O USO CRÔNICO DE GLICOCORTICÓIDES COMO FATOR DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO DE GLAUCOMA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

THE CHRONIC USE OF GLUCOCORTICOIDS AS A RISK FACTOR FOR THE DEVELOPMENT OF GLAUCOMA: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10615399


Maria Cecília Gomes Maia1; Artur Victor Cavalcante Medeiros2; Débora Nunes de Deus Barros3; Gabriel Vidal dos Santos4; Isabelly Sampaio Bezerra5; Lívia Lorena Santos Moura6; Luiz Gustavo de Lima Vasconcelos Gesteira7; Rodrigo de Melo Luz8; Said José Lucena Teles Cruz9; Victória Nágila Gonçalves Pacheco10


Resumo

Introdução: O glaucoma consiste em um grupo de neuropatias ópticas associadas a alterações estruturais características na cabeça do nervo óptico, podendo resultar em perda progressiva do campo visual e, em última instância, cegueira. O glaucoma pode ser classificado em secundário quando é possível identificar o fator que desencadeou o desequilíbrio da pressão intraocular e uma das causas pode ser o uso indiscriminado de colírios à base de corticoide. Objetivo: Avaliar a relação entre o uso contínuo de glicocorticóides e o desenvolvimento de glaucoma. Metodologia: De início, observa-se que o presente estudo constitui uma revisão integrativa de literatura, tendo sido produzido segundo as diretrizes estabelecidas na declaração PRISMA 2020. Nesse contexto, o primeiro passo na construção desta revisão foi a definição da pergunta de pesquisa, a saber: há relação entre o uso crônico de glicocorticóides e o desenvolvimento de glaucoma?. Resultados: Um comprimento axial (AXL) maior foi identificado como um fator de risco para a hipertensão ocular induzida por esteróides (OHT) por meio de análises univariadas e multivariadas, com uma razão de chances de 1,216 [intervalo de confiança de 95% (CI) de 1,004 a 1,472, p = 0,0452]. O valor de corte ótimo para o AXL em termos de OHT induzida por esteróides foi de 23,585 mm, com uma razão de chances de 2,355 (IC 95% de 1,429 a 3,882, p = 0,0008). Idade, sexo, comprimento axial, olho glaucomatoso, glaucoma neovascular, glaucoma secundário, histórico de uveíte, hipertensão, depressão, diabetes mellitus e histórico de ceratomileuse in situ assistida por laser ou ceratectomia subepitelial assistida por laser estavam significativamente relacionados à hipertensão ocular induzida por esteroides (p<0,05). O gráfico de calibração revelou uma boa previsão sob um valor previsto de 0,4. Foram fornecidos valores de corte para sensibilidade e especificidade de 80%, 86%, 91%, 95% e 98% para a zona de segurança após a implantação intravítrea de DEX. Conclusão: A análise dos estudos revisados destaca a crescente atenção dada à associação entre o uso de glicocorticóides e o desenvolvimento de glaucoma, identificado como um dos possíveis efeitos adversos decorrentes da utilização indiscriminada desses medicamentos. Essa condição representa uma das complicações oftalmológicas que podem evoluir para a cegueira.

