ENTREVISTA COM UMA PSICÓLOGA HOSPITALAR DE UM HOSPITAL DE DOENÇAS INFECTOCONTAGIOSAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10779027


Joiza Maria de Oliveira Santana1,
Maísa Secunde Ferreira Queiroz2,
Thainnara Vitória Gadelha Pereira3


RESUMO

A internação provoca grandes impactos psicológicos em todos os envolvidos na conjuntura do processo de adoecimento. O ambiente hospitalar é caracterizado por circunstâncias dolorosas que inspiram medo e incertezas na maioria das pessoas que já o frequentaram. O objetivo desse artigo consiste em proporcionar um relato de experiência de uma entrevista realizada com uma psicóloga hospitalar que atua no maior hospital de doenças infecciosas e tropicais do Estado de Rondônia. O estudo possui caráter qualitativo, e busca conceber a importância do suporte psicológico nesse contexto específico, promovendo uma visão elucidativa sobre o papel da psicologia na assistência integral às pessoas no processo do adoecimento. Os resultados apontaram para importância do psicólogo hospitalar para ofertar suporte psicológico, orientação e intervenções adaptadas às necessidades específicas, no contexto da infectologia, contribuindo para o cuidado abrangente e o bem-estar dos pacientes e familiares. Destarte, a narrativa da entrevistada proporcionou uma visão profunda da realidade, desafios e contribuições da psicologia no ambiente hospitalar especializado em doenças infectocontagiosas.

Palavras-chave: Adoecimento; Psicologia Hospitalar; Equipe Multidisciplinar; UTI; Doenças infectocontagiosas; Usuários de entorpecentes.

ABSTRACT

Hospitalization causes significant psychological impacts on all involved in the context of the illness process. The hospital environment is characterized by painful circumstances that instill fear and uncertainties in most individuals who have experienced it. The objective of this article is to provide an account of an interview conducted with a hospital psychologist working in the largest infectious and tropical diseases hospital in the State of Rondônia. of psychological support in this specific context, providing an enlightening perspective on the role of psychology in comprehensive care for individuals in the process of illness. The results highlighted the importance of the hospital psychologist in offering psychological support, guidance, and interventions tailored to specific needs in the field of infectious diseases, contributing to comprehensive care and the well-being of patients and their families. Thus, the interviewee’s narrative provided a deep insight into the reality, challenges, and contributions of psychology in the specialized hospital environment for infectious diseases.

Keywords: Illness; Hospital Psychology; Multidisciplinary Team; ICU; Infectious Diseases; Substance Users.

1 INTRODUÇÃO

Com o progresso teórico-prático da psicologia, entendeu-se que a mesma poderia expandir-se para outros campos de atuação, como no caso da psicologia hospitalar, tal mudança influenciou na necessidade indispensável da presença do profissional de psicologia nas equipes multidisciplinares dos hospitais na atualidade.

A psicologia hospitalar no Brasil teve seus primeiros passos durante a década de 50 com Matilde Neder, a qual deu início a uma atividade na então Clínica Ortopédica e Traumatológica da USP, desempenhando o papel de preparar psicologicamente os pacientes submetidos a cirurgias de coluna, atuando no pré e pós-cirúrgico dos pacientes. Mais tarde, Matilde Neder fundou o Serviço de Psicologia Hospitalar no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ao ser convidada, Matilde Neder empreendeu esforços para realizar uma adaptação técnica de sua base teórica, integrando-a à realidade institucional. Como resultado desse processo, foram desenvolvidos modelos teóricos de atendimento com o objetivo de otimizar e ajustar esses serviços para melhor atender às demandas específicas do ambiente hospitalar. (Angerami-Camon, Chiattone & Nicoletti, 2004).

Dessa forma, Matilde Neder assumiu um papel que mesclava saberes dos campos organizacional, social, clínico e até mesmo educacional. A psicologia hospitalar foi reconhecida como área de atuação no ano de 2001 e hoje tem sua regulamentação orientada pela Resolução do Conselho Federal de Psicologia n°13/2007.

