NUTRIÇÃO E REABILITAÇÃO NA SÍNDROME DE COTARD: ABORDAGENS PARA MELHORIA DO ESTADO NUTRICIONAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10668674


Marya Eduarda de Souza Costa Melo¹; Keilla Pereira Batista de Menezes²; Mariana Alexsandra de Melo e Silva3; Maria Roseli de Santana4; Marina Matos Uchôa5; Alex Melo de Sales6; Gabriely Gomes da Silva Luz7; Kerollayne Ferreira de Alcantara8; Nathalia Virgínia Lira Silva9; Danielle de Andrade Pitanga Melo10


RESUMO

A Síndrome de Cotard (SC), uma condição neuropsiquiátrica rara caracterizada por delírios niilistas, impactantes ao estado nutricional. Este estudo tem por objetivo avaliar o papel da nutrição e das abordagens clínicas na reabilitação do estado nutricional de pacientes com SC. Trata-se de uma revisão narrativa qualitativa descritiva, utilizando os descritores: “Apoio nutricional”, “Reabilitação” e “Estado Nutricional” nas bases BVS, PUBMED, ELSEVIER JOURNAL FINDER e SCIELO. Foram incluídos artigos publicados entre 2014 a 2024 em português, espanhol, inglês e francês dos quais foram encontrados 254 artigos, selecionando 17 após leitura. A SC associa-se a transtornos mentais, sendo comum em idosos, ligada à depressão psicótica. A nutrição atua na reabilitação, exigindo avaliação nutricional e estratégias comportamentais. A Terapia Cognitivo-Comportamental e a Eletroconvulsoterapia surgem como abordagens eficazes, indicando melhorias, incluindo ganho de peso e melhoria na aceitação alimentar. O estudo destaca a necessidade de uma abordagem integrada para uma melhor resposta ao tratamento.

Palavras-chaves: Apoio nutricional. Reabilitação. Estado Nutricional.

ABSTRACT

Cotard Syndrome (CS), a rare neuropsychiatric condition characterized by nihilistic delusions, can impact nutritional status. This study aims to evaluate the role of nutrition and approaches in rehabilitating the nutritional status of patients with CS. This is a qualitative descriptive narrative review, using the descriptors: “Nutritional support”, “Rehabilitation” and “Nutritional Status” in the VHL, PUBMED, ELSEVIER JOURNAL FINDER and SCIELO databases. Articles published between 2014 and 2024 in Portuguese were included. Spanish, English and French of which 254 articles were found, selecting 17 after reading. CS is associated with mental disorders, being common in the elderly, linked to psychotic depression. Nutrition acts in rehabilitation, requiring nutritional assessment and behavioral strategies. nutrition acts in rehabilitation, requiring nutritional assessment and behavioral strategies. Cognitive-Behavioral Therapy and Electroconvulsive Therapy emerge as effective approaches, providing improvements, including weight gain and improvement in limited eating. The study highlights the need for an integrated approach for better response to treatment.

Keywords: Nutritional support. Reabilitação. Estado Nutricional.

1 INTRODUÇÃO

A síndrome de Cotard, inicialmente identificada pelo neurologista francês Jules Cotard em 1880, é uma rara condição neuropsiquiátrica que manifesta delírios niilistas. Pacientes afetados por essa síndrome podem expressar a convicção perturbadora de que seus órgãos, alma e até mesmo sua própria existência estão ausentes ou em estado de deterioração. Essa condição peculiar oferece insights sobre a complexidade da mente humana e suas manifestações clínicas singulares (Sánchez et al., 2023).

Apesar de levantar questões filosóficas fascinantes e oferecer um modelo dinâmico para novas compreensões dos mecanismos neurocognitivos que fundamentam o sentido corporificado da existência, as causas envolvidas na formação de crenças e os próprios limites da consciência tornam, em grande parte, inexplicado esse fenômeno. Antes de ser difundida e receber o epônimo de Séglas, Cotard nomeou a condição como “délire des négations”, incorporando várias características além da simplificação atual que se resume à crença na própria morte ou inexistência. Esses elementos abrangiam desde uma tendência à oposição a tudo que era dito ou oferecido até a negação da existência de outras pessoas e do mundo exterior, acompanhada por sentimentos de deslocamento e transformações corporais, fenômenos de passividade, identificação equivocada de outros, além de episódios de mutismo e imobilidade (Gomes et al., 2022).

