ANATOMIA APLICADA À NEURALGIA DO TRIGÊMEO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10801157


Amanda Amorim Costa de Almeida
Amanda Brandão Horochovski
Antonio Rezende Barbosa Garcia de Carvalho
Eduardo Junior Peçanha de Souza
Isabelle Cristina de Mattos Bastos
Laura Maria Dias Benfica
Pedro Vieira Vidinha
Raissa Martins Vieira Pinheiro
Vinicio Aurélio Lagoas Campos Filho
Orientador: Prof. Me. José Kawazoe Lazzoli.


Resumo

A Neuralgia do Trigêmeo (Doença de Fothergill ou Nevralgia do Trigêmeo) é uma patologia que acomete o quinto par craniano, causando um intenso quadro álgico no território dos ramos do nervo. O presente trabalho tem como objetivos principais revisar os conhecimentos anatômicos básicos necessários às técnicas diagnósticas e terapêuticas e descrever, brevemente, as principais técnicas de abordagem cirúrgica disponíveis. Realizou-se levantamento bibliográfico nas bases MEDLINE, SciELO e Scopus, tendo como critério de inclusão: o ano de publicação – priorizando os publicados nos anos de 2010 a 2024 -; o grau de impacto e a relevância – considerando título e resumo disponíveis -; os idiomas Português, Inglês e Espanhol. Foram utilizados ainda livros de anatomia, neurologia e de cirurgia geral de forma a complementar o conhecimento. Os resultados apontam para a necessidade do mapeamento neuroanatômico e aprimoramento do conhecimento acerca dos mecanismos desencadeadores e mantenedores da neuropatologia em análise, haja vista que, ainda há lacunas no detalhamento da compreensão anatômica – requisito indispensável nos momentos clínico e cirúrgico, a fim de potencializar o desfecho clínico e cirúrgico com êxito.

Descritores: “dor neuropática”, “etiopatologia”, “nervo trigêmeo”, “neuralgia do trigêmeo”, “sensibilização central”, “sensibilização periférica”, “neuralgia”, “trigêmeo”, “dor”, “nevralgia do trigêmeo”.

Abstract

The trigeminal neuralgia, also known as Forthergill’s disease, is a pathology that affects the fifth cranial nerve, causing intense pain in the nerve branches territory. This paper has as main objectives to review the basic surgical anatomy knowledge required to understand the diagnostic and therapeutic techniques and to briefly describe the updated surgical approach techniques, as well as compare them. A bibliographic survey was done using PubMed, SciELO and Scopus as sources, following as inclusion criteria: the year of publication giving priority to the ones published between 2010 and 2024 -; the impact and relevance regarding available titles and summaries -; the language – portuguese, english and spanish. Anatomy and surgery books were also consulted to complement the knowledge. The results shows the necessity of neuroanatomic mapping and the urge to have better and deeper knowledge regarding the trigger and maintenance mechanisms of this neuropathology due to the fact there’s still existing lacks in the degree of detail of the clinical anatomy comprehension -indispensable requirement to the clinical and surgical approach -, to raise the success probability in the clinic and surgery.

Key-words: “neuropathic pain”, “etiopathology”, “trigeminal nerve”, “trigeminal neuralgia”, “central sensibilization”, “periferic sensibilization”, “neuralgia”, “trigeminal”, “pain”.

1.   INTRODUÇÃO

O Nervo Trigêmeo é o quinto par dos doze nervos cranianos e é considerado o grande nervo sensitivo da cabeça e o nervo motor dos músculos da mastigação. As fibras sensitivas são de grande interesse para esta neuralgia pois são responsáveis pela sensibilidade proprioceptiva (pressão profunda e cinestesia) e pela sensibilidade extroceptiva (tato, dor e temperatura) da face e parte do crânio. Inerva também os músculos responsáveis pela mastigação(1).

A Neuralgia de Trigêmeo (NT) foi descrita pela primeira vez pelo médico John Locke em 1677(2). Em 1756 Nicolaus André utilizou “tic douloureux” – espasmo doloroso – para definir a doença(2). A NT ficou conhecida por doença de Fothergill, pois foi o médico John Fothergill, o primeiro a apresentar uma descrição completa e precisa da NT(2,3). De acordo com a Classificação Internacional de Cefaleias (ICHD-3 Beta), existem dois tipos de NT, a dolorosa/sintomática e a clássica (19) (Quadro 1).

Sob a perspectiva etiológica da NT, o conflito neurovascular é a teoria mais aceita atualmente, embora múltiplos mecanismos envolvendo patologias periféricas na raiz (compressão ou tração) e disfunções do tronco encefálico, gânglio basal e mecanismos modulatórios da dor cortical possam ter ações desencadeadoras no processo patológico. A artéria ou veia tende a comprimir o Nervo Trigêmeo, numa localização próxima a ponte -no local de iminência do quinto par de nervos cranianos, próximo a face ântero-lateral da ponte – e lesa a bainha de mielina – membrana lipídica que atua como isolante elétrico do axônio- e o nervo. Sob essa óptica, desencadeia um funcionamento hiperativo errático do nervo.