Com o passar dos anos e a maior difusão da psicologia hospitalar, os psicólogos vêm desempenhando um papel importante neste espaço, nos mais diferentes setores, neles costumam haver necessidades de atendimento multidisciplinar, devido à complexidade de oferta de um atendimento integral e humanizado aos pacientes e familiares.

Nesse contexto, o psicólogo hospitalar entra como um dos alicerces para dar acolhimento e amparo durante os tratamentos realizados, auxiliando as famílias dos pacientes, buscando psicoeducar e fazer da experiência da internação, um período, o menos traumático possível, mitigando a probabilidade de adoecimento mental (paciente, familiar e/ou profissional da equipe).

O presente artigo traz o relato da experiência das autoras referente a entrevista realizada com uma psicóloga hospitalar que atua em um hospital de doenças infecto contagiosas de referência no Estado de Rondônia.

2 METODOLOGIA

O artigo em tela consiste em um relato de experiência das autoras na condução de uma entrevista com uma psicóloga hospitalar que atua em um hospital de doenças infectocontagiosas. O presente artigo trata-se de um estudo qualitativo que segundo Minayo (2012) consiste em imergir na realidade empírica na busca de informações previstas ou não previstas no roteiro inicial, visando interpretar e compreender as complexidades dos fenômenos, a análise qualitativa envolve a consideração das perspectivas, valores, crenças e contextos sociais dos indivíduos envolvidos. A entrevista foi conduzida em um local externo ao ambiente hospitalar, onde perguntas abertas e fechadas foram formuladas, abordando também questões de interesse por parte das estudantes de psicologia. O áudio da entrevista foi gravado para garantir a fidelidade na transcrição do conteúdo discutido. A entrevista teve duração total de aproximadamente 3 horas, durante as quais, foram realizadas cerca de 15 perguntas.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A internação provoca grandes impactos psicológicos em todos os envolvidos na conjuntura do processo de adoecimento. Afinal, o ambiente hospitalar é caracterizado por circunstâncias dolorosas que inspiram medo e incerteza na maioria das pessoas que já o frequentaram. Além disso, um diagnóstico, independentemente de ser tardio ou não, de ser uma doença grave ou crônica, finda por mudar todo a rotina familiar, agora, comprometida com o recém diagnóstico da enfermidade, podendo levar outros familiares a apresentarem sentimento de agonia pela impotência diante da doença e seu avanço. O papel da psicologia no hospital tornou-se importante para minimizar a dor dos enfermos, das famílias e até mesmo da equipe que atua com pacientes/famílias, como apontado no “Manual de Psicologia Hospitalar” do Conselho Regional de Psicologia (CRP-08):

Numa instituição hospitalar, o psicólogo entra como profissional de saúde mental e – diante das demandas que lhe são feitas e dos cuidados que lhe são pedidos com a justificativa de que a instituição requer profissionais ativos e dinâmicos, pois não tem tempo para esperar um ano ou o final de um processo psicoterápico. […] É provável que o psicólogo, no hospital, seja mais frequentemente demandado pela família, pois existe uma pessoa da estrutura familiar que está doente; consequentemente, existem efeitos sobre os demais familiares. Aparentemente são pedidos simples, cabe ao psicólogo orientá-los sobre como lidar com esta situação, mas parece que, nestes pedidos, estão também pedindo uma intervenção no sentido de se haver com a angústia despertada.  (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA (CRP-08), 2007, p. 26 – 29)

Na atualidade, devido as circunstâncias já citadas relacionadas aos impactos psicológicos desencadeados pelo adoecimento, a psicologia desempenha um papel crucial nas mais diversas especialidades médicas, dentre elas, destaca-se a infectologia. A Infectologia é uma especialidade médica dedicada ao estudo, prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas, ela desempenha um papel crucial na compreensão e gestão de infecções causadas por diversos patógenos como príons, vírus, bactérias, protozoários, fungos, parasitas e animais. (NASCIMENTO et al, p.12, 2021).