Os sintomas incluem delírios autodepreciativos, ideação suicida, sentimento de culpa e negação de partes do corpo. Além disso, ocorre a falsa percepção de que órgãos estão em putrefação, resultando em comportamentos autodestrutivos, hipocondria, resistência à alimentação e ingestão hídrica que podem comprometer o estado nutricional e a integridade física e mental do indivíduo (Sousa et al., 2020).

Devido à sua raridade, a SC (Síndrome de Cotard) é pouco estudada, e dados quantitativos robustos são escassos. No entanto, há uma tendência geral de ocorrência em pessoas de meia-idade ou mais velhas, embora alguns casos envolvendo indivíduos jovens tenham sido documentados na literatura (Machado; Machado, 2015).

Estudos epidemiológicos atuais, ao considerar a perspectiva sindromática, revelam que a SC é mais frequentemente observada em pacientes diagnosticados com perturbação depressiva, perturbação afetiva bipolar ou esquizofrenia. Ademais, há relatos de casos em pacientes que apresentam patologias orgânicas como neurossífilis, epilepsia, acidentes vasculares cerebrais, tumores do lobo parietal, doença de Parkinson e esclerose múltipla (Sousa et al., 2015).

Conforme exposto, o presente estudo tem por objetivo avaliar o papel da nutrição e das abordagens clínicas na reabilitação do estado nutricional de pacientes com síndrome cotard.

2 PANORAMA DOS ARTIGOS COM FOCO EM SÍNDROME DE COTARD

Trata-se de uma revisão narrativa com abordagem qualitativa descritiva. Para a realização das buscas, os descritores foram definidos através do site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), sendo utilizados os seguintes: “Apoio nutricional”, “Reabilitação” e “Estado Nutricional”. A busca foi realizada nas bases de dados BVS, PUBMED, ELSEVIER JOURNAL FINDER e na biblioteca virtual SCIELO. Foram utilizados como critérios de inclusão: Artigos publicados em português, espanhol, inglês e francês, no período de 2014 a 2024, com texto completo disponível gratuitamente. Foram excluídas as publicações que não se relacionavam à temática do estudo e que apresentavam duplicidade. A coleta dos dados foi realizada no mês de janeiro de 2024. O universo investigado, que compreendeu os periódicos já mencionados, disponibilizou um total de 254 artigos. Os artigos selecionados foram organizados por data de publicação, e posteriormente, realizou-se a leitura integral e excluiu-se os artigos com fuga ao tema em estudo. Dessa forma, somente 17 artigos foram contemplados.

3 REVISÃO DE LITERATURA

Tabela 1 – Distribuição dos estudos referentes à Síndrome de Cotard, segundo identificação do estudo, autores, ano de publicação, tipo de estudo, estratégias e conclusões.

