O IMPACTO DA DECISÃO ESTRUTURAL DA ADPF 347 MC E DO RE 641.320 DO STF NO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DO TOCANTINS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10778165


Ciro Rosa de Oliveira


RESUMO

Este trabalho examina o impacto das decisões estruturais da ADPF 347 MC e do RE 641.320 do Supremo Tribunal Federal (STF) no regime de cumprimento de pena privativa de liberdade no estado do Tocantins, destacando a importância dessas decisões na busca por melhorias nas condições carcerárias e na garantia dos direitos fundamentais dos detentos. O objetivo geral é analisar como essas decisões judiciais influenciam a gestão do sistema prisional tocantinense, particularmente em relação à superlotação, à infraestrutura física das unidades prisionais e à oferta de políticas públicas voltadas para a reintegração social dos detentos. A metodologia adotada é bibliográfica, recorrendo à análise de legislação pertinente, julgados do STF e literatura acadêmica relacionada ao tema, permitindo uma compreensão abrangente e detalhada dos efeitos dessas decisões no contexto específico do Tocantins. Os resultados indicam que, apesar das diretrizes proferidas pelo STF visarem à melhoria das condições prisionais e ao respeito à dignidade da pessoa humana, o estado do Tocantins enfrenta desafios significativos para sua plena implementação. A superlotação persiste como um problema grave, exacerbada pela insuficiência de vagas e pela inadequação das instalações, o que dificulta a individualização da pena e expõe os detentos a condições desumanas. Além disso, a falta de políticas efetivas de reintegração social contribui para o ciclo vicioso de reincidência criminal. Conclui-se que, embora as decisões da ADPF 347 MC e do RE 641.320 representem passos importantes na direção certa, é necessário um esforço conjunto e contínuo do poder público para que suas determinações se traduzam em melhorias tangíveis no regime de cumprimento de pena privativa de liberdade no Tocantins.

Palavras-chave: Decisões Estruturais; Sistema Prisional; Reintegração Social

ABSTRACT

This paper examines the impact of the structural decisions of ADPF 347 MC and RE 641.320 by the Supreme Federal Court (STF) on the regime of serving sentences of imprisonment in the state of Tocantins, highlighting the significance of these decisions in the pursuit of improvements in prison conditions and in ensuring the fundamental rights of inmates. The main objective is to analyze how these judicial decisions influence the management of the prison system in Tocantins, particularly regarding overcrowding, the physical infrastructure of prison facilities, and the provision of public policies aimed at the social reintegration of inmates. The methodology adopted is bibliographic, resorting to the analysis of relevant legislation, STF rulings, and academic literature related to the subject, allowing for a comprehensive and detailed understanding of the effects of these decisions in the specific context of Tocantins. The results indicate that, despite the directives issued by the STF aiming at improving prison conditions and respecting human dignity, the state of Tocantins faces significant challenges in their full implementation. Overcrowding remains a severe problem, exacerbated by a lack of spaces and inadequate facilities, which hinders the individualization of sentences and exposes inmates to inhumane conditions. Furthermore, the absence of effective social reintegration policies contributes to the vicious cycle of criminal recidivism. It concludes that although the decisions of ADPF 347 MC and RE 641.320 represent important steps in the right direction, a joint and continuous effort from the public power is necessary for their determinations to translate into tangible improvements in the regime of serving sentences of imprisonment in Tocantins.

Keywords: Structural Decisions; Prison System; Social Reintegration

INTRODUÇÃO

A administração eficaz do sistema prisional e a garantia dos direitos fundamentais dos detentos são desafios constantes enfrentados pelo Estado brasileiro, sobretudo diante das críticas condições de superlotação e insuficiência de infraestruturas adequadas. Nesse contexto, as decisões estruturais da ADPF 347 MC e do RE 641.320, emitidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), surgem como marcos regulatórios com o potencial de influenciar significativamente o regime de cumprimento de penas privativas de liberdade, propondo medidas para a mitigação das adversidades encontradas nas prisões brasileiras. Este trabalho tem como cenário o estado do Tocantins, onde a aplicação dessas decisões se coloca como uma oportunidade de reforma e melhorias no sistema prisional. Assim, a pesquisa é norteada pela seguinte questão: Qual o impacto das decisões estruturais da ADPF 347 MC e do RE 641.320 do STF no regime de cumprimento de penas privativas de liberdade no estado do Tocantins?

O objetivo geral deste estudo é analisar o impacto dessas decisões judiciais sobre a gestão do sistema prisional em Tocantins, considerando aspectos como superlotação, condições físicas das unidades prisionais e implementação de políticas públicas voltadas para a reintegração social dos detentos. Os objetivos específicos incluem: (i) avaliar a extensão da superlotação nas unidades prisionais do estado e suas consequências; (ii) examinar as condições físicas das instalações prisionais à luz das normativas estabelecidas pelas decisões do STF; e (iii) investigar a existência e eficácia de programas de reintegração social dirigidos aos detentos, em conformidade com as diretrizes dessas decisões.

Adota-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, que permite a coleta de dados e informações a partir de fontes secundárias, incluindo legislação pertinente, julgados do STF e literatura acadêmica relacionada ao tema. Esta abordagem metodológica é escolhida por sua adequação ao escopo da pesquisa, que visa compreender as implicações das decisões estruturais do STF no contexto específico do sistema prisional do Tocantins, contribuindo para um debate informado sobre os caminhos para a reforma prisional no Brasil.

2. DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE E A REALIDADE FATICA QUE LEVA À PRISÃO

2.1 DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Com a entrada em vigor da Lei número 2.848, datada de 7 de dezembro de 1940, e a posterior ratificação da Constituição de 1988, a jurisprudência brasileira, após um processo gradual e meticuloso, abandonou práticas punitivas primitivas e abusivas, optando por abordagens inéditas em seu histórico penal. Neste contexto, a Constituição de 1988 estipula, em seu artigo 5º, inciso XLVII, que serão proibidas penas de: a) morte, exceto em situações de guerra oficialmente declarada, conforme o artigo 84, XIX; b) caráter vitalício; c) trabalhos forçados; d) exílio; e) natureza cruel.

Para assegurar a efetivação das normas penais, protegendo os direitos constitucionais fundamentais, o Código Penal estabelece, como descrito em seu artigo 32, os tipos de pena permitidos no país. Estas incluem: penas de privação de liberdade, restritivas de direitos, e pecuniárias. As penas de privação de liberdade implicam no encarceramento do sujeito condenado por um delito penal, submetendo-o a detenção ou reclusão, e, consequentemente, privando-o da sua liberdade. A reclusão é executada em regimes fechado, semiaberto ou aberto, enquanto a detenção, destinada a infrações menos severas, segue em regime semiaberto ou aberto, a não ser que se justifique uma transferência para regime fechado, conforme o artigo 33 do Código Penal. A legislação especifica que a pena de reclusão pode ser cumprida em qualquer dos três regimes, enquanto a de detenção se aplica aos regimes semiaberto ou aberto, exceto em casos de necessidade de mudança para o regime fechado. Define-se o regime fechado como a detenção em unidades de média ou máxima segurança, o semiaberto em colônias agrícolas, industriais ou similares, e o aberto em casas de albergue. A progressão de regime é possível com base no mérito do condenado, mas aqueles sentenciados a mais de 8 anos devem iniciar em regime fechado, não reincidentes com penas de 4 a 8 anos podem começar em semiaberto, e penas menores são elegíveis para o regime aberto, para não reincidentes.