A complexa interação entre o estado emocional e o sistema imunológico tem sido cada vez mais o objeto de pesquisas da área da saúde, evidenciando a influência significativa da mente sobre a resposta do corpo às infecções. A compreensão de como fatores psicológicos impactam a suscetibilidade a doenças infecciosas e a recuperação após a infecção tem se aprofundado. Para pessoas doentes, por exemplo, o estresse se torna uma reação comum, a experiência de lidar com uma condição médica pode ser avassaladora, tanto física quanto emocionalmente, e o estresse torna-se uma resposta natural a essa carga. O artigo “Delimitando o Conceito de Estresse” explora de forma sutil a temática do estresse e examina como esse fenômeno pode começar a impactar a saúde biológica do indivíduo:

Hans Selye, médico canadense considerado o “pai da estressologia, ao longo de quatro décadas de pesquisas (1936-1976) ampliou os trabalhos de Cannon. Selye descreveu uma reação adaptativa única e geral do corpo quando submetido a agentes estressores, por ele denominada de síndrome de adaptação geral, é caracterizada pela existência de três fases: fase 1. reação de alarme, decorrente da ativação do sistema nervoso simpático em que o corpo fica pronto para enfrentar o desafio; fase 2. resistência, o corpo mantém-se ativado, ainda que num grau menos intenso, de forma a manter seus recursos disponíveis para o embate; fase 3. exaustão, exigido a manter-se ativado por um período mais longo do que aquele que consegue suportar, o organismo entra em exaustão e torna-se vulnerável, há uma queda na capacidade de pensar, de lembrar e de agir, como também na capacidade de resposta do sistema imunológico. (OLIVEIRA, 2012, p.12)

Diante disso, cada vez mais fatores emocionais passam a ser associados a uma menor eficácia do sistema imunológico, tornando os indivíduos mais propensos a contrair infecções e apresentar um curso clínico mais desafiador. O processo inverso também é válido: a presença de uma doença infecciosa, por vezes, desencadeia respostas emocionais significativas. O diagnóstico, o enfrentamento do tratamento e a incerteza em relação ao futuro podem desencadear ansiedade, medo e até mesmo quadros de depressão. Nesse contexto, a psicologia emerge como uma aliada essencial no manejo desses aspectos emocionais.

A adesão ao tratamento é fortemente influenciada por fatores psicológicos. Pacientes que enfrentam resistência, desmotivação ou desconhecimento em relação às orientações médicas podem ter seu prognóstico comprometido. Nesse sentido, o trabalho do psicólogo se torna fundamental para compreender as necessidades específicas de cada paciente, adaptando estratégias que fortaleçam a adesão e a participação ativa no próprio processo de cura. A comunicação eficaz entre a equipe médica, incluindo profissionais da psicologia, e os pacientes é fundamental. A explicação clara dos procedimentos, a gestão das expectativas e o fornecimento de apoio emocional contribuem para um ambiente de tratamento mais humanizado e empático.

De acordo com Simonetti (2004, p. 15) “A Psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”. A intervenção em hospitais deve levar em consideração uma tripla dimensão de intervenção: os pacientes, seus familiares e os profissionais de saúde (Ismael, 2005). Toda doença está cercada de subjetividade, pois todo o indivíduo que se encontra enfermo apresenta repercussões que afetam significativamente a condição biopsicossocial do ser, além do lado espiritual. Nesse sentido, é impossível destituir-se destes aspectos durante o adoecimento. Ademais, a intervenção dos psicólogos no trajeto da enfermidade, pode beneficiar o paciente, ajudando-o a atravessar esta experiência, como também os seus familiares e equipe de saúde.

Em síntese, a convergência entre Psicologia e o cuidado aos pacientes que sofrem de doenças infectocontagiosas, destaca a necessidade de uma abordagem integrada na saúde. A mente e o corpo estão intrinsecamente ligados, e compreender essa interação é essencial para promover tratamentos mais eficazes e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. A integração da Psicologia nas equipes de saúde, especialmente nas áreas de infectologia, representa um passo significativo em direção a uma prática clínica mais abrangente e centrada no paciente. Conforme aponta Straub (2005), em seu livro “Psicologia da Saúde”, o entendimento que uma pessoa possui sobre os elementos que impactam sua saúde e sua disposição para lidar com esses fatores, de maneira geral, está correlacionado de forma positiva com a estabilidade emocional, a atitude positiva e a adesão ao tratamento.