Palavras-chave: glicocorticóides; glaucoma; fatores de risco

Abstract

Introduction: Glaucoma consists of a group of optic neuropathies associated with characteristic structural changes in the optic nerve head, potentially leading to progressive loss of visual field and ultimately, blindness. Glaucoma can be classified as secondary when it is possible to identify the factor that triggered the imbalance in intraocular pressure, and one of the causes can be the indiscriminate use of corticosteroid-based eye drops. Objective: To evaluate the relationship between the continuous use of glucocorticoids and the development of glaucoma. Methodology: Initially, it is noted that the present study constitutes an integrative literature review, produced according to the guidelines established in the PRISMA 2020 statement (PAGE et al., 2020). In this context, the first step in constructing this review was defining the research question, namely: Is there a relationship between chronic use of glucocorticoids and the development of glaucoma?. Results: A greater axial length (AXL) was identified as a risk factor for steroid-induced ocular hypertension (OHT) through univariate and multivariate analyses, with an odds ratio of 1.216 [95% confidence interval (CI) 1.004 to 1.472, p = 0.0452]. The optimal cutoff value for AXL in terms of steroid-induced OHT was 23.585 mm, with an odds ratio of 2.355 (95% CI 1.429 to 3.882, p = 0.0008). Age, gender, axial length, glaucomatous eye, neovascular glaucoma, secondary glaucoma, history of uveitis, hypertension, depression, diabetes mellitus, and history of laser-assisted in situ keratomileusis or laser-assisted subepithelial keratectomy were significantly related to steroid-induced ocular hypertension (p < 0.05). The calibration plot revealed good prediction under a predicted value of 0.4. Cutoff values were provided for sensitivity and specificity of 80%, 86%, 91%, 95%, and 98% for the safety zone after intravitreal DEX implantation. Conclusion: The analysis of the reviewed studies highlights the growing attention given to the association between the use of glucocorticoids and the development of glaucoma, identified as one of the possible adverse effects resulting from the indiscriminate use of these medications. This condition represents one of the ophthalmological complications that can progress to blindness.

Keywords: glucocorticoids; glaucoma; risk factors

1. Introdução

O glaucoma consiste em um grupo de neuropatias ópticas associadas a alterações estruturais características na cabeça do nervo óptico, podendo resultar em perda progressiva do campo visual e, em última instância, cegueira (GUPTA et al., 2016).

O termo cegueira é comumente definido pela acuidade visual, sendo considerado quando a visão no melhor dos olhos é de 20/200 ou inferior. Isso significa que uma pessoa com cegueira pode enxergar a uma distância de 20 pés (6 metros) o que uma pessoa com visão normal enxergaria a 200 pés (60 metros). Alternativamente, a cegueira pode ser determinada se o diâmetro mais amplo do campo visual não exceder 20°, mesmo que a acuidade visual nesse campo estreito seja superior a 20/200 (BASTON et al., 2019).

O glaucoma está frequentemente associado ao aumento da pressão intraocular (PIO). Entretanto, é imprescindível ressaltar que a elevação da pressão ocular não é uma condição exclusiva do glaucoma, há casos em que a pressão está elevada sem a presença da doença, assim como pacientes com glaucoma podem apresentar a pressão ocular dentro dos limites normais (ALMEIDA et al., 2023).

O glaucoma é uma causa significativa de cegueira irreversível, afetando cerca de 60 milhões de pessoas globalmente. Nos Estados Unidos, é a segunda principal causa de cegueira e a principal entre afro-americanos. A prevenção e detecção precoce são essenciais, especialmente considerando o impacto desproporcional da doença em certas comunidades (MAURÍCIO et al., 2022).

O glaucoma é dividido por tipos que são glaucoma primário de ângulo aberto ou glaucoma crônico, glaucoma de ângulo fechado ou glaucoma agudo, glaucoma congênito e o glaucoma secundário. O glaucoma pode ser classificado em secundário quando é possível identificar o fator que desencadeou o desequilíbrio da pressão intraocular e uma das causas pode ser o uso indiscriminado de colírios à base de corticoide. Estima-se que pelo menos um terço dos casos de glaucoma secundário seja consequência da automedicação (CURADO et al., 2023).

Os corticoides, também conhecidos como cortisona ou corticosteróides, constituem uma classe de medicamentos sintéticos reconhecida por sua marcante ação anti-inflamatória. Apesar dos benefícios terapêuticos que oferecem, é imperativo utilizar essas substâncias com cautela, dada a extensa gama de efeitos adversos associados, alguns dos quais apresentam gravidade (DE ALMEIDA et al., 2023).

Os medicamentos derivados do cortisol, conhecidos como glicocorticoides exógenos ou corticosteroides, desempenham papéis cruciais no tratamento de diversas condições médicas. Além da hidrocortisona (cortisol), prednisolona e dexametasona, existem outros corticosteroides sintéticos disponíveis, como a prednisona e a metilprednisolona, que também são amplamente utilizados em práticas clínicas. Essas substâncias possuem propriedades anti-inflamatórias e imunossupressoras, sendo empregadas no controle de doenças autoimunes, alergias, e em situações de inflamação excessiva (RITTER et al., 2020).