Adicionalmente, conforme Rogério Greco (2017) pontua, “a pena privativa de liberdade é detalhada no preceito secundário de cada crime, contribuindo para a sua personalização”, indicando que cada delito especificado na legislação penal vem acompanhado de uma sanção apropriada, que “facilita a avaliação da proporção entre a pena estipulada e o valor jurídico protegido”. Assim, o juiz deverá determinar o regime inicial de cumprimento de pena após a análise do caso, considerando a extensão da pena sentenciada e a reincidência do réu, caso o ato cometido seja considerado típico, ilícito e culpável.

O artigo 33, parágrafo segundo, do Código Penal Brasileiro estabelece que as penas de prisão devem seguir um processo progressivo, baseado no comportamento do detento, com critérios específicos para a transição entre regimes, salvo casos que justifiquem mudança para um regime mais severo (remissão): a) início no regime fechado para quem for sentenciado a mais de oito anos; b) início no regime semiaberto para réus primários condenados por crimes cuja pena seja menor que oito anos e maior que quatro; c) início no regime aberto para réus primários sentenciados a até quatro anos de reclusão.

As penas alternativas foram criadas com o objetivo de reduzir o encarceramento, mantendo a liberdade do indivíduo. Com a Lei nº 9.714/98, foram introduzidas as atuais penas substitutivas, especificadas no artigo 43 do Código Penal, incluindo: Multa; Confisco de bens; Serviços comunitários; Suspensão temporária de direitos; Confinamento aos fins de semana.

Esta análise limitar-se-á a uma introdução sobre penas alternativas, com uma exploração detalhada prevista para o próximo segmento. Já as penas de multa, no contexto penal, envolvem um pagamento ao fundo penitenciário, com a quantia definida em dias-multa, variando de um mínimo de 10 a um máximo de 360 dias, conforme o artigo 49 do Código Penal, sem exceder 30 salários mínimos na data do crime. O juiz determinará o número de dias-multa, dentro deste intervalo, e estabelecerá o valor de cada dia-multa, que não deve ser inferior a 1/30 nem superior a 5 vezes o salário mínimo. Após a sentença, o prazo para o pagamento inicia-se, devendo ser concluído em até 10 dias após o julgamento final, segundo o artigo 50 do Código. A pedido do condenado, o pagamento pode ser parcelado.

Existem duas categorias de multas: aquelas que acompanham o preceito secundário do delito, demonstradas pelo artigo 155 que define o furto, punível com reclusão e multa; e as substitutivas, que servem como alternativa à prisão. O Código Penal atual, no artigo 44, as considera autônomas, em substituição às penas de encarceramento. Caso a multa não seja paga, sua execução será convertida em dívida, seguindo o procedimento da Lei de Execução Fiscal, perante o juízo penal de execução.

Este tópico dedica-se a uma análise aprofundada sobre as penas de privação de liberdade, enfatizando a percepção de sua ineficácia. Historicamente, o Estado não sempre recorreu à privação de liberdade como castigo por delitos. Na antiguidade, predominavam as penas cruéis ou degradantes, com a detenção do indivíduo servindo mais um propósito processual do que punitivo, visando instilar temor na população (BITTENCOURT, 2010).

Com o passar do tempo, o Estado viu-se impotente frente às penas intimidadoras que aplicava, pois estas já não surtiam o efeito desejado e a reincidência criminal tornava-se cada vez mais comum (BITTENCOURT, 2010).

Contudo, no século XVIII, sob a influência do Iluminismo, começou-se a abandonar as penas severas em favor de métodos correcionais voltados não apenas à punição, mas também à prevenção e à reabilitação do indivíduo. Assim, a privação de liberdade passou a ser adotada como uma sanção estatal, marcando o início da construção de prisões destinadas à reeducação dos condenados. A pena, que antes servia somente para impedir a fuga do condenado, tornou-se a forma primária de punição, com Cesare Beccaria emergindo como um proeminente defensor da dignidade humana (GRECCO, 2013).

No Direito Penal brasileiro contemporâneo, existem três categorias de pena privativa de liberdade: reclusão, detenção e prisão simples, podendo todas ser genericamente referidas como pena de prisão. A prisão simples é destinada às contravenções penais, enquanto as outras duas aplicam-se a crimes propriamente ditos. Destaca-se a importância de não equiparar contraventores a criminosos, dado o caráter menos severo das contravenções, o que justifica sua classificação como “crimes menores” (NUCCI, 2008).

Cada categoria de pena privativa de liberdade tem por objetivo, como o nome sugere, restringir a liberdade do indivíduo, variando em intensidade. A reclusão, considerada a mais severa, pode ser cumprida em regimes fechado, semiaberto ou aberto. A detenção, por sua vez, é realizada em regime semiaberto ou aberto, similarmente à prisão simples. Entretanto, a distinção crucial entre detenção e prisão simples é que, na primeira, é possível a conversão para regime fechado em determinadas situações, possibilidade inexistente na prisão simples (CAPEZ, 2012).

Acerca dos métodos de execução de penas, com ênfase no regime fechado, realizado em estabelecimentos de segurança máxima ou média, destaca-se que o detento é obrigado a trabalhar nas dependências da prisão durante o dia e a permanecer em isolamento no período noturno. No regime semiaberto, o indivíduo condenado é obrigado a trabalhar ao longo do dia e, à noite, deve retornar a uma colônia agrícola, industrial ou local semelhante. O regime aberto, considerado o menos severo, permite que o preso trabalhe fora da instituição prisional durante o dia, sendo requisitado a se recolher em uma casa de albergado à noite. Em todas essas modalidades, a execução da pena segue um critério progressivo, levando em consideração tanto o mérito subjetivo do condenado quanto a duração da pena imposta, esta última um critério objetivo essencial para a obtenção da progressão mencionada (NORONHA, 2009).

2.2 DA SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE LIBERDADE

As penas restritivas de direitos foram incorporadas ao sistema jurídico brasileiro com a Lei nº 7.209/84, que reformulou completamente a Parte Geral do Código Penal. De acordo com a Exposição de Motivos dessa legislação, a iniciativa buscava introduzir uma alternativa inovadora à pena de prisão, cuja eficácia em cumprir seu objetivo principal tem sido questionada globalmente.

O intuito do legislador foi de limitar o uso da prisão aos delitos de maior severidade, atribuindo as penas restritivas de direitos aos crimes menos graves, alinhando-se assim à tendência observada em diversas nações. A ineficácia da pena de prisão como meio de reabilitação do criminoso é um tema recorrente tanto no Brasil quanto no exterior. No entanto, é importante ressaltar que a reabilitação do infrator, via sua reclusão, só seria viável se acompanhada de adequado suporte médico, educacional e espiritual, o que raramente acontece. Portanto, o problema reside não na teoria, mas na implementação prática do sistema, afetada por várias limitações como falta de recursos, incompetência e negligência.

No Brasil, as penas restritivas de direitos frequentemente são referidas como penas alternativas. Contudo, é preciso esclarecer que, na verdade, são penas substitutivas, conforme explicitado no artigo 44 do Código Penal.