A Psicologia Hospitalar desempenha um papel fundamental nas áreas de infectologia dos hospitais, contribuindo de maneira significativa para o cuidado integral e o bem-estar dos pacientes. A interação entre a saúde física e mental é inegável, especialmente quando se trata de condições infecciosas, onde o impacto emocional pode ser profundo e complexo. A colaboração entre profissionais de saúde e psicólogos fortalece a capacidade dos hospitais de proporcionar um tratamento mais humano, compassivo e eficiente, promovendo a saúde integral dos pacientes.

4 RELATO DA EXPERIÊNCIA E DISCUSSÃO

No dia 18/09/2023, foi conduzida uma entrevista com uma psicóloga hospitalar que atua no maior hospital especializado em doenças infectocontagiosas do Estado de RO. Os casos frequentes de atendimento no nosocômio envolvem o tratamento de doenças como; HIV/AIDS, infecções respiratórias (gripe, pneumonia, tuberculose), infecções gastrointestinais e infecções sistêmicas e doenças tropicais como malária e dengue.

 Inicialmente, a entrevistada descreveu sua jornada desde a formação em psicologia no ano de 2012 até as pós-graduações concluídas, tais como a especialização em gestão de pessoas e psicologia organizacional em 2016, seguidas pelas especializações em TCC e hipnoterapia.

Após esse primeiro momento, ela relatou sobre o início de sua trajetória profissional. Começou prestando auxílio junto à coordenação de pedagogia da Escola do Legislativo e, posteriormente, passou a integrar o quadro de um hospital particular. Mais à frente, iniciou os atendimentos clínicos de forma presencial em home office. Atualmente, não realiza atendimento clínico presencial, dedicando-se semanalmente ao serviço no sistema prisional no período matutino e no hospital de doenças infectocontagiosas no período vespertino.

Quando questionada sobre a preferência entre psicologia clínica e hospitalar, reconheceu que a prática hospitalar difere muito da clínica, e atua na primeira profissionalmente, embora não seja sua preferência inicial. De início, a adaptação ao ambiente hospitalar foi difícil, as primeiras dificuldades surgiram da complexidade do ambiente, onde a urgência e a intensidade dos casos de saúde podem parecer esmagadoras, devido a sua atuação ser na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. O contato inicial com a dor e a vulnerabilidade dos pacientes, assim como a dinâmica rápida e exigente do ambiente hospitalar, não chegou a gerar uma sobrecarga emocional na profissional, mas foi alvo de readequação, tendo em vista que não estava acostumada aquela rotina. A necessidade de equilibrar a empatia e a alteridade para preservar seu próprio bem-estar emocional, é um desafio delicado que enfrentou desde seus primeiros dias.

Além disso, a integração com a equipe médica e outros profissionais de saúde demandou tempo, uma vez que a compreensão da importância da psicologia no contexto hospitalar nem sempre é imediatamente reconhecida. A psicóloga passou a se sentir mais confortável e acolhida ao colaborar com a equipe do setor da UTI, destacando a experiência profissional, cuidado e empatia desta equipe em comparação a equipe de outros setores do hospital. A adaptação às peculiaridades do ambiente hospitalar, como lidar com a urgência, o sofrimento dos pacientes e as hierarquias institucionais, foi um processo conduzido de forma gradual.

A profissional enfrentou estas resistências iniciais, mas, com paciência e persistência, sua presença pode ser integrada de maneira eficaz, contribuindo para a compreensão holística do paciente. Portanto, as primeiras dificuldades enfrentadas pela psicóloga hospitalar se demonstraram intrinsecamente ligadas à assimilação do ambiente, à gestão emocional e à construção de uma base sólida de colaboração com a equipe multidisciplinar. Superar esses desafios iniciais permitiram que a profissional desempenhasse um papel crucial na promoção da saúde mental no contexto hospitalar.

