumprimento das competências de cada órgão/instituição e o funcionamento do fluxo (2020, p. 39-40). 

Ao Natera, incube a tarefa de apoiar de forma técnica o CAOP Direitos Humanos e a Promotoria Especializada de Direitos Humanos referente à temática; atuar na articulação interinstitucional e facilitar diálogos; produzir relatórios parciais e finais acerca da execução do referido Plano, de forma integrada com os demais atores implicados e; identificar eventuais dificuldades e auxiliar na gestão de conflitos. Assim, o trabalho desenvolvido é integrado à rede, por isso, o usuário possuem acesso aos dispositivos de saúde em geral, mas, principalmente ao dispositivos especializados em atenção à saúde mental, visto que, junto a condição de desabrigamento, há também a presença de Transtornos Mentais e comportamentais, em decorrência do uso abusivo de múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas, sendo os mais comuns a esquizofrenia, depressão e ansiedade (2020).

De acordo com os dados do Plano Emergencial de Atenção à População em Situação de Rua Durante Período de Pandemia da Covid-19 (2020), 100% das pessoas referenciadas no Município, isto é, as 262 pessoas acompanhadas, possuem relação abusiva com álcool e outras drogas, sendo os tipos: 

Figura 1: Percentil de uso abusivo de álcool e outras drogas na população em situação de rua por subtipo de substância

Fonte: retirado do Plano Emergencial de Atenção à População em Situação de Rua Durante Período de Pandemia da Covid-19 (2020). 

Com a nova configuração do atendimento aos usuários de álcool e outras drogas, trazida pelas Leis Federais n° 10.2016/01 (Lei da Reforma Psiquiátrica) e n° 11.346/06 (Lei de Drogas), o NATERA precisou se adaptar para manter a oferta de serviços para os sujeitos e suas famílias, considerando que, durante a pandemia de Covid-19, os atendimentos foram dificultados pelas medidas e as orientações acerca da restrição e isolamento social, na tentativa de diminuir os números de contágio. Neste cenário, o NATERA inovou ao manter os atendimentos ao usuário de álcool e outras drogas e seus familiares, seguindo os protocolos de biossegurança, o que possibilitou a oferta de cuidado na perspectiva da saúde pública e da proteção social, por meio da articulação dos diferentes serviços públicos, como proceder com encaminhamentos para o CAPS AD ou outras instituições.

Em matéria de Edmilson Ferreira, publicada em 08 de setembro de 2021 na página online do Acre Agora, durante o período pandêmico, representantes do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), por meio do Núcleo de Apoio e Atendimento Psicossocial (Natera), promoveram uma reunião com as coordenadoras do Centro de Referência Especializada para População em Situação de Rua (Centro POP) e do Consultório na Rua de Rio Branco. Nessa reunião, o atual coordenador do Natera, evidenciou a necessidade de articulação com os serviços de urgência e emergência, isto é, a alta complexidade: 

Vamos fazer uma articulação com o Samu para uma avaliação do fluxo das emergências psiquiátricas, além de rediscutir o fluxo de atenção às pessoas com transtornos mentais decorrentes do uso de álcool e outras drogas, que necessitam de uma atuação em urgência e emergência conduzida pelo serviço (2021).  

Por sua vez, o NATERA precisou articular uma rede de cuidado ainda mais sólida com essa população, para garantir o acesso aos direitos fundamentais, como saúde e alimentação, uma vez que diferentes serviços públicos precisaram suspender os atendimentos durante a pandemia. A iniciativa para o diálogo sobre a temática do existir na rua, está em consonância com as orientações do Eixo 4 da PNPR, que orienta acerca do fortalecimento da participação e do controle social, por meio de possíveis ações, tais como: articular e fomentar a capacitação de conselheiros de saúde sobre a temática saúde da PSR à nível estadual e municipal e apoiar encontros regionais sobre saúde da PSR, dentre outras. 

Outro exemplo importante foi a reunião para discussão de alinhamento acerca do atendimento à mulheres gestantes e lactante em situação de rua durante a pandemia:

Figura 2: reportagem acerca do acolhimento de gestantes e lactante em situação de rua

Fonte: https://agencia.ac.gov.br/saude-e-mpac-discutem-fluxo-de-acolhimento-de-gestantes-elactantes-em-situacao-de-rua/

Apesar dos obstáculos, o número de atendimentos registrados pelo Natera, indica um aumento no número de casos acolhidos, passando de 36 homens em 2020 para 68 em 2022 e 22 mulheres em 2020 para 27 em 2022. Esse dado é importante à medida que, em primeiro momento, denota à inclusão de pessoas em situação de rua no escopo da RAS, atendendo as ações previstas no Eixo 1 da PNPR, em segundo instante, evidencia um crescimento conjunto ao número de pessoas em situação de rua, ocasionados, para além das diferentes motivações pessoais, pela instabilidade política e pela crescente situação de pobreza social vividos nos últimos anos. Levando em consideração que, já no ano de 2017, período anterior à pandemia, haviam cerca de 101 mil pessoas em situação de rua no Brasil (IPEA, 2017), condição que foi acentuada pelo desemprego e teve grande contribuição para a “transformação” do perfil sociodemográfico dessa população.

