CONSUMO DE ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS ENTRE CRIANÇAS DE 6 MESES A 5 ANOS: ANÁLISE TEMPORAL ENTRE 2015 E 2022 NO ESTADO DO PARANÁ, NA REGIÃO SUL E NO BRASIL

CONSUMPTION OF ULTRAPROCESSED FOODS AMONG CHILDREN FROM 6 MONTHS TO 5 YEARS: TIME ANALYSIS BETWEEN 2015 AND 2022 IN THE STATE OF PARANÁ, IN THE SOUTHERN REGION AND IN BRAZIL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10702621


Maria Angelica Stimer1; Angélica Rocha de Freitas Melhem2; Paula Chuproski Saldan3; Camila Dallazen4; Daniele Gonçalves Vieira5


RESUMO

Objetivo: Analisar a prevalência e a evolução temporal do consumo de alimentos ultraprocessados (AUP) por crianças de 6 meses a 5 anos entre o período de 2015 a 2022, no Paraná, na Região Sul e no Brasil. Métodos: Estudo transversal, realizado com dados presentes no SISVAN Web considerando quatro questões do Formulário de Marcadores de Consumo Alimentar na atenção básica. A análise estatística foi realizada pela regressão linear generalizada de Prais-Winsten.  Resultados: O consumo de AUP foi elevado no Paraná. A tendência temporal foi crescente para o consumo de hambúrguer e/ou embutidos, em todas as regiões avaliadas entre as crianças maiores de 2 anos. O consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas apresentou tendência crescente entre crianças maiores de 2 anos no Paraná. Conclusão: A identificação precoce do consumo de AUP é importante, uma vez que contribui para ações políticas e educacionais, em ambiente familiar, escolar e espaços de saúde.

Palavras-chave: Alimentos Processados; Nutrição da Criança; Ingestão de Alimentos; Pré-escolar.

ABSTRACT

Objective: To analyze the prevalence and temporal evolution of consumption of ultra-processed foods (UPA) by children aged 6 months to 5 years between 2015 and 2022, in Paraná, in the South Region and in Brazil. Methods: Cross-sectional study, carried out with data from SISVAN Web considering four questions from the Food Consumption Marker Form in primary care. Statistical analysis was performed using Prais-Winsten generalized linear regression. Results: UPF consumption was high in Paraná. The temporal trend was increasing for the consumption of hamburgers and/or sausages, in all regions evaluated among children older than 2 years. The consumption of stuffed cookies, sweets or treats showed a growing trend among children over 2 years of age in Paraná. Conclusion: The early identification of UPF consumption is important, as it contributes to political and educational actions, in the family, school and health spaces.

Keywords: Processed Foods; Child Nutrition; Food Intake; Preschool.

INTRODUÇÃO

Durante as últimas décadas, o Brasil enfrenta muitas mudanças referentes à saúde e ao padrão alimentar de sua população.1,2 Essas mudanças são caracterizadas pela passagem de uma sociedade com elevados índices de fome e restrição alimentar, para uma sociedade marcada pela indústria e tecnologia, com maior consumo de alimentos calóricos, representando o que se chama de transição nutricional.3 Aliado ao crescimento tecnológico, o país é marcado pela diminuição da desnutrição infantil e aumento na prevalência do sobrepeso e obesidade em idades cada vez mais precoces.4

Alguns fatores coadjuvaram para o acontecimento desta transição, como, o crescimento da indústria alimentícia produtora de alimentos ultraprocessados (AUP), os quais possuem quantidades elevadas de gorduras, sal, açúcar, conservantes e corantes, e ainda, são alimentos práticos, de fácil consumo, contribuindo para o maior desenvolvimento do sobrepeso e obesidade na população brasileira, atingindo em especial, as crianças.5 Portanto, pode-se correlacionar o consumo precoce e elevado de  alimentos com baixo valor nutricional, como: biscoitos doces e salgados, macarrão instantâneo, refrigerantes, sucos artificiais, doces no geral, com o crescimento dos índices de obesidade infantil.7

