EZOOGNÓSIA DA CABEÇA DE CÃES DA RAÇA FILA BRASILEIRO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10827383


Tiago Nunes de Lima
Orientador: Professor Dr. Heraldo Bezerra de Oliveira


Resumo

A nomenclatura Fila deriva dos termos lusitanos Cão de Fila ou Cão de Filar, que se referem ao cão que morde e segura. A primeira aparição de um exemplar Fila Brasileiro em meio cinófilo organizado aconteceu em 1939 em exposição no Kennel Club Paulista e a edição do primeiro padrão escrito se dá em 1946. A oficialização internacional do primeiro padrão publicado ocorreu em 1952. A partir do primeiro inscrito da raça, parâmetros foram definidos para pormenorizar diretrizes na seleção e aprimoramento da raça. Quesitos como braquicefalia, proporções entre crânio e focinho praticamente iguais e profundidade de focinho inferior ao comprimento são detalhados em padrões considerados de relevância no meio cinófilo. Portanto, a presente inquirição objetivou avaliar características biométricas fundamentais do padrão morfológico da cabeça de cães da raça Fila Brasileiro a partir dos 12 meses de idade. As análises englobaram em sua amostra 28 cães analisados in vivo (13 descendentes de linhagem CAFIB e 15 de linhagens CBKC) e 20 cães analisados digitalmente (10 cães de referência do CAFIB e 10 cães de referência CBKC). Quatro Caracteres biométricos foram observados nos cães analisados presencialmente, juntamente com a configuração dentária e o tipo de oclusão dentária. Digitalmente, três caracteres biométricos foram analisados. As métricas presentes na observação, obtidas para os índices calculados, são consideravelmente correlatas aos quocientes médios para canídeos mesocéfalos. Os cães observados não obedecem as seus respectivos padrões no tocante a relação comprimento de focinho/profundidade de focinho. A oclusão dentária verificada a partir do exame Infra – Oral se apresentou em tesoura em 100% da amostra. A fórmula dental apurada nos espécimes analisados presencialmente diverge significativamente do único padrão que detalha o quesito. Nos cães analisados digitalmente, o percentual de discrepância entre crânio e focinho, e o comprimento e profundidade de focinho é correlato aos parâmetros coletados nos cães observados in vivo. Logo, a presente inquirição conclui que características biométricas fundamentais para a definição do padrão morfológico da cabeça de cães da raça Fila Brasileiro têm uma considerável discordância com os escritos nos padrões.

Palavras-chave: Biometria, cinofilia, Morfometria, Padrão

Abstract

The nomenclature Fila derives from the Portuguese terms Cão de Fila or Cão de Filar, which refer to the dog that bites and holds. The first appearance of a Fila Brasileiro specimen among organized dog breeders took place in 1939 on display at the Kennel Club Paulista, and the edition of the first written standard took place in 1946. The international officialization of the first published standard occurred in 1952. From the first registered of the breed, parameters were defined to detail guidelines in the selection and improvement of the breed. Issues such as brachycephaly, practically equal proportions between skull and snout and snout depth inferior to length are detailed in standards considered relevant in the dog-loving environment. Therefore, the present investigation aimed to evaluate fundamental biometric characteristics of the morphological pattern of the head of Fila Brasileiro dogs from 12 months of age. The analyzes included 28 dogs analyzed in vivo (13 descendants of CAFIB lineage and 15 of CBKC lineages) and 20 dogs analyzed digitally (10 CAFIB reference dogs and 10 CBKC reference dogs). Four biometric characters were observed in the dogs analyzed in person, along with the dental configuration and the type of dental occlusion. Digitally, tree biometric characters were analyzed. The metrics present in the observation, obtained for the calculated indices, are considerably correlated to the average quotients for mesocephalic canids. The dogs observed do not comply with their respective standards regarding the snout length/snout depth ratio. The dental occlusion verified from the Infra-Oral examination was seen in scissors in 100% of the sample. The dental formula determined in the specimens analyzed in person differs significantly from the only standard of the three analyzed. Digitally, the percentage of discrepancy between skull and snout, and snout length and depth is correlated to the parameters collected in dogs observed in vivo. Therefore, this inquiry concludes that fundamental biometric characteristics for defining the morphological pattern of the head of Fila Brasileiro dogs have considerable disagreement with those written in the standards.

Keywords: Biometrics, Cynophilia, Morphometrics, Pattern

1. Revisão de literatura
1.1 Conformação craniana 

O crânio é uma importante estrutura formada por um conjunto de ossos que constituem uma ferramenta de acomodação e proteção para o encéfalo, para alguns órgãos dos sentidos e seu funcionamento, entre outras condições primordiais para a manutenção da vida (GETTY, 1986). Em relação ao crânio do cão doméstico, por natureza, é uma estrutura complexa e bem desenvolvida, com importância vital para tais animais que evolutivamente se comportam como predadores (LIEBICH, KÖNIG, 2016). A estrutura craniana como um todo, é subdividida em neurocrânio, que compreende a caixa craniana, longitudinalmente, do ponto do ínio ao násio, e, viscerocrânio que é o conjunto de ossos da face, da região de násio à área de próstio (SHIMMING, PINTO e SILVA, 2013).   

Esse dinâmico conglomerado ósseo e seus anexos expressam variações morfológicas altamente relevantes, que podem apresentar alternâncias de acordo com a raça, o sexo, a idade e até de forma individual (DONE et al., 2010; STOCKARD, 1941). Para a inquirição dessas variabilidades, se checou a efetividade da medição de crânios a partir de técnicas antropométricas. Sendo assim, a craniometria foi adotada pela Medicina Veterinária no século XX, se tornando também uma ferramenta padrão na avaliação de cães (PEREIRA, ALVIN, 1979; STOCKARD, 1941). Além de representantes do gênero Canis, várias outras espécies já foram estudadas através da craniometria, dentre elas a antas (Tapirus terrestres), raposas (Cerdocyon thous) e gatos (Felis catus) (BORGES, D. C. S., 2017; NETO et al., 2020; UDDIN et al., 2013). 

