OS TEOREMAS DE INCOMPLETUDE DE GÖDEL E A CONJECTURA DE GOLDBACH

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10619354


Carlos Daniel Chaves Paiva1; Micael Campos da Silva2; Leandro Carvalho de Lima3; José Jailson Rodrigues de Matos4; Paula Bernardes de Morais5; Maria Vaniele Araújo Sousa6; Alan Oliveira dos Reis7; Carlos Henrique Lima de Moura8; Johnantan Pereira Gonsalves9; Fábio Sampaio Mariano10; Francisco Odecio Sales11; Maria Aliciane Martins Pereira da Silva12; Antonio Daniel Marinho de Andrade13


RESUMO 

As bases fundacionais da Matemática foram, no início da década de 1930, fortemente abaladas quando o jovem matemático lógico austríaco Kurt Gödel publicou um artigo contendo dois resultados que, posteriormente, seriam conhecidos como os teoremas de incompletude. Segundo eles, em qualquer sistema formal dentro do qual uma certa quantidade de aritmética elementar possa ser realizada existem sentenças impossíveis de ser demonstradas. Dessa forma, o trabalho de Gödel nos desperta várias reflexões, e a mais interessante talvez seja a hipótese de os matemáticos estarem presos a problemas que para os quais a possibilidade de inexistência de uma prova deva ser realmente considerada. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa (ainda em andamento) é então utilizar os teoremas de Gödel para tentar analisar e esclarecer alguns aspectos importantes que cercam um antigo problema não solucionado da Matemática, a conjectura de Goldbach. Consideramos a realização de um trabalho com esta temática importante por conta principalmente de três pontos: o primeiro, é o fato de que existe, pelo menos na nossa literatura, poucos trabalhos sobre tais assuntos; depois, porque são temas, especialmente os teoremas de Gödel, que levantam muitos questionamentos em quem busca entendê-los, o que finda gerando, infelizmente, interpretações e conclusões completamente equivocadas; por fim, porque é algo, no caso da incompletude, que se estende a outras áreas do conhecimento. Esperamos despertar no leitor (alunos de graduação, professores e afins) o desejo de buscar um aprofundamento em assuntos relacionados à Filosofia Matemática, sobretudo os teoremas de incompletude, bem como o de compreender suas implicações em problemas (abertos ou não) na Matemática. 

Palavras-chave: teoremas de incompletude; conjectura de Goldbach; consistência. 

ABSTRACT 

The foundations of Mathematics were, in the early 1930s, strongly shaken when the young Austrian mathematician Kurt Gödel published an article containing two results that would later be known as the incompleteness theorems. According to them, in any formal system within which a certain amount of elementary arithmetic can be performed there are sentences that are impossible to prove. Gödel’s work awakens several reflections, and the most interesting one is perhaps the hypothesis that mathematicians are trapped in problems for which the possibility of the lack of a proof should really be considered. In this sense, the objective of this research (still in progress) is to use Gödel’s theorems to try to analyze and clarify some important aspects that surround an old unsolved problem in Mathematics, the Goldbach conjecture. We consider carrying out a work with this theme important mainly because of three points: the first is the fact that there are, at least in our literature, few works on such subjects; then, because they are themes, especially Gödel’s theorems, that raise many questions in those who seek to understand them, which ends up generating, unfortunately, completely wrong interpretations and conclusions; finally, because it is something, in the case of incompleteness, that extends to other areas of knowledge. We hope to awaken in the reader (undergraduate students, professors and the like) the desire to seek a deeper understanding of subjects related to Mathematical Philosophy, especially incompleteness theorems, as well as to understand their implications in problems (open or not) in Mathematics. 

Keywords: incompleteness theorems; Goldbach’s conjecture; consistency. 

1 INTRODUÇÃO 

A partir do final do século XIX, os matemáticos lógicos apresentaram um crescente interesse em “verificar os fundamentos da Matemática e reconstruir tudo usando os princípios fundamentais, de modo a garantir que tais princípios fossem confiáveis.” (SINGH, 2014). Dessa forma, esperava-se reduzir — ou até mesmo eliminar — as contradições matemáticas.  