ARTIGO/AUTORTIPO DE ESTUDOESTRATÉGIASCONCLUSÕES
Síndrome de Cotard en trastorno depresivo recurrente: reporte de caso / Cotard Syndrome in recurrent depressive disorder: case report (Ocampo et al., 2021)Relato de casoApresenta-se o caso de uma mulher de 73 anos, natural de Ayacucho, com antecedentes de agressão sexual aos 12 anos e episódios de tentativa de suicídio em duas ocasiões. Foi diagnosticada com depressão aos 40 anos e recebeu tratamento com quetiapina, trazodona e clonazepam.No caso reportado a Síndrome de Cotard aparece dentro de um transtorno depressivo recorrente, em que os sintomas podem variar de acordo com a idade de início, gravidade, duração e frequência dos episódios depressivos. O caso em questão apresentou melhorias significativas a partir do uso de
antipsicóticos e antidepressivos.
Delirios de Cotard»,
descripción de dos
casos. Delirio de
negación en la
melancolía frente a
delirio de negación en
la paranoia
(López, 2022)
Relato de casoNeste estudo, é realizado o acompanhamento de um par de casos nos quais uma semiologia ampla e enriquecedora é evidenciada do ponto de vista descritivo, permitindo revisá-los juntamente com o delírio de Cotard à luz da psiquiatria moderna. O primeiro caso
corresponde a um
transtorno depressivo, e o outro ocorre no contexto de um
transtorno psicótico não afetivo.
As estatísticas complementam as do estudo realizado na China na década de 1990, que avaliou 349 pacientes idosos com distúrbios mentais, dos quais 2 apresentavam síndrome de Cotard (prevalência de 0,57% na população total estudada e 3,2% nos pacientes com depressão maior).
Síndrome de Cotard: A busca pela vida num delírio de morte (Olmi
et al ., 2016)
Revisão de literaturaPara coleta de dados houve a compilação de dados obtidos na revisão de artigos disponíveis na literaturaO desejo de morrer e a paranormalidade apresentaram-se em paradoxo com a ilusão da imortalidade. Além disso, os sintomas podem também estar associados à automutilação, comportamento suicida e alucinações visuais, gustativas e olfativas.
Síndrome de Cotard en un paciente con
Trastorno Depresivo Mayor: A propósito de un caso
(Victoria; Caqui, 2017)
Relato de CasoAnalisou-se o caso de um paciente do sexo masculino, com 71 anos de idade. com registro de um filho com esquizofrenia paranoide e uma filha com transtorno depressivo recorrente. O paciente em questão não apresenta antecedentes psiquiátricos pessoais. Seu nível de funcionamento antes do início da doença era adequado, em conformidade com as crenças culturais familiares, e o mesmo mantinha um bom desempenho em suas atividades laborais.A nosologia da síndrome pode estar relacionada aos sintomas afetivos (depressão psicótica), delirantes (Cotard tipo I) ou resultar de uma combinação de ambos (Cotard tipo II). Isso tem implicações terapêuticas, uma vez que pacientes com síndrome de Cotard, próximos aos transtornos delirantes, provavelmente não respondem adequadamente a
antidepressivos, conforme
recentemente relatado
em um paciente com esquizofrenia que desenvolveu a síndrome. A associação entre a síndrome de Cotard e esquizofrenia pode aumentar o risco de comportamentos autolesivos.
“A ghost doesn’t need insulin,” Cotard’s delusion leading to diabetic ketoacidosis
and a body-mass
index of 15: a case
presentation
(Robertson; Dunn,
2023)
Relato de casoAvaliação clínica e psiquiátrica.Este estudo destaca a importância da identificação precoce da ilusão de Cotard em pacientes com condições médicas, especialmente aquelas crônicas como o Diabetes Mellitus. A interação entre transtornos psiquiátricos e condições médicas pode levar a complicações graves. Recomenda-se a inclusão da triagem para a ilusão de Cotard como parte da avaliação clínica regular, visando melhorar a abordagem integrada e proporcionar cuidados mais eficazes para pacientes com
comorbidades psiquiátricas e médicas.

Fonte: Autores, 2024

Ao examinar a história da síndrome de Cotard, uma análise de 100 casos na literatura científica entre 1880 e 1995 destacou que a maioria das pessoas afetadas apresentava sintomas depressivos (89%), ansiedade (65%) e ideias de culpa (63%). Quando se tratava dos delírios niilistas, era comum encontrar 86% deles relacionados ao corpo e 69% à própria existência. Além disso, 58% dos casos envolviam delírios hipocondríacos, enquanto os delírios de imortalidade foram detectados em 55%. No aspecto alucinatório, 22% dos casos relataram ouvir vozes, e 19% mencionaram experiências visuais (Berrios; Luque, 1992 apud Ocampo et al., 2021, p. 860). De acordo com os achados da literatura, a SC subdivide-se em dois tipos:

Cotard tipo I: Delírios hipocondríacos, delírios niilistas do corpo, conceito e existência. […] Cotard tipo II: Ansiedade, delírios de imortalidade, alucinações auditivas, delírios niilistas da existência e comportamentos suicidas (Ocampo et al., 2021, p. 860).

As estatísticas apresentadas são corroboradas por um estudo conduzido na China na década de noventa, que avaliou 349 pacientes idosos com transtornos mentais. Dentre esses pacientes, 2 foram diagnosticados com a síndrome de Cotard, representando uma prevalência de 0,57% na população total estudada e 3,2% nos pacientes com depressão maior (López, 2022).