No que diz respeito aos efeitos oftalmológicos ocasionados pelo uso crônico de glicocorticóides, eles possuem a capacidade de afetar a drenagem do humor aquoso, ocasionando um aumento na pressão intraocular (PIO). Essa resposta aos corticóides pode manifestar-se em algumas semanas ou mesmo dias após a aplicação de colírios que contenham esses medicamentos (VIANA et al., 2020).

O uso indiscriminado de corticosteróides, especialmente por meio de formulações oftálmicas, tornou-se uma prática disseminada, muitas vezes facilitada pela disponibilidade desses medicamentos em farmácias sem a necessidade de prescrição médica, resultando em uma série de efeitos indesejados. Entre os efeitos adversos observados, a formação de catarata e o desenvolvimento de glaucoma destacam-se como complicações mais comuns. É crucial ressaltar que o uso prolongado ou inadequado dessas substâncias pode acarretar efeitos colaterais, enfatizando a necessidade de uma administração criteriosa e monitoramento médico regular durante o tratamento com corticosteróides (SOARES et al., 2023).Nesta revisão, buscou-se avaliar a relação entre o uso contínuo de glicocorticóides e o desenvolvimento de glaucoma.

 2. Metodologia

2.1 Protocolo e registro

De início, observa-se que o presente estudo constitui uma revisão integrativa de literatura, tendo sido produzido segundo as diretrizes estabelecidas na declaração PRISMA 2020 (PAGE et al, 2020). Nesse contexto, o primeiro passo na construção desta revisão foi a definição da pergunta de pesquisa, a saber: há relação entre o uso crônico de glicocorticóides e o desenvolvimento de glaucoma?

2.2 Fonte de dados

Em seguida, procedeu-se à escolha da fonte de dados que seria utilizada para selecionar os artigos pertinentes a esta revisão. Nesse sentido, definiu-se a plataforma MEDLINE como fonte de dados e informação, de modo que a pesquisa foi realizada neste banco de dados no dia 28 de janeiro de 2023.

2.3 Pesquisa na base de dados

Quanto à pesquisa na base de dados, utilizou-se as palavras-chave glicocorticóides e glaucoma, com a restrição de que os artigos tivessem sido publicados nos últimos 10 anos. Além disso, foram excluídos estudos experimentais em animais, artigos incompletos e estudos que não tinham relação com a pergunta de pesquisa após avaliação por texto completo.

Desse modo, a pesquisa, que encontrou 356 artigos, foi realizada da seguinte forma:

Pubmed/MEDLINE: (glicocorticoides) AND (glaucoma) AND (year_cluster:[2014 TO 2024])

2.4 Critérios de seleção

Quanto ao processo de seleção, os artigos foram inicialmente avaliados por título e resumo, de modo que aqueles sem correlação com a pergunta de pesquisa foram excluídos. Posteriormente, os artigos que permaneciam selecionáveis foram avaliados por texto completo, de modo que cada estudo foi analisado por pelo menos dois autores. Nesse momento, foram excluídos artigos sobre os quais não era possível identificar o texto completo e estudos com graves conflitos de interesse, de modo que subsistiram ao escrutínio e foram selecionados 7 estudos.

2.5 Sumarização dos resultados

Quanto às medidas de sumarização, os 7 estudos foram relatados com foco na metodologia, objetivo e resultados, de modo que uma tabela foi criada com informações relevantes acerca dos estudos incluídos nesta revisão.