O desejo dos matemáticos em realizarem tal empreitada aumentou com a realização do Segundo Congresso Internacional de Matemática em 8 de agosto de 1900, em Paris, no qual o prestigiado matemático alemão David Hilbert (1862-1943) propôs 23 problemas que, como nos conta Singh (2014), “deveriam focalizar a atenção do mundo matemático e fornecer um programa de pesquisas. Hilbert queria unir a comunidade para ajudá-lo a realizar sua visão de um sistema matemático livre de dúvidas ou inconsistências.” Nas duas décadas seguintes, os matemáticos trabalharam arduamente para que essa Matemática livre de contradições se tornasse realidade. 

Dentre os 23 problemas propostos por Hilbert, o segundo — que se resolvido forneceria a segurança necessária para a realização completa e satisfatória do seu programa —, “teve importância capital no processo em que se deu a da prova da incompletude de Gödel, dado que ele foi o ponto que atingiu o programa de Hilbert”, como explica Batistela (2017). O problema pede para provar a consistência dos axiomas da Aritmética, ou seja, que os resultados obtidos com um número finito de passos lógicos baseados nesses axiomas nunca seriam contraditórios. 

Na década de 1930, apesar de tudo, Hilbert se sentia bastante confiante de que o seu sonho de uma lógica completa e consistente estava próximo de ser real. No entanto, em 1931, com a publicação do trabalho Über formal unentscheidbare Sátze der Principia Mathematica und verwandter Systeme (Sobre as proposições indecidíveis no Principia Mathematica e sistemas relacionados), um jovem matemático austríaco de 25 anos, até então desconhecido no meio lógico, chega a uma surpreendente conclusão: independente do conjunto de axiomas que esteja sendo usado, existem problemas que os matemáticos não podem resolver e, pior ainda, os matemáticos nunca poderão ter certeza de que sua escolha de axiomas não os levará a contradições. 

Kurt Gödel (1906-1978), portanto, tinha provado que era impossível criar um sistema matemático completo e consistente e, assim, destruindo para sempre as esperanças de Hilbert e forçando os matemáticos a aceitarem que sua ciência jamais poderá ser logicamente perfeita.  

Ao fim da pesquisa, esperamos ter sido capazes de reunir o maior número de ferramentas possíveis a fim de se obter um vislumbre de resposta para a seguinte questão: estariam os matemáticos buscando algo inexistente? Devido ao impacto direto desses teoremas na Filosofia, é possível que surjam argumentos dessa natureza durante o processo. 

2 OS TEOREMAS DE INCOMPLETUDE DE GÖDEL 

2.1 KURT GÖDEL 

Tem-se, a seguir, uma breve biografia1 do matemático.  

Kurt Gödel, de uma maneira geral, teve uma vida bem conturbada: logo aos 6 anos teve uma febre reumática. Ao pesquisar sobre tal enfermidade, descobriu que ela poderia deixar sequelas cardíacas graves, que poderiam durar por toda a vida. Ainda que não existam evidências de que Gödel tenha apresentado de fato problemas cardíacos, ele estava convencido disso e assim a sua saúde passou a ser uma preocupação constante para ele. Em 1934, quando voltava para a Europa após uma série de palestras no Instituto de Estudos Avançados de Princeton (IAS), Gödel sofreu um colapso nervoso, o que o levou a passar vários meses em um sanatório se recuperando. Já recuperado, sofre outro colapso ao tomar conhecimento de que o filósofo e físico alemão Moritz Schlick (1882-1936), do qual era bastante amigo, é assassinado por um estudante nazista.  

Em março de 1938, a Áustria foi anexada à Alemanha, mas Gödel não estava muito interessado e continuou sua vida normalmente. Ele visitou Princeton pela segunda vez, durante o primeiro semestre do ano acadêmico de 1938-39 do IAS. No segundo semestre deu um curso na Universidade de Notre Dame. 

Em 1940 Gödel retorna aos Estados Unidos e em 1948 tornou-se cidadão americano. Foi membro ordinário do IAS de 1940 a 1946 (com contratos anuais renovados ano após ano), até se tornar membro permanente em 1953. A título de curiosidade, um dos amigos mais próximos de Gödel em Princeton era o físico teórico alemão Albert Einstein (1879 – 1955). Cada um tinha grande admiração pelo outro e se falavam com frequência.  