Desde os primeiros tratados de anatomia que abordam o tema aos estudos mais modernos, os crânios caninos estão agrupados em: dolicocefálicos ou dolicocéfalos, mesaticefálicos ou mesocéfalos, braquicefálicos ou braquicéfalos (GETTY, 1986; LIEBICH, KÖNIG, 2016; MACHADO et al., 2007; STOCKARD, 1941).

Como ilustra a imagem 1 cães dolicocéfalos têm crânios mais delgados, o seio frontal possui um achatamento dorso ventral e o Stop é minimamente pronunciado, com a porção do viscerocrânio afilada da porção caudal até a extremidade rostral, como por exemplo, em Collies, Borzois, ou no Kangal (DONE et al., 2010; ONAR, ÖZCAN, PAZVANT, 2001). Os mesocéfalos são a maioria das raças, possuem crânios com aspecto intermediário e há maior harmonia entre neurocrânio e viscerocrânio do que nas demais categorias. Sendo assim, é possível mencionar Beagles, Dachshunds e Retrievers para exemplificação (DYCE, SACK, WENSING, 2004; GETTY, 1986; LIEBICH, KÖNIG, 2016).

Tipos caninos classificados como braquicéfalos possuem particularidades díspares, entre elas, a parte craniana consideravelmente maior que a face e o crânio com aspecto abaulado e globoso. Há um pronunciamento evidente no Stop, o seio frontal se apresenta em proporções mínimas, a arquitetura mandibular é convexa e na maioria dos casos, prognatismos mandibulares se apresentam em decorrência dos encurtamentos maxilares. Exemplos didáticos desse detalhamento anatômico se evidenciam no Boston Terrier, nos subtipos de Bulldogs e Pugs (DONE et al., 2010; LIEBICH, KÖNIG, 2016).

Figura 1. Exemplos de cabeças caninas, (A) dolicocefálico, (B) mesaticefálico e (C)braquicéfalo com demarcação de pontos de referência utilizados em mensurações.
Fonte: Klaumann (2017), adaptada. 

Para definir a exata classificação craniométrica, é necessária a coleta de grandezas a partir de pontos anatômicos que possibilitem a realização de cálculos que forneçam índices, pois, mensurações simples não são suficientes para delimitar parâmetros de tal complexidade (PEREIRA, ALVIN, 1979; STOCKARD 1941).

Segundo Evans e De Lahunta (2013), o índice cefálico é umas das formas de mensuração que permitem a catalogação de cães a partir da craniometria. Esse índice é calculado pela equação:

Fonte: adaptada de Evans, De Lahunta (2013).

A largura da cabeça (largura zigomática) consiste na maior distância externa entre os ápices dos arcos zigomáticos e o comprimento total da cabeça é obtido da crista nucal, até a região da extremidade rostral do cão (SHIMMING, PINTO e SILVA, 2013). Para dolicocéfalos esse índice é de 39 mm, para mesocéfalos a média está em 52 mm e cães braquicéfalos têm esse índice igual ou superior a 81 mm (EVANS, De LAHUNTA, 2013). 

Outra relação considerada de alta relevância é o índice facial. A operação tem sua resolução pela regra:

Fonte: adaptada de Evans, De Lahunta (2013).

O comprimento do focinho é a distância longitudinal entre a área de sutura frotonasal até a parte mais rostral das suturas interincisivas (NETO 2017; NETO et al., 2020). Para dolicocéfalos, esse índice é de aproximadamente 81 mm, para mesocéfalos gira em torno de 111 mm e para braquicéfalos tem média de 215 mm (EVANS, De LAHUNTA, 2013; SHIMMING, PINTO e SILVA, 2013; STOCKARD, 1941). 

Mais um indicador de divisões craniométricas, esse, titulado de índice crânio facial, é segundo Dyce, Sack e Wensing (2004), provavelmente um dos índices mais reveladores em relação a variedade de tipos cranianos em cães. Permite a catalogação a partir da equação:

 Fonte: adaptada de Dyce, Sack, Wensing (2004); Neto (2017).

Para esse índice, os parâmetros que englobam mesocéfalos estão à volta de 2 e braquicéfalos têm média de 3 (DYCE, SACK, WENSING, 2004). Diversos estudos em canídeos se balizam nas fórmulas descritas e seus respectivos valores de referência (MACHADO et al., 2007; NETO et al., 2020; ONAR, ÖZCAN, PAZVANT, 2001; SHIMMING, PINTO e SILVA, 2013). 

1.2 Relação entre de comprimento do focinho e profundidade de lábios superiores

Os lábios são um grupamento de tecidos que delimitam o início da cavidade oral, bem como, possuem alta relevância enquanto estruturas funcionais. Além de delimitação e auxílio na proteção da boca, são contributos nos atos de alimentação, predação e comunicação, sendo elementos que reforçam a sinalização de atitudes como submissão e agressividade (DYCE, SACK, WENSING, 2004; DONE et al., 2010). Tais tecidos possuem uma extensa rede de músculos, nervos, artérias e veias, e, internamente há vários anexos que funcionam junto às mucosas e órgãos (KÖNIG, et al., 2016).  