2)  Articulação dos serviços e ações em cidadania

Como já exposto, para efetivação das políticas públicas, é de grande relevância a articulação e integração dos serviços ofertados, afim de garantir o atendimento à população em situação de rua. Neste sentido, durante a pandemia, o Natera – em conjunto à outros órgãos de justiça – promoveram diálogos acerca das demandas relacionadas à cidadania, conforme observado na figura abaixo: 

Figura 3: reportagem acerca da articulação entre o TJAC, o NATERA e outras instituições

Fonte: https://www.tjac.jus.br/2020/10/tjac-dialoga-com-instituicoes-sobre-emissao-dedocumentos-para-pessoas-em-situacao-de-rua/

Com base nos dados citados na reportagem, em torno de 127 das 282 pessoas em situação de rua que são acompanhadas pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), precisavam de assistência para emissão de algum tipo de documento, o que também garantiria acesso a direitos básicos e outras políticas assistências durante a pandemia, como o Auxílio Emergencial. Segundo a desembargadora e coordenadora do Projeto Cidadão da Justiça acreana, a articulação entre as políticas é indispensável para resolução imediata dessa demanda e para promover o respeito e dignidade à pessoa em situação de rua, ela reforça que é preciso desenvolver a busca ativa da necessidade do sujeito: “precisamos traçar caminhos para chegarmos às pessoas. Nós precisamos avançar e avançar na construção para conferir dignidade às pessoas que não tem documentação, pois, sem o documento a pessoa fica sem dignidade, sem acesso aos serviços essenciais” (2020).

Deve-se destacar que o planejamento e execução das medidas previstas têm ocorrido de forma positiva, visto que, no presente ano, dois anos após a realização da reunião anteriormente mencionada, foi realizada uma edição do projeto: “Acolher para Transformar”:

Figura 4: reportagem sobre a ação do projeto “Acolher para Transformar”

Fonte: https://www.tjac.jus.br/2022/06/acolher-para-transformar-movimenta-o-centro-da-capitalacreana-com-servicos-de-cidadania-para-pessoas-em-situacao-de-rua/

Essa ação foi reconhecida pela decana como uma edição com caráter especial, por proporcionar uma atuação efetiva frente às demandas da população em situação de rua. Os atendimentos prestados nessa edição do evento, possibilitaram o acesso a serviços e cuidados relativos à saúde, cidadania, bem-estar, lazer e segurança pública, em cumprimento das recomendações da PNPR e demais políticas destinadas a essa população, além de demonstrar que a ação intersetorial é mais eficaz para responder às necessidades individuais e coletivas dessa população. 

3)  Articulação com a Sociedade Civil 

Além da atuação governamental, se faz necessário o apoio da sociedade civil para atender algumas demandas, articulação também prevista nas políticas destinadas a esse grupo. Com isso, o MPAC e Natera atuaram na captação de doações em campanha de agasalhamento para pessoas em vulnerabilidade, enquanto buscava medidas de viabilização, junto a Secretaria de Assistência Social, para ampliação de vagas em abrigos destinadas ao acolhimento dessa população durante as baixas temperaturas, como em matéria de Leandro Chaves: 

Figura 5: reportagem sobre campanha de recolhimento de donativos

Fonte: https://www.mpac.mp.br/mpac-orienta-acoes-para-o-atendimento-a-populacao-de-ruadurante-a-friagem/

4)  Ações de orientação e conscientização

Além da tarefa de articular os serviços dentro da rede de atendimento, o MPAC e o Natera promoveram a orientação de providências a serem tomadas pelas instituições durante período de emergência climática:

Figura 6: reportagem referente às orientações do MPAC e Natera frente a adversidades climáticas

Fonte: https://www.mpac.mp.br/mpac-orienta-acoes-para-o-atendimento-a-populacao-de-ruadurante-a-friagem/ 

A orientação acerca das medidas a serem tomadas também está alicerçada na PNPR, que prevê tanto a ampliação de ações educativas direcionada à superação do preconceito, como à capacitação dos servidores públicos para melhoria da qualidade do atendimento prestado.

