REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10724651
Thiago de Sousa Farias1
Talita Raquel Almeida Portella2
Jane Mayra Prates Costa3
Luciana Freitas de Vasconcelos4
Janaína Monteles Aguiar5
Irnis Maria Pereira Matos6
Raissa da Silva Medeiros7
Kelly Maria Pereira Barbosa8
Sielly Sousa Lucena9
Eduarda de Moura Oliveira10
Maria de Fátima Pereira dos Santos11
INTRODUÇÃO
O aborto é um tema de extrema complexidade, pois se situa em uma “zona de conflito” entre diversas áreas e atores sociais. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2003 estimaram a ocorrência de 22 milhões de abortos no mundo em condições consideradas inseguras. Desse número, cerca de 47 mil resultaram no óbito de mulheres; entre as que sobreviveram, cerca de 5 milhões apresentaram algum comprometimento físico ou mental. No Brasil, o aborto inseguro é uma das principais causas de mortalidade materna cujos números chegam a impressionante marca de 11% do total das mortes de mulheres ocorridas na gravidez, no parto ou no pós-parto. (WORLD HEALTH ORGANIZATION [WHO], 2003).
A trajetória das mulheres na busca por seus direitos provém de décadas atrás. Entre esses direitos está o acesso aos serviços e ações de saúde de qualidade, o que não acontece efetivamente no Brasil, mesmo após a implantação de políticas públicas que incluem a saúde sexual e reprodutiva das mulheres. No Brasil, a saúde da mulher foi inserida nas políticas nacionais de saúde nas primeiras décadas do século XX, sendo, neste período, restrita às demandas referentes à gravidez e ao parto. Os programas materno–infantis, criados nas décadas de 1930, 1950 e 1970, traduziam uma visão limitada sobre a mulher, baseada em sua especificidade biológica e no seu papel social de mãe e doméstica, responsável pela criação, educação e cuidado com a saúde dos filhos e demais membros da família (BRASIL, 2007a).
Historicamente, a posição reservada às mulheres, no que se refere às normas sexuais e reprodutivas, era um dos pontos de maior tensão no momento da elaboração e da aplicação de leis e políticas. Geralmente, estas leis e políticas estabeleciam mais restrições à liberdade sexual e reprodutiva feminina, justificadas como necessárias para a reprodução e o desenvolvimento saudável da população (VENTURA, 2009). Em se tratando dos direitos das mulheres, especificamente os relacionados à saúde sexual e reprodutiva, é importante enfatizar que o planejamento familiar, inserido nas Estratégias de Saúde da Família, precisa realizar ações direcionadas à saúde integral da mulher, não a restringindo ao seu papel social de procriação, mas também abrangendo a prevenção da gravidez indesejada, que, por conseguinte, pode desencadear o aborto induzido.
O ato de abortar de forma insegura pode ser considerado uma injustiça social. Índices de mortalidade decorrentes do aborto, na maioria das vezes, refletem mulheres solteiras ou separadas judicialmente. As desigualdades dos efeitos danosos da clandestinidade e da criminalização do aborto atingem principalmente a parte mais vulnerável da população, de mulheres pobres e negras, com baixa escolaridade; as mais jovens e aquelas com menor acesso à informação. Além disso, quando se trata da razão de mortalidade materna por aborto, em relação às mulheres negras, obtém-se 11,28/100 mil nascidos vivos, ou seja, duas vezes mais do que em relação às mulheres brancas (MARTINS; MENDONÇA, 2005).
Tratando-se da ilegalidade do aborto no Brasil, verifica-se que esta favorece o ganho ilícito de pessoas com manobras abortivas e a sociedade permanece enraizada em ideologias favoráveis à criminalização apenas das mulheres, não analisando quem elas são, o risco de morbidade e mortalidade ao praticar o aborto, a eficácia de programas de planejamento familiar e as iniquidades existentes no contexto social do qual as mesmas fazem parte (SOUZA; DINIZ; COUTO, 2010).