Externamente há um conglomerado tegumentar com função tátil principalmente na parte superior. Em cães de pelagem pigmentada, a idade é claramente revelada em razão da cor acinzentada que surge nos pelos na região dos lábios, que se intensificam com a condição senil (DYCE, SACK, WENSING, 2004; GETTY, 1986). A parte inferior é visivelmente mais discreta com bordas dentadas e relativamente flácidas após as pregas próximas aos caninos inferiores (GETTY, 1986; KÖNIG et al., 2016).

Para a avaliação desse conjunto anatômico DIAS (2012), estudando a variação fenotípica da raça F.B. estabeleceu que a relação comprimento/profundidade de focinho é concluída a partir da discrepância entre essas duas grandezas, caso estejam presentes na amostra. O autor detalha que a medição deve ser feita da região de articulação frontonasal até o plano nasal, para a obtenção do comprimento, e, para um panorama da dimensão de profundidade, se extrai uma medida lateral vertical, do meio do focinho até a borda ventral do lábio superior.

1.3 Dentição 

Os dentes são órgãos articulados que contêm elevado teor de minerais em sua constituição, sendo assim, têm alta resistência e dureza. Dentre as principais funções estão a mastigação, sustentação e a proteção de membranas e tecidos moles (COSTA et al., 2020).  Nos canídeos, os dentes estão organizados de tal modo que é impossível a realização de uma mastigação efetiva, é viável apenas um relativo esmagamento do alimento, principalmente na parte caudal da arcada, assim, o nutrimento é engolido praticamente inteiro (DYCE, SACK, WENSING, 2004). Além das utilidades primárias, nos cães, a dentição auxilia na apreensão de objetos, dos filhotes, no ato de coçar – se, na comunicação, em lutas, entre outras finalidades, num grau de especialização que sua função pode ser comparada as das mãos para os humanos (DONE et al., 2010; KOWALESKY, 2005).  

A odontíase canina varia em tamanho e forma, sendo assim, tal conjunto, nos cães, é classificado como heterodonte (SILVA, 2016). A literatura veterinária na área de anatomia descritiva é pioneira na caracterização da configuração dentária canina. Contudo, dentro da Medicina Veterinária, somente partir da década de 1990, a odontologia em pequenos animais passou a ganhar novas dimensões, devido a importância dessas estruturas na fisiologia dos animais (KOWALESKY, 2005). Para as mais variadas espécies, como por exemplo, cães, gatos e humanos, foram estabelecidas fórmulas a fim de simplificar a contagem e especificação dos dentes a partir de inspeções em arcadas (COSTA et al., 2020; DYCE, SACK, WENSING, 2004). Sendo assim, a fórmula conceitual para dentição permanente na espécie canina é:  

Fonte: adaptada de Done et al., (2010); Evans, De Lahunta (2013); Getty (1986).

A dentição perene é composta por três pares de incisivos, um par de caninos, quatro pares de pré – molares e dois pares de molares na parte superior. Na porção mandibular, se observa três pares de incisivos, um par de caninos, quatro pares de pré – molares e três pares de molares (SILVA, 2016). A erupção dessa odontíase se inicia a partir dos 4 ou 5 meses de idade, logo após a substituição dos dentes decíduos e se consolida por volta de 6 ou 7 meses (DONE et al., 2010; KÖNIG et al., 2016). 

Não obstante, é válido considerar variações. Segundo Kowalesky (2005) a grande alternância na conformação craniana de cães está ligada diretamente a forma como os dentes estão dispostos nos espécimes, podendo haver variantes a partir do tipo de crânio, contudo, geralmente não acontecem de forma fisiológica. Tipos braquicéfalos, por exemplo, frequentemente sofrem redução na quantidade, na disposição e na oclusão dental (prognatismo mandibular), devido a redução longitudinal da face (STOCKARD, 1941). O contrário também é verdadeiro, pois a pressão seletiva para a obtenção de crânios demasiadamente alongados influencia o surgimento de má – oclusões, que nesses casos, comumente são braquignatas (DONE et al., 2010). 

 Oclusões incongruentes podem apresentar – se de diferentes formas e graus, tendo origens tanto hereditária, devido esses processos seletivos, como de forma adquirida.  Já a oclusão óptima ou normoclusão, é a condição de perfeito encaixe entre o conjunto de dentes inferiores e superiores, usualmente chamada de oclusão em tesoura (LACERDA, OLIVEIRA, QUEIROZ, 2000; SILVA, 2016). Nesse caso, rostralmente, a maior extensão da arcada superior corrobora para que os incisivos tenham área de oclusão com a superfície labial dos incisivos mandibulares, e, lateralmente, se observa uma oclusão cruzada entre incisivos e caninos bem como a ampla sobreposição entre o exterior desses dentes (DONE et al., 2010). 

Como técnica de avaliação desse conglomerado estrutural Silva (2016) descreve o Exame Intra – Oral, que dá subsídio para a avaliação da cavidade como um todo, permitindo a checagem também das estruturas de forma individual, com o animal acordado. A pesquisadora descreve que o exame deve ser iniciado pelo teste de abertura e encerramento da boca. Sendo assim, faz – se necessário que se inspecione também a cavidade como um todo, em busca de qualquer condição anômala. Logo, é possível verificar, além de outras condições, particularidades anatômicas na conformação dentária do paciente. 

2. Introdução 

Os primeiros relatos dos cães de fila datam do século XVII. A nomenclatura Fila deriva dos termos lusitanos Cão de Fila ou Cão de Filar, que se referem ao cão que agarra, morde e segura (CAMARGO, 2020; VALLE, MONTE, 1981). Passagens em documentos sobre a história da conquista do território sul americano, dissertam sobre as capacidades que esses cães tinham ao caçar animais selvagens, recuperar animais de produção, perseguir escravos, indígenas e serem participantes ativos na colonização (JIMÉNEZ, 2011; VALLE, MONTE, 1981; VELDEN, 2018).