Em relação ao desdobramento temporal da síndrome de Cotard, em 1999, foi proposto um sistema de estadiamento com três fases distintas: germinação, florescimento e crônica. Na fase de germinação, os sintomas incluem hipocondria, cenestopatia e humor deprimido, dificultando o diagnóstico. No estágio de florescimento, emergem delírios niilistas e de imortalidade, acompanhados por ansiedade e negatividade. Na fase crônica, dois subtipos são diferenciados: um com distúrbios emocionais persistentes do tipo depressivo e outro no qual os sintomas depressivos perdem proeminência ao tipo paranóide (López, 2022).

À medida que o curso clínico avança, observa-se que o paciente tende a negar a existência de determinadas partes do corpo, iniciando esse processo com a recusa em reconhecer uma área específica. Conforme a condição se desenvolve, emerge a expressão de um desejo pela morte, coexistindo paradoxalmente com a persistente crença na imortalidade. Essa concepção de vida eterna pode estar entrelaçada a outras manifestações megalomaníacas, como delírios de grandiosidade. Os sintomas também estão associados a comportamentos autolesivos, pensamentos suicidas e experiências de alucinações visuais, gustativas e olfativas (Olmi et al., 2016).

Com base nisso, é crucial reconhecer que a nosologia da síndrome de Cotard, seja relacionada aos sintomas afetivos, delirantes ou a uma combinação de ambos, implica considerações terapêuticas significativas. Notavelmente, pacientes próximos aos transtornos delirantes podem não responder eficazmente a antidepressivos, como evidenciado em um paciente com esquizofrenia que manifestou esta síndrome. Essa constatação ressalta a importância de explorar outras abordagens terapêuticas que transcendam a intervenção farmacológica, reconhecendo a complexidade do quadro clínico. A associação entre a síndrome de Cotard e esquizofrenia também destaca a necessidade de considerar abordagens terapêuticas específicas para reduzir o risco de comportamentos autolesivos. Essa compreensão mais abrangente reforça o uso de estratégias terapêuticas multifacetadas, incorporando não apenas intervenções medicamentosas, mas também outras modalidades terapêuticas para intervir adequadamente nos quadros clínicos (Victoria; Caqui, 2017).

Em um estudo apresentado por Robertson e Dunn (2023), um paciente com a ilusão de Cotard negligenciou o uso de insulina para o tratamento de seu Diabetes Mellitus Tipo 1, acreditando que já estava morto. Isso resultou em cetoacidose diabética e um índice de massa corporal de 15. Este ressalta a interação entre transtornos alimentares e a ilusão de Cotard, bem como as possíveis complicações médicas quando a ilusão de Cotard é comórbida com condições médicas.

3.1 Psicopatologia

A Síndrome de Cotard (SC) não é designada como um transtorno independente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais pela Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5) nem na 10ª edição da Classificação

Internacional de Doenças (CID-10). No DSM-5, o delírio niilista, característico da SC, é categorizado como delírio congruente com o humor, manifestando-se em um quadro de episódio depressivo grave com sintomas psicóticos (Machado; Machado, 2015).

O surgimento da Síndrome de Cotard parece demonstrar uma correlação positiva com o avançar da idade, com faixa etárias médias estabelecidas entre 47,7 e 56 anos, embora também tenha sido observada em crianças e adolescentes. Notavelmente, o distúrbio aparenta ser mais prevalente em mulheres, não revelando disparidades significativas relacionadas a grupos étnicos (Debruyne et al, 2011 apud Rutzen et al., 2017, p. 167).

3.2 Abordagens clínicas para auxiliar na ingestão alimentar e melhora do estado nutricional

A Síndrome de Cotard é uma condição psiquiátrica rara em que os indivíduos acreditam estar mortos, não existindo ou em estado de decomposição. Essa condição pode impactar significativamente o comportamento alimentar e o estado nutricional dos pacientes, exigindo abordagens clínicas específicas no contexto da nutrição e reabilitação (Vergara; Díaz, 2020).

Sob essa perspectiva, a nutrição desempenha um papel crucial na recuperação e bem-estar geral dos pacientes com SC. A abordagem deve ser multidisciplinar, envolvendo não apenas profissionais de saúde mental, mas também nutricionistas especializados em transtornos alimentares e reabilitação, tendo em vista a correlação entre a anorexia presente na maioria dos casos de depressão psicótica e as disfunções do comportamento alimentar. Nesses casos o nutricionista atua como uma espécie de terapeuta nutricional, colocando o paciente como detentor da sua autonomia na busca da retomada de pontos positivos relacionados à cognição (Alvarenga et al., 2016).