A MULHER NO CONTEXTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA: BREVE ANÁLISE
Historicamente a mulher sempre teve um papel secundário na sociedade. Em muitos momentos foi marginalizada e vista somente para cuidar do lar, do marido e dos filhos. O homem era o único fornecedor de renda para as necessidades do lar, portanto, não pertencia à mulher o direito de trabalhar fora para o sustento do lar. Com o direito ao voto somente em 1934 a mulher começou a se inserir nas decisões sociais e, somente devido a primeira e segunda guerra mundial foi permitida a sua inserção no mercado de trabalho: muitos homens não retornaram da guerra e muitos do que retornaram estavam incapacitados para o trabalho em função da amputação de algum membro. A partir de então, a mulher passou a ser capacitada e determinada para o trabalho (SCHLICKMANN e PIZARRO, 2013).
Sendo motivada pela escassa mão de obra, a inserção da mulher no mercado de trabalho, principalmente no mercado fabril, resultou em muita exploração e humilhação, pois além da submissão a carga horária de até 18 horas por dia, as mulheres, por muitas vezes, eram espancadas e recebiam salários até 60% menores do que se comparado aos dos homens.
A situação da mulher no mercado de trabalho foi percebida por algumas mulheres, que já se identificavam com alguns movimentos feministas que vinham se expandido pelo mundo desde o começo do século. No Brasil, o movimento feminista vinha crescendo e tomando força devido a Ditadura Militar, mas já tinha um histórico devido a luta pelo sufrágio na década de 20, no Nordeste do país (MENDES, VAZ e CARVALHO, 2015).
Assim, a mulher com o trabalho assalariado assentiu a sua autonomia, onde percebeu que poderia concorrer potencial e racionalmente com os homens em vagas de trabalho. O movimento feminista nos anos 70 despertou na mulher o avanço dos limites impostos, no entanto, a maioria das brasileiras acumula o trabalho remunerado, ao trabalho doméstico não pago, gerando a sobrecarga da dupla jornada. É notório que algumas dessas tarefas são divididas entre marido e mulher, mas o envolvimento masculino não é considerado uma divisão e sim uma participação (SILVA e LIMA, 2012).
Com todas essas mudanças, a mulher buscou pelos seus direitos, de liberdade, políticos, sexuais e reprodutivos e, atualmente, existem grandes debates referente a estes assuntos. Segundo Prá e Epping (2012), a sociedade utiliza de reivindicações em esfera internacional, para a proteção de seus direitos, dentre eles os civis, políticos, culturais, sociais, sexuais e reprodutivos.
ABORTO E SEUS ASPECTOS LEGAIS
O aborto é um dos temas mais discutidos atualmente entre profissionais da área da saúde, buscando informações e conhecimento científico para explicar o porquê de tal fato ocorrer entre as mulheres. É considerado precoce quando ocorre antes da 13ª semana e tardio entre a 13ª e a 22ª semana de gestação (DOMINGOS E MERIGHI, 2010). Atualmente no Brasil, o aborto é um ato comum e bastante praticado entre as mulheres brasileiras. Segundo Diniz e Medeiros (2012), uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já realizou pelo menos um aborto, sendo o método mais utilizado, o medicamentoso.
De acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de abortos subiu de 50 milhões, entre os anos de 1990 e 1994, para 56 milhões entre os anos 2010 e 2014 (SEDGH et al, 2016). No Brasil, o aborto é considerado ilegal, sendo permitido somente na impossibilidade de outros meios de salvar a vida da gestante, em casos de estupro, incesto ou até mesmo em casos de má formação do feto. Denotado como ilegal, o aborto provocado se tornou um grave problema nacional de saúde. Por ocorrer em situações precárias, ocasiona complicações para as mulheres e, em alguns casos, óbitos maternos. Domingos e Merighi (2010) afirmam que o abortamento é responsável por 11,4% do total das mortes maternas e por 17% das causas obstétricas diretas nas capitais brasileiras.