Um estudo realizado por Santos e colaboradores9 utilizouos marcadores de consumo alimentar indicados pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e demonstrou elevado consumo de AUP por crianças entre 2 e 5 anos, sendo que 52,8% consumiam alimentos como pizza, salgadinhos e/ou hambúrguer de 1 a 3 vezes ao mês, e alimentos como doces e balas, chocolates e/ou biscoitos, eram consumidos respectivamente por 33,3%, 26,9% e 25,9% de 2 a 4 vezes por semana. Freire,10 que utilizou em seu estudo o banco de dados do Sisvan Web, identificou que em 28 municípios do estado da Bahia a prevalência do consumo de bebidas adoçadas (suco natural de fruta com adição de açúcar, refrigerantes e/ou sucos industrializados) por crianças de 2 a 5 anos foi de 53%.

Com a ocorrência de mudanças no padrão alimentar da população, a coleta e acompanhamento dos dados referentes ao estado nutricional dos indivíduos torna-se imprescindível. O SISVAN é um sistema que engloba indicadores de consumo alimentar e antropométricos objetivando informar o estado nutricional da população brasileira assistida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esse sistema contribui para o conhecimento da causa e da gravidade dos problemas de nutrição, identificando os grupos populacionais mais atingidos pelos agravos nutricionais, por meio da avaliação do estado nutricional dos indivíduos, a fim de que se possa intervir precocemente, caso sejam localizados desvios nutricionais, como desnutrição, sobrepeso e obesidade.7,8 

Existem duas maneiras de realizar a coleta e o monitoramento da situação alimentar e nutricional dos indivíduos. Uma das formas, é realizando a avaliação do consumo alimentar de determinados alimentos. No ano de 2015, foi acrescentado ao SISVAN, uma revisão dos formulários de avaliação de marcadores do consumo alimentar da população brasileira, com intuito de atualizar os formulários disponibilizados desde o ano de 2008, os quais têm o objetivo de identificar os marcadores de alimentação saudável e não saudável, possibilitando a realização da Vigilância Alimentar e Nutricional pelos profissionais de saúde.11,12

Os novos formulários de avaliação de marcadores de consumo alimentar indicam a avaliação do consumo de alimentos consumidos no dia anterior, evitando falhas de memória dos indivíduos, sobre quais alimentos consumiram. No SISVAN, encontram-se formulários destinados a crianças menores de 6 meses, crianças entre 6 a 23 meses, crianças entre 2 a 9 anos, adolescentes, adultos, idosos e gestantes. Os formulários destinados às crianças entre 6 a 23 meses e maiores de 2 anos, permitem a identificação de marcadores de consumo não saudáveis, como: embutidos, sucos artificiais, refrigerantes, macarrão instantâneo, bolachas, biscoitos, salgadinhos de pacote e guloseimas e também, de marcadores de consumo saudáveis, sendo eles: frutas, legumes, verduras, carnes e miúdos, feijão e demais leguminosas, cereais e tubérculos.11

Frente ao exposto, vê-se a necessidade de analisar o consumo alimentar das crianças atendidas pela Atenção Primária em Saúde (APS), tendo em vista o processo de transição nutricional enfrentado pela população brasileira, que atinge em grande parte o público infantil.

Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar a evolução temporal do consumo de AUP por crianças entre 6 meses e 5 anos de idade, no período de 2015 a 2022, no estado do Paraná, na Região Sul e no Brasil. 

MÉTODOS

O presente trabalho, trata-se de um estudo ecológico, realizado a partir da análise de dados coletados no SISVAN Web, a versão online do sistema. Os dados coletados e analisados correspondem ao consumo alimentar durante os anos de 2015 a 2022, de crianças atendidas pelo SUS e cadastradas no sistema por profissionais da APS, no estado do Paraná, na Região Sul e no Brasil.