Em primeiro lugar, é fundamental realizar uma avaliação completa do estado nutricional do paciente, identificando possíveis deficiências de nutrientes e desequilíbrios alimentares. A partir dessa análise, pode-se desenvolver um plano nutricional personalizado, adaptado às necessidades específicas do indivíduo, considerando fatores como a recusa alimentar associada à condição psiquiátrica. O manejo para auxiliar na ingestão alimentar deve incluir estratégias comportamentais e psicológicas. Isso pode envolver a criação de um ambiente alimentar positivo, minimizando fatores que possam desencadear ansiedade em relação à alimentação, em casos mais agravados e catatonia recomenda-se o uso de sonda nasoenteral (Lima; Poças, 2023).

Nesse viés, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) emerge como uma abordagem terapêutica de ampla aceitação, instrumentalizada no tratamento de variados transtornos psicológicos e emocionais. Seus alicerces residem nos princípios basilares que se concentram na análise profunda das cognições e comportamentos individuais, delineando uma estratégia pautada na identificação e modificação de padrões disfuncionais (Brandl; Alexandrini, 2024).

As evidências fornecidas pela Medicina Baseada em Evidências indicam que a maioria das abordagens psicoterapêuticas é eficaz, destacando um benefício particular nas terapias cognitivas e comportamentais, assim como na psicoterapia interpessoal em casos de natureza melancólica como na SC (Kaminska et al., 2022).

Além disso, a Eletroconvulsoterapia (ECT) trata-se da indução controlada de crises convulsivas por meio de estimulação elétrica direta no cérebro. Este procedimento é aplicado em pacientes que apresentam indicações específicas, incluindo ideação suicida e falta de resposta ao tratamento farmacológico em diversos transtornos mentais, como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar e depressão unipolar (Carvalho; Silva, 2023). Nos casos de natureza melancólica, a recomendação positiva envolveu o uso de antidepressivos, antipsicóticos e terapia eletroconvulsiva (Gomes et al., 2022).

A prática tem se revelado bem-sucedida no tratamento de diversas condições, como doença de Parkinson, delírio, síndrome neuroléptica maligna, autismo e agitação. De acordo com Normark, Gbyl e Videbech (2021), não existem contraindicações absolutas para o uso desse método. No entanto, é crucial considerar que a ECT é classificada como um procedimento de alto risco em casos de aumento da pressão intracraniana, infarto do miocárdio recente, hemorragia ou acidente vascular cerebral recente, aneurisma vascular, descolamento de retina e feocromocitoma.

A significativa morbidade e a propensão suicida vinculadas à depressão psicótica, comumente presente em pacientes diagnosticados com síndrome de Cotard, justificam a consideração da Eletroconvulsoterapia (ECT) como tratamento inicial para todos os pacientes afetados. Essa abordagem visa alcançar uma resposta mais rápida com menos efeitos adversos (Dubovsky, 2021).

Estudo aponta a implementação do tratamento em um paciente do sexo masculino, com 66 anos diagnosticado com SC refratária, a terapia baseou-se em oito sessões de ECT bitemporal, com carga de 110 V, durante 2 segundos, em dias alternados. A partir da primeira sessão, o paciente passou a se alimentar por via oral regularmente (Machado; Machado, 2015).

Lima e Poças (2023) realizaram um relato de caso de um paciente da enfermaria. Durante a internação, o paciente se apresentava visivelmente caquético, pesando apenas 46 kg e com um índice de massa corpórea (IMC) de 15,6 kg/m². Ademais, exibia sinais de desnutrição e palidez, embora os exames físicos abdominal e pulmonar não tenham indicado alterações. No exame cardiológico, as bulhas cardíacas eram hipofonéticas, rítmicas e sem sopros. Devido ao estado catatônico e mutismo ativo, não foi possível realizar uma avaliação do estado mental. Diante desse quadro, foram solicitados exames laboratoriais e a terapia foi iniciada com venlafaxina 75 mg uma vez ao dia e quetiapina 25 mg à noite. Com isso, optou-se pela colocação de uma sonda nasoenteral para facilitar a administração de medicamentos e garantir a aceitação da dieta.