No ano de 2000, foi aberta a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Mortalidade Materna, com o objetivo de pesquisar e levantar dados que mostrassem os motivos pelas quais tantas mulheres vinham a óbito nessa fase. Em 2010, ocorreu no Brasil a 11ª Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e Caribe, onde os países participantes assinaram o acordo chamado Consenso de Brasília. Segundo Almeida e Bandeira (2013), foi assumido como responsabilidade pelos países participantes a promoção da igualdade de gênero, autonomia das mulheres e diminuição da mortalidade materna.
Apesar do comprometimento do Brasil com a criação de diversos programas que visam melhorar a saúde da mulher, o número de complicações após o abortamento ilegal ainda é alto. Em 2015, o Sistema Único de Saúde (SUS), atendeu mais de 181 mil mulheres após realização de aborto (DINIZ, MEDEIROS, MADEIRO, 2016).
A globalização e o acesso à internet facilitaram o acesso das mulheres ao mercado medicamentoso contribuindo para a elevação da prática do aborto ilegal. Nos anos de 1990, o lançamento no mercado do medicamento, que tem o misoprostol como princípio ativo, facilitou o processo de abortamento de modo que as mulheres apenas o finalizam com uma curetagem em qualquer instituição hospitalar (DINIZ e MEDEIROS, 2013).
No cenário político, o tema ganhou notoriedade nas eleições no ano de 2010, onde “a sociedade civil manifestou-se, sob diferentes vozes, a favor da descriminalização do aborto” (ALMEIDA e BANDEIRA, 2013, p. 377), em oposição os cenários cultural e religioso, nos quais o Brasil se embasa há muitos anos. Ainda nos dias de hoje, relatam Diniz e Medeiros (2013), às Igrejas interferem na legislação brasileira e nas práticas políticas.
Além destes cenários, a ilegalidade do aborto traz consigo, o prisma lucrativo. Para Domingos e Merighi (2010), a clandestinidade permite que as pessoas que participam do ato fiquem impunes e neste contexto, quem tem maior poder aquisitivo e financeiro obtém atendimento especializado, em detrimento dos menos favorecidos, que procuram estabelecimentos rudimentares e vulneráveis às complicações, em função da falta de estrutura mínima para o procedimento.
Durante o século XX, assuntos referentes à saúde da mulher ganharam espaço nas políticas nacionais de saúde do Brasil, cujas ações até então eram privadas se fossem contra suas gerações. Até então, as mulheres tinham a possibilidade de escolher ter um filho ou não, ou seja, as mesmas eram resignadas a uma cultura de reprodução (ANJOS et al, 2013).
Nos anos 90 muitas reuniões foram realizadas ONU referentes aos direitos das mulheres, direito universal, no intuito de reformular as leis que de alguma forma impedem a mulher de ser responsável pelo seu próprio corpo, mediante a dúvida do aborto. A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, consumada no ano de 1995, ressaltou a importância do aborto seguro, reduzindo os riscos de vida da mulher quando a mesma procurava métodos impróprios para evitar a gestação. Nessa época, Cairo e Pequim foram as cidades que mais enfatizaram a importância de uma atenção exclusiva à saúde da mulher (SANTOS e BRITO, 2014).
Em decorrência desta e outras conferências, vários países legalizaram a prática do aborto, contando com equipes preparadas em hospitais e clínicas para atenderem as mulheres e realizarem o procedimento. No entanto, o Brasil demonstra outra realidade: o aborto é considerado criminoso de acordo com o código penal brasileiro desde 1940 até os dias de hoje (ALMEIDA et al, 2012).
O aborto no Brasil, por tratar-se de um crime contra a própria vida da gestante, enquadra-se nos artigos 124 ao 127 do Código Penal, assim disposto: “Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lhe provoque”; “Provocar aborto, sem o consentimento da gestante”; “Provocar aborto com o consentimento da gestante”; “As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte” (WIESE e SALDANHA, 2014).