A NT é uma afecção incomum, caracterizada por ataques paroxísticos e recorrentes de dor lancinante e súbita, tipo choque, que tende a durar poucos segundos a dois minutos, com distribuição pelos ramos mandibular, maxilar ou oftálmico, e acomete um ou mais ramos com predominância para o ramo maxilar, possivelmente por maior estreitamento dos forames redondo e oval daquele lado (7). Normalmente, a dor intensa desaparece completamente entre os ataques. Trata-se de uma doença de difícil diagnóstico, sendo sua prevalência anual em torno de 4,3 a 28,9 pessoas por 100.000 habitantes na população geral É considerada o tipo de dor mais intensa que pode ser sentida pelo ser humano(5). Todavia, o número real de pacientes acometidos por essa neuralgia pode ser maior devido a diagnósticos incorretos principalmente no que tange ao diagnóstico diferencial-, haja vista sua similaridade com as Crises de Cefaleia neuralgiforme, unilateral, breve com hiperemia conjuntival e lacrimejamento (SUNCT) e com as Migrâneas23. A patologia em análise possui maior incidência após os 50 anos de idade, sendo incomum em adultos jovens, rara em crianças e, em relação às características biológicas, mais prevalente em mulheres.20

A doença geralmente envolve uma divisão única, e pode se espalhar lentamente para outra divisão. A NT pode estar associada a espasmo hemifacial, ipsilateral (tique convulsivo doloroso)9Numavisãogeral,secaracterizaunilateral,sendoaapresentaçãobilateralrara(11)

A rápida disseminação para outra divisão, envolvimento bilateral ou envolvimento simultâneo de outro nervo sugere uma doença secundária, como esclerose múltipla ou tumor craniano em expansão11. A NT pode estar associada à síndrome de Dandy walker, pequena fossa posterior, infarto do tronco encefálico, hidrocefalia, esclerose múltipla, lesões em relação ao nervo trigêmeo, tumor do lado oposto dentre outras lesões ou patologias.

No que tangencia as condutas terapêuticas, estas são definidas pelo profissional médico e leva-se em consideração a idade, evolução clínica, comorbidades, dentre outros fatores. O anticonvulsivante Carbamazepina é a principal terapia para o tratamento da neuralgia do trigêmeo. Além disso, outros fármacos como a Lamotrigina, o Baclofeno e a Pimozida podem ser indicados em casos refratários à terapia convencional com Carbamazepina21. O tratamento cirúrgico é considerado se o paciente não apresentar êxito no tratamento farmacológico ou se este vir a tornar-se refratário à medicação sistêmica21. Nestas situações, as condutas recomendadas são procedimentos no gânglio de Gasser (termocoagulação por radiofrequência, compressão isquêmica mecânica por balão e gangliólise com glicerol) ou o procedimento de microdescompressão vascular do Trigêmeo- que aborda a comunicação nervo-vaso sanguíneo, principalmente na região da fossa posterior, a fim de desencadear um desfecho clínico bem sucedido21,22.

Portanto, a presença de déficits sensorial trigeminal ou envolvimento bilateral do quinto par de nervos cranianos são fatores que auxiliam no diagnóstico. Nesse sentido, sob a premissa de que o tratamento personalizado para cada indivíduo é essencial para o atendimento humanizado e eficaz, as opções de tratamento abrangem ferramentas clínico-farmacológicas e cirúrgicas.

QUADRO 1: Classificação de dor atribuída a lesão ou a doença do nervo trigeminal.

Neuralgia trigeminal clássicaNeuralgia trigeminal clássica, puramente paroxística Neuralgia trigeminal clássica com dor contínua concomitante
Neuralgia trigeminal secundáriaNeuralgia trigeminal atribuída a esclerose múltipla Neuralgia trigeminal por lesão expansiva Neuralgia trigeminal atribuída a outra causa
Neuralgia trigeminal idiopáticaNeuralgia trigeminal idiopática, puramente paroxística Neuralgia trigeminal idiopática com dor contínua concomitante
Neuropatia trigeminal dolorosaNeuropatia trigeminal dolorosa atribuída ao herpes zósterNeuralgia pós-herpética trigeminal Neuropatia trigeminal pós-traumática dolorosa Neuropatia trigeminal dolorosa atribuída a outro transtorno Neuropatia trigeminal dolorosa idiopática

Fonte: Adaptado de The International Classification of Headache Disorders – 3rd ed. (2018)

2.OBJETIVOS

2.1 Objetivos gerais: 2.3 Objetivos específicos:

-Revisar o conhecimento anatômico a respeito do nervo trigêmeo.

-Destacar a importância do conhecimento anatômico para abordagens clínicas e cirúrgicas.

2.2 Objetivos específicos:

-Descrever brevemente a fisiopatologia dessa dor neuropática, bem como as manifestações clínicas resultantes do processo patológico.

-Abordar as técnicas necessárias ao diagnóstico e diagnóstico diferencial.

-Relatar as opções clínicas e cirúrgicas de tratamento.

3.  MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão bibliográfica da literatura, realizada por meio da busca de artigos científicos do período de 2010 a 2023 nas plataformas LILACS e SciELO. Desse modo, foram utilizadas as palavras-chaves e XX publicações selecionadas para o estudo. Além dos artigos, foram consultados os seguintes livros-texto: DRAKE, Richard L.; MITCHELL, Adam WM; VOGL, Wayne. Gray’s anatomia para estudantes. Elsevier Brasil, 2005, SANVITO, Wilson Luiz; ROCHA, Antônio José. Síndromes neurológicas. São Paulo: Atheneu, 1997, MOORE, K. L.; DALLEY, A. F. Anatomia orientada para a clínica. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.