3. Resultados e Discussão

Quadro 1: Resultados

Título do ArtigoAno de PublicaçãoObjetivoResultados
Axial Length as a Risk Factor for Steroid-Induced Ocular Hypertension.2023Avaliar se o comprimento axial (AXL) é um fator de risco real para a hipertensão ocular induzida por esteróides (OHT).Um comprimento axial (AXL) maior foi identificado como um fator de risco para a hipertensão ocular induzida por esteróides (OHT) por meio de análises univariadas e multivariadas, com uma razão de chances de 1,216 [intervalo de confiança de 95% (CI) de 1,004 a 1,472, p = 0,0452]. O valor de corte ótimo para o AXL em termos de OHT induzida por esteróides foi de 23,585 mm, com uma razão de chances de 2,355 (IC 95% de 1,429 a 3,882, p = 0,0008).
Predicting the safety zone for steroid-induced ocular hypertension induced by intravitreal dexamethasone implantation.2022Avaliar a possibilidade de hipertensão ocular induzida por esteróides (OHT) após implantação de dexametasona intravítrea (DEX) e identificar uma zona de segurança apropriada para tais injeções.Idade, sexo, comprimento axial, olho glaucomatoso, glaucoma neovascular, glaucoma secundário, histórico de uveíte, hipertensão, depressão, diabetes mellitus e histórico de ceratomileuse in situ assistida por laser ou ceratectomia subepitelial assistida por laser estavam significativamente relacionados à hipertensão ocular induzida por esteroides (p<0,05). O gráfico de calibração revelou uma boa previsão sob um valor previsto de 0,4. Foram fornecidos valores de corte para sensibilidade e especificidade de 80%, 86%, 91%, 95% e 98% para a zona de segurança após a implantação intravítrea de DEX.
Risk of ocular hypertension in children treated with systemic glucocorticoid.2021Avaliar o risco de hipertensão ocular em crianças tratadas com glicocorticóides sistêmicosDezesseis crianças com idade média de 12 anos (faixa de 5 a 17) foram incluídas no estudo. Nove crianças (56%) desenvolveram uma resposta hipertensiva ocular induzida por esteroides. Duas crianças (12%) foram classificadas como respondedoras intensas, com pressão intraocular (PIO) máxima entre 32 e 44 mmHg e um aumento líquido na PIO entre 15 e 23 mmHg. Todas as crianças estavam assintomáticas, e a PIO foi normalizada em todas após a retirada do esteróide. As crianças respondentes ao esteróide eram significativamente mais jovens do que as não respondedoras (p = 0,03). Não foram encontradas associações entre o aumento líquido da PIO e o tempo para a pressão máxima, a dose de esteróide na pressão máxima ou a dose acumulada de prednisolona na PIO máxima.
Long term incidence and risk factors of ocular hypertension following dexamethasone implant injections: the SAFODEX-2 study2021Avaliar a incidência, os fatores de risco e o tempo para o início da hipertensão ocular (OHT) após injeções intravítreas (IVI) do implante de dexametasona, e avaliar a probabilidade cumulativa de elevação da pressão intraocular a longo prazo.Foram estudados 494 olhos em 410 pacientes. Para um total de 1.371 injeções intravítreas (IVI), a incidência de hipertensão ocular (OHT) foi de 32,6% nos olhos estudados, com um período médio de acompanhamento de 30 meses (3-62,5) e um acompanhamento mediano de 29 meses. O tratamento para redução da pressão foi iniciado em 36,9% dos olhos. O tratamento tópico isolado foi suficiente para gerenciar a OHT em 97%. Idade jovem, sexo masculino, uveíte e oclusão de veia retiniana, além de glaucoma tratado com medicação tópica combinada dupla ou tripla para redução da pressão, foram identificados como fatores de risco para OHT. A incidência de OHT não se alterou com o aumento do número de IVIs, e não houve efeito cumulativo, definido por um aumento na incidência de OHT em pacientes após IVIs repetidas (P = 0,248).
Age as a risk factor for steroid-induced ocular hypertension in the non-paediatric population.2020Avaliar o risco relacionado à idade de hipertensão ocular induzida por esteróides por meio da análise das mudanças na pressão intraocular (PIO) após a injeção intravítrea de dexametasona (DEX, Ozurdex).A taxa de elevação da pressão intransigente ular (PIO) foi de 42,9% em pacientes com idade ≤30 anos (35,3%, 28,3%, 14,9%, 12,2%, 8,4% e 9,1% nos grupos de 31-40, 41-50, 51-60, 61-70, 71-80 e 81-90 anos, respectivamente). Independentemente da forma como a PIO foi medida, observou-se uma tendência crescente na incidência de elevação da PIO com a diminuição da idade. Além disso, houve um aumento significativo e progressivo na razão de chances (OR) com a diminuição dos grupos etários. Após o grupo de 51-60 anos ser estabelecido como ponto de referência, as ORs (IC 95%) foram de 5,048 (1,436 a 17,747), 3,671 (1,101 a 12,238), 2,538 (1,043 a 6,178), 0,947 (0,431 a 2,078), 0,713 (0,312 a 1,626) e 0,646 (0,137 a 3,048) nos grupos de ≤30, 31-40, 41-50, 61-70, 71-80 e 81-90 anos, respectivamente.
Ocular hypertension management in long-term treatments with intravitreal dexamethasone implants: a 3-year experience.2020Investigar a eficácia da farmacoterapia no controle desse efeito colateral, mesmo em pacientes que recebem injeções sequenciais.Após a primeira injeção, a pressão intraocular média (PIO) aumentou em 1,90 mmHg. Após a segunda injeção, a PIO média aumentou em 0,23 mmHg. Após a terceira injeção, não houve mudança estatisticamente significativa. Pacientes com PIO >= 21 mmHg (7% de todos os participantes) começaram a utilizar medicamentos tópicos para redução da pressão ocular.
Intraocular pressure changes after dexamethasone implant in patients with glaucoma and steroid responders2019Avaliar as alterações na pressão intraocular (PIO) após o implante de dexametasona (DEX) em pacientes com glaucoma ou histórico de resposta aos esteróides.Um total de 815 pacientes, sendo 767 pacientes no grupo sem glaucoma e 48 pacientes no grupo de encaminhamento para glaucoma, que foram submetidos ao implante de dexametasona (DEX), foram incluídos neste estudo. A média geral (DP) de idade dos participantes do estudo foi de 56,3 (DP = 12,6) anos. A média geral (DP) da pressão intraocular (PIO) no início e no acompanhamento após a injeção, tanto nos grupos sem glaucoma quanto nos grupos de encaminhamento para glaucoma, foi significativa (P < 0,001). As diferenças nas medições de PIO ao longo do acompanhamento após o implante de DEX foram significativas tanto no grupo sem glaucoma (P < 0,001) quanto no grupo de encaminhamento para glaucoma (P < 0,001). Entre os pacientes do estudo no grupo de aumento da PIO, 46,43% apresentaram aumento máximo da PIO no acompanhamento de 1 semana e 39% no acompanhamento de 2 semanas, onde 78,6% mostraram controle da PIO com 1 medicação antiglaucomatosa.