Posteriormente, no Brasil, indivíduos pertencentes a um grupo oriundo desses cães foram popularmente denominados Onceiros, em referência a função de caça às onças; Boiadeiros, devido a guarda de rebanhos e comitivas, e, Bocas – pretas ou Cabeçudos, pelos caracteres físicos marcantes destes molossos (GODINHO, 2013). Com a introdução da raça na cinofilia contemporânea, vem a etimologia Filas Nacionais ou Filas Brasileiros, como são conhecidos atualmente (CAMARGO, 2020;VALLE, MONTE, 1981). 

A primeira aparição de um exemplar em meio cinófilo organizado aconteceu em 1939 na 10ª exposição do Kennel Club Paulista, e, a edição do primeiro padrão escrito se dá em 1946, obtendo o reconhecimento do BKC (GODINHO, 2013). A oficialização internacional do texto editado na década de 40 ocorreu em 1952, ganhando a denominação Padrão Oficial do Fila Brasileiro, que de imediato foi reconhecido pela FCI (CAMARGO, 2020). O escrito estandardizou unicamente a raça até 1976, quando o Brasil Kennel Club reformulou seu conteúdo, que em 1979 foi contraposto pelo padrão do clube independente CAFIB (BORGES, A. C. L., 2017; CAMARGO, 2020). 

Em 1984 a FCI valida o padrão de nº 225, especificando o modelo morfológico da raça Fila Brasileiro (BORGES, A. C. L., 2017). No ano de 2016 a Associação AMFIBRA é formada a partir de uma cisão do CAFIB e lança um padrão de forma emancipada (BORGES, 2017). Ainda em 2016, a Confederação Brasileira com o aval da FCI, reedita o texto de número 225 (CBKC, 2016). Atualmente os principais estalões aos quais os criadores da raça F.B. se submetem, são o de nº 225 da FCI, o padrão CAFIB o texto da AMFIBRA (BORGES, A. C. L., 2017; CAFIB, 1979; CAMARGO, 2020).

Para a padronização específica de uma raça canina, é fundamental a descrição fidedigna de como são os espécimes que a integram, tanto em comportamento quanto em fenótipo (CAMARGO, 2020). Anatomicamente, dentre os vários quesitos que compõem os padrões, a cabeça é quem melhor define as raças caninas, em razão disso, seus formatos são de suma importância para que se pormenorizem estalões rácicos caninos (EVANS, De LAHUNTA, 2013; STOCKARD 1941). 

Se tratando dos critérios que designam esse aspecto na raça F.B., desde o escrito oficializado em 1952, até as atas da CAFIB e AMFIBRA, a raça é categoricamente nomeada como braquicéfala, com cabeça grande e pesada (AMFIBRA, 2016; BORGES, A. C. L., 2017; CAFIB, 1979). Os escritos que fizeram parte da especificação da raça pela FCI, a partir do documento de 1976, não definiram a classificação craniométrica desses cães (BORGES, A. C. L., 2017; CBKC, 2016; FCI, 2004).

No tocante a concordância entre crânio e focinho, para a raça, se mencionada que essas estruturas têm extensões longitudinais correlatas, sendo que o focinho tem comprimento praticamente igual ou levemente menor que o crânio, com proporção aproximada de 1:1 (AMFIBRA 2016; CAFIB, 1979; CBKC, 2016).   

As relações entre profundidade/comprimento de focinho nas redações, dizem: “forma retangular, porém muito profundo. Todavia, nunca deve a profundidade igualar ou ultrapassar o comprimento” (CAFIB, 1979). “Focinho de boa profundidade na raiz, sem ultrapassar o comprimento.” (CBKC, 2016). “Retangular, forte e largo, com profundidade inferior ao seu comprimento e sempre em harmonia com o crânio” (AMFIBRA, 2016).  

Já o quesito dentição, um fator marcante para o exercício de muitas atividades laborais, para o F.B., foi pouco normatizado pelos clubes, que além de descrever alguns caracteres óbvios, se limitaram a ditar que a mordedura típica da raça tem arquétipo em tesoura (CAFIB, 1979; CBKC, 2016). O estândar da AMFIBRA (2016) esquematizou a configuração dentária desses cães de forma mais arranjada, e, rege que além da mordedura em tesoura, os exemplares devem apresentar 42 dentes, sendo que 22 deles se situam na arcada superior e 20 estão dispostos na arcada inferior.

3. Objetivo geral

 Avaliar caracteres biométricos fundamentais para a definição do padrão morfológico da cabeça de cães da raça Fila Brasileiro com faixa etária superior a 12 meses de idade.

3.1. Objetivos específicos 
  • Mensurar índices craniométricos de uma população de cães Filas Brasileiros, a fim de verificar a classificação morfométrica.
  • Checar a relação comprimento do neurocrânio/comprimento do focinho.  
  • Verificar a relação comprimento do focinho e profundidade do focinho.  
  • Analisar a disposição dentária. 
4. Metodologia 

No presente trabalho foram avaliados 28 cães da raça Fila Brasileiro in vivo. Todos oriundos de criadouros especializados. Os espécimes analisados possuíam RGs (pedigree) certificados pela Confederação Brasileira de Cinofilia, sendo 13 animais da amostra descendem de “linhagens do CAFIB” e 15 cães de “linhagens CBKC”. A apuração engloba animais a partir dos 12 meses de idade. 