O acesso aos formulários de marcadores de consumo alimentar do SISVAN, é possibilitado, desde 2008, pela Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição (CGAN), porém, no ano de 2015 foi incorporada uma nova versão do módulo de avaliação de marcadores de consumo alimentar, com intuito de adicionar informações atualizadas nesses formulários.12

Em relação ao consumo alimentar, foram coletados dados de crianças entre 6 e 23 meses e 29 dias e, de crianças entre 2 e 5 anos incompletos. Esses dados referem-se aos indicadores do relatório de consumo alimentar disponibilizados pelo SISVAN, e elaborados considerando quatro questões do Formulário de marcadores de consumo alimentar na atenção básica.11

Para todas as faixas etárias, os indicadores analisados foram: “Consumo de alimentos ultraprocessados”, considerando todas as crianças destas faixas etárias que consumiram pelo menos um AUP (hambúrguer e/ou embutidos, como: presunto, mortadela, salame, linguiça, salsicha; bebidas adoçadas, como: refrigerante, suco de caixinha, suco em pó, água de coco em caixinha, xaropes de guaraná/groselha, suco de fruta com adição de açúcar; macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados; e biscoito recheado, doces ou guloseimas, como: balas, pirulitos, chicletes, caramelo, gelatina). Outro indiciador analisado foi: “Consumo de hambúrguer e/ou embutidos” considerando todas as crianças destas faixas etárias, cujo seus responsáveis responderam “Sim” a pergunta: “Ontem, a criança consumiu hambúrguer e/ou embutidos (presunto, mortadela, salame, linguiça, salsicha)?”. “Consumo de bebidas adoçadas” considerando todas as crianças destas faixas etárias, cujo seus responsáveis responderam “Sim” a questão “Ontem, a criança consumiu bebidas adoçadas (refrigerante, suco de caixinha, suco em pó, água de coco em caixinha, xaropes de guaraná/groselha, suco de fruta com adição de açúcar)?”. “Consumo de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados” considerando todas as crianças destas faixas etárias, cujo seus responsáveis responderam “Sim” a questão “Ontem, a criança consumiu macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados?”. “Consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas” considerando todas as crianças destas faixas etárias, cujo seus responsáveis responderam “Sim” a questão “Ontem, a criança consumiu biscoito recheado, doces ou guloseimas (balas, pirulitos, chiclete, caramelo, gelatina)?”.

O relatório de consumo alimentar, então, foi gerado pela combinação das seguintes variáveis: Tipo de relatório (Consumo Alimentar), anos de referência (2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022), mês de referência (TODOS), agrupar por (Estado, Região, Brasil), Estado (PR), Região (Sul), faixa etária (Entre 6 e 23 meses, e, 2 a 5 anos), tipo de relatório (Consumo de AUP, consumo de hambúrguer e/ou embutidos, consumo de bebidas adoçadas, consumo de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados e, consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas), sexo (TODOS), raça/cor (TODAS), acompanhamentos registrados (TODOS), povo e comunidade (TODOS), escolaridade (TODOS).

Posterior a coleta de dados por meio dos relatórios, os mesmos foram transcritos para o programa Microsoft Excel® para análise subsequente. A análise descritiva compreendeu valores absolutos (n), valores relativos (%) e valores de média e desvio padrão dos dados de prevalência dos 5 marcadores de consumo de AUP, demostrados em forma de tabelas.

Em seguida, foi realizada a análise de tendência temporal das prevalências dos 5 marcadores de consumo de AUP, em crianças entre 6 meses e 5 anos, por meio da regressão linear generalizada de Prais-Winsten.13 As variáveis dependentes foram as prevalências dos 5 marcadores de consumo de AUP, e, para a variável independente, foram utilizados os anos da série temporal (2015 a 2022).