4.  ANATOMIA GERAL DO NERVO TRIGÊMIO

O nervo trigêmeo é o quinto par dos doze nervos cranianos, sendo o grande nervo sensitivo da cabeça e o nervo motor dos músculos da mastigação, vindo da face lateral da ponte do mesencéfalo por meio de duas raízes. Essas raízes continuam para a frente e para fora da fossa posterior do crânio e entram na fossa média do crânio, passando sobre a extremidade medial da parte petrosa do osso temporal. Na fossa média do crânio, a raiz sensitiva se expande ao gânglio trigeminal, que contém corpos celulares dos neurônios sensitivos do nervo trigêmeo e é comparável a um gânglio sensitivo de nervo espinal. O gânglio está em uma depressão na superfície anterior da parte petrosa do osso temporal, em uma caverna dural (a cavidade trigeminal). A raiz sensitiva é formada pelos prolongamentos periféricos dos neurônios sensitivos pseudounipolares. Os neurônios sensitivos formam os três ramos ou divisões do nervo trigêmeo: nervo oftálmico, nervo maxilar e nervo mandibular. Estes são responsáveis pela sensibilidade somática geral da face. As fibras aferentes somáticas gerais fornecem estímulos sensitivos da face, da metade anterior do couro cabeludo, das membranas mucosas das cavidade oral e nasal e dos seios paranasais, da parte nasal da faringe, da orelha, e do meato acústico externo, de parte da membrana timpânica, do conteúdo orbital e da conjuntiva e da dura máter nas fossas anterior e média do crânio. O nervo oftálmico supre a pele do terço superior da face, o nervo maxilar o terço médio e o nervo mandibular o terço inferior da face. As fibras eferentes branquiais inervam os músculos da mastigação, o tensor do tímpano, o tensor do véu palatino, o milo-hióideo e o ventre anterior do digástrico. Esses nervos são nomeados de acordo com as principais áreas onde terminam: olho, maxila e mandíbula, respectivamente. As duas primeiras divisões (nervos oftálmico e maxilar) são apenas sensitivas. O nervo mandibular é principalmente sensitivo, mas também recebe as fibras motoras (axônios) da raiz motora, que supre principalmente os músculos da mastigação. A raiz sensitiva apresenta sua formação em três núcleos, sendo esses o núcleo sensitivo principal, localizado na porção lateral da ponte, que recebe estímulos do toque e de pressão, auxilia na propriocepção e envia fibras aos tratos trigeminal ventral e dorsal; o núcleo espinal do nervo trigêmeo, que recebe informações sobre dor, temperatura e toques leves da face e mucosas nasal e oral é originado de fibras aferentes descendentes, estando inserido em um trato denominado espinal, onde irá ocorrer a junção com fibras do oculomotor (III), do troclear (IV), do facial (VII) e do glossofaríngeo (IX), tanto esse núcleo como o principal ascendem núcleo ventral póstero medial do tálamo, onde terminam; e núcleo sensitivo mesencefálico, responsável pela propriocepção, se estendendo do núcleo principal até o colículo superior do mesencéfalo. Tais raízes convergem para formar o gânglio de Gasser na porção anterolateral da parte superior da ponte.

(FIGURA 1) : Zona de inervação dos três nervos do nervo trigêmeo e seus ramos

Fonte: Standring S, Gray H et al, Ed. 40 pág. 493, 2009.

No gânglio de Gasser há a divisão em três nervos, o oftálmico (V1), o maxilar (V2) e o mandibular (V3), além disso, nele há a junção da raiz sensitiva com os nervos V1, V2 e V3 do trigêmeo, e da raiz motora com V3. Sua raiz sensitiva recebe informação e a converte em sensações advindas de maior parte da face e do couro cabeludo, de porções auriculares e do meato acústico externo, das mucosas oral e nasal, dos dentes, da nasofaringe, da articulação temporomandibular, e de grande parte das meninges na fossa cranial anteromedial. Além disso, há a recepção de propriocepção referente aos músculos da mastigação, faciais e extraoculares. Já a raiz motora, diminuta se comparada à sensitiva, supre músculos derivados do primeiro arco faríngeo relativo ao desenvolvimento embrionário, sendo esses os músculos da mastigação, o ventre anterior do digástrico, o milo-hióideo, o tensor do véu palatino e tensor do tímpano.

(FIGURA 2): Raízes e núcleos do nervo trigêmeo e suas relações com com o sistema nervoso

Fonte: Netter Frank H. et al, Ed. 2 pág 21, 2013

O conhecimento das funções e ramificações dos três nervos originários a partir do trigêmeo é essencial para entender a extensão e compreender as possíveis áreas afetadas por uma patologia nesse nervo. Sendo assim, o nervo oftálmico (V1) recebe informações sobre dor, toque, temperatura e propriocepção da parte superior do nariz, do couro cabeludo, do terço superior da face, seios da face adjacentes, as pálpebras superiores e estruturas da porção medial das órbitas oculares próximas à tróclea, apresentando como ramificações principais os nervos supratroclear, supra orbital, lacrimal, infratroclear e nasal externo, além de enviar contribuições nervosas para a inervação da meninge em direção ao tentorium do cerebelo. O nervo maxilar (V2) supre a pele das pálpebras inferiores, as asas do nariz, de uma porção mais anterior da têmpora, o lábio superior e a porção proeminente das bochechas, seus ramos são os nervos infraorbital, o zigomático temporal e o zigomático facial, enviando também contribuições para a meninge em direção à fossa craniana média.

(FIGURA 3): Vista lateral dos nervos oftálmico (V1) e maxilar (V2) e seus ramos

Fonte: Netter Frank H. et al, Ed. 2 pág 23, 2013

O nervo mandibular (V3) inerva cutaneamente a mandíbula, o lábio inferior, a porção posterior das têmporas parte das aurículas das orelhas e a parte carnosa das bochechas, apresentando os nervos bucal, auriculotemporal e o mentual, nervo importante na neuralgia do trigêmeo, como ramos cutâneos. (3). O nervo mandibular também realiza a inervação motora dos músculos da mastigação, ou seja, o temporal, por meio de seus ramos profundos temporais, o masseter pelo nervo massetérico de V3, o pterigóideo medial por meio do nervo pterigóideo medial de V3, e o pterigóideo lateral pelo próprio nervo mandibular, sendo responsável também pela inervação do tensor do tímpano e do tensor do véu palatino por ele próprio, enquanto o ventre anterior do digástrico e o milo-hióideo são inervados pelo nervo milo-hióideo, originado de um ramo do nervo mandibular chamado nervo alveolar inferior. (4). Esse nervo também promove inervação meníngea, sendo realizada nas fossas cranianas média e anterior e na calvária.