Foram aferidos quatro caracteres biométricos, descritos na Tabela 1, a configuração dentária e o tipo de oclusão dentária. Três dessas mensurações visaram checar a classificação craniométrica da amostra (Figura 1) de acordo com as diretrizes de Evans e De Lahunta (2013) e Shimming, Pinto e Silva (2013) para os índices cefálico e facial. Para o índice crânio facial, as normativas Dyce, Sack e Wensing (2004) e Neto (2012) foram consideradas. 

O quarto campo aferido pormenoriza a relação entre o comprimento e a profundidade do focinho de acordo com as métricas de DIAS (2012). A Figura 2 ilustra a esquematização das medições realizadas.  Levando em consideração as atas do CAFIB (1979), CBKC (2016) e AMFIBRA (2016), a diretriz em questão, considerou o comprimento total de focinho como 100%.

Para a craniometria e para a conferência da relação comprimento/profundidade de focinho foi utilizado um paquímetro digital Vernier de 200 mm e um paquímetro analógico ZAAS de 200 mm. A extração dos dados foi realizada pelo mesmo observador em duas ocasiões distintas e para fins de apontamento, se registrou as médias aritméticas simples de cada extensão biométrica. Para a catalogação da dentição, realizou – se o Exame Infra – Oral (SILVA, 2016), sendo efetivada a identificação e quantificação desses órgãos, bem como, o tipo de organização no que diz respeito à oclusão dentária, como exemplificam as figuras 3, 4 e 5. A coleta dos dados foi realizada com os animais conscientes, em posição de estação e de forma indolor.

Tabela 1. Caracteres biométricos

Comprimento do Crânio: comprimento da crista do occipital à região de sutura frontonasal.  

Largura da Cabeça: maior distância entre as regiões dos ápices dos arcos zigomáticos.  

Comprimento do Focinho: comprimento da articulação frontonasal até a extremidade rostral (plano nasal).  

Profundidade do Focinho: medida lateral da altura do meio do focinho até a borda ventral do lábio superior.

Figura 2. Representação das mensurações realizadas para aferição dos índices craniométricos.
Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023.
Figura 3. Representação das mensurações realizadas para aferição da relação comprimento de focinho/profundidade de focinho.
Fonte: cedida, arquivo do canil Del Talacasto, Roldán, Argentina, 2019.

Figura 4. Representação da inspeção realizada na dentição.
Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE 2023.

Figura 5. Representação da inspeção realizada na dentição.
Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE 2023.

Figura 6. Representação da inspeção realizada no tocante a oclusão dental (dentição em tesoura). 
Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023.

Com a finalidade de ampliação da amostra, além da análise presencial, a pesquisa também observou digitalmente 10 cães de referência do clube CAFIB e 10 cães de referência da associação CBKC. A coleta dos dados foi realizada por fotografias que seguem os moldes da Figura 2. Três caracteres biométricos foram integrados a esta metodologia, a extensão do neurocrânio, a extensão do focinho e sua profundidade. A verificação visou aquisição do percentual de discrepância entre o comprimento total do neurocrânio e o comprimento total do focinho, bem como, a porcentagem de disparidade da relação comprimento do focinho/profundidade do focinho. 

Para a avaliação da variação entre o comprimento do neurocrânio e do focinho, foram traçadas duas retas na superfície dorsal das cabeças. Uma das retas demarcando o crânio, da região de crista occipital ao quadrante de articulação frontonasal e a outra delimitando a longitude do focinho, percorrendo essa estrutura, da área de articulação frontonasal à extremidade rostral dos exemplares. O software Image Mater foi usado para apontar as distinções entre as áreas anatômicas tomando o comprimento do crânio como 100% e indicando o percentual de desigualdade entre as grandezas a partir do segundo traçado. As mesmas diretrizes foram aplicadas para a avaliação do comprimento do focinho/profundidade do focinho. Tomando o comprimento total de cada focinho como 100%, o percentual de discrepância da respectiva profundidade, foi aferido.  Para detalhamento da técnica vide anexos.

Os dados de Percentual de discrepância entre crânio e focinho (PDCCF), percentual de discrepância entre comprimento e profundidade do focinho (PDCPF) de machos e fêmeas foram analisados por meio da análise estatística utilizando o software SAEG (2007) e quando significativos foram comparados pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

5. Resultados
5.1  Resultados da  Apuração  dos  Principais Componentes   Aferidos Presencialmente 

Os resultados visíveis nas tabelas 2, 3, 4 e 5 registram as grandezas coletadas nos exemplares analisados in vivo e os resultados dos cálculos dos índices adotados. 

Tabela 2. Medidas anatômicas e índices craniométricos dos cães de linhagem CAFIB

*Sexo; ** registro dos espécimes; comprimento do neurocrânio (CNC), comprimento do focinho (CF), comprimento total de cabeça (CTC), largura da cabeça (LC), índice cefálico (IC), índice facial (IF), índice craniofacial (ICF).

Tabela 3. Médias dos índices craniométricos da amostra de cães de linhagem CAFIB

Índice cefálico (IC), índice facial (IF), índice craniofacial (ICF).  

Tabela 4. Medidas anatômicas e índices craniométricos dos cães de linhagem CBKC

*Sexo; ** registro dos espécimes; comprimento do neurocrânio (CNC), comprimento do focinho (CF), comprimento total de cabeça (CTC), largura da cabeça (LC), índice cefálico (IC), índice facial (IF), índice craniofacial (ICF).

Tabela 5. Médias dos índices craniométricos da amostra de cães de linhagem CBKC

Índice cefálico (IC), índice facial (IF), índice craniofacial (ICF).  
5.2 Resultados da Comparação Entre a Mensuração Analógica e a Apuração Digital 

Os resultados comparativos Percentual de discrepância entre crânio e focinho (PDCCF), percentual de discrepância entre comprimento e profundidade do focinho (PDCPF) de machos e fêmeas in vivo e nas mensurações digitais estão apresentados nas Figuras 6 e 7. 