Segundo Antunes & Cardoso13 se deve proceder a transformação logarítmica dos valores das prevalências de consumo de AUP por crianças entre 6 e 23 meses e crianças de 2 a 5 anos, com o objetivo de reduzir a heterogeneidade de variância dos resíduos da análise de regressão.

As taxas de incremento anual das prevalências de consumo de AUP, como também seus intervalos de confiança, foram obtidos com a aplicação das seguintes fórmulas.14

Taxa de incremento anual = -1 + 10 x β x 100%
IC 95% = -1+10 (β ± t (0,05;n-1)x EP)

O coeficiente de regressão (β) e o erro padrão (EP) da estimativa beta foram fornecidos pela regressão de Prais-Winsten, e o valor de t foi obtido por meio da tabela da distribuição t de Student bicaudal, com 5% de nível de significância, considerando-se o número de anos da série -18.14,15

A interpretação da tendência temporal foi elaborada por meio da observação do intervalo de confiança, se o valor zero esteve contido no intervalo, a tendência foi tida como estacionária; do contrário, a tendência foi tida como crescente quando a taxa de incremento foi positiva, ou decrescente quando foi negativa.14

Para a análise de regressão de Prais-Winsten foi utilizado o programa estatístico IBM SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 25.0.

O presente estudo não identificou os participantes da pesquisa, uma vez que, utilizou dados secundários de acesso público. Por esta razão, o estudo não necessitou de avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

RESULTADOS

A amostra deste estudo contou com dados sobre o consumo alimentar de 3.011.244 de crianças, abrangendo o estado do Paraná (n = 102.633), a Região Sul do Brasil (n = 297.975) e o Brasil (n = 2.610.636), nas faixas etárias de 6 a 23 meses de idade (n = 1.455.814) e de 2 a 5 anos de idade (1.545.430), entre os anos de 2015 a 2022.

A prevalência do consumo de AUP dessas crianças está descrito na Tabela 1. Apesar de identificarmos uma tendência temporal estacionária, observa-se que 89% das crianças entre 2 e 5 anos, residentes do estado do Paraná consumiram AUP. Valores semelhantes também foram observados na Região Sul (86,63%) e no Brasil (85,63%). Em relação a faixa etária de 6 a 23 meses, também se observa maior prevalência de consumo de AUP (45,38%) no estado do Paraná, em relação a Região Sul (43%) e o Brasil (42,12%).

Tabela 1. Prevalência do consumo de alimentos ultraprocessados e tendência temporal entre os anos de 2015 e 2022, no estado do Paraná, na Região Sul e no Brasil, por crianças de 6 a 23 meses e crianças de 2 a 5 anos.

a) DP: desvio padrão; b) IC: intervalo de confiança; c) VPA: variação percentual anual; d) p: valor de p.

Já em relação à prevalência do consumo de hambúrguer e/ou embutidos (Tabela 2), nota-se que, a tendência temporal foi crescente em todas as regiões avaliadas entre as crianças de 2 a 5 anos de idade.

Tabela 2. Prevalência do consumo de hambúrguer e/ou embutidos e tendência temporal entre os anos de 2015 e 2022, no estado do Paraná, na Região Sul e no Brasil, por crianças de 6 a 23 meses e crianças de 2 a 5 anos.

a) DP: desvio padrão; b) IC: intervalo de confiança; c) VPA: variação percentual anual; d) p: valor de p.

As tabelas 3 e 4, apresentam tendências temporais estacionárias em relação ao consumo de bebidas adoçadas e ao consumo de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados, respectivamente. A tabela 3, revela maior prevalência do consumo de bebidas adoçadas no estado do Paraná, na faixa etária de 6 a 23 meses (30,75%) e entre crianças de 2 a 5 anos (71%), já, a menor prevalência foi observada no Brasil, entre as crianças de 6 a 23 meses (28,13%) e entre as crianças de 2 a 5 anos (64,63%). Concomitantemente, a tabela 4, demonstra resultados análogos, com maior prevalência no consumo de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados no estado do Paraná, e, menores prevalências no Brasil, para ambas as faixas etárias.