(Figura 4): Vistas lateral e medial do nervo maxilar (V3) e seus ramos

Fonte: Netter Frank H. et al, Ed. 2 pág 24, 2013

5. FISIOPATOLOGIA DA DOR

A Neuralgia Trigeminal é uma dor neuropática na distribuição de um nervo trigêmeo e é resultado de uma sensibilização central que envolve o aumento da função neuronal e de circuitos nociceptivos (multicelulares, neuronais e gliais), devido ao incremento da excitabilidade da membrana e da eficiência sináptica, além da inibição e da plasticidade do sistema nervoso quanto à resposta a uma inflamação periférica, atividade anormal ou lesão nervosa. A sintomatologia surge da geração de potenciais de ação nas fibras aferentes sensíveis à dor da raiz do nervo Trigêmeo, pouco antes de entrar na superfície lateral da ponte. Geralmente, ocorre após um estímulo nociceptivo intenso ou repetitivo.

A etiopatogênese dessa neuralgia ainda não é plenamente conhecida, mas há hipóteses que buscam explicá-la. Dentre elas, existe a hipótese proposta por Dover et al, em que uma agressão inicial na raiz ou no gânglio trigeminal induz alterações fisiológicas as quais irão provocar o aparecimento de células hiperexcitável ligadas a neurônios sensoriais primários, originando paroxismos de dor, resultante da função neuronal exacerbada. Assim, a descarga de qualquer neurônio desse grupo pode rapidamente espalhar-se e ativar uma grande população de células nervosas. Segundo o proposto, tal agressão inicial pode estar relacionada a efeitos tumorais, acidente vascular cerebral (AVC), doenças inflamatórias (desmielinizantes), traumas e compressão vascular sobre o nervo. Sobre esse último, a compressão de um vaso sanguíneo anômalo sobre as raízes nervosas do V par craniano representa cerca de 80% a 90% dos casos, sendo mais comum pela artéria cerebelar superior, mas podem estar envolvidas as artérias: cerebelar posterior inferior, vertebral e cerebelar anterior inferior. Ademais, em torno de 10% desses casos ocorre compressão venosa por veias tortuosas. Diante disso, Turp e Gobetti, em 1996, propuseram que a maior ocorrência dessa doença em idosos está relacionada ao processo degenerativo dos vasos sanguíneos que evolui com a idade e torna as veias e artérias mais tortuosas, endurecidas, calcificadas e espessas.

Os processos de degeneração vascular ou as patologias de base do nervo (como Esclerose Múltipla, isquemias vasculares, tumores no ângulo pontocerebelar) provocam um processo de perda da bainha de mielina das fibras grandes mielinizadas que não conduzem a sensação de dor, mas tornam-se hiperexcitável e acopladas às fibras de dor menores, desmielinizadas ou não mielinizadas em estreita proximidade. Esse fenômeno explica porque as estimulações táteis conduzidas pelas fibras nervosas mielinizadas grandes (envolvidas em sensações como tato epicítico e sensibilidade vibratória) desenvolvem a dor paroxística.

Outra hipótese fisiopatológica é a da convergência/projeção trigeminal, a qual propõe que as entradas nociceptivas recorrentes da cabeça e do pescoço convergem para o núcleo espinhal do trigêmeo (subnúcleo caudal), acarretando a liberação de neurotransmissores e substâncias vasoativas. Esses mediadores diminuem o limiar de ativação dos neurônios de segunda ordem, que também recebem impulsos de fibras não nociceptivas, o que provoca aumento no fluxo de informação transmitida aos centros superiores que processam a dor.

Além disso, existem explicações que consideram uma lesão periférica do nervo como primeiro evento que desencadeia mudanças sinápticas centrais ao promover desmielinização e lesão do axônio, gerando um quadro de distrofia progressiva dos ramos periféricos do nervo trigêmeo que, por sua vez, pode ser causada por síndrome de compressão e/ou reações imunoalérgicas. A lesão nervosa e tecidual decorrente de tais processos leva à liberação de mediadores que sensibilizam as terminações nervosas periféricas (sensibilização periférica), acarretando alterações neuroquímicas e fenotípicas e aumento da excitabilidade dos neurônios aferentes do gânglio trigeminal e dos núcleos do trigêmeo (sensibilização central). Além disso, ocorrem alterações nas vias de modulação descendentes que alteram os limiares e a percepção da dor. Desse modo, o processo a partir da lesão repercute sobre os potenciais de ação e isso pode gerar picos espontâneos e descargas repetitivas, bem como hiperalgesia frente a uma alteração mecânica ou química e, portanto, alteração das respostas sinápticas centrais aos eventos periféricos, levando ao aparecimento dessa neuropatia.

Alguns estudos sugerem que o aumento nos níveis de IgE e de histamina, como em processos alérgicos, por exemplo, pode estar envolvido na NT. Nesses casos o acúmulo de IgE em regiões próximas ao nervo trigêmeo pode promover a degranulação dos mastócitos com liberação de substâncias como histamina e serotonina, que parecem desempenhar um papel relevante na etiologia dessa doença.