Os autores acrescentam que o que se procura proteger no crime de aborto é a vida do feto, por sua vez, consolidada na implantação do ovo na cavidade uterina. Existem situações em que o aborto está previsto no Código Penal como legal, expressas no artigo 128 (SILVA, DINIZ e NETO, 2013). São elas: – 1) na ocorrência de risco à vida ou à saúde da gestante; 2) se a gravidez é resultante de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; 3) se comprovada anencefalia ou graves e incuráveis anomalias do feto que inviabilizam a sua vida no ambiente extrauterino, situações estas, atestadas por dois profissionais médicos; 4) se constatado, por médico ou psicólogo a ausência de condições psicológicas para o exercício da maternidade. Havendo consenso, por parte da gestante, o aborto poderá ocorrer até a décima segunda semana da gestação.
O sigilo que permeia este assunto exige ainda um paradigma entre os profissionais da saúde, sobretudo quanto ao estado de saúde de uma paciente e a denúncia de um aborto provocado. A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Aborto (NTAHA) recomenda que a mulher em processo de abortamento deve ser atendida de forma humana, não se admitindo qualquer discriminação ou restrição ao acesso à saúde (BRASIL, 2011). Por sua vez, o Código de Ética profissional do Enfermeiro, assegura ao mesmo o direito de abstenção de revelar informações confidenciais de que tenha conhecimento em razão de seu exercício profissional a pessoas ou entidades que não estejam obrigadas ao sigilo (artigo 81); bem como o dever de manter segredo sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade profissional, exceto casos previstos em lei, ordem judicial, ou com o consentimento escrito da pessoa envolvida ou de seu representante legal (artigo 182).
Um estudo desenvolvido por Wiese e Saldanha (2014) apresentou a opinião dos profissionais da área da saúde (Enfermeiros, Médicos, Psicólogos) e profissionais da área de Direito, que mostram a discussão entre essas duas vertentes: o sigilo que o profissional deve manter e os aspectos legais que regem as normas de atendimento, sendo que alguns profissionais julgam o aborto provocado como uma infração moral grave e outros o defendem como um direito de reprodução da mulher, devendo-se manter o sigilo referente ao estado de saúde atual.
A partir do sigilo profissional, existem também estudos que buscam opiniões de estudantes da área da saúde referente à lei do aborto atual no Brasil. Em um estudo feito com alunos de Medicina e de Direito, encontrou-se um dado significativo de estudantes que defendem a ampliação do que se é permissivo por lei para se interromper uma gestação, pautando-se no fato de que o Código Penal Brasileiro foi promulgado, em 1940, as tecnologias eram mínimas, assim não se existiam meios para o diagnóstico de malformações em vida intrauterina. Na visão dos mesmos, esta perspectiva deve-se alterar devido aos tratados e acordos internacionais nos quais o Brasil está engajado, tendo como objetivo a promoção do acesso das mulheres para garantir o direito à saúde e a vida de forma integral (MEDEIROS et al, 2012).
Por fim, os profissionais da saúde dizem que independente das alterações ou modificações que os profissionais de diversas áreas julgam necessário, medidas socioeducativas seriam primordiais para a mulher, e não somente visando a denúncia ou medidas punitivas, afinal, punição de caráter moral marcam essas mulheres que recorrem ao serviço de saúde apresentando complicações após abortamento inseguro (WIESE e SALDANHA, 2014).
COMPLICAÇÕES DO ABORTO
O interesse por um procedimento ilegal não gera o questionamento nas mulheres que procuram clínicas clandestinas para realizarem um aborto, levando-as para um procedimento que poderá gerar complicações graves e em muitos casos irreversíveis. Lima e Pereira (2015) relatam que 13% das mulheres que praticam um aborto ilegal evoluem para óbito materno decorrente as complicações geradas.
O Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do ano de 2011 mostra que 4,8% do total de óbitos maternos foram decorrentes as complicações de um aborto ilegal. Para Bitencourt e Santos (2013) os casos de abortamento ilegal constituem a terceira causa de morte materna no Brasil.