Recebeu o Prêmio Einstein em 1951 e a Medalha Nacional de Ciências em 1974. Foi membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, da Royal Society e do Instituto da França; foi também associado da Royal Academy e membro honorário da Sociedade Londrina de Matemática (London Mathematical Society). No entanto, diz muito sobre seus sentimentos em relação à Áustria o fato de ele ter recusado ser membro da Academia de Ciências (Akademie der Wissenschaften) em Viena, bem como mais tarde, quando recusou a honra novamente. Ele também se recusou a aceitar o prêmio mais alto, a Medalha Nacional, por realização científica e artística que a Áustria lhe ofereceu. Ele certamente se sentia desgostoso com o tratamento que ele e sua família haviam recebido. 

No final de sua vida, Gödel se convenceu de que estava sendo envenenado e, recusando-se a comer para evitar isso, praticamente acabou morrendo de fome. Apesar de tudo, o que se observa é que Gödel sempre foi matematicamente bastante produtivo, já que produziu diversas obras. 

2.2 ALGUMAS DEFINIÇÕES IMPORTANTES 

Algumas definições são imprescindíveis para que se compreenda com mais precisão o que nos diz os teoremas de incompletude. Portanto, elencamos abaixo aquelas que aparecem mais frequentemente:  

Definição 1: (Fórmulas bem formadas) São sentenças que obedecem a certas regras de construções (axiomas, postulados ou proposições básicas). 

Definição 2: (Axiomas) São um subconjunto do conjunto de fórmulas bem formadas.

Definição 3: (Regras de inferência) São regras que nos permite construir novas fórmulas a partir de fórmulas já existentes. 

Definição 4: (Sistema formal) Um sistema formal S é um sistema constituído por um número finito ou não de axiomas (expressos em alguma linguagem formal definida) e uma lista de regras de inferência que serão utilizados para obter os teoremas daquele sistema.

Definição 5: (Prova formal) Uma prova em S é uma sequência finita de fórmulas β1, β2, β3, … , βn, em que cada βi ou pode ser adquirido através de fórmulas anteriores obtidas através de regras de inferência ou é um axioma. 

Definição 6: (Teorema) Um teorema em S é uma fórmula α para a qual existe uma prova em S em que α é a última fórmula desta prova. 

Definição 7: (Completude) Dizemos que um sistema formal S é completo se, dada uma proposição A em S, existir uma prova para ela ou para sua negação, ou seja, A é teorema ou ¬A é teorema.  

Definição 8: (Consistência) Dada uma proposição A, dizemos que o sistema é consistente se nele não for possível provar A e sua negação, isto é, A e ¬A não podem simultaneamente serem teoremas. 

Definição 9: (Uma certa quantidade de Aritmética elementar) É qualquer sistema no qual exista a linguagem da Aritmética elementar, ou seja, em que cujos teoremas apresentam alguns fatos básicos sobre a natureza dos números, como as operações entre eles. 

Definição 10: (Aritmética de Peano) Propostos pelo matemático italiano Giuseppe Peano (1858-1932) no final do século XIX em seu trabalho Arithmetices principia, nova methodo exposita, os Axiomas de Peano são um conjunto de axiomas que determinam toda a teoria da Aritmética. “Formalmente, a Aritmética de Peano é uma teoria axiomática baseada em lógica de primeira ordem, cujos indivíduos (e interações entre indivíduos) devem ser interpretados como números naturais.” (MAROCHI, 2021, p. 46). No que concerne especificamente à álgebra dos números naturais, compreende os seguintes axiomas: 

1. Zero é um número; 
2. O sucessor imediato de um número é um número; 
3. Zero não é sucessor imediato de um número; 
4. Não há dois números que tenham o mesmo sucessor imediato; 
5. Qualquer propriedade pertencente a zero, e também ao sucessor imediato de cada número que tenha a propriedade, pertence a todos os números. 

Durante muito tempo, como é dito por Neto (2007, p. 12), acreditou-se que a Aritmética de Peano continha todas as verdades acerca dos números naturais e conjuntos finitos. 

2.3 OS TEOREMAS 

A par de tais definições podemos enunciar os teoremas de Gödel:

(Primeiro teorema de incompletude): Qualquer sistema formal consistente S dentro do qual uma certa quantidade de Aritmética elementar possa ser realizada é incompleto.

(Segundo teorema de incompletude): Para algum sistema formal consistente S dentro do qual uma certa quantidade de Aritmética elementar possa ser realizada, a consistência de S não pode ser provada por meio de S. 