A Neuralgia do Trigêmeo pode ser um quadro clínico causado pela Herpes Zoster (HZ), doença que ocorre pela reativação do vírus varicela-zóster (VVZ) nos nervos, nas raízes e/ou no gânglio trigeminal. O VVZ é um herpes vírus causador de varicela que, após a infecção primária, persiste de forma latente no sistema nervoso por toda vida do indivíduo. A HZ geralmente é deflagrada quando a imunidade celular específica para VVZ fica comprometida. Existe correlação entre a maior possibilidade de reativação em indivíduos acima de 55 anos, pois a idade avançada está associada a um declínio na resposta imune mediada pelas células T. O quadro pode evoluir para uma neuralgia pós herpética, caracterizada por uma dor neuropática crônica com persistência mínima de um mês no trajeto do nervo afetado e que se inicia entre um a seis meses após a cura das erupções cutâneas, podendo durar anos.

A NT também pode surgir em função de terapias com antirretrovirais (como no tratamento para pacientes portadores de HIV), por serem drogas neurotóxicas. Além disso, a Neuralgia do Trigêmeo pode estar relacionada à terapêutica incorreta em traumas maxilofaciais, em casos de lesões ou fraturas nos ossos da face, principalmente envolvendo a região zigomática-maxilar, o que aumenta as chances de lesão no feixe vásculo-nervoso infraorbitário. Todas teorias propostas para a etiologia da NT foram estabelecidas com base em aspectos celulares, histológicos, moleculares e eletrofisiológicos, porém nenhuma delas alcançou seu objetivo de maneira conclusiva. No entanto, atualmente tem-se um sólido conhecimento a respeito da dor causada por esse mecanismo de sensibilização ainda desconhecido.

Dor: aspectos fisiológicos

A nocicepção, em condições normais, está envolvida com a identificação do organismo a estímulos potencialmente lesivos, que estimulam os nociceptores cujos corpos celulares localizam-se no gânglio trigeminal. Tal fenômeno sensitivo trata-se de um componente fisiológico da dor, a qual inclui fatores afetivos e motivacionais devido à percepção dada pelo envolvimento de áreas corticais e do sistema límbico.

As fibras nociceptivas são do tipo Að e do tipo C. As primeiras são fibras finas e pouco mineralizadas, relacionadas com sensações dolorosas geralmente mais bem definidas e agudas. Já as fibras do tipo C possuem um fino calibre e são amielínicas, estando envolvidas na transmissão de um sinal doloroso lento, crônico e inespecífico.

Sabe-se que o processamento da informação dolorosa é dado a partir de duas vias. A via recente é mais associada a fibras tipo Að, que transmitem principalmente a dor mecânica e térmica agudas. O corpo celular do neurônio I localiza-se no gânglio trigeminal, e seu prolongamento central segue até o Tronco Encefálico, onde se localiza o Complexo Trigeminal. O Complexo Trigeminal se divide em Núcleo Principal e Núcleo do Trato Espinhal, que consiste de 3 subnúcleos: oral, interpolar e caudal. O subnúcleo caudal aparenta ser o principal local para o processamento e transmissão da dor. Assim, as fibras axonais do neurônio de primeira ordem realizam sinapse com o segundo neurônio localizado neste subnúcleo caudal. Os axônios, por sua vez, cruzam para o lado oposto e inflectem-se cranialmente para constituir o Lemnisco Trigeminal, cujas fibras terminam fazendo sinapse com neurônios III, unipolares, localizados no núcleo póstero medial do Tálamo. Esses neurônios de terceira ordem transmitem impulsos para o córtex, no giro pós central, nas áreas 1, 2 e 3 de Brodmann.

A outra via é constituída por uma cadeia de neurônios com número maior e é um sistema mais antigo que transmite principalmente impulsos relacionados à dor crônica. Até o neurônio II, essa via segue caminho semelhante àquela descrita anteriormente. No entanto, os axônios desses neurônios de segunda ordem seguem para a Formação Reticular, onde realizam sinapse com neurônios terciários, os quais dão origem a fibras retículo talâmicas que terminam nos núcleos do grupo medial do Tálamo, mais especificamente nos núcleos intralaminares. Os núcleos intralaminares projetam seus prolongamentos para áreas amplas do córtex cerebral. Nesse sentido, é provável que tais projeções estejam mais relacionadas com a ativação cortical do que com a sensação de dor, uma vez que esta se torna consciente já em nível talâmico. Além disso, alguns neurônios III projetam-se também para a amígdala, o que possivelmente contribui para o componente afetivo da dor. Essa via não apresenta organização somatotópica, sendo responsável por um tipo de dor pouco localizada e crônica, correspondendo à chamada “dor em queimação”.

(Figura 5)

Fonte: Duane E. Haines, Ed.9 pag 204, 2015

Tendo em vista que as sinapses são os locais das vias onde é possível haver modulação do estímulo nociceptivo, a inflamação, ao promover a liberação de diversas substâncias químicas, é um fenômeno que pode influenciar consideravelmente a intensidade da informação dolorosa. Após a lesão de um ramo do nervo, o processo inflamatório leva à redução do limiar de ativação dos nociceptores e aumento da excitabilidade da fibra nervosa. A dor resultante é, em grande parte, criada e sustentada pela cascata do processo inflamatório, que inclui uma grande e crescente quantidade de mediadores, tais como bradicinina, eicosanóides (prostaglandinas e leucotrienos), trifosfato de adenosina (ATP), histamina,citocinas pró-inflamatórias (fator de necrose tumoral, interleucina 1 beta, INFy), quimiocinas (citocina quimiotáctica ligante 2, CCL2, fractalkine), neurotrofinas (fator de crescimento do nervo, NGF, fator neurotrófico cerebral, BDNF) e espécies reativas de oxigênio.