Tabela 3. Prevalência do consumo de bebidas adoçadas e tendência temporal entre os anos de 2015 e 2022, no estado do Paraná, na Região Sul e no Brasil, por crianças de 6 a 23 meses e crianças de 2 a 5 anos.

a) DP: desvio padrão; b) IC: intervalo de confiança; c) VPA: variação percentual anual; d) p: valor de p.

Tabela 4. Prevalência do consumo de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados e tendência temporal entre os anos de 2015 e 2022, no estado do Paraná, na Região Sul e no Brasil, por crianças de 6 a 23 meses e crianças de 2 a 5 anos.

a) DP: desvio padrão; b) IC: intervalo de confiança; c) VPA: variação percentual anual; d) p: valor de p.

Ademais, o consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas foi analisado na tabela 5. Compreende-se uma tendência temporal crescente no estado do Paraná, para a faixa etária de 2 a 5 anos, com uma prevalência de 65,88%. Simultaneamente, constata-se maior prevalência entre crianças de 6 a 23 meses, no estado do Paraná (28,50%).

Tabela 5. Prevalência do consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas e tendência temporal entre os anos de 2015 e 2022, no estado do Paraná, na Região Sul e no Brasil, por crianças de 6 a 23 meses e crianças de 2 a 5 anos.+

a) DP: desvio padrão; b) IC: intervalo de confiança; c) VPA: variação percentual anual; d) p: valor de p.

DISCUSSÃO

Os achados de tendência temporal crescente entre as crianças de 2 a 5 anos em todas as regiões analisadas, em relação ao consumo de hambúrguer e/ou embutidos e ao consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas no estado do Paraná, denotam um alerta para o consumo de AUP na fase inicial da vida. Os AUP, quando introduzidos ainda na infância, contribuem para a redução da proteção imunológica, acarretando o aparecimento de alergias, prejudicando os processos de digestão e absorção de nutrientes e, prejudicando o crescimento e desenvolvimento infantil.16,17

A alta prevalência do consumo de AUP identificada no presente estudo corrobora com resultados de um estudo populacional realizado na Região Sul do Brasil.18 O estudo constatou alta prevalência no consumo de AUP em crianças entre 2 e 4 anos e em crianças entre 5 e 9 anos, utilizando dados da plataforma online do SISVAN, e mostrou  prevalência, especificamente no estado do Paraná de 73,5% em relação ao consumo de bebidas adoçadas, 63,5% no que se refere ao consumo de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote e biscoitos salgados, 47,5% de prevalência no consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas e, 41% em relação ao consumo de hambúrguer e/ou embutidos.18 O mesmo estudo demonstrou resultados significativamente maiores no consumo de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote e biscoitos salgados, por crianças entre 2 e 4 anos, na Região Sul do Brasil.18 Ademais, estudo de Lucena e colaboradores,17 salienta sobre o consumo de AUP entre crianças de 6 a 23 meses, nos anos de 2016 a 2018 na Região Sul do Brasil, evidenciando a prevalência de 55%, apresentando média superior ao consumo de AUP no Brasil (52%), corroborando com achados do presente estudo.