Em outras palavras, os teoremas acima nos dizem que todo sistema formal consistente é incompleto e que todo sistema formal completo é inconsistente. Ou seja, completude e consistência não podem ser então simultaneamente alcançadas.  

Provar rigorosamente tais teoremas, como bem nos diz Nagel e Newmann (2009, p. 63), é uma tarefa árdua: “O artigo de Gödel é difícil. É preciso assenhorar-se de 46 definições prévias juntamente com vários importantes teoremas preliminares, antes de alcançar os resultados principais.” No entanto, a prova destes resultados gira em torno do Número de Gödel, que consiste em uma função que transforma cada símbolo, fórmula e prova de uma linguagem formal em um número natural n, em que n é igual ao produto das potências de uma determinada quantidade de números primos. 

Infelizmente, os teoremas de incompletude ainda são muito utilizados como argumento para se chegar a conclusões absurdas, tais como: “não existe uma realidade objetiva, isto é, o mundo que vemos não existe”; “nada pode ser conhecido por inteiro” e “é impossível construir uma Teoria de Tudo na Física”. Teorias como estas são completamente errôneas porque ignoram as condições de um sistema para que os teoremas sejam aplicáveis: o sistema deve ser formal, consistente, recursivamente axiomático e capaz de expressar a Aritmética básica. Como exemplos para tais sistemas podemos citar a Aritmética de Peano, a Aritmética de Robinson, criada pelo matemático americano Raphael Mitchel Robinson (1911- 1995), os Axiomas de Zermelo-Fraenkel2 e o próprio Principia Mathematica, sob o qual Gödel desenvolveu seu artigo. 

Inteirados dos principais conceitos relacionados à incompletude, trataremos agora acerca da conjectura de Goldbach. 

3 A CONJECTURA DE GOLDBACH  

3.1 CHRISTIAN GOLDBACH 

Tem-se, a seguir, uma breve biografia3 do matemático. 

Goldbach, que nasceu na famosa cidade de Königsberg, era filho de um pastor da igreja protestante e, pelo incrível que pareça, estudou sobretudo Direito e Medicina, já que tinha a Matemática mais como um hobby.  

Em 1710, aos vinte anos, iniciou uma das várias viagens pela Europa, estabelecendo contato com muitos dos principais cientistas da época. Durante essa viagem, em 1711, conheceu o matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), na cidade de Leipzig. Durante os dois anos seguintes, os dois trocaram correspondência em latim. Em 1712, em Londres, Goldbach encontrou-se com o matemático francês De Moivre (1667-1754) e com o suíço Nicolaus (I) Bernoulli (1687-1759) que, tal como Goldbach, também viajava pela Europa. 

Goldbach continuou a sua longa viagem e esteve em Veneza em 1721. Aqui ele conheceu Nicolaus (II) Bernoulli (1695-1726), que também estava em viagem pela Europa. Foi por sugestão de Nicolaus que Goldbach iniciou em 1723 uma correspondência, que durou sete anos, com Daniel Bernoulli (1700-1782), o irmão mais novo de Nicolaus. 

Em 1724 Goldbach regressou à sua cidade natal, e conheceu dois matemáticos que influenciaram a sua vida: o alemão Georg Bernhard Bilfinger (1693 – 1750) e o suíço Jakob Hermann (1678 – 1733). Georg Bilfinger e Jakob Hermann iam em direção a São Petersburgo para ajudarem a criar a Academia Imperial de Ciências (mais tarde chamada de Academia de Ciências de São Petersburgo), que seria organizada (por sugestão de Leibniz) com a mesma linha orientadora da Academia de Ciências de Berlim. 

Em julho de 1725 Goldbach escreveu a Blumentrost, presidente desta nova Academia, pedindo um cargo. Após uma rejeição inicial, Goldbach foi convidado para os cargos de professor de matemática e historiador em São Petersburgo. Este convite deveu-se ao fato de Goldbach já ser nesta altura um matemático conhecido, pois desde 1717 que publicava trabalhos. Vale destacar que em 1717, depois da leitura de um artigo de Leibniz sobre o cálculo da área de um círculo, acabou por se debruçar novamente na teoria das séries infinitas e em 1720 publicou Specimen methodi ad summas serierum na Acta eruditorum. Goldbach foi secretário de gravação da cerimônia de abertura da Academia, realizada em 27 de dezembro de 1725, e continuou a exercer esta função até janeiro de 1728. 