Quando a legislação prevê para um mesmo crime a possibilidade de aplicação de duas sanções distintas, deixando a escolha a critério do juiz na hora da sentença, estamos diante de penas alternativas, encontradas em diversos artigos do Código Penal, como a opção entre detenção ou multa, reclusão ou detenção em casos específicos. Diferentemente, as penas restritivas de direitos representam uma substituição da pena de prisão determinada pelo juiz, não constituindo uma escolha entre aplicar ou não a privação de liberdade.

Conforme apontado por Lopes (1999), as penas restritivas de direitos não são alternativas à pena de prisão, visto que esta última é sempre imposta inicialmente. A substituição por uma pena restritiva de direitos não elimina a possibilidade de aplicação da pena de prisão, que pode ser efetivada caso as condições da substituição não sejam cumpridas.

No dia 25 de novembro de 1998, a Lei nº 9.714 foi sancionada e divulgada no Diário Oficial da União no dia subsequente, entrando em vigor de forma imediata. Esta lei marca uma mudança significativa na abordagem das penas restritivas de direitos, expandindo sua aplicabilidade (conforme as alterações nos artigos 43 a 47, 55 do Código Penal) e introduzindo a possibilidade do sursis por motivos de saúde do condenado – o sursis humanitário (de acordo com a nova formulação do artigo 77, § 2º, do CP).

A origem dessa legislação foi uma proposta do Poder Executivo (mensagem nº 1.445, de 24 de dezembro de 1996), impulsionada por uma Exposição de Motivos pelo então Ministro da Justiça Nelson Jobim. O propósito declarado era ampliar as opções disponíveis ao juiz para substituir a pena de prisão, uma iniciativa recomendada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. As modificações introduzidas foram tão profundas que Schaefer Martins (1999), renomado comentarista da lei, reconheceu a inauguração de “uma nova era do direito penal”.

Luiz Flávio Gomes (1999) destaca um princípio geral sob o novo sistema penal: toda sentença que condena por crime doloso à pena de reclusão de até quatro anos deve fundamentar a decisão sobre a possibilidade de sua substituição por uma pena alternativa, considerando a presença dos requisitos legais que tornam tal substituição obrigatória. Isso também se aplica a crimes culposos, que não têm um limite máximo de pena especificado.

A lei estabelece que a substituição da pena de prisão por penas restritivas de direitos depende do cumprimento de critérios objetivos, facilmente identificáveis, relacionados ao tipo de crime, à natureza e quantidade da pena e ao histórico penal do réu. É necessário que o crime não tenha envolvido violência (física ou moral) contra a pessoa. No caso de crimes dolosos, a pena total imposta (considerando agravantes e causas de aumento especial) não deve exceder quatro anos, uma condição que não se aplica aos crimes culposos.

Além disso, o réu não deve ter reincidido em crimes dolosos, com exceção de uma circunstância especial prevista no art. 44 § 3º. Contudo, a lei também exige uma avaliação subjetiva pelo juiz sobre a adequação da substituição, baseada em critérios como culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do condenado, além dos motivos e circunstâncias do crime. Cezar Bitencourt (2002, p.86), analisando o artigo 44, III, enfatiza a importância dessa avaliação criteriosa:

Considerando a grande elevação das hipóteses da substituição, deve-se fazer uma análise bem mais rigorosa deste requisito, pois será através dele que o Poder Judiciário equilibrará e evitará eventuais excessos que a nova previsão legal poderá apresentar”. E prossegue, incisivamente: “diante de sérias dúvidas sobre a suficiência ou substituição esta não deve ocorrer, sob pena de o Estado renunciar ao seu dever constitucional de garantir a ordem pública e a proteção de bens jurídicos tutelados.

Conforme Mirabete (1997) destaca, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos se mostra inapropriada quando, a partir da análise da situação pessoal do condenado durante o processo criminal, fica evidente que este não atenderá às condições e obrigações estabelecidas pela sentença. A capacidade de julgamento do magistrado em cada situação específica é fundamental. Nesse contexto, é relevante recordar as observações de Nuvolone (1975), que critica severamente a liberação de indivíduos perigosos para a sociedade, considerando tal ato uma grave irresponsabilidade e uma traição ao bem-estar social.

2.3 ANÁLISE DAS DECISÕES ADPF 347 MC e RE 641.320

O debate sobre o estado inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro começou na Suprema Corte com a alegação de descumprimento do Preceito Fundamental 347/DF, cujo relator foi Marco Aurélio de Mello. O PSOL, Partido Socialismo e Liberdade, entrou com o processo, alegando que o sistema penitenciário brasileiro estava em uma situação inconstitucional e que as medidas estruturais necessárias tinham que ser tomadas devido à grave violação dos direitos fundamentais dos presos. Ele denunciou o fato de que a situação angustiante das prisões brasileiras é o resultado de ações e omissões de todos os níveis de poder no país.

A discussão convergiu sobre a incongruência entre a solução judicial necessária para a situação deplorável do detido e a limitação das ações institucionais e materiais aos problemas apresentados.

O partido PSOL, além de defender a existência das hipóteses necessárias para o estado de coisas inconstitucional, deduziu que, ao declarar o estado de coisas inconstitucional, a Suprema Corte imporia aos outros poderes do Estado a necessidade de tomar medidas rápidas e essenciais para superar as violações maciças dos direitos fundamentais dos detentos, bem como o controle da aplicação efetiva dessas medidas. Ele disse que, excepcionalmente, a intervenção judicial na área de políticas públicas é tolerável quando há uma necessidade imperiosa de ação do STF, devido a bloqueios institucionais nos outros ramos do governo. Ele acrescentou que a intervenção judicial em questões políticas não prejudica o bom caminho da democracia, desde que vise proteger os direitos fundamentais, especialmente os direitos das minorias, como no caso dos prisioneiros brasileiros.

O partido PSOL defende uma intervenção necessária do judiciário, pois existe uma realidade que denota a ruína total das políticas públicas para a questão das prisões. Ela defende uma intervenção judicial cuja ação deve ser baseada no diálogo e na flexibilidade, contando com a cooperação entre todos os ramos do governo, e que dá aos poderes executivo e legislativo a possibilidade de formular planos de ação para superar o estado de coisas inconstitucional. E cabe à Suprema Corte controlar a fase de implementação, com o apoio dos líderes, dos legisladores e, talvez, com o apoio da própria sociedade civil. Desta forma, o judiciário interviria sem minar o potencial institucional dos outros dois ramos do governo. O autor do original ADPF No. 347/DF apresentou as seguintes cautelares:

Diante do exposto, configurada a verossimilhança das alegações de fato e de Direito constantes nesta ADPF, bem como caracterizada a necessidade de adoção urgente de medidas voltadas ao equacionamento das gravíssimas violações aos direitos fundamentais dos presos brasileiros, em seu proveito e em prol da segurança de toda a sociedade, requer o Arguente, com fundamento no art. 5º da Lei nº 9.882/99, a concessão de medida cautelar, a fim de que esta Corte Suprema, até o julgamento definitivo da ação:

  1. Determine a todos os juízes e tribunais que, em cada caso de decretação ou manutenção de prisão provisória, motivem expressamente as razões que impossibilitam a aplicação das medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.
  2. Reconheça a aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, determinando a todos os juízes e tribunais que passem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão.
  3. Determine aos juízes e tribunais brasileiros que passem a considerar fundamentadamente o dramático quadro fático do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal. Reconheça que como a pena é sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pela ordem jurídica, a preservação, na medida do possível, da proporcionalidade e humanidade da sanção impõe que os juízes brasileiros apliquem, sempre que for viável, penas alternativas à prisão.
  4. Afirme que o juízo da execução penal tem o poder-dever de abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos do preso, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando se evidenciar que as condições de efetivo cumprimento da pena são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica e impostas pela sentença condenatória, visando assim a preservar, na medida do possível, a proporcionalidade e humanidade da sanção.
  5. Reconheça que o juízo da execução penal tem o poder-dever de abater tempo de prisão da pena a ser cumprida, quando se evidenciar que as condições de efetivo cumprimento da pena foram significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica e impostas pela sentença condenatória, de forma a preservar, na medida do possível, a proporcionalidade e humanidade da sanção.
  6. Determine ao Conselho Nacional de Justiça que coordene um ou mais mutirões carcerários, de modo a viabilizar a pronta revisão de todos os processos de execução penal em curso no país que envolvam a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas “e” e “f” acima.
  7. Imponha o imediato descontingenciamento das verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, e vede à União Federal a realização de novos contingenciamentos, até que se reconheça a superação do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro (ADPF nº 347. Petição Inicial).

E, no mérito, além do requerimento da aprovação da cautelares, o autor da inicial do PSOL requereu:

Por fim, espera o Arguente seja julgada procedente a presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, de modo a:

  1. Declarar o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro.
  2. Confirmar as medidas cautelares aludidas acima.
  3. Determinar ao Governo Federal que elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo de 3 meses, um plano nacional (“Plano Nacional”) visando à superação do estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, dentro de um prazo de 3 anos. […]

Submeter o Plano Nacional à análise do Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República, da Defensoria Geral da União, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho Nacional do Ministério Público, e de outros órgãos e instituições que queiram se manifestar sobre o mesmo, além de ouvir a sociedade civil, por meio da realização de uma ou mais audiências públicas.

d. Deliberar sobre o Plano Nacional, para homologá-lo ou impor medidas alternativas ou complementares, que o STF reputar necessárias para a superação do estado de coisas inconstitucional. Nesta tarefa, a Corte pode se valer do auxílio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça.

e. Após a deliberação sobre o Plano Nacional, determinar ao governo de cada Estado e do Distrito Federal que formule e apresente ao STF, no prazo de 3 meses, um plano estadual ou distrital, que se harmonize com o Plano Nacional homologado, e que contenha metas e propostas específicas para a superação do estado de coisas inconstitucional na respectiva unidade federativa, no prazo máximo de 2 anos. Cada plano estadual ou distrital deve tratar, no mínimo, de todos os aspectos referidos no item “c” supra, e conter previsão dos recursos necessários para a implementação das suas propostas, bem como a definição de um cronograma para a efetivação das mesmas.

f. Submeter os planos estaduais e distrital à análise do Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República, do Ministério Público da respectiva unidade federativa, da Defensoria Geral da União, da Defensoria Pública do ente federativo em questão, do Conselho Seccional da OAB da unidade federativa, e de outros órgãos e instituições que queiram se manifestar. Submetê-los, ainda, à sociedade civil local, em audiências públicas a serem realizadas nas capitais dos respectivos entes federativos, podendo a Corte, para tanto, delegar a realização das diligências a juízes auxiliares, ou mesmo a magistrados da localidade, nos termos do art. 22, II, do Regimento Interno do STF.

g. Deliberar sobre cada plano estadual e distrital, para homologá-los ou impor outras medidas alternativas ou complementares que o STF reputar necessárias para a superação do estado de coisas inconstitucional na unidade federativa em questão. Nessa tarefa, mais uma vez, a Corte Suprema pode se valer do auxílio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça.

h. Monitorar a implementação do Plano Nacional e dos planos estaduais e distrital, com o auxílio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça, em processo público e transparente, aberto à participação colaborativa da sociedade civil, até que se considere sanado o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro.

i. Nos termos do art. 6º e §§ da Lei 9.882, o Arguente requer, ainda, a produção de toda prova eventualmente necessária ao deslinde desta Arguição, tais como a requisição de informações adicionais e designação de perito ou comissão de peritos (ADPF nº 347. Petição Inicial).

Na análise da medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, concedeu-lhe, em parte, a criação dos magistrados e tribunais para realizar, no máximo 90 (noventa) dias, audiências de custódia, facilitando o comparecimento do detido perante a autoridade judicial em 24 horas, a partir do momento do encarceramento, e ao Executivo da União para liberar o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (FPN). Por outro lado, a maioria rejeitou as medidas relativas aos pedidos de uma nova interpretação da Lei de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941) favorecendo a restrição da aplicação da prisão preventiva.

A maioria dos juízes do Supremo Tribunal reconheceu o estado inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro. O relator do caso, Marco Aurélio de Mello, identificou a violação sistêmica de muitos direitos fundamentais dos detentos, a situação de graves defeitos estruturais e a ineficiência das políticas públicas para o setor, bem como a necessidade de medidas estruturais, caracterizando o estado inconstitucional da situação. Todos os magistrados concordam que a intervenção do judiciário é indispensável para resolver e erradicar as violações dos direitos fundamentais dos detentos.

A declaração do ECI no sistema penitenciário brasileiro tem sido criticada por muitos juristas que desaprovam o ativismo judicial inerente a esta técnica. Na opinião deles, a declaração do ECI não é legalmente viável no Brasil. As principais críticas podem ser resumidas da seguinte forma: a) risco de banalização e subjetivismo; b) ilegitimidade democrática; c) violação da separação de poderes.

Para Lenio Streck (2017), o risco de banalização e subjetivismo no uso da técnica de declaração da ECI decorre, entre outros fatores, do uso de termos vagos como, por exemplo, “trustees estruturais”, o que abriria uma gama de possibilidades para enquadrar qualquer situação como provável de declarar o estado de coisas inconstitucional, já que o Brasil é um país cheio de defeitos estruturais.

O outro argumento refere-se à ilegitimidade democrática, já que a STF não teria legitimidade para estabelecer e lidar com políticas públicas, já que seus membros não foram eleitos pelo voto popular. Esta tarefa cabe aos poderes executivo e legislativo, cujos membros são eleitos para fazer leis e conduzir políticas públicas como representantes do povo. O Judiciário seria responsável pela aplicação da constituição, leis e outras normas legais, não por reelaborá-las como um legislador positivo (STRECK, 2017).

A terceira crítica é que a declaração da ECI implicaria uma violação da separação de poderes, pois, mesmo que seja reconhecida a possibilidade de um dos três ramos do governo desempenhar funções atípicas, essas funções, precisamente por serem atípicas, exigiriam uma disposição constitucional. Portanto, a formulação e implementação de políticas públicas pelo STF, sem autorização constitucional para exercer esse papel atípico de legislador positivo nesse ambiente, constituiria uma clara violação das funções típicas dos poderes executivo e legislativo.