Embora não tenham sido obtidas reportagens que retratasse unicamente esse nicho, durante a pandemia, foram adotadas estratégias de prevenção e conscientização, no qual destacam-se a distribuição de itens de higienização e alimentação e a orientação sobre a existência da doença e formas de prevenção. Neste cenário, a atenção primária à saúde (APS), bem como, a estratégia saúde da família (ESF) foram essenciais para a disseminação de práticas educativas e de orientação, na identificação dos sintomas, no serviço triagem e referenciamento aos serviços especializados, fossem de baixa ou alta complexidade.

Considerações finais

Este trabalho teve como objetivo descrever as ações realizadas pelo NATERA em atendimento as pessoas em situação de rua durante o período pandêmico, à luz das recomendações das políticas públicas que versam sobre a atenção à saúde desse grupo. Nos documentos analisados não foi observada a formulação de novas políticas destinadas ao atendimento desse público no período pandêmico, por outro lado, foram reforçadas as orientações já trazidas em políticas anteriores, como na PNRP. Mesmo com os avanços ao longo dos anos, as políticas públicas para essa população ainda preservam suas fragilidades e cabe ao poder público, órgãos fiscalizadores, demais instituições e sociedade civil, supervisionar as ocorrências diárias para estabelecer o cuidado prático e contínuo para as pessoas em situação de rua. Apesar das adversidades, as ações realizadas têm se mostrado efetivas e seguem em cumprimento às orientações divulgadas por meio de portarias, cartilhas e leis destinadas ao atendimento desse grupo, na tentativa de promover saúde, bem-estar e autonomia para essa população. Também foi possível verificar a importância da atuação intersetorial, no qual se mostrou efetiva por sanar diferentes demandas particulares do sujeito, mas de forma integrada, assim como, pela possibilidade de pôr em pauta a condição do existir na rua, o que muitas vezes é inviabilizado pelo estigma, contribuindo assim para a inclusão social do sujeito, na tentativa de diminuir a vulnerabilidade da pessoa em situação de rua e a adoção de comportamentos de risco, que se caracterizam como agravantes à saúde.

Referências

Acre. (2020). Plano Emergencial de Atenção à População em Situação de Rua Durante Período de Pandemia da Covid-19. Governo do Estado do Acre.

Acre. Secretaria de Estado de Saúde (2021). Situação atual dos casos confirmados da COVID-19 no estado do Acre. Governo do Estado do Acre.

Bardim, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: edições.

Brasil (2009). Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências.

Brasil (2012). Manual sobre o cuidado em saúde junto a população em situação de rua. Ministério da Saúde: Brasília.

Brasil (2014). Resolução nº 2, de 27 de fevereiro de 2013. Define diretrizes e estratégias de orientação para o processo de enfrentamento das iniquidades e desigualdades em saúde com foco na População em Situação de Rua (PSR) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Covid-19 não é pandemia, mas sindemia: o que essa perspectiva científica muda no tratamento.(2020, 10 de outubro). BBC News. 

Gil, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa. (4ª Ed). São Paulo: Atlas.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2017). Atlas de vulnerabilidade social dos municípios brasileiros. Brasília: Ipea.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2020). Estimativa da população em situação de rua no brasil (setembro de 2012 a março de 2020). Brasília: Ipea.

Kavoor, A. R. (2020). COVID-19 in people with mental illness: challenges and vulnerabilities. Asian JPsychiatr. 51, 102-51.

Lüdke, M. & André, M. E. D. A.  (1896). Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:EPU.

Malta, D. C. et al. (2020). A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal. Epidemiologia e Serviços de Saúde [online], 29 (4). https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000400026.

Organização Mundial de Saúde – OMS (2020). Mental health and psychosocial considerations during the COVID-19 outbreak.  Geneva.

Prates, J. C., Prates, F. C. & Machado, S. (2011). Populações em situação de rua: os processos de exclusão e inclusão precária vivenciados por esse segmento. Temporalis, 11 (22), 191-215.

Sousa, A. P. & Macedo, J. P. (2019). População em situação de rua: Expressão (im)pertinente da “questão social”. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online], 35. 

Tiengo, V. M. (2021). População em situação de rua: integrantes da classe trabalhadora? (Homeless: Are they members of the working class?). Emancipação, 21, 1–17.


1Graduando em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade Federal do Acre. Servidor do Ministério Público Estadual desde dezembro de 2021. email: allan.gabriel@sou.ufac.br

2Graduando em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade Federal do Acre. Estagiário da SESACRE desde janeiro de 2022.
email: marcos.gomes@sou.ufac.br

3Orientadora: Docente no curso de Psicologia da Universidade Federal do Acre. Possui Pós-doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe (2016). Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (2014).