Por volta de 1730, conhece aquele que é um dos maiores matemáticos de todos os tempos e com o qual trocaria cartas pelos 35 anos seguintes: o suíço Leonhard Euler. Dessa correspondência, 196 cartas sobreviveram. Muitas destas cartas tratavam de variados problemas de Teoria dos Números, alguns deles apresentados anteriormente por Pierre de Fermat (1607-1665). A extensa correspondência entre Goldbach e Euler é uma fonte de

informação sobre a história da Matemática no século XVIII, pois fornece um registo fundamental do legado de Euler na Teoria dos Números, mais até do que as próprias publicações de Euler. Goldbach, mesmo olhando para a Matemática como uma atividade lúdica, desenvolveu um trabalho importante na Teoria dos Números. 

3.2 A CONJECTURA 

Em uma dessas cartas, mais especificamente na de 7 de junho 1742, o matemático prussiano sugere a conjectura que até hoje intriga a comunidade matemática:

(Conjectura de Goldbach): Todo número par maior que 2 pode ser escrito como a soma de dois números primos. 

Euler, em resposta, comenta que a conjectura parece ser verdadeira mas que naquele momento seria incapaz de prová-la. Propõe, todavia, que esta conjectura poderia ser decomposta em duas:  

(Conjectura “forte”, “par” ou “binária”, já enunciada antes por Goldbach): Todo número par maior que 2 pode ser escrito como a soma de dois números primos.

(Conjectura “fraca”, “ímpar” ou “ternária”, provada há pouco tempo)4: Todo número ímpar maior que 7 pode ser escrito como a soma de três números primos ímpares.  No último século muitos trabalhos visando provar a conjectura foram desenvolvidos, sendo alguns com resultados relativamente interessantes. Mesmo que tais avanços ainda sejam insuficientes, essa procura tem, como destaca Sousa (2013, p. 39), “contribuído para o desenvolvimento da própria Teoria dos Números, na medida em que têm surgido outros resultados, menos importantes que a conjectura, mas que podem permitir, quem sabe, prová la”. O autor enfatiza ainda que a investigação da conjectura tem “permitido o desenvolvimento de métodos úteis à Teoria dos Números e a outras áreas da Matemática”. Por conta de toda a sua fama, a conjectura de Goldbach já serviu de inspiração para o cinema e para a literatura: no primeiro, destaca-se o filme espanhol, de 2007, “La Habitación de Fermat”; na literatura, destaque para o livro “O tio Petros e a Conjetura de Goldbach”, de 1992, do escritor grego Apostolos Doxiadis (1953-).  

3.3 RESULTADOS OBTIDOS 

O que se segue é uma linha do tempo, sintetizada, com importantes resultados oriundos de investigações feitas, a partir do século XX, acerca da Conjectura de Goldbach. 

O primeiro resultado surgiu em 1919, quando o matemático norueguês Viggo Brun (1885-1978) demonstrou que qualquer número par suficientemente grande é a soma de dois números, cada um tendo no máximo nove fatores primos. 

Em 1923, os matemáticos britânicos Godfrey Harold Hardy (1877-1947) e John Edensor Littlewood (1885-1977) mostraram, assumindo a Hipótese generalizada de Bernhard Riemann (1826-1866), que todo número ímpar suficientemente grande é a soma de três números primos, e quase todos os números pares são a soma de dois primos. 

Com base no resultado de Brun, o russo Lev Schnirelmann (1905-1938), provou, em 1930, que todo o inteiro par igual ou superior a 2 pode ser escrito como a soma de não mais de 20 números primos. Este resultado foi melhorado pelo matemático francês Olivier Ramaré (1965-), que conseguiu reduzir o número máximo de primos para seis. 

Sete anos depois, o russo Ivan Vinogradov (1891-1983), obteve um grande resultado: conseguiu remover a dependência na hipótese de Riemann, gerando então a prova incondicional dos resultados de Hardy e Littlewood — mas não conseguiu determinar o que significava “suficientemente grande”. Quase 30 anos depois do resultado alcançado por Vinogradov, foi que surgiu um novo avanço, quando, em 1966, o matemático chinês Chen Jingrun (1933-1996), baseado no resultado de Brun, demonstrou que todo número par suficientemente grande é a soma de um número primo e um produto de, no máximo, dois primos — sendo esta considerada uma das tentativas mais bem-sucedidas até hoje. 