A partir do 40° dia de internação, o paciente apresentou melhora na interação e orientações auto e alopsíquicas, além de declarar que seu intestino voltou a funcionar, o que se reverteu numa melhora da aceitação da dieta por via oral e ganho de peso importante. Negou qualquer alteração da sensopercepção e não demonstrava delírios, sendo proposta a retirada da sonda. A alta do nosso Serviço ocorreu em 06 de janeiro de 2023 após 53 dias de internação, com ganho ponderal de 10 kg e IMC de 18,4 kg/m2. Além disso, manteve seu tratamento com venlafaxina de 225 mg e risperidona (4 mg/dia), sendo encaminhado para seguimento ambulatorial (Lima; Poças, 2023, p. 5).

Indivíduos acometidos por essa rara condição apresentam distorções cognitivas, exemplificadas pela convicção de sua destinação ao reino dos mortos, resultando em comportamentos extremos, como o repouso em caixões e solicitações fervorosas pelo sepultamento de corpos percebidos como em iminente deterioração. Adicionalmente, a recusa alimentar-se, fundamentada na falsa percepção de ausência gástrica ou inadequação ao sustento, emerge como potencial ameaça à saúde, precipitando significativa perda ponderal, desnutrição e complicações anexas, como avitaminoses e anemia (Olmi et al., 2016).

Sousa, Oliveira e Bastos (2017) realizaram um estudo que descreve um paciente de 74 anos com sinais evidentes do delírio das negações, também conhecido como Síndrome de Cotard. Este paciente foi acompanhado durante três anos com uma regularidade quinzenal em um hospital psiquiátrico em São Paulo. O mesmo apresentava uma expressão crispada, a fácie triste, pálida, o sofrimento estampado na figura desanimada no sentido amplo da ausência de anima. Este paciente apresentou um quadro psicótico com delírios hipocondríacos e alucinações
olfativas com características de síndrome de Cotard associado ao uso crônico de ecstasy. Ao longo da internação, houve tratamento medicamentoso com olanzapina e obteve remissão completa dos sintomas.

Estes estudos ilustram a complexidade e a gravidade da Síndrome de Cotard, destacando a importância de um diagnóstico preciso e de um tratamento nutricional adequado para melhorar a qualidade de vida e estado nutricional dos pacientes afetados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, este estudo sobre a Síndrome de Cotard destaca a complexidade dessa condição neuropsiquiátrica rara, evidenciando sua associação com transtornos mentais, especialmente depressão psicótica e esquizofrenia.

A abordagem clínica multidisciplinar, com ênfase na nutrição, revela-se crucial para a reabilitação desses pacientes, envolvendo estratégias comportamentais, terapia cognitivo-comportamental e, em alguns casos, intervenções como a Eletroconvulsoterapia (ECT) e o uso de sonda nasoenteral.

Apesar da escassez de dados quantitativos, os relatos de casos fornecem insights promissores sobre a eficácia dessas intervenções específicas. Este estudo contribui para uma compreensão mais abrangente da Síndrome de Cotard, enfatizando a importância da abordagem integrada para melhorar a qualidade de vida desses pacientes. Futuras pesquisas devem continuar a explorar estratégias terapêuticas mais eficazes diante dessa condição singular.

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¹Graduanda em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. marya.melo@ufpe.br https://orcid.org/0009-0003-6077-7655
²Graduanda em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. keilla.menezes@ufpe.br
3Graduanda em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. marianamelo.silva@ufpe.br https://orcid.org/0009-0008-4703-1337
4Graduanda em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. roseli.santana@ufpe.br
5Graduanda em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. marina.uchoa@ufpe.br
6Graduando em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. alex.melosales@ufpe.br
7Graduanda em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. gabriely.luz@ufpe.br
8Graduanda em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. kerollayne.alcantara@ufpe.br
9Graduanda em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. nathalia.virginia@ufpe.br
10Doutorado em Psicologia Clínica. Professora Adjunta de Psicologia do curso de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. danielle.pianga@ufpe.br https://orcid.org/0000-0003-2340-3796 (Orientadora)