Percentual de discrepância entre crânio e focinho (PDCCF) e percentual de discrepância entre comprimento e profundidade do focinho (PDCPF).
Figura 7. Comparação de dados coletados in vivo com mensurações digitais de machos de referência em seus respectivos clubes.

Percentual de discrepância entre crânio e focinho (PDCCF), percentual de discrepância entre comprimento e profundidade do focinho (PDCPF).
Figura 8. Comparação de dados coletados in vivo com mensurações digitais de fêmeas de referência em seus respectivos clubes.

5.3 Resultados da Apuração da Configuração Dentária 

A fórmula dental constatada na amostra do estudo durante a avaliação infra – oral de todos os exemplares da inquirição foi: (3I,1C,4 PM,2M) (3I,1C,4 PM,3M). De forma unânime, todos os cães, independente do sexo ou da linhagem, na Avaliação Infra – Oral apresentaram normoclusão (em tesoura). 

6. Discussões 

As métricas presentes na observação, obtidas para o índice cefálico, são consideravelmente correlatas aos quocientes médios para canídeos mesocéfalos estudados por Shimming, Pinto e Silva (2013) e Neto et al. (2020), com respectivos indicadores de 53,83 mm, 53,17 mm. Estudos clássicos como os de Stockard (1941) já descrevem raças como Dogue Alemão e Pastor alemão com a anatomia craniana mesocéfala, com resultados mediais de 51,67 mm e 51,33 mm e braquicéfalas como o Pequinês e o Griffon de Bruxelas com ICs médios de 84 mm. 

De forma a corroborar com as assertivas do exposto, os valores médios do índice citado anteriormente, na avaliação de Machado et al. (2007) para cães braquicefálicos (91,24 mm), divergem significativamente dos achados desta pesquisa. Realizando o cálculo craniométrico das extensões médias de cães braquicefálicos do trabalho de Faleiro (2020), se observa um IC de 118,37 mm, um resultado demasiadamente desconcordante com os denominadores obtidos para a raça Fila. 

O exposto apurou média global de 127,74 mm para o índice facial da raça Fila. Shimming, Pinto e Silva (2013) e Neto et al. (2020) apresentam 121,06 mm e 125,58 mm para mesocéfalos da mesma espécie e da mesma Família taxonômica. O valor intermediário geral de índice crânio facial obtido nesta inquirição foi de 2,42 mm, Machado et al. (2007) catalogando exemplares braquicéfalos obtiveram um resultado mediano de 2,89 mm. Neto et al. (2020) caracterizando o C. thous como mesocéfalo, expõem um resultado de ICF centralizado em 2,33 mm, endossando a assertiva da condição mesocéfala do Fila Brasileiro. Após calcular o ICF de dois exemplares braquicéfalos (um macho e uma fêmea), escolhidos aleatoriamente da análise de Faleiro (2020), se constata resultâncias de 3,29 e 3,34 mm respectivamente. 

Dessarte, os resultados obtidos em verificações analógicas (in vivo) revelam que em todas as técnicas de mensuração, médias gerais e resultados individuais, 100% dos cães observados no estudo se encaixam em parâmetros específicos de cães mesocéfalos. Essa condição morfológica se revela presente na raça, tanto em cães de época, quanto em exemplares contemporâneos, independentemente das “linhagens” a qual os animais pertencem, como ilustram as Figuras 8, 9 e 10. 

Figura 9. Paridade entre fêmea referência da década de 1970 (foto A) e fêmea de RG PEA17/03446 (foto B), com IC de 50,09 mm.

Figura 10. Paridade entre fêmea de referência da década de 1980 (foto A) e fêmea de RG: PEA/18/03844 (foto B), com IC de 52,07 mm.

Figura 11. Paridade entre cão de referência da década de 1990 (foto A) e a fêmea de RG: PEA/18/03844 (foto B), com IC de 52,07 mm.

Referencias técnicos como Stockard (1941), Evans, De Lahunta, (2013) já definiam a metodologia para a mensuração de índices morfométricos e suas respectivas classificações craniométricas. Então, não há justificativa plausível para a tipificação da raça Fila Brasileiro em braquicéfala, como visto nos escritos do CAFIB (1979) e AMFIBRA (2016). Tais clubes não mencionam em seus padrões quais as técnicas usadas ou o referencial teórico para sustentação do emprego desse termo nos respectivos documentos técnicos. Além dessa característica não se colocar dentro de moldes visualmente típicos à raça, de acordo com Moraes e Neto (2018) a braquicefalia comumente está associada a síndromes que ocasionam problemas relevantes de saúde. 

Neste sentido, a promoção de modificações por seleção estética pode afetar caracteres funcionais (MORAES, NETO, 2018). Além disso, entender à cerca de particularidades anatômicas do crânio das raças caninas é imperativo para a diagnose e terapêutica de algumas afecções (IAGADO, 2017). No Brasil, já existem dispositivos legais que normatizam condutas de seleção, como a Resolução nº 1236 de 26 de outubro de 2018 do CFMV. Esse dispositivo, no inciso nº XXIX, qualifica como crueldade, abuso e maus tratos contra animais vertebrados: a realização e/ou o incentivo de acasalamentos que tragam riscos de problemas congênitos e que afetem a saúde da prole ou que perpetuem problemas de saúde pré – existentes nos progenitores. Sendo assim, é plausível inferir que não deve – se padronizar, transmutações para que cães naturalmente mesocéfalos sejam modificados a ponto de tornarem – se braquicéfalos.