Atualmente, a psicóloga segue atuando no hospital das 13:30 às 21:00, dividindo o atendimento aos leitos com outros 2 psicólogos que trabalham no período vespertino, todos realizam atendimento beira leito e, às vezes, busca ativa de acordo com a demanda. Por possuir uma rotina exaustiva de 12 horas diárias entre estudo e trabalho, sua movimentação entre os locais de trabalho é rápida, com apenas meia hora para descanso e alimentação. Ao chegar na unidade durante seu horário de trabalho, a psicóloga verifica os prontuários dos pacientes que ocupam os leitos previamente designados. Caso haja algum paciente recém chegado em seu setor da unidade no dia, seu primeiro passo é verificar se o paciente está consciente. Em caso afirmativo, realiza a primeira escuta e oferece acolhimento. Se o paciente não estiver acordado, o acolhimento é direcionado à sua família durante o horário de visita ou durante a entrega do boletim diário.

A abordagem da profissional entrevistada, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), se volta para a identificação da matriz do sofrimento psicológico específico do paciente, com o objetivo de minimizar os impactos causados pelo ambiente hospitalar. Durante seu relato, ficou evidente que essa abordagem é frequentemente secundária, uma vez que sua atuação muitas vezes está centrada em auxiliar o paciente na adesão ao tratamento ou no entendimento do prognóstico. Além disso, ela desempenha um papel significativo no fornecimento de suporte aos familiares dos pacientes, especialmente durante o retorno do paciente após o período de intubação, auxiliando o paciente a reconstruir sua consciência em relação a si mesmo e aos eventos ocorridos durante esse período.

Segundo ela, atualmente, um dos desafios mais significativos de sua atuação enquanto profissional de saúde mental é a evasão dos pacientes da UTI que são usuários de entorpecentes; a dificuldade decorre dos sintomas de abstinência. Esta é uma situação recorrente na unidade, pois a maioria dos pacientes é proveniente de grupos em situação de vulnerabilidade social, muitas vezes envolvendo o uso de drogas. Por estarem em situação de rua, esses indivíduos frequentemente desenvolvem doenças pulmonares que requerem cuidados hospitalares; e, manter esses pacientes na unidade para receber tratamento de suas condições médicas, torna-se um desafio diário para toda a equipe multiprofissional do hospital. A psicóloga entrevistada enfatizou a alta taxa de evasão e reincidência entre esses pacientes, o que frequentemente agrava seus prognósticos de saúde. Essa problemática não recebe tanta atenção na literatura especializada em psicologia hospitalar, revelando a realidade cotidiana de cada unidade, sua região e a classe social dos pacientes atendidos.

Para além disso, ela compartilhou conosco sobre o caso de uma jovem de 17 anos que estava na UTI e veio a falecer por complicações em sua saúde. Este óbito causou um grande impacto emocional ao ponto de desestabilizar toda a equipe que estava envolvida, evidenciando os desafios emocionais que ultrapassam os limites do profissionalismo dentro do ambiente hospitalar. Embora a ética profissional não permita que o psicólogo da equipe atenda seus colegas, na dinâmica hospitalar, devido às demandas intensas do ambiente, é comum que a equipe se apoie e colabore diariamente para o bem-estar um do outro, ainda mais em casos de perda de pessoas mais jovens.

Em seu relato a profissional destaca a dificuldade persistente em lidar com o luto, no interior do hospital, onde as histórias de vida se entrelaçam com a incerteza da saúde, com isso ela relata: “A gente sente, mas estamos ali com um foco, podemos sofrer, mas não ali”[sic]. Essa frase ressoa em cada passo, cada encontro com pacientes e suas famílias, neste momento de fragilidade da vida se expõe cruamente, a morte, invariavelmente, faz sua presença, e por vezes, se faz inevitável a auto comparação com a situação, todos da equipe que ali trabalham têm pais, filhos e entes queridos que amam e querem ver bem, não há como não se compadecer para além de seus papéis desempenhados no hospital e não sentir como seria se fossem eles enfrentando essa perda, “como seria se fosse a minha mãe?”[sic] ou “E se fosse o meu filho?”[sic]. Na UTI do hospital, o confronto com o fim é inevitável, em seu relato ela destaca “Morte é morte, os profissionais da equipe sentem, assimilam com as coisas da vida pessoal, desde que concluem a formação acadêmica já são instruídos de que podem e de que vão perder algumas vidas, e mesmo assim, quando este fato ocorre ainda os toca profundamente”[sic].