As citocinas fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucinas 1 beta (IL-1β) e 6 (IL-6) têm sido implicadas tanto na sensibilização central quanto periférica. O TNF-α é liberado por praticamente todas as células do sistema imunológico e pelas células da glia e provoca mudanças metabólicas e hemodinâmicas, além de ativar outras citocinas. Essa citocina é capaz de promover a hiperexcitabilidade neuronal, aumentar a transmissão excitatória e promover inflamação em vários níveis do sistema nervoso, tornando-se um mediador importante da dor neuropática crônica. A IL-1β produz inflamação sistêmica, induz a produção de substância-P (SP) e óxido nítrico (NO), tendo importante função no desenvolvimento e na manutenção da dor. A IL-6, por sua vez, promove maturação e ativação de neutrófilos, maturação de macrófagos e diferenciação de linfócitos-T citotóxicos e natural killer. A IL-6 é predominantemente pró-inflamatória na dor neuropática, promovendo exacerbação da inflamação através da ativação de células da glia no sistema nervoso central. No entanto, no local da lesão, pode promover ação antinociceptiva, bem como promover a regeneração do axônio periférico. Apesar de os mediadores descritos estarem relacionados com as dores neuropáticas em geral, ainda não há estudos definitivos que estabeleçam seus papéis na dor neuropática do trigêmeo.

Além dos mediadores inflamatórios, neuropeptídeos também têm sido associados ao estabelecimento da dor neuropática. A lesão nervosa de alguns ramos do nervo trigêmeo acarretou alterações na expressão de neuropeptídeos como SP, peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), polipeptídeo vasoativo intestinal (VIP) e neuropeptide Y (NPY) no nervo trigêmeo e no gânglio trigeminal. Foi sugerido, portanto, que o acúmulo de neuropeptídeos no local da lesão pode estar relacionado ao desenvolvimento de atividade neural ectópica e ao desenvolvimento e à modulação da dor neuropática, apesar de correlações bem definidas com o desenvolvimento da dor ao longo do tempo não terem sido ainda completamente evidenciadas.

Além disso, em uma lesão nervosa, a membrana neuronal da célula lesada sofre aumento da densidade de canais de sódio, diminuição de canais de potássio e aumento na expressão da subunidade auxiliar dos canais de cálcio voltagem-dependentes, o que acarreta a despolarização da membrana com consequente influxo de cálcio e geração de potencial de ação. Alterações na densidade de canais aumentam o período de despolarização neuronal e de descarga repetitiva, intensificando a sensibilização central e a sensação dolorosa.

6. MANIFESTAÇÕES CLÌNICAS

A neuralgia do trigêmeo afeta majoritariamente pessoas de meia idade e idosas. A sua manifestação clínica é caracterizada por uma dor que afeta principalmente as áreas das divisões maxilar (V2) e mandibular (V3) do nervo, atingindo lábios, gengivas, bochechas ou queixo, e raramente afeta a divisão oftálmica (V1). A primeira divisão do nervo é afetada sozinha em menos de 5% dos pacientes. A dor causada pode ser tão acentuada que o indivíduo treme, se contrai, e por isso a neuralgia do trigêmeo também é nomeada de ‘tic douloureux’. Há casos em que a dor é tão intensa que provoca alterações psicológicas, levando à depressão e até tentativas de suicídio.A neuralgia trigeminal é caracterizada por ataques paroxísticos de dor severa, cortante ou perfurante na distribuição cutânea de uma ou mais divisões do nervo trigêmeo e é unilateral. Nos raros casos onde há neuralgia bilateral, os episódios de dor são assíncronos e estimulados de maneira independente um do outro. Os episódios de dor duram de frações de segundo a dois minutos e tendem a recorrer frequentemente durante o dia. Eles podem ocorrer de forma espontânea ou ser provocados por estímulos sensoriais, como toques leves, ar frio ou água fria na face, nos lábios ou na gengiva, principalmente em pequenas áreas muito sensitivas chamadas de “zonas de gatilho”, ou movimentos como mastigar, falar, sorrir, se maquiar, fazer a barba, escovar os dentes e franzir os lábios. Esses episódios podem ser sucedidos por períodos refratários nos quais a estimulação dessas áreas não provoca dor, porém alguns pacientes relatam uma queimação contínua na mesma área. O início da neuralgia é súbito e há a flutuação do distúrbio ao longo do tempo, com períodos de exacerbações e períodos de remissão. Os episódios tendem a persistir por semanas ou meses antes da remissão espontânea. Os períodos de remissão podem ser longos, entretanto na maioria dos pacientes o distúrbio recorre.Os exames neurológicos de um paciente com neuralgia do trigêmeo não apresentam anormalidades e a presença de um déficit nesse exame indica neuropatia trigeminal e pode indicar uma causa secundária para essa dor.

(FIGURA 6): zonas de atuação dos nervos do nervo trigêmeo e áreas comuns de gatilho

7. DIAGNÓSTICO

As manifestações clínicas da neuralgia do trigêmeo são essenciais para o diagnóstico. Não existem testes diagnósticos objetivos ou laboratoriais para validação do diagnóstico de NT. Entretanto, exames de Ressonância Magnética (RNM) são feitos com o objetivo de determinar a presença de tumores ou placas de esclerose múltipla, assim como visualizar possíveis compressões e deformações do nervo trigeminal.