Em 1975, o matemático norte-americano Hugh Montgomery (1944-) e o britânico Robert Vaughan (1945-) provaram que a quantidade de números pares inferiores ou iguais a um determinado inteiro x, que não podem ser escritos como a soma de dois números primos é no máximo Cx1−c, em que C e c são constantes positivas. 

No final da década de 90, mais precisamente em 1997, o matemático francês Jean Marc Deshouillers (1946-), em parceria com outros três matemáticos, mostrou que a Hipótese de Riemann implica a Conjetura fraca de Goldbach, para todos os números ímpares. 

Entre 2012 e 2013, o matemático peruano Harald Helfgott (1977-), até então não muito conhecido na comunidade matemática, apresentou, após 7 anos de pesquisa, em um trabalho de 79 páginas, uma demonstração para a conjectura fraca de Goldbach.  

É importante ressaltar que, todos esses resultados aqui apresentados são frutos dos avanços alcançados na teoria analítica dos números a partir do século XIX, especialmente no que diz respeito à teoria de Riemann e Dirichlet (1805-1859), na distribuição dos números primos.

4 METODOLOGIA 

Esta pesquisa é uma revisão bibliográfica, que por sua vez, segundo Lakatos, Marconi (1991, p. 43-44), “trata-se do levantamento de toda a bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita.” “Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista ‘o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações’.” (TRUJILLO, 1974, p. 230 apud LAKATOS, MARCONI, 1991, p. 44). Assim, “a bibliografia pertinente oferece meios para definir, resolver, não problemas somente já conhecidos, como também explorar novas áreas, onde os problemas ainda não se cristalizaram suficientemente.” (MANZO, 1971, p. 32 apud LAKATOS, MARCONI, 1991, p. 44). 

Foi feito então inicialmente um levantamento teórico de livros, artigos, dissertações e teses que versem sobre os tópicos. Em seguida, fizemos um apanhado histórico, no qual foram estudados as biografias das personalidades envolvidas e o contexto matemático em que surgem a conjectura e os teoremas. Posteriormente, foi feito um estudo dos teoremas de incompletude de Gödel, focando no cerne de sua demonstração e na sua aplicabilidade, seguido pelo estudo dos principais resultados alcançados até o momento no que concerne à prova da conjectura de Goldbach. O próximo passo é analisar pelo menos dois teoremas já provados indecidíveis na Aritmética de Peano, a fim de entendermos alguns dos elementos gödelianos presentes em tais provas. Finalmente, buscaremos discutir (matematicamente e filosoficamente) os pontos que inevitavelmente surgem durante o estudo de tais temáticas e que são necessários para se chegar a algum tipo de conclusão. 

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES 

Até aqui, conseguimos compreender plenamente os contextos históricos aos quais pertencem os teoremas e a conjectura. Além disso, acreditamos que o leitor tenha assimilado os conceitos centrais relativos aos teoremas de incompletude de Gödel bem como do que é a conjectura propriamente dita e dos avanços existentes na tentativa de demonstrá-la.  

Após estudarmos os teoremas e a conjectura uma pergunta que surge (ou deveria surgir) naturalmente é: “seria então a conjectura de Goldbach ‘indemonstrável’?”. Do ponto de vista puramente matemático, não temos, claramente, como afirmar isso ainda. Para conseguirmos responder a essa pergunta, precisaríamos primeiramente definir onde ela seria indecidível: na Aritmética de Peano? Na Axiomática de Zermelo-Fraenkel? Para se chegar a uma resposta desse nível, teríamos que construir um arsenal bem maior de ferramentas, o que incluiria uma apropriação de definições e teoremas mais densos da Lógica e da Teoria dos Números, bem como de resultados de outras áreas da Matemática, como Teoria de Modelos, além de um denso estudo de todos os avanços que se tem até hoje concernentes à própria conjectura. Acreditamos que isso tudo requereria bastante tempo (provavelmente anos) e do empenho de um certo número de matemáticos. Por conta disso tudo, não consideramos plausível ter como um de nossos objetivos obter algo concreto matematicamente. 