Na interseção entre a vida e a morte, entre o paradoxo de sentir e, ao mesmo tempo, serem resilientes, a equipe finda por formar um compromisso para com os pacientes, de caminhar ao lado da fragilidade humana, tocando vidas mesmo quando confrontados com a inevitabilidade da partida. Ao mesmo tempo em que cada vida perdida, principalmente dos mais jovens, culmina em uma reflexão de vida, cada sorriso conquistado, mesmo diante das lágrimas, é uma vitória compartilhada. A sala de espera torna-se um santuário de emoções, onde ansiedades se transformam em esperança, e o medo é acalmado pela promessa de cuidado.

Devido a este tipo de situação e, inúmeras outras, presentes no contexto da UTI, a profissional destaca a necessidade de determinação que precisou ter para atuar plenamente no ambiente hospitalar, considerando os desafios diários que surgem, muitas vezes surpreendentes e complexos. Em vista do que fora exposto até aqui, após a entrevista com a psicóloga, tornou-se evidente os desafios existentes no contexto hospitalar, no qual a bibliografia científica corrobora com a experiência prática cotidiana do ambiente hospitalar.

Entretanto, ao confrontar a teoria acadêmica com a realidade operacional das unidades hospitalares, percebe-se a ausência de abordagens específicas, como o elevado número de pacientes usuários de substâncias entorpecentes, um tema pouco abordado na literatura acadêmica. A possibilidade de acompanhar mais de perto essa realidade foi facilitada pela disponibilidade da profissional em compartilhar seus conhecimentos. Destarte, o relato da psicóloga provocou um aumento significativo do interesse na área. A profissional descreveu a psicologia hospitalar como um desafio diário de grande magnitude, mas que culmina em resultados frutíferos no final.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência da psicóloga no hospital de doenças infectocontagiosas, especialmente na abordagem de pacientes usuários de entorpecentes, destaca a complexidade e os desafios enfrentados no ambiente hospitalar. A internação, como mencionado no resumo, desencadeia transformações psicológicas significativas, não apenas nos pacientes, mas em seus familiares e na equipe de saúde. O papel da psicologia hospitalar, neste contexto, emerge como essencial para mitigar o impacto emocional, promover a compreensão do processo de adoecimento e fortalecer vínculos.

A presença crescente do psicólogo hospitalar nas equipes multidisciplinares reflete a evolução da psicologia, que transcende seu papel inicialmente associado apenas à saúde mental. O relato aborda a atuação no hospital de referência em doenças tropicais e

infecciosas, evidencia a versatilidade e amplitude da psicologia hospitalar diante de demandas diversas, incluindo o apoio a pacientes com dependência de substâncias entorpecentes.

A dinâmica de trabalho, descrita minuciosamente na entrevista, revela a intensidade e as exigências enfrentadas pela psicóloga, que se desloca entre o sistema prisional e o ambiente hospitalar, dedicando longas jornadas ao atendimento e estudo. A divisão de leitos entre os psicólogos e a possibilidade de rodízio entre os setores destacam a importância da flexibilidade e da adaptação às demandas específicas de cada contexto.

O relato sobre a perda de uma jovem paciente adiciona uma camada adicional de desafios emocionais, transcendendo os limites do profissionalismo. A necessidade de oferecer suporte não apenas aos pacientes e familiares, mas também à equipe, destaca a natureza intensa e emocional do trabalho no ambiente hospitalar.

Em conclusão, a narrativa da entrevistada proporciona uma visão profunda da realidade da psicologia hospitalar, enfatizando a importância do apoio psicológico diante das adversidades enfrentadas por pacientes, familiares e profissionais de saúde. A evasão hospitalar de usuários de entorpecentes emerge como um desafio crucial, exigindo abordagens inovadoras e estratégias específicas para promover a permanência desses pacientes no ambiente hospitalar.

6 REFERÊNCIAS

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1Docente da Faculdade São Lucas, Porto Velho – RO.

2Discente da Faculdade São Lucas, Porto Velho – RO.

3Discente da Faculdade São Lucas, Porto Velho – RO.