Neste contexto, a intervenção judicial pode aumentar o diálogo sobre causas e soluções para superar a ECI, e pode ampliar os canais de mobilização social e, conseqüentemente, aumentar a participação política dos cidadãos em torno dos momentos de tomada de decisão nesta matéria (CAMPOS, 2016). Com relação à violação do princípio de separação de poderes, argumenta-se que a crítica decorre de uma concepção estática deste princípio:

As pretensões transformativa e inclusiva da Carta de 1988 requerem, ao contrário, um modelo dinâmico, dialógico, cooperativo de poderes que, cada qual com ferramentas próprias, devem compartilhar autoridade e responsabilidades em favor da efetividade da Constituição e do seu núcleo axiológico e normativo: os direitos fundamentais (CAMPOS, 2016, p. 306)

Conclui-se que as suposições para a declaração da ICE serviriam para reduzir o subjetivismo no uso da técnica da ICE e permitiriam critérios objetivos baseados em uma justificativa detalhada da conformidade, evitando a declaração por vontade individual ou por razões ideológicas.

No mesmo sentido é necessário a análise do RE 641.320, conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, abordou um tema crucial na execução penal brasileira: o cumprimento de penas em regimes menos gravosos quando não há vagas disponíveis em estabelecimentos penais adequados ao regime originalmente determinado. A decisão, tomada em 11 de maio de 2016, tornou-se um marco para a garantia dos direitos fundamentais dos sentenciados, especialmente em relação aos princípios da individualização da pena e da legalidade, previstos no art. 5º, incisos XLVI e XXXIX, da Constituição Federal.

O cerne da controvérsia residia na prática de manter condenados em regime fechado, mesmo quando deveriam cumprir a pena em regimes semiaberto ou aberto, simplesmente pela falta de vagas em estabelecimentos adequados. O STF decidiu que tal prática viola os direitos dos sentenciados, pois impõe um regime prisional mais severo do que o determinado pela justiça.

Para solucionar essa questão, o STF estabeleceu diretrizes claras:

Juízes da execução penal têm a prerrogativa de avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, considerando-os adequados mesmo que não se enquadrem estritamente nas categorias de “colônia agrícola, industrial” ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado”, respectivamente. Contudo, é imperativo que não haja alojamento conjunto de presos de diferentes regimes.

Em casos de déficit de vagas, medidas como a saída antecipada de sentenciados, a liberdade eletronicamente monitorada, e o cumprimento de penas restritivas de direitos ou estudo para aqueles que progridem para o regime aberto, devem ser priorizadas. A prisão domiciliar pode ser concedida até que tais medidas alternativas sejam estruturadas.

A decisão também contém um apelo robusto ao legislador, instando uma reformulação da legislação de execução penal para adequá-la à realidade, sem comprometer os direitos fundamentais dos sentenciados. Esse apelo inclui a adequação dos estabelecimentos penais à realidade contemporânea, a prevenção do contingenciamento de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), e a facilitação da construção de unidades prisionais funcionalmente adequadas.

Adicionalmente, o STF determinou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresente projetos e relatórios visando a estruturação do Cadastro Nacional de Presos, a implantação de centrais de monitoração e penas alternativas, e a redução do tempo de análise para progressões de regime ou outros benefícios. A decisão também estabelece uma interpretação conforme a Constituição para garantir a não restrição de recursos do FUNPEN e sua aplicabilidade em financiar centrais de monitoração eletrônica e penas alternativas.

Em suma, a decisão do STF no julgamento em questão estabelece importantes diretrizes para a execução penal no Brasil, garantindo que a falta de infraestrutura prisional não prejudique os direitos dos sentenciados e promovendo medidas que visam à reintegração social dos presos, alinhadas aos princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana e ressocialização.

3. IMPACTO DAS DECISÕES ADPF 347 MC e RE 641.320 NO ESTADO DO TOCANTINS EM RELAÇÃO AO FUNPEM

3.1 O FUNPEN

O estabelecimento do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) em 1994, conforme determinado pela Lei Complementar nº 79 e proposto por Mauricio Corrêa, Ministro da Justiça da época, tinha como objetivo principal alocar recursos financeiros para a modernização e melhoria da infraestrutura do sistema penitenciário do Brasil. A regulamentação deste fundo, especificada pelo Decreto nº 1093 de 94, delineia a maneira pela qual os recursos devem ser empregados. Conforme interpretado por Conti (apud PIGNATORI, 217, p. 776), o FUNPEN é descrito como uma entidade contábil que faz parte do orçamento fiscal federal, sendo uma fonte vital de financiamento para iniciativas governamentais através de transferências voluntárias para a maioria dos estados federativos, seja por meio de convênios ou contratos de repasse para obras públicas.

No Brasil, a grande maioria das prisões são administradas pelos estados e pelo Distrito Federal, totalizando 1449 unidades, em contraste com cinco estabelecimentos de segurança máxima gerenciados pelo governo federal. Os recursos do FUNPEN são cruciais para o desenvolvimento e manutenção das políticas penitenciárias nestas jurisdições. A legislação que institui o FUNPEN especifica 13 categorias distintas para a alocação desses fundos. A análise destas categorias revela cinco eixos principais, conforme descrito no Relatório Temático do Ministério da Justiça, que incluem: infraestrutura, gestão e equipamento; treinamento de funcionários e pesquisa; suporte a detentos e ex-detentos; e apoio a vítimas de crimes e familiares dos encarcerados. Uma quinta categoria, introduzida pela Lei Complementar nº 119 de 2005, destina-se especificamente a ações voltadas para mulheres, incluindo vítimas de violência doméstica.

Os fundos do FUNPEN podem ser distribuídos por meio de convênios, acordos ou ajustes, conforme estabelecido no § 1º do artigo pertinente, com uma exigência de que 30% dos recursos sejam destinados à construção, reforma, ampliação e melhoria de instalações penais. Uma prioridade é dada aos estabelecimentos penais federais para a aplicação desses recursos. Duas alterações legislativas notáveis afetaram o FUNPEN: a primeira, através da Medida Provisória nº 755, proibiu a limitação de fundos e expandiu suas possíveis aplicações para incluir a segurança pública com um enfoque repressivo; a segunda, com a Medida Provisória 781 de 2017, que foi convertida na Lei 13.500 de 2017, reintroduziu a arrecadação de fundos através de loterias federais, ampliando ainda mais o escopo de aplicação do FUNPEN, apesar de críticas ao seu alargamento de finalidade.

Este segmento merece uma atenção especial devido às modificações legislativas, especialmente ao analisarmos os incisos II, IV, XVII e XVIII, onde é evidente uma distinção das metas iniciais estabelecidas para o fundo. A interpretação dessas disposições legais revela um foco notável no suporte às estratégias de segurança pública, diversificando o uso do FUNPEN para além do âmbito penitenciário, permitindo assim a aplicação de seus recursos em uma ampla gama de áreas vinculadas à política criminal e ao combate à violência.

Em relação ao mecanismo de distribuição de recursos, ou seja, a gestão orçamentária do FUNPEN, é importante salientar que, apesar da clareza na legislação sobre os repasses, as entidades federativas e outros órgãos devem cumprir com os pré-requisitos para firmar convênios. Esse processo burocrático pode dificultar a transferência de fundos, conforme indicado por Rocha (2006). Tal cenário apresenta desafios persistentes para os entes, como a lentidão no processo, inadimplência com o governo federal e a elaboração de projetos que refletem um descuido com o tema. Isso resulta em uma percepção de que os recursos financeiros disponíveis são desperdiçados devido à inércia dos entes (ROCHA, 2006).