Por outro lado, e aqui com um olhar também filosófico, podemos afirmar que sim, a possibilidade de os matemáticos não conseguirem provar (ou, pelo menos, refutar) a conjectura de Goldbach é real. Este tipo de hipótese decorre do fato de que os teoremas de Gödel são ferramentas matemáticas consolidadas, e que assim nos permitem pelo menos elaborarmos hipóteses sobre outras teorias.  

O próprio Goldbach, inclusive, já nos alertava sobre isso:  

Eu não considero inútil notar também aquelas proposições que são muito prováveis, embora não haja demonstração real, porque mesmo que elas sejam posteriormente consideradas falsas, ainda podem fornecer uma oportunidade para a descoberta de uma nova verdade. (FUSS, 1843, p. 127, tradução nossa).  

Ou seja, sem ter um resultado matemático concreto no qual se apoiar, Goldbach, o “dono” da conjectura, de certa forma já hipotetizava sobre a eventual impossibilidade de verificar a validade de sua teoria. E hoje, diferentemente daquela época, temos dois poderosíssimos resultados que servem, no mínimo, como ferramenta para darmos algum tratamento à conjectura, já que parecemos estar bem distantes de chegarmos a alguma conclusão mais sofisticada sobre ela.  

A fala de Goldbach também nos leva a refletir sobre algo que já mencionamos: seria a conjectura de fato “sem tanta importância”5 assim a ponto de os matemáticos não se dedicarem a ela? Segundo ele, temos motivos suficientes pra acreditar que não, uma vez que o estudo dessa conjectura (mesmo que não venha a ser provada), como já até pontuamos, pode contribuir significativamente para a criação e aprimoramento de algumas ferramentas em diferentes áreas da Matemática, as quais poderão ser utilizadas até para resolver outros problemas matemáticos.  

Ademais, acreditamos veementemente que este trabalho forneça uma ótima base para outros estudiosos que futuramente possam se interessar pelos assuntos aqui tratados e que estejam decididos a estudá-los com mais robustez. Sugerimos, após a apropriação desses conceitos básicos, o estudo de teoremas já indecidíveis na Aritmética de Peano, a fim de entender como se dá a construção de provas nesse contexto e dessa forma, quem sabe, fazerem observações que possam vir a ser úteis.  

Por último, deixamos as seguintes reflexões para o leitor: seria o ser humano capaz de desenvolver absolutamente (todas) as ferramentas necessárias para que finalmente se consiga provar a conjectura? Se sim, de quantos anos mais estamos falando, décadas, séculos, milênios? Até o momento, todas as questões que levantamos aqui são absolutamente válidas, e até que a comunidade matemática nos apresente algo definitivo sobre a conjectura, Gödel é o dono da razão.  


1CASTRO, Carlos P. de. Instituto de Matemáticas de la Universidad Nacional Autónoma de México. Gödel, Kurt (tradução nossa). Disponível em: https://paginas.matem.unam.mx/cprieto/biografias-de-matematicos-f j/204-goedel-kurt. Acesso em: 03 abr. 2022;
2Idealizado pelos matemáticos alemães Ernst Zermelo (1871-1953) e Abraham Fraenkel (1891-1965), é um sistema axiomático que foi proposto com o objetivo de construir uma teoria dos conjuntos sem os paradoxos da teoria ingênua dos conjuntos;
3MARINHO, Adília. Sociedade Portuguesa de Matemática. Vida e Obra de Christian Goldbach. Disponível em: https://clube.spm.pt/news/vida-obra-de-christian-goldbach. Acesso em: 16 mar. 2022;
4Dizemos que ela é “fraca” porque se a “forte” verdadeira, ela é uma implicação imediata. 
5Consideramos importante ressaltar aqui a necessidade de que a conjectura de Goldbach seja mais discutida  nos cursos de graduação do nosso país.


REFERÊNCIAS 

BATISTELA, Rosemeire de F. O teorema da incompletude de Gödel em cursos de  licenciatura em Matemática. Tese (Programa de Pós-graduação em Educação Matemática) – UNESP, Rio Claro, 2017. Disponível em:  

<https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/148797/batistela_rf_dr_rcla.pdf? sequence=3&isAllowed=y>. Acesso em: 01 de dez. de 2021.  

FUSS, Paul H. Correspondance mathématique et physique de quelques célèbres  géomètres du XVIIIème siècle, tome 1. St. Pétersbourg: L’académie Impériale des Sciences, 1843.  

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho  científico. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.  