Entre as complicações mais graves e críticas que conduzem a mulher para um atendimento intensivo estão as hemorragias e o choque hipovolêmico, por sua vez intimamente ligados, sendo que o choque é causado após um sangramento extenso ou perda sanguínea súbita e rápida. A perda excessiva de sangue do corpo não permite que os mecanismos compensatórios estabeleçam o volume de sangue adequado, ocasionando complicações secundárias como os distúrbios eletrolíticos, ácido-base e a hipoperfusão. Essas alterações podem acontecer de uma forma muito rápida, carecendo de cuidados intensivos e rápidos para uma restauração fisiológica (BITENCOURT e SANTOS, 2013).
Frente a essas complicações graves e que necessitam de atendimento imediato, 20% das mulheres que abortam procuram os serviços de saúde e acabam sendo internadas nas unidades de cuidados críticos, como Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Centro Cirúrgico (BORSARI, et al, 2012).
Os quadros de sepse podem ser agravantes quando se realiza um abortamento com introdução de materiais rígidos não esterilizados no canal vaginal, causando perfurações uterinas, infecções e peritonite. Além desses materiais, algumas substâncias químicas podem ser colocadas dentro da cavidade uterina, gerando necrose miometrial e proliferação bacteriana. A partir desses procedimentos, as complicações podem ser graves precurssionando um quadro de sepse. Bitencourt e Santos (2013) afirmam que mais de 50% das infecções ocorridas após a realização do aborto documentadas em UTI são decorrentes de bacilos gram-negativos, o que significa que são infecções mais graves e mais resistentes a antibióticos.
Entre todas as complicações citadas até o momento estão algumas alterações de sinais vitais e sintomas que a mulher poderá apresentar tais como, hipotensão, insuficiência cardíaca, Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), insuficiência renal, coagulação disseminada e alterações neurológicas, como sonolência, obnubilação e coma (BITENCOURT e SANTOS, 2013).
Um estudo integrativo realizado no ano de 2016 mostrou que as complicações mais frequentes são as infecções (77%), necessidade de transfusão sanguínea (15,6%), choque séptico ou hipovolêmico (8,2%) e sepse relacionada ao aborto (2,5%), sendo que 4,9% das mulheres foram a óbito e quatro mulheres foram submetidas a procedimento cirúrgico, tais como: laparotomia, histerectomia e correção de lesão vaginal (ARAUJO et al, 2016).
Em casos mais raros, encontram-se complicações que afetam outros órgãos e sistema do corpo, gerando complicações mais graves e de difícil abordagem. Em uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro com mulheres que sofreram complicações após a realização de abortamento, foram descritos os relatos de mulheres que tiveram rins e intestino perfurados e passaram diversos dias em coma (HEILBORN et at, 2012).
Além das complicações fisiológicas, encontram-se as complicações que atingem a saúde mental da mulher. Sell et al (2015) descrevem que uma das maiores consequências é a integridade mental dessas mulheres que recorrem ao aborto de forma insegura diante das dificuldades do enfrentamento de uma gestação indesejada, gerando uma mistura de sentimentos de alívio e culpa, medo de morrer, medo do castigo de Deus, arrependimento, dor psicológica, existencial e vergonha de outras pessoas, levando a crises de ansiedade e uma provável depressão.
Para Romio et al (2015), a saúde mental é compreendida como um todo, isto é, a integralidade de seus direitos: de reproduzir-se, relacionar-se sexualmente, acesso garantido ao atendimento de saúde, educação, segurança e entre outros. As complicações psicológicas do abortamento acarretam um sentimento e uma experiência muito traumática, deixando incertezas, conflitos, arrependimento do ato e problemas psicológicos abalados por toda vida (RIBEIRO E BOLPATO, 2013).
Uma pesquisa com mulheres residentes na Bahia revelou que o processo de abortamento ilegal é doloroso desde o momento de descoberta da gestação até o momento de decisão de abortar e visto esta complexidade apesar de avanços nos debates e discussões do assunto, é necessário ampliar a reflexão entre os profissionais de saúde para melhorar a atenção as complicações geradas pelo aborto (ANJOS et al, 2013).