É relevante mencionar que, conforme o DEPEN, em 2018 foi repassada a soma de R$ 61.464.281,73 aos entes federativos. Segundo dados do Portal da Transparência, no mesmo ano, foram efetuados pagamentos diretos do fundo no valor de R$ 48.991.462,19. Apesar disso, o FUNPEN dispõe atualmente de R$ 1,2 bilhão, conforme noticiado pelo Jornal a Folha de São Paulo (2019). No entanto, o Ministério da Justiça aponta que, dentre as modalidades de execução orçamentária previstas na legislação, a mais adotada é o repasse para os fundos penitenciários estaduais e municipais, os quais enfrentam diversos requisitos específicos para a efetivação, segundo cada caso. Assim, são destacados os aspectos fundamentais do FUNPEN, ressaltando seu escopo e eficácia. O capítulo subsequente visa ilustrar como os recursos do fundo são empregados no desenvolvimento de políticas públicas destinadas ao aperfeiçoamento do sistema prisional e à reintegração social dos detentos.

3.2 A IN(EFICÁCIA) DO FUNPEN

A criação do FUNPEN não garante automaticamente a distribuição de recursos para todos os estados e entidades federativas, uma vez que esses repasses dependem da formalização de convênios com o Governo Federal. Esses acordos, que estabelecem uma cooperação mútua entre o governo e entidades públicas ou privadas, visam promover interesses comuns. Assim, a alocação de fundos do FUNPEN a tais entidades representa uma forma de descentralização financeira, entendida como uma transferência voluntária através desses acordos. Contudo, para que um convênio seja firmado, as entidades federativas devem atender a determinados critérios, cuja falta de cumprimento pode resultar na impossibilidade de receber tais recursos.

O problema da inadimplência é um dos obstáculos enfrentados pelas unidades federativas, mas a ausência de projetos adequados é, sem dúvida, o principal desafio para a efetivação dos convênios. De acordo com o Ministério da Justiça, o Departamento Penitenciário Nacional estabelece a distribuição dos recursos do FUNPEN com base na proporção entre a população carcerária de cada estado e a população prisional total do país, favorecendo estados com maiores populações prisionais no repasse de recursos.

A negligência de muitos governos estaduais em relação ao sistema penitenciário é notória, considerando-se um tema problemático para políticos e gestores públicos. Isso ocorre porque a sociedade frequentemente percebe os investimentos em prisões como um desperdício, não gerando benefícios eleitorais diretos, ao contrário do combate à criminalidade. Analisando-se a população carcerária do Distrito Federal, por exemplo, percebe-se que as desigualdades socioeconômicas marcam significativamente os detentos, muitos dos quais foram privados de políticas públicas essenciais antes de sua prisão, exacerbando a pobreza e levando ao fortalecimento de um estado penal em detrimento do estado social e econômico. Assim, o detento em condições precárias de encarceramento é duplamente vitimizado, sendo visto como um “descarte social” que deve ser apenas contido.

A abordagem atual da política penitenciária brasileira, focada em mitigar o déficit de vagas prisionais, acaba por intensificar o problema da criminalidade, enfraquecendo a segurança pública. As prisões, transformadas em “fábricas de criminosos”, não abordam as causas fundamentais dos problemas do sistema penitenciário. Embora se busque expandir o número de vagas, pouco é feito para promover a ressocialização dos presos, especialmente em termos de trabalho e educação, mostrando uma resposta insuficiente às verdadeiras questões que assolam o sistema carcerário.

3.3 O FUNPEN no estado do Tocantins

A Nota Técnica n.º 3/2020/COFIPLAC/DIREX/DEPEN/MJ, relativa ao processo número 08016.023547/2019-34, foca na execução orçamentária de 2019 do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN). Revela um compromisso com a transparência e eficiência na alocação de recursos, demonstrando um aumento significativo na execução orçamentária ao longo dos anos. Em 2019, 71% da dotação orçamentária foi empenhada, destacando-se a alocação predominante para os estados e o sistema penitenciário federal. Este documento reflete o esforço contínuo em melhorar as infraestruturas penitenciárias e as condições de segurança, evidenciando a importância da gestão orçamentária no fortalecimento do sistema penitenciário brasileiro.

Os dados apresentados para o ano de 2019 refletem a distribuição detalhada dos recursos empenhados pelo Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) no estado de Tocantins, destacando os principais beneficiários e a alocação específica de recursos para diferentes finalidades dentro do sistema prisional. De forma geral, os Estados receberam a maior parte, 77,96%, do valor total empenhado, enquanto o Sistema Penitenciário Federal acumulou 13,22% do total, evidenciando uma distribuição concentrada de recursos nas instituições estaduais e federais (BRASIL, 2020).

O DEPEN GERAL, que envolve a manutenção e operações gerais do sistema penitenciário, recebeu 5,54% do total empenhado, somando 35.830.000,00 reais. Esse valor foi destinado a diversas necessidades, incluindo manutenção da sede, diárias e passagens, aquisição de blindados e software, contratos específicos (como o contrato com a Caixa Econômica Federal), estudos (incluindo TED para a FUB e mestrado), capacitação, e auxílio moradia (BRASIL, 2020).

Os Estados, como principais beneficiários, utilizaram os recursos principalmente em obras e aquisições para doação, representando juntos quase 292 milhões de reais do total destinado a eles, que foi de 504.230.000,00 reais. Outras alocações incluem fundo a fundo, convênios para capacitação profissional e saúde, monitoração eletrônica e alternativas penais, e emendas parlamentares. O DISPF (Diretoria de Segurança e Disciplina Penitenciária Federal) recebeu 8,15% do total, equivalente a 52.700.000,00 reais, destinados a diárias, aquisições específicas como GPON e munições, missões aéreas indenizáveis, e ressarcimento ao SENASP por diárias (BRASIL, 2020).

Além disso, há alocamentos específicos para a manutenção das Penitenciárias Federais em Campo Grande, Catanduvas, Mossoró, Porto Velho e Brasília, com valores que variam entre 5.300.000,00 e 7.400.000,00 reais, representando juntos aproximadamente 4,07% do total empenhado. O DIPEN SISDEPEN, que refere-se ao sistema de depenização, recebeu 3,28% do total, equivalendo a 21.200.000,00 reais para suas atividades (BRASIL, 2020).

Ao somar todos os valores detalhados, chega-se ao total empenhado de 646.760.000,00 reais, distribuídos de maneira que reflete as prioridades e necessidades do sistema penitenciário no estado de Tocantins, com foco significativo em obras de infraestrutura, aquisições para melhoria do sistema, e manutenção das instalações existentes (BRASIL, 2020).

A Nota Técnica nº 13/2020 do DEPEN apresenta dados sobre a execução orçamentária do FUNPEN no 2º trimestre de 2020. Inicialmente, o orçamento era de 308.159.798 reais, ajustado ligeiramente para 308.136.430 reais. Até 30 de junho de 2020, foram empenhados 98.784.927 reais, dos quais 34.055.132 reais já foram pagos, resultando em uma execução orçamentária de 32%. Esses dados são fundamentais para analisar o uso dos recursos destinados ao sistema penitenciário, refletindo o compromisso financeiro assumido (empenhado) e o valor efetivamente desembolsado (pago) até a data mencionada (BRASIL, 2020b).