Também, paralelamente aos fatos encontrados no presente estudo, alguns autores destacam menores prevalências de consumo de AUP no Brasil (52%), quando comparado às prevalências encontradas nas macrorregiões brasileiras: Norte (56%), Sul (55%) e Centro-Oeste (54%), sendo que, a menor prevalência foi encontrada na Região Nordeste (50%). No que se diz respeito a prevalência do consumo de hambúrguer e/ou embutidos, valores inferiores também foram encontrados na Região Nordeste (12%), quando comparados às demais macrorregiões: Sul (15%), Sudeste, Centro-Oeste e Norte (13%) e ao Brasil (13%).17

O comportamento alimentar infantil é determinado por alguns fatores, sendo eles, socioeconômicos, culturais e familiares, uma vez que, nesta fase, a criança ainda é dependente exclusivamente da mãe ou cuidador.19,20 Contribuindo para estes fatores, o uso do marketing utilizado nas mídias possui o objetivo de formar vínculos e divertir as crianças por meio de desenhos animados, personagens infantis e brindes, empregando como ferramenta uma publicidade considerada invasiva e capaz de prejudicar qualquer hábito alimentar saudável implementado pela família dessas crianças.21

Como referido, o fator cultural pode determinar o comportamento alimentar infantil, e, segundo o Guia Alimentar para a população brasileira,22 a alimentação dos brasileiros é composta em grande parte, por alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias elaboradas com esses alimentos. Também, o consumo de feijão e arroz correspondem a quase um quarto dessa alimentação, acompanhado pelo consumo de carnes de gado ou porco (carnes vermelhas) e carne de frango. No Brasil, a maioria dos indivíduos consome algum tipo de proteína animal, sendo um item cultural geralmente chamado de “mistura” pelos brasileiros e considerado fundamental nas refeições diárias.23 Contudo, com o enfrentamento da pandemia de Covid-19, alterações no consumo alimentar dos indivíduos foram observadas, devido a modificações no abastecimento dos alimentos e fatores relacionados à insegurança alimentar, deixando de ocorrer não apenas a falta de alimentos, mas também, a substituição de alimentos ricos em nutrientes por AUP, geralmente ricos em farinhas, açúcares e gorduras.23,24

Os resultados obtidos neste estudo de tendência temporal crescente em relação ao consumo de hambúrguer e/ou embutidos entre os anos de 2015 a 2022 em crianças de 2 a 5 anos, no estado do Paraná, na Região Sul e no Brasil podem apresentar correlação com a problemática apresentada. De acordo com a pesquisa da Kantar,25 realizada em dezembro de 2022, mostra que o consumo de carne de frango nas refeições principais (almoço e/ou jantar) retrocederam 11% nos últimos 12 meses, em comparação com o ano anterior, como contrapartida, o consumo de linguiça, hambúrguer e salsicha aumentaram 21%, 23% e 27%, respectivamente. Ainda, um estudo que avaliou crianças de menor renda no estado do Rio Grande do Sul demonstrou que os AUP tiveram significativa participação na alimentação, e, entre os mais consumidos, destacaram-se os embutidos, com prevalência de consumo de 42,9%.26

Também, procurando reforçar os achados neste estudo acerca de maiores prevalências do consumo de AUP, no geral acometerem crianças de 2 a 5 anos, quando comparadas às prevalências das crianças entre 6 e 23 meses, em todas as regiões, relaciona-se este fato com a maior autonomia adquirida pelas crianças a partir dos 2 anos de idade. A partir dessa faixa etária a criança possui maior autoconfiança, recusando ou aceitando os alimentos que lhe são oferecidos, além disso, a criança já consome alimentos em pedaços maiores, consumindo geralmente a mesma comida que seus familiares, na mesma consistência. Isso faz com que, os familiares tornem-se um exemplo para as crianças no momento das refeições.22

Além do mais, cabe ressaltar os achados de elevada prevalência no consumo de biscoito recheado, doces ou guloseimas por crianças de 2 a 5 anos residentes no estado do Paraná. Estudo realizado na cidade de Guaratuba-PR, com público entre 2 e 6 anos, verificou significativa prevalência do consumo frequente de doces e guloseimas (71,5%), assim como de biscoitos e bolachas (61,9%) aliada à prevalência de risco de sobrepeso, sobrepeso e obesidade nestas crianças (35,7%).27 Freitas e colaboradores28 ressaltam que a introdução de alimentos açucarados na primeira infância, período que compreende a idade entre 0 e 6 anos, pode interferir de maneira negativa na saúde destas crianças, ocasionando aparecimento de obesidade, diabetes, dislipidemias, o aparecimento de cáries, podendo interferir até mesmo na cognição desta população.