Neuralgia trigeminal

Devido ao diagnóstico de NT ser feito somente a partir de manifestações clínicas, há ainda mais a necessidade de critérios diagnósticos consolidados, que direcionam a um diagnóstico correto e tratamento adequado. Como não há uma ordem correta de aparecimento dos sintomas, a anamnese do paciente deve ser cuidadosamente colhida. Usualmente, escalas verbais e visuais análogas de dor, assim como o questionário de dor de McGuill, são utilizados pela grande importância na descrição das dores características do quadro: dor breve, recorrente e unilateral, similar a um choque elétrico, de aparecimento e desaparecimento súbitos, limitada à topografia do nervo trigêmeo e suas divisões, sendo provocada por um estímulo inócuo. O quadro pode ocorrer sem uma causa aparente ou secundária a outra condição. Não obstante, pode haver dor moderada contínua concomitante no território das divisões afetadas. Comumente são utilizadas descrições específicas, como “pontadas” ou “facadas”.

De acordo com a 3ª edição da Classificação Internacional de Distúrbios de Cefaléia (20), os critérios diagnósticos são paroxismos unilaterais recorrentes de dor facial nas distribuições de uma ou mais divisões do nervo trigêmio, sem radiação além, e cumprindo critérios B e C:

O diagnóstico de NT clássica cumpre com os mesmo critérios acima, somados à evidência de compressão neurovascular e alteração da morfologia na raiz do nervo trigêmeo, vistas pela RNM ou no intra operatório. Além disso, a NT clássica pode ser dividida em NT clássica com dor paroxística com intervalo entre ataques sem dor e NT clássica com dor concomitante contínua ou quase contínua entre os ataques na área afetada.

Neuralgia trigeminal secundária e neuralgia trigeminal idiopática

NT secundária é aquela em que existe uma doença associada que sabidamente pode explicar a neuralgia trigeminal, como por exemplo esclerose múltipla (NT atribuída a EM), uma lesão expansiva em contato com o nervo (NT atribuída a lesão ocupando o espaço), deformidade óssea no crânio, doença do tecido conjuntivo, malformação arteriovenosa, fístula arteriovenosa dural e causas genéticas de neuropatias ou hipersensibilidade neuronal (NT atribuída a outra causa). Alterações sensitivas são percebidas no exame físico de uma parcela considerável desses pacientes.

De acordo com a 3ª edição da Classificação Internacional de Distúrbios de Cefaléia, os critérios diagnósticos de NT secundária são paroxismos unilaterais cumprindo os critérios da neuralgia trigeminal (A, B e C), somados aos critérios critérios D e E:

D.   Uma doença de base conhecida que sabidamente pode explicar e causar a neuralgia;

E.   Não ser melhor encaixado nos demais diagnósticos do ICHD-3.

Quanto à NT idiopática, o diagnóstico é dado quando há critérios para NT, mas não há evidências para diagnóstico da forma clássica ou secundária a partir da RNM. Essa forma idiopática também pode se subdividir assim como a clássica, em dor paroxística com intervalo entre ataques sem dor e dor concomitante contínua entre os ataques.

Apesar da existência de critérios diagnósticos, a NT é frequentemente subdiagnosticada ou mal diagnosticada, devido à sua variada gama de apresentação de sintomas e sua distribuição, que levam os pacientes a procurar diversos profissionais, como dentistas, otorrinolaringologistas e neurologistas.

Neuropatia trigeminal dolorosa e outros diagnósticos diferenciais

Alguns pacientes apresentam muitas características similares às de NT, entretanto a anamnese coletada não evidencia manifestações tipicamente encontradas. As possibilidades de diagnósticos diferenciais para NT são muitas, e devem ser consideradas principalmente: neuralgia glossofaríngea, neuropatia trigeminal pós-traumática dolorosa, dor facial idiopática persistente, neuropatía trigeminal dolorosa atribuída a Herpes Zoster aguda, síndrome da ardência bucal, neuralgia do nervo intermédio, neuralgia occipital, entre outras. Perguntas como gatilhos, localização, duração e sintomas associados são necessárias para considerar ou excluir os outros diagnósticos.

8.TRATAMENTO

O tratamento da neuralgia do trigêmeo tem como principal dificuldade o diagnóstico do agente desencadeador do processo de dor. Sendo assim, o estudo anatômico é essencial para o diagnóstico por meio dos exames complementares de imagem, juntamente, com a anamnese. O tratamento varia entre clínico/medicamentoso e cirúrgico, sendo o medicamentoso a primeira escolha, optando pela neurocirurgia nos casos em que o tratamento clínico é ineficaz(26)

Clínico

A International Association for the Study of Pain (IASP) cita que o tratamento medicamentoso é baseado no uso de fármacos antiepiléticos, tendo como terapia de primeira linha a carbamazepina (200-1200 mg/dia) e oxcarbazepina (60-1800 mg/dia).Essas drogas apresentam resposta terapêutica satisfatória para pacientes com NT clássica (causada por compressão neurovascular) e pacientes com NT idiopática. É razoável tratar a dor associada à NT secundária usando os mesmos medicamentos empregados na NT clássica, visto que, a prática clínica tem demonstrado que os pacientes com NT secundária respondem frequentemente bem a estes fármacos.

O anticonvulsivante carbamazepina tem sido usado desde 1960 por sua eficácia em aproximadamente 60% a 80% dos pacientes. O mecanismo de ação da carbamazepina é atuar principalmente na suspensão da dor por meio da diminuição ou inibição dos impulsos nervosos aferentes. A carbamazepina bloqueia os canais de sódio voltagem-dependentes, retarda a recuperação iônica após a ativação e suprime a atividade espontânea sem bloquear a condução normal. Também inibe a captação de noradrenalina. Sua principal indicação é na neuralgia do trigêmeo sendo considerado padrão ouro, e neste caso fármaco de primeira linha.(26)

A oxcarbazepina é um medicamento eficaz para NT e que alguns especialistas preferem à carbamazepina , citando melhor tolerabilidade e diminuição do risco de interações medicamentosas. Na análise conjunta, ambos os medicamentos foram igualmente eficazes, com uma redução >50 por cento dos ataques alcançada por 88 por cento ou mais dos pacientes em ambos os grupos de tratamento.