Até o final de junho de 2020, foram empenhados R$ 98.784.927 no FUNPEN do Tocantins, correspondendo a 32% da dotação orçamentária. Os Estados receberam 7,69% desse valor, enquanto o Sistema Penitenciário Federal acumulou 42,79%. A maior parte foi alocada ao DEPEN GERAL para diversas necessidades, incluindo manutenção, diárias, passagens, e contratação de serviços, somando 50% do total empenhado. Convênios com os Estados representaram 7,69%. Além disso, recursos significativos foram destinados às penitenciárias federais para manutenção, mostrando uma distribuição focada tanto em operações gerais quanto em melhorias específicas nas instalações prisionais (BRASIL, 2020b).

Até o final de setembro de 2020, foram empenhados R$ 169.964.566 para o FUNPEN em Tocantins, representando 36% da dotação orçamentária inicial, que não incluiu créditos extraordinários. Com a Lei nº 14.037, um crédito suplementar de R$ 164.981.536 foi adicionado à dotação. Dos recursos empenhados, 35% foram para o DEPEN GERAL, cobrindo despesas como manutenção da sede e diárias. Os estados receberam 35% do total empenhado, enquanto o Sistema Penitenciário Federal acumulou 29,83%. A distribuição dos recursos reflete um foco equilibrado entre manutenção, operações e melhorias específicas nas instalações penitenciárias (BRASIL, 2020c).

Até o final de dezembro, foram empenhados R$ 376.743.640 no FUNPEN de Tocantins, atingindo 80% da dotação orçamentária inicial. Os Estados receberam 38% deste total, enquanto o Sistema Penitenciário Federal ficou com 28,25%. Os recursos foram majoritariamente alocados para DEPEN GERAL (34%), com ênfase em manutenção, equipamentos, e estudos. Os estados utilizaram os fundos principalmente em fundo a fundo, construção e modernização de Apacs, e aparelhamento. O DISPF destinou seus recursos para diárias, investimentos, obras, aquisições, e missões aéreas, refletindo um investimento diversificado no sistema penitenciário (BRASIL, 2021).

A Nota Técnica nº 1/2022 detalha a execução orçamentária e financeira do FUNPEN para 2021, indicando um empenho de R$ 571.338.232 de uma dotação atual de R$ 582.538.505, representando diversas ações desde a racionalização do sistema penal até ajuda de custo para moradia. Os estados foram os principais beneficiados, recebendo 81% dos fundos, enquanto o DEPEN GERAL utilizou 8% para manutenção e operações diversas. A distribuição inclui investimentos em infraestrutura, aprimoramento, e operações do sistema penitenciário, refletindo um foco na modernização e suporte ao sistema penal (BRASIL, 2022).

O Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), criado pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, tem como objetivo principal financiar e apoiar atividades e programas de modernização do sistema penitenciário. Ele recebe recursos de várias fontes, incluindo loterias, perdimento de bens, rendimentos e multas. A dotação inicial do Funpen para o ano de 2023 foi de R$ 470.358.564, distribuídos em diferentes ações orçamentárias. Além disso, durante o exercício de 2023, o Funpen teve acesso a um superávit financeiro de R$ 135.450.453,00. No total, a dotação atual do Funpen foi de R$ 605.736.715 (BRASIL, 2023).

Até 30 de junho de 2023, o total empenhado foi de R$ 143.499.196. Detalhando por ação orçamentária, observa-se que para “Racionalização e Modernização do Sistema Penal” não foi empenhado nenhum valor. O mesmo se aplica às ações de “Construção da Sede do DEPEN” e “Construção da Penitenciária Federal em Charqueadas- RS”. A maior parte dos recursos empenhados, R$ 72.205.706, foi para a ação “Aprimoramento do Sistema Penitenciário Nacional”. Quanto à arrecadação, até 30 de junho de 2023, o Funpen recebeu um total de R$ 196.424.559,78. Destes, R$ 21.558.080,12 foram provenientes de perdimento, R$ 122.121.796,76 de multas e R$ 52.744.682,90 de loterias. No primeiro semestre de 2023, foram restituídos cerca de R$ 208.363,94 de valores recolhidos a mais. Além disso, o Funpen recebeu um total de R$ 6.262.485,00 em emendas parlamentares, destinadas principalmente à modernização e aparelhamento do sistema penitenciário (BRASIL, 2023).

4. A SITUAÇÃO PRISIONAL DO ESTADO DE TOCANTINS A LUZ DAS DECISÕES ADPF 347 MC e RE 641.320.

No Brasil, a administração do sistema prisional fica a cargo do poder Executivo, que tem como obrigações alocar recursos financeiros, capacitar funcionários, erguer estruturas prisionais, e desenvolver programas que norteiem as operações dessas instalações, com o objetivo de assegurar a observância da Lei de Execução Penal. Nessa dinâmica, o papel do Judiciário se restringe a monitorar a aplicação penal e verificar o atendimento aos padrões de segurança e saúde (QUEIROZ; GONÇALVES, 2020).

Especificamente no Tocantins, a Secretaria Estadual da Cidadania e Justiça – SECIJU é a responsável pela supervisão do sistema penal, incluindo o sistema socioeducativo da região. Segundo os dados do 12º ciclo do Formulário de Informações Estatísticas do Sistema Penitenciário – INFOPEN, em junho de 2022, havia um total de 4.224 indivíduos cumprindo penas no estado, abrangendo todas as modalidades de regime, até mesmo a prisão domiciliar. Esses detentos estavam alocados em 27 unidades prisionais, com 21 delas destinadas exclusivamente a homens, 4 a mulheres e 2 com caráter misto.

Deste universo, 4.028 são do sexo masculino e 196 do feminino. Em relação à distribuição por raça, cor ou etnia, foram registrados 2.402 pardos, 891 negros, 560 brancos, 59 amarelos e 7 indígenas, perfazendo um total de 81,04% de indivíduos negros (negros e pardos). No aspecto etário, a maior parte dos encarcerados no Tocantins é de jovens adultos, entre 25 e 45 anos de idade. Além disso, destaca-se que a maioria dos prisioneiros não completou o ensino fundamental, totalizando 1.316 indivíduos, sendo 1.273 homens e 43 mulheres (Brasil, 2022).

Por outro lado, existem diversos desafios que afetam a vida nas prisões e impactam significativamente o processo de reintegração social no Tocantins. Conforme o estudo em questão, até a data de coleta dos dados, 1.518 detentos ainda aguardavam julgamento, enquanto são disponibilizadas apenas 822 vagas para detentos provisórios, resultando em um déficit de cerca de 696 vagas para indivíduos ainda não sentenciados (BRASIL, 2022).

No estado do Tocantins, constata-se a existência de 42 vagas disponíveis para o regime semiaberto, contrastando com um total de 774 detentos submetidos a este regime. Além disso, para o regime aberto, identifica-se a disponibilidade de apenas uma vaga. Dessa maneira, infere-se que os detentos tocantinenses não recebem tratamento diferenciado conforme o regime penal a que estão submetidos, sugerindo que estes coabitam em espaços comuns, independente do regime de pena, devido à insuficiência de vagas. Nota-se que, dos 27 estabelecimentos penais existentes, somente seis são classificados como adequados para acolher detentos em regime fechado e um é especificado para o regime semiaberto. Contudo, a análise dos dados revela que quase todas as unidades albergam detentos de ambos os regimes.