Vale frisar que a CBKC (2016) não tipifica a classificação craniométrica da raça, sendo assim, o estudo em questão contribui para o preenchimento dessa lacuna na referida redação. Não obstante, assim como CAFIB (1979) e AMFIBRA (2016), a Confederação Brasileira de Cinofilia, descreve que os exemplares da raça F. B. devem ter proporções entre o comprimento do crânio e o comprimento do focinho, praticamente iguais. Esta apuração captou valores mediais da discrepância entre crânio e focinho de 23,8% para cães de Linhagem CAFIB e 34, 2% para os cães de linhagem CBKC. 

Essa afirmativa inviabiliza a possibilidade da braquicefalia estar presente em cães de linhagem CAFIB, pois a discrepância média entre o comprimento do crânio e do focinho do dado de referência de um modelo comprovadamente braquicéfalo na publicação de Evans, De Lahunta (2013) foi de 48,5%. Na inquirição craniométrica de cães braquicéfalos de Faleiro (2020), se constata uma distância entre a média de comprimento de crânio e a média do comprimento de focinho em 77,4 %. O resultado da exemplificação de Evans e De Lahunta, (2013) sugere que o termo 1:1 (que diz respeito a um crânio com comprimento praticamente igual ao do focinho), está mais adequado a descrever a categoria dos canídeos dolicocefálicos. De acordo com as grandezas do modelo, relatadas pelos literatos, o neurocrânio dolicocéfalo tem seu comprimento ultrapassando em apenas 8,1 % o comprimento do focinho, para um espécime com índice cefálico de 38,66 mm. 

Verificando o percentual de diferença entre o comprimento do neurocrânio e do focinho do exemplo mesocéfalo de Neto et al, (2020), a porcentagem de disparidade é de 27,71%. O resultado da diferença percentual das mesmas médias na publicação de Shimming Pinto e Silva (2013) para os mesmos componentes anatômicos é de 18,2 %. 

O estudo também aponta variações morfológicas relevantes relacionadas às associações de criadores. Uma delas foi o comprimento médio do focinho dos cães. A amostra descendente da linhagem CAFIB, expressa um comprimento médio do focinho maior que a média da amostragem de genealogia CBKC. Os espécimes de seleção CAFIB vistoriados in vivo tiveram uma média de comprimento de focinho de 117, 32 mm e os animais CBKC, apresentaram um comprimento médio de 104, 09 mm.

Outro aspecto exposto pelo trabalho é o indicativo de que os integrantes da amostra não obedecem a seus respectivos padrões na relação comprimento de focinho/profundidade de focinho. As apurações revelam uma tendência de que a profundidade do focinho seja maior que o comprimento de um modo geral na raça, contudo, os cães de estirpe CBKC se distanciam mais do que está exigido no estalão. Tal característica se mostra presente tanto nas observações presencias quanto nas análises digitais de cães de referência.  Resultados semelhantes foram encontrados por DIAS (2012).

Estatisticamente, os indivíduos analisados expressam também consideráveis variações biotípicas apesar de pertencerem a um mesmo grupo rácico, assim como foi evidenciado pelos coeficientes de variações expostos nas Figuras 6 e 7. Tais diversidades anatômicas se expressaram com dimensões mais significativas nos machos, sugerindo que o plantel de matrizes tenda a ser morfologicamente mais homogêneo. 

 Particularidades ligadas a variações fenotípicas mais consideráveis estão diretamente vinculadas às diferenças na forma como os padrões raciais conduzem a seleção dos respectivos plantéis. O estalão do CAFIB (1979) lista caracteres que seriam indicativos da mestiçagem do F.B. com outras raças de molossos, contudo, o presente ensaio não se dispõe a analisar essa variável como fator determinante para essas particularidades. Para checagem de nuances dessa natureza, estudos específicos, avaliando o genótipo podem ser realizados a fim da elucidação dessa hipótese ter ocorrido ou não na raça e o quanto isso pode ou não ter afetado condições fenotípicas.  

  Quanto a configuração dentária, a partir do exame Intra – Oral, foi constatado que 100% da população analisada in vivo, possui dentição total de 42 dentes, sendo que 20 deles se situam na arcada superior e 22 estão dispostos na arcada inferior (fórmula dental: 2 x (3/3 i, 1/1 c, 4/4 pm, 2/3 m) = 42). Essa observação somada diversas informações encontradas em compêndios de anatomia canina, como: Getty (1986), Dyce, Sack e Wensing (2004), Done et al. (2010), Liebich e König (2016), indicam um equívoco de edição no padrão AMFIBRA (2016) no tocante a conformação dentária da raça. Condições como a descrita no referido padrão podem ser observadas em cães, contudo, ocorrências de casos dessa natureza comumente não se manifestam de forma fisiológica (KOWALESKY, 2005; LACERDA, OLIVEIRA, QUEIROZ, 2000).

7. Considerações finais 

A presente inquirição explana que características biométricas fundamentais para a definição do padrão morfológico da cabeça de cães da raça Fila Brasileiro têm uma considerável discordância com os escritos nos padrões. De cinco quesitos observados nos padrões, apenas um (oclusão dentária em tesoura), está de acordo com a realidade da raça. 

Espécimes Filas Brasileiros pertencem a categoria dos mesocéfalos. Exemplares a partir de um ano de idade têm índices cefálicos variando entre 50 mm e 56,5 mm. A proporção entre crânio e focinho está disposta de modo em que o comprimento do crânio é maior que o comprimento do focinho na média de 1/4. O presente estudo reforça a informação já relatada anteriormente de que a raça não obedece ao quesito que define que a profundidade do focinho não deve ultrapassar o comprimento, independentemente do sistema de seleção a qual os exemplares pertençam. A dentição perene do F.B. se organiza em 42 dentes, 20 na arcada superior e 22 na arcada inferior e a oclusão é caracterizada por uma mordedura com arquétipo em tesoura. 