Fonte: autores

3.1 Fatores associados à incidência de glaucoma em pacientes em uso de glicocorticóides

Quanto aos fatores associados à incidência de glaucoma em pacientes em uso de glicocorticóides, a literatura revisada identifica algumas variáveis importantes. Observou-se uma relação diretamente proporcional entre o comprimento axial (CA) e a hipertensão ocular induzida por esteróides, confirmada por análises univariadas e multivariadas. Essa relação de proporção foi estabelecida em uma razão de chances (OR) de 1,216 com um intervalo de confiança de 95% (IC) de 1,004 a 1,472. Isso destaca a importância do comprimento axial como um indicador potencial para avaliar o risco de HO em pacientes expostos a glicocorticóides, como no caso de tratamentos intravítreos com dexametasona (CHOI et al, 2022).

Além dessa variável, diversos outros fatores foram identificados como relacionados à hipertensão ocular causada por esteróides. A idade, sexo, presença de glaucoma, glaucoma neovascular, glaucoma secundário, histórico de uveíte, hipertensão, depressão, diabetes mellitus e histórico de procedimentos oculares específicos, como ceratomileuse in situ assistida por laser ou ceratectomia subepitelial assistida por laser, apresentaram significância estatística (p < 0,05). Esses achados indicam que a predisposição para desenvolver hipertensão ocular em decorrência do uso de glicocorticóides é multifatorial, de modo que tanto fatores oculares quanto sistêmicos estão envolvidos na patogênese dessa condição. O gráfico de calibração que demonstrou uma boa previsão sob um valor previsto de 0,4 sugere que os modelos utilizados para predizer a HO tiveram uma precisão aceitável. Além disso, os valores de corte fornecidos para sensibilidade e especificidade em diferentes percentis (80%, 86%, 91%, 95% e 98%) para a zona de segurança após a implantação intravítrea de dexametasona indicam particularidades que requerem uma abordagem estratificada para identificar pacientes com maior probabilidade de desenvolver hipertensão ocular (CHOI et al, 2021).