As alterações de saúde mental estão presentes no dia a dia da equipe de enfermagem nas diversas especialidades e atendimentos. O aborto ilegal é um evento singular e único que gera intenso sofrimento físico e existencial, podendo gerar diminuição da autoestima, alterações comportamentais favorecendo o uso de drogas e álcool, além de alterações familiares (ZEFERINO e FUREGATO, 2013).
O sentimento de culpa e depressão manifestam-se quando a mulher se depara com sentimentos inaceitáveis perante a situação que está vivenciando. Deste modo, a culpa e a angústia são projetadas, causando distúrbios emocionais e duradouros, podendo ocasionar isolamento social, distúrbios nos sentimentos e em formas mais graves o problema se torna patológico, sendo necessária, em muitas vezes, a hospitalização (RIBEIRO e BOLPATO, 2013).
Sell et al (2015) declaram que ao praticar o aborto, a mulher fica vulnerável à divergência na imagem criada pelo senso comum, ou seja, de que são mulheres frias e destituídas de sentimentos. Desta forma, mulheres que passam pela experiência de um aborto ilegal, vivenciam uma situação crítica e complexa, permeada por certezas e incertezas, conflitos e contradições culturais, ocasionando sequelas no período que sucede o aborto, que produzirão complicações em sua saúde mental e física (RIBEIRO e BOLPATO, 2013).
CONCLUSÃO
A ilegalidade do aborto e sua criminalização dificultam o alcance de números reais e fidedignos sobre a sua complexidade e a dimensão das complicações geradas pelo ato. A lei que pune o aborto ilegal não minimiza as ocorrências e, por isso, não protege a integralidade da saúde da mulher, haja vista a persistência das taxas de complicações, morte materna e consequências graves geradas pelo procedimento.
Por tratar-se de um assunto polêmico e muito presente nos dias atuais é fundamental a sua inserção na formação acadêmica e profissional dos enfermeiros, para que os mesmos possam oferecer uma assistência planejada e humanizada nas complicações fisiológicas e mentais que o aborto causa na mulher, evitando a morte desta paciente.
Ao realizar um aborto, a mulher vivencia diversos sentimentos. A perda desta oportunidade para a abordagem desta mulher, de forma integral, contribui para o agravo do problema. A assistência humanizada é imprescindível para a atuação do Enfermeiro, tendo como ênfase o respeito pelos fatores psicossociais que envolvem a mulher; situação está que requer do mesmo, qualificação para identificação de complicações fisiológicas e mentais e atuação ágil e com sublimidade, baseada em conhecimentos, contribuindo para a diminuição das complicações e favorecendo uma recuperação ampla e integral desta mulher após o abortamento.
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1 Acadêmico de Enfermagem pela Universidade Ceuma. E-mail: thiagodesousafarias57@gmail.com. Imperatriz- MA
2 Acadêmica de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão. SÃO LUÍS-MA. E-mail: talitaportella@hotmail.com
3 Enfermeira pela Unisulma. E-mail: mayraprates36@gmail.com. Imperatriz-MA
4 Acadêmica de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. E-mail: luh.yeshua24@gmail.com. Imperatriz/MA
5 Enfermeira pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. E-mail: janamonteles@gmail.com. São Luís-MA
6 Enfermeira pela Faculdade Santa Terezinha – CEST. E-mail: irnis_8@hotmail.com. São Luís/MA
7 Acadêmica de Enfermagem pela Facimp Wyden. Imperatriz/MA. E-mail: raissaenfer2022@gmail.com
8 Acadêmica de Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. E-mail: kelly.barbosa@discente.ufma.br. Imperatriz/MA
9 Acadêmica de Enfermagem pela Universidade Ceuma – UNICEUMA. E-mail: siellysousa21@gmail.com. Senador La Rocque/MA
10 Enfermeira pela Faculdade Estácio de Sá. E-mail: eduardamoura271@gmail.com. Goiânia/Goiás
11 Acadêmica de Enfermagem pela Faculdade Enhanguera. E-mail:fatimasantos121996@gmail.com. Imperatriz/MA