Atualmente, há alternativas e adjuvantes à terapia de primeira linha para pacientes com NT que são intolerantes ou têm contraindicações à carbamazepina e oxcarbazepina , sugerimos tratamento com lamotrigina, gabapentina e baclofeno. Alguns pacientes que não respondem à monoterapia com carbamazepina de primeira linha podem se beneficiar da terapia combinada com gabapentina, lamotrigina, topiramato, baclofeno ou tizanidina. No entanto, não existem ensaios clínicos randomizados comparando a monoterapia com a terapia combinada para NT.

Uma revisão sistemática da Academia Europeia de Neurologia (2019) concluiu que lamotrigina, gabapentina, toxina botulínica tipo A, pregabalina, baclofeno e fenitoína podem ser usados como monoterapia ou como adjuvantes da terapia de primeira linha ( carbamazepina ou oxcarbazepina ) quando os agentes de primeira linha são ineficazes ou mal tolerados, todavia.(28) Além disso, tratamentos não invasivos como a fisioterapia, por meio da eletroestimulação utilizando TENS (Estimulação Nervosa Elétrica Transcutânea), osteopatia e laserterapia têm como objetivo direto de diminuir o quadro álgico dos pacientes.

Cirúrgico

Caso a neuralgia não ceda ao tratamento clínico, é necessário recorrer ao tratamento cirúrgico, que pode ser realizado pelos seguintes procedimentos: termocoagulação com radiofrequência do gânglio de Gasser, microdescompressão vascular, compressão mecânica do balão, rizólise percutânea com glicerol que serão descritos a seguir. Na maioria dos casos seu tratamento dá-se por meio de terapias medicamentosas, no entanto a falha ou intolerância a este tipo de tratamento e as chances de recidiva podem ser substituídas por outros tipos de condutas, como os métodos percutâneos de radiocirurgia, microdescompressão vascular, rizotomia percutânea trigeminal por radiofrequência (RTRF), rizólise percutânea com glicerol e a microcompressão percutânea com balão.

ProcedimentoMecanismo de açãoSítio anatômico de
atuação
Termo coagulação com
radiofrequência do gânglio
de Gasser
Destruição seletiva das fibras que transmitem a sensibilidade dolorosa, poupando as fibras de sensibilidade tátil (27)Gânglio de Gasser
Compressão mecânica com
balão
Neste procedimento, é inserido um cateter no paciente, dentro da bochecha, e um pequeno balão é insuflado na extremidade do cateter comprimindo o gânglio do trigêmeo, eliminando a dor em até 98 % dos casos. (29)Gânglio de Gasser
Microdescompressão
vascular do contato
nervo/vaso
É um procedimento cirúrgico maior que envolve
craniotomia para expor o nervo trigêmeo na fossa posterior. (30)
Artéria cerebelar
Cerca de 90% dos
pacientes com NT
apresentam compressão
neurovascular em
segmento proximal do
nervo trigêmeo. A artéria
cerebelar superior é
responsável pela maioria de 60% a 90% dos casos seguida pela
artéria cerebelar ântero-inferior e acompanhamento da
artéria basilar (1)
Rizotomia percutânea com glicerolDeposita-se glicerol, substância tóxica, para destruição da fibra, sendo uma lesão irreversível. (30)Gânglio de Gasser

9.CONCLUSÃO

Uma miríade de mecanismos se correlaciona à fisiopatologia norteadora da Neuralgia do trigêmeo (Doença de Fothergill) haja vista a incipiência de suas nuances à literatura científica. Majoritariamente, a queixa álgica neuropática apresenta particularidades e aspectos diversos, tornando o manejo clínico particular. A NT se manifesta em ataques prevalentes, agudos e severos de dor neuropática em regiões de inervação trigeminal de forma unilateral, principalmente, em maxilar (V2) e mandibular (V3) através das de sensibilização nas “zonas de gatilho”. Ao acometer o quinto nervo craniano, com maior prevalência sobre a fatia populacional idosa, a neuralgia e seus atributos impactam diretamente na qualidade de vida dos doentes, podendo desencadear incapacidade.

A precipitação acerca da parcela sênior fortalece teorias neurovasculares, cuja lesão na bainha de mielina do nervo sensitivo-motor em questão bem como a degeneração e espessamento dos vasos inerentes ao envelhecimento, alteram a atividade trigeminal. Ademais, estudos clínicos analisam a projeção trigeminal, com entradas nociceptivas convergentes ao subnúcleo caudal até lesões periféricas pré-determinantes com desmielinização e lesão axonal, também correlacionadas a enigmática fisiologia da nevralgia trigeminal.

Além do pensamento anátomo-clínico que buscam decifrar a NT, pesquisadores fomentam a hipótese da participação direta do vírus Varicela-Zóster (VVZ) que protagoniza o cenário da Herpes Zóster (HZ), culmina em dor neuropática crônica e queda da resposta imune, principalmente em indivíduos de idade avançada.

Sob essa óptica, a patologia relacionada à inervação facial em análise se configura um evidente desafio diagnóstico, bem como inspiração na busca ao conhecimento de suas matizes características. Tais caracteres são fundamentais ao planejamento terapêutico de cada doente e direciona a individualização do cuidado personalizado. A vasta temática a respeito da neuralgia trigeminal, seus mecanismos de ação e ferramentas diagnósticas, assim como as ofertas terapêuticas e estimativas prognósticas, são de extrema relevância à pesquisa científica moderna e demandam contínua investigação no âmbito clínico-científica mundial para melhor elucidação.

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