Nesse contexto, avaliou-se 494 olhos em 410 pacientes durante 30 meses, a fim de entender a incidência, o manejo e os fatores de risco associados à hipertensão ocular decorrente da administração intravítrea de corticoides. A incidência global de hipertensão ocular foi de 32,6% nos olhos estudados, o que indica a relevância clínica deste evento adverso em pacientes submetidos a corticoterapia intravítrea. Em 36,9% dos pacientes, optou-se por iniciar terapêutica no sentido de reduzir a pressão ocular, indica a necessidade de intervenções terapêuticas diante da elevação da pressão intraocular. Notavelmente, o tratamento tópico isolado mostrou-se eficaz em 97% dos casos, sugerindo que a abordagem tópica pode ser suficiente para controlar a HO decorrente das injeções intravitreas (IVIs) de corticosteróides. Quanto aos fatores de risco associados à incidência de hipertensão ocular, identificou-se idade jovem, sexo masculino, presença de uveíte e oclusão de veia retiniana, além de glaucoma tratado com medicação tópica combinada dupla ou tripla para redução da pressão. É fundamental a compreensão desses fatores de risco, de modo que a estratificação de risco seja feita com precisão e os desfechos terapêuticos sejam positivos. A observação de que a incidência de hipertensão ocular não se alterou com o aumento do número de injeções intravítreas indica que o risco não é dose-dependente. Isso é reforçado pela análise estatística que não demonstrou um efeito cumulativo significativo (P = 0,248) na incidência de HO em pacientes submetidos a IVIs repetidas. Essa constatação pode influenciar as estratégias de tratamento, indicando que a história prévia de IVIs não necessariamente aumenta o risco de HO em injeções subsequentes (REZKALLAH et al, 2021).

3.2 A relação idade-glicocorticóides-glaucoma

Com base na análise da literatura revisada, a relação entre glaucoma e o uso de glicocorticóides em crianças e adultos sugere uma dependência significativa da idade nos efeitos da elevação da pressão intraocular (PIO). Observou-se em crianças e adolescentes, de idade média de 12 anos, que 56% desenvolveram hipertensão ocular secundária ao uso de corticosteroides. Além disso, entre as crianças respondentes ao esteróide, houve uma prevalência significativa de casos intensos, com pressão intraocular máxima entre 32 a 44 mmHg. A significativa diferença de idade entre as crianças respondedoras e não respondedores (p = 0,03) destaca a influência do fator etário nesse fenômeno. Apesar da normalização da PIO após a retirada do esteróide e da ausência de associações com o tempo para a pressão máxima e doses de esteróide, a susceptibilidade ao aumento da PIO parece estar correlacionada à faixa etária pediátrica (KRAG et al, 2021).

No tocante a pacientes adultos, a análise da taxa de elevação da PIO corrobora a análise de crianças e adolescentes, ou seja, observou-se tendência crescente de incidência em pacientes mais jovens, especialmente na faixa etária ≤30 anos. Essa tendência subsistiu quando corrigida pelos métodos de medição da PIO, o que indica a confiabilidade desse achado. A introdução das odds ratios (ORs) após estabelecer o grupo de 51-60 anos como ponto de referência reforça essa associação, mostrando um aumento significativo e progressivo nas ORs à medida que a idade diminui. Os ORs mais elevados nos grupos mais jovens indicam uma maior suscetibilidade à elevação da PIO em resposta ao tratamento com glicocorticóides (CHOI et al, 2020)

4. Conclusão

A análise dos estudos revisados destaca a crescente atenção dada à associação entre o uso de glicocorticóides e o desenvolvimento de glaucoma, identificado como um dos possíveis efeitos adversos decorrentes da utilização indiscriminada desses medicamentos. Essa condição representa uma das complicações oftalmológicas que podem evoluir para a cegueira.

Um comprimento axial mais longo foi identificado como um fator de risco significativo para a hipertensão ocular induzida por esteroides, conforme evidenciado por análises. Além disso, outros fatores como idade, sexo, presença de glaucoma, histórico de uveíte, entre outros, também estão associados à hipertensão ocular induzida por esteroides.