Quanto à estrutura física das penitenciárias, foi constatado que 33% delas, ou seja, nove unidades, não foram originalmente projetadas como estabelecimentos prisionais, sendo edifícios adaptados para essa função. Apenas uma unidade prisional dispõe de celas apropriadas para gestantes e, notavelmente, não existe nenhuma com creche ou berçário, embora tenham sido registradas duas detentas lactantes no período do estudo (BRASIL, 2022).

Essas peculiaridades do sistema carcerário no Tocantins destacam a urgente necessidade de elaboração e implementação de políticas públicas focadas na reinserção social dos detentos. A seguir, serão examinados os dispositivos legais que fundamentam os programas de ressocialização em curso nas unidades prisionais do estado.

Apesar dos esforços declarados, a realidade das unidades prisionais no Tocantins permanece distante dos ideais propostos por essas decisões judiciais. A superlotação, a insuficiência de vagas especialmente nos regimes semiaberto e aberto, e a falta de estrutura adequada para categorias específicas de detentos, como gestantes e lactantes, ilustram o descompasso entre a prática e os mandamentos legais.

A ADPF 347 MC, especificamente, exige do Estado medidas concretas para sanar o estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro. No entanto, a discrepância entre o número de vagas disponíveis e o número de detentos, a inadequação das instalações e a falta de serviços básicos evidenciam que o Tocantins ainda luta para atender a essas exigências. O RE 641.320, por sua vez, reforça a necessidade de assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana dentro do sistema carcerário, promovendo condições mínimas de vida para os detentos. A persistência de estruturas inadequadas e a carência de políticas efetivas de reintegração social mostram que o estado ainda não conseguiu implementar integralmente as diretrizes desta decisão.

A situação das unidades prisionais adaptadas, que representam um terço do total no estado e não foram originalmente projetadas para funcionar como tais, aponta para uma das raízes do problema. Estas instalações muitas vezes carecem dos requisitos básicos para a habitação humana segura e digna, comprometendo a saúde e a segurança dos detentos. Além disso, a ausência de espaços dedicados a gestantes e a falta de creches ou berçários nas prisões são indicativos de que as necessidades específicas de determinados grupos de detentos estão sendo negligenciadas. Tal cenário contraria diretamente as determinações das decisões do STF, que chamam atenção para a necessidade de atendimento adequado a todas as categorias de presos.

A questão da superlotação não apenas dificulta a individualização da pena, como também agrava os riscos à saúde dos detentos, aumentando a probabilidade de disseminação de doenças contagiosas. Esse fator, aliado à insuficiente oferta de serviços médicos e de saúde, coloca em xeque a capacidade do estado de garantir o mínimo existencial aos indivíduos sob sua custódia. As políticas de ressocialização, fundamentais para a reinserção social dos detentos, também sofrem com a falta de infraestrutura e recursos. Programas educacionais e de trabalho, essenciais para o processo de reintegração, são limitados ou ineficazes, refletindo a lacuna entre as obrigações legais e a realidade prisional no estado.

Frente a essa situação, torna-se evidente a necessidade urgente de investimentos e reformas estruturais nas unidades prisionais do Tocantins. A adequação às decisões da ADPF 347 MC e do RE 641.320 demanda um compromisso contínuo do estado com a melhoria das condições carcerárias e a efetivação dos direitos dos detentos. Em conclusão, o estado do Tocantins enfrenta um cenário desafiador para cumprir integralmente as determinações do STF relativas ao sistema penitenciário. A superação desses desafios requer não apenas a ampliação da infraestrutura prisional, mas também a implementação de políticas públicas robustas que assegurem o respeito à dignidade humana e promovam a reintegração social dos detentos.

CONCLUSÕES

No Brasil, a administração do sistema prisional é incumbência do poder Executivo, responsável por alocar recursos financeiros, capacitar funcionários, construir infraestruturas adequadas e desenvolver programas que direcionem as operações das instalações prisionais, visando a aderência à Lei de Execução Penal. Este complexo conjunto de responsabilidades sublinha a importância de uma gestão eficaz, que seja capaz de assegurar tanto a segurança quanto a reabilitação dos detentos. Por outro lado, o papel do Judiciário é mais restrito, focando-se no monitoramento da aplicação penal e na verificação do cumprimento dos padrões de segurança e saúde, conforme destacado por Queiroz e Gonçalves (2020).

Especificamente no estado do Tocantins, a Secretaria Estadual da Cidadania e Justiça (SECIJU) exerce a supervisão do sistema penal, o que inclui também o sistema socioeducativo. De acordo com os dados do 12º ciclo do Formulário de Informações Estatísticas do Sistema Penitenciário (INFOPEN), em junho de 2022, o estado contava com 4.224 indivíduos cumprindo penas, distribuídos em 27 unidades prisionais. A alocação desses detentos reflete uma divisão baseada em gênero, com a grande maioria sendo do sexo masculino. A composição demográfica revela ainda uma predominância de indivíduos negros e pardos, além de uma concentração significativa de jovens adultos entre 25 e 45 anos, muitos dos quais não completaram o ensino fundamental.

Os desafios enfrentados pelas prisões no Tocantins e seu impacto na reintegração social dos detentos são numerosos. Dentre estes, destaca-se a questão da superlotação, particularmente entre os detentos provisórios, que aguardam julgamento. O estado possui apenas 822 vagas para esta categoria, enquanto 1.518 indivíduos encontram-se nesta situação, resultando em um déficit considerável de vagas. Essa disparidade entre o número de vagas disponíveis e o número de detentos evidencia um problema crítico que afeta diretamente a gestão penal e a qualidade de vida dos encarcerados.

Além disso, o Tocantins enfrenta uma grave insuficiência de vagas nos regimes semiaberto e aberto, com a maioria dos detentos sendo forçados a coabitar em espaços comuns, independentemente do regime penal ao qual foram submetidos. Tal situação ilustra a falta de tratamento diferenciado e adequado que deveria ser providenciado conforme o regime de pena. Apenas uma fração das unidades prisionais é considerada adequada para acolher detentos em regime fechado, e a situação é ainda mais precária para aqueles em regime semiaberto.

No que tange à infraestrutura física das penitenciárias, uma parcela significativa das unidades no Tocantins não foi originalmente projetada para funcionar como tal. Essa inadequação estrutural compromete a segurança e a saúde dos detentos, limitando severamente a capacidade do estado de proporcionar condições de vida dignas. A ausência de espaços apropriados para gestantes e a falta de creches ou berçários para detentas lactantes são reflexos de uma negligência em atender às necessidades específicas de determinados grupos dentro da população carcerária.

Diante desses desafios, a necessidade de investimentos e reformas estruturais nas unidades prisionais do Tocantins é urgente. A implementação de políticas públicas robustas, que garantam a dignidade humana e promovam efetivamente a reintegração social dos detentos, é crucial. A discrepância entre as obrigações legais e a realidade prisional no estado evidencia uma lacuna significativa que precisa ser preenchida. Somente através de um compromisso contínuo com a melhoria das condições carcerárias e a efetivação dos direitos dos detentos, o Tocantins poderá enfrentar e superar os desafios impostos pelo sistema penitenciário atual.

REFERÊNCIAS

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