MAROCHI, Marcello Silveira. Incompletude concreta de sistemas aritméticos: um estudo  sobre Teoremas de Gödel e suas consequências para o ‘fazer matemático’. Monografia  (Bacharelado em Matemática) – UFSC, Florianópolis, 2021. Disponível em:  <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/224905/%28TCC-Marcello%20S. %20Marochi%29%20Incompletude%20concreta%20de%20sistemas%20aritm %C3%A9ticos_%20um%20estudo%20sobre%20os%20Teoremas%20de%20G%C3%B6del %20e%20suas%20consequ%C3%Aancias%20p.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 11 de ago. de 2022.  

NAGEL, Ernest; NEWMAN, James R. A Prova de Gödel. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. 101 p.  

NETO, Wilson Reis de S. O Teorema de Paris-Harrington. Orientador: Nicolau C.  Saldanha. 2007. Dissertação (Mestrado em Matemática) – PUC Rio, 2007. Disponível em:  <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13399/13399_3.PDF>. Acesso em: 23 de jul. de 2022.  

SINGH, Simon. O Último Teorema de Fermat: a história do enigma que confundiu as mais  brilhantes mentes do mundo durante 358 anos. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso: 2014.  Recurso digital.

SOUSA, José Emanuel. Conjectura de Goldbach: uma visão aritmética. Dissertação  (Mestrado em Matemática para Professores) – Universidade dos Açores, Ponta Delgada,  2013. Disponível em: <https://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/2881>. Acesso em: 14 de fev. de 2022.


1Formação acadêmica mais alta: Licenciatura em Matemática (em andamento) – IFCE Instituição de atuação atual: IFCE, E-mail: carlos.daniel.chaves06@aluno.ifce.edu.br;
2Formação acadêmica mais alta (Instituição): Especialista em Matemática, suas Tecnologias e  o Mundo do Trabalho/ Universidade Federal do Piauí, Instituição de atuação atual: EEEP Joaquim Filomeno Noronha – Parambu-CE, E-mail: micael.silva@prof.ce.gov.br / mycael.campos@gmail.com;
3Formação acadêmica mais alta: Licenciando em Matemática (IFCE), Instituição de atuação atual: E.E.M.T.I. Zilmar Mendes Martins, E-mail: leandrocdelima912@gmail.com;
4Formação acadêmica mais alta: Licenciando em Matemática (IFCE), Instituição de atuação atual: Escola Sônia Burgos, E-mail: jose.jailson.rodrigues08@aluno.ifce.edu.br;
5Formação acadêmica mais alta: Licenciatura em Química (UFJ) e Pedagogia (UNIP)  Instituição de atuação atual: SEDUC-GO; E-mail: pbmorais1524@gmail.com;
6Formação acadêmica mais alta: Licenciatura em Matemática (em andamento) – IFCE Instituição de atuação atual: IFCE, E-mail: maria.vaniele.araujo08@aluno.ifce.edu.br;
7Formação acadêmica mais alta: Licenciando em Matemática (IFCE), Instituição de atuação atual: IFCE, CE, E-mail: alanoliveira1965@gmail.com;
8Formação acadêmica mais alta: Especialização em Docência do Ensino Superior (UNIMAIS) Instituição de atuação atual: IFCE, E-mail: enrico@ifce.edu.br;
9Formação acadêmica mais alta (Instituição): Mestre em Matemática pelo PROFMAT-UFC Instituição de atuação atual: Escola Estadual de Educação Profissional Sandra Carvalho Costa, E-mail: johnantangonsalves@gmail.com;
10Formação acadêmica mais alta: Mestre em Matemática – UNILAB, Instituição de atuação atual: Seduc – Secretaria de Educação do Estado do Ceará, Email: fabio20022004@yahoo.com.br;
11Formação acadêmica mais alta: Mestre em Matemática – UFC, Instituição de atuação atual: IFCE, E-mail: odecio.sales@ifce.edu.br;
12Formação acadêmica mais alta: Licenciatura em Matemática (em andamento) – IFCE Instituição de atuação atual: Secretaria Municipal de Educação, Nova Russas, E-mail: maria.aliciane.martins61@aluno.ifce.edu.br;
13Formação acadêmica mais alta: Graduando em Matemática (IFCE), Instituição de atuação atual: IFCE, E-mail: danyelmarinho876@gmail.com