Considerando que os padrões escritos dos clubes cinófilos são documentos que orientam os criadores, sugere – se que tais quesitos sejam revisados nos respectivos textos, a fim de otimizar a cinofilia voltada para a raça Fila. Do contrário, classificar parâmetros de maneira divergente a real, pode levar a uma pressão seletiva que a médio e longo prazo, afete negativamente saúde e capacidades funcionais das populações envolvidas em tais processos.

A cinotecnia tem como vantagem mor, recursos que podem aproximar a criação de cães de forma sistemática da ciência. Então, abre – se aqui uma gama de oportunidades para mais estudos, principalmente para ampliar o “n” observado. Além disso, é válido que se defina parâmetros mínimos e máximos dentro de um grau de tolerância ideal para a raça, sempre padronizando os escritos em margens que proporcionem além de tipicidade, funcionalidade e saúde para os exemplares envolvidos.

8. Referências 

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FIGURA 8. Imagem “A”. Disponível em:http://www.dogfamily.com.br/cao.php?id=QqadyvR0bVAvmXTMlPEEe6qFl3ghtyGvc TKfIboon0Y, acesso em: 15 out 2023. 

FIGURA 9. Imagem “A”. Disponível em:http://www.dogfamily.com.br/cao.php?id=PvTVmNhw-5y3Dc4vs5auu-pq7mJ7U0xEKSQWv5UmsU, acesso em: 15 out 2023.

FIGURA 10. Imagem “A”. Disponível em:http://www.dogfamily.com.br/cao.php?id=AuonL5l0EdZ1mt4ScOczS0VbNaXr9WQxc ot9yMpt1uA, acesso em: 15 out 2023.   

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9. Anexos 

Figura 1. Informações referentes aos machos de linhagem CAFIB. Disposição de dados de caracteres biométricos e o percentual de discrepância entre eles 

Figura 2. Informações referentes as fêmeas de linhagem CAFIB. Disposição de dados de caracteres biométricos e o percentual de discrepância entre eles 

Figura 3. Informações referentes aos machos de linhagem CBKC. Disposição de dados de caracteres biométricos e o percentual de discrepância entre eles

Figura 4. Informações referentes as fêmeas de linhagem CBKC. Disposição de dados de caracteres biométricos e o percentual de discrepância entre eles

Para a ratificação da técnica, a medição do cão de RG: PEA/20/00232 in vivo, com paquímetro digital Vernier de 200 mm, forneceu dados para uma comparação com as informações coletados fotograficamente no mesmo exemplar, como expõem as figuras 5 e 6. 

Figura 5. Aplicação da técnica de aferição do comprimento do neurocrânio em macho Fila Brasileiro, com grandeza registrada na tela do paquímetro.  Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023.

 . 

Figura 6. Aplicação da técnica de aferição do comprimento do focinho em macho Fila Brasileiro, com grandeza registrada na tela do paquímetro. Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023.  Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023.

De acordo com os resultados obtidos na aferição presencial, o comprimento do crânio ultrapassa o comprimento do focinho em 31,7%. A imagem 4 mostra a forma de mensuração digital com exposição dos resultados, permitindo uma comparação com os resultados expostos nas imagens 5 e 6. 

Figura 7. Emprego da técnica de aferição digital do percentual de discrepância entre o comprimento do crânio e o comprimento do focinho. 

Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023.

A imagem 7, utilizada para a mensuração digital do mesmo exemplar checado in vivo, demonstrado nas imagens, 5 e 6, expõe que o espécime tem uma disparidade de, 32,7% maior que o comprimento do focinho. Logo, a diferença encontrada nos dois resultados é de 1%. 

Para a distinção da relação comprimento/profundidade de focinho, uma reta em 100% da extensão longitudinal do focinho foi aplicada na foto e o aplicativo permite que uma segunda reta (vertical) mensure os pontos determinados, estimando o percentual que a profundidade do focinho ultrapassa o comprimento, caso isso aconteça.

Para a ratificação da técnica, a mensuração de cadela PEA/18/03844, in vivo com paquímetro digital de 200 mm, forneceu dados para uma comparação com as informações coletados fotograficamente no mesmo exemplar, como expõem as imagens 8, 9 e 10.

Figura 8. Aplicação da técnica de aferição do comprimento do focinho em fêmea Fila Brasileiro, com grandeza registrada na tela do paquímetro. 

Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023. 

Figura 9. Aplicação da técnica de aferição de profundidade de focinho em fêmea Fila Brasileiro, com grandeza registrada na tela do paquímetro.  Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023. 

De acordo com os resultados obtidos na aferição presencial, a profundidade do focinho ultrapassou o comprimento em 6,53%. A imagem 10 mostra a forma de mensuração digital com exposição dos resultados, permitindo uma comparação com os resultados expostos nas imagens 8 e 9.  

Figura 10. Emprego da técnica de aferição digital do percentual de discrepância entre o comprimento do focinho e profundidade do focinho. 

Fonte: arquivo pessoal do autor, Caruaru – PE, 2023. 

A imagem 6 utilizada para a mensuração digital da exemplar checada presencialmente, possui uma profundidade 6,7% maior que o comprimento do focinho. Logo, a diferença encontrada nos dois resultados é de 0,17%. Sendo assim, a técnica permite que se estime o percentual de discrepância das estruturas citadas em cães de referência na raça, de época ou contemporâneos de forma remota. Nas imagens, os animais estão em estação, foram fotografados de perfil, numa distância razoável, providenciando comodidade para a apreciação dos comprimentes da cabeça.