Por fim, vê-se a importância de mencionar o estudo de Koch27, onde se evidencia o elevado consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcares entre crianças de 2 a 6 anos de idade, com prevalência de 71,5% no consumo de doces e guloseimas, 61,9% no consumo de biscoitos e bolachas e, 59% no consumo de refrescos. Paralelamente, desde o ano de 2015, estudo realizado em Porto Alegre – RS, aponta aumento do consumo de AUP de acordo com a idade das crianças estudadas, entre 2 e 10 anos, e, ainda, relaciona o consumo desses alimentos com elevados níveis de colesterol total e LDL-colesterol.29

Cabe ainda, ressaltar as limitações encontradas para a realização do presente estudo. Uma delas refere-se ao número de atendimentos e de registros dos marcadores de consumo alimentar na plataforma SISVAN Web, os quais passaram por uma significativa queda entre os anos de 2020 e 2021. Esta queda é explicada devido a disseminação da pandemia de COVID-19, uma vez que, a partir do mês março de 2020, o Brasil tornou-se epicentro desta doença. Com intuito de minimizar os riscos de contaminação e não prejudicar os sistemas de saúde, os governos dos municípios emitiram decretos de quarentena, com implementações de medidas de restrição e suspensão de muitas atividades presenciais, como os atendimentos não essenciais em Unidades Básicas de Saúde. 

Outra limitação, deve-se a falta de registros na plataforma SISVAN Web, aliado a outro estudo realizado em Belo Horizonte, o qual encontrou resultados referentes a baixa cobertura do SISVAN Web para crianças menores de 5 anos (5,59%), sendo este resultado explicado por alguns problemas enfrentados pelos municípios estudados, como: problemas com a internet, a falta de capacitação para coleta de dados, e a rotatividade de profissionais.30

Dessa maneira, torna-se notável o elevado consumo de AUP por crianças entre 6 meses a 5 anos, bem como o crescente consumo destes alimentos na Região do Paraná por crianças entre 2 a 5 anos, sendo esta a Região de maiores prevalências em relação ao consumo de AUP. Portanto, percebe-se a necessidade de realização de mais estudos e pesquisas futuras, com o objetivo de identificar o consumo precoce de AUP entre o público infantil, para que ações de educação alimentar e nutricional possam ser realizadas em ambiente familiar, escolar e em espaços de saúde. Com a finalidade de reduzir ou ao menos minimizar o consumo desses alimentos, bem como, a incidência de patologias futuras, as quais podem acometer o público infantil devido ao consumo precoce de AUP. Uma vez que, os estudos epidemiológicos contribuem para melhoria da saúde da população, preocupando-se não somente com o controle das doenças e suas causas, buscando exemplificar quais fatores da sociedade influenciam a saúde dos indivíduos e dos grupos sociais. 

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1Universidade Estadual do Centro Oeste, Curso de Nutrição, Guarapuava, PR, Brasil
https://orcid.org/0009-0002-9784-7402 / mariasstimer123@gmail.com

2Universidade Estadual do Centro Oeste, Departamento de Nutrição, Guarapuava, PR, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-1008-1038 / angerocha@gmail.com

3Universidade Estadual do Centro Oeste, Departamento de Nutrição, Guarapuava, PR, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-7994-3375 / pchuproski@unicentro.br

4Universidade Estadual do Centro Oeste, Departamento de Nutrição, Guarapuava, PR, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-9733-9486 / camiladallazen@gmail.com

5Universidade Estadual do Centro Oeste, Departamento de Nutrição, Guarapuava, PR, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-5265-7467 / daniele.gonvieira@gmail.com