Diante desse cenário, é crucial enfatizar a necessidade de promover campanhas voltadas para a conscientização dos profissionais da medicina. Tais iniciativas visam ressaltar a importância de prescrever corticosteróides de maneira criteriosa, reservando seu uso exclusivamente para situações verdadeiramente indispensáveis e limitando a duração do tratamento. Além disso, destaca-se a relevância da avaliação individualizada do paciente  realizada por profissionais qualificados, que devem considerar não apenas os diversos efeitos colaterais já reconhecidos associados a esses medicamentos, mas também a possível ocorrência do glaucoma corticônico.

5. Referências

ALMEIDA, António de Gouveia Beirão. Diagnóstico diferencial entre glaucoma e neuropatia óptica isquémica anterior arterítica: a propósito de um caso clínico. 2023. Tese de Doutorado.

BASTON, Camila Aparecida Paris. Análise funcional de comportamentos estereotipados em indivíduos com deficiência visual. 2019.

CHOI, Wungrak et al. Age as a risk factor for steroid-induced ocular hypertension in the non-paediatric population. British Journal of Ophthalmology, 2020.

CHOI, Wungrak et al. Predicting the safety zone for steroid-induced ocular hypertension induced by intravitreal dexamethasone implantation. British Journal of Ophthalmology, 2021.

CHOI, Wungrak et al. Axial length as a risk factor for steroid-induced ocular hypertension. Yonsei medical journal, v. 63, n. 9, p. 850, 2022.

CURADO, Sania Cristina Caixeta; PAIVA, Isabel Braga. Glaucoma: Uma revisão bibliográfica. Research, Society and Development, v. 12, n. 12, p. e13121243731-e13121243731, 2023.

DE ALMEIDA, Giovanna Xavier; DE MELO, Nathalie Ferreira Silva; ZAGO, Patricia Maria Wiziack. Efeitos adversos decorrentes da terapia prolongada com corticosteróides.

GUPTA, Divakar; CHEN, Philip P. Glaucoma. American family physician, v. 93, n. 8, p. 668, 2016.

KRAG, Susanne et al. Risk of ocular hypertension in children treated with systemic glucocorticoid. Acta ophthalmologica, v. 99, n. 8, p. e1430-e1434, 2021.

MAURÍCIO, Inês Sofia Nabiça. Prevalência da Cegueira e Deficiência Visual Moderada a Severa Por Glaucoma na Europa Ocidental: Revisão Sistemática. 2022. Tese de Doutorado. Universidade da Beira Interior (Portugal).

MONSELLATO, R. et al. Ocular hypertension management in long-term treatments with intravitreal dexamethasone implants: a 3-year experience. La Clinica Terapeutica, v. 171, n. 1, p. e11-e14, 2020.

PAGE, Matthew J. et al. A declaração PRISMA 2020: diretriz atualizada para relatar revisões sistemáticas. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 46, p. e112, 2023.

REZKALLAH, Amina et al. Long-term incidence and risk factors of ocular hypertension following Dexamethasone-implant injections: the SAFODEX-2 study. Retina, v. 41, n. 7, p. 1438-1445, 2021.

Ritter, J.M., Flower, R., Henderson, G., Loke, Y.K., Macewan, D., & Rang, H.P. 2020. Rang & Dale Farmacologia. (9th ed.). Rio de Janeiro, RJ: GEN Guanabara Koogan.

SOARES CAPACIA, Raquel Bragança; NOGUEIRA FERRAZ, Renato Ribeiro. Conhecimento de pediatras e residentes sobre fatores de risco associados ao glaucoma cortisônico. Journal Health NPEPS, v. 4, n. 1, 2019.

SRINIVASAN, Rekha et al. Intraocular pressure changes after dexamethasone implant in patients with glaucoma and steroid responders. Retina, v. 39, n. 1, p. 157-162, 2019.

VIANA, Rafael Gomes. Perfil dos usuários de corticoides de uma farmácia comunitária do município de Fortaleza-CE. 2020. Tese de Doutorado.


1Graduanda em medicina pelo Centro Universitário CESMAC
mceciliagmaia@gmail.com

2Graduando em medicina pelo AFYA- Centro Universitário de Maceió (UNIMA)
artur.victorcm@gmail.com

3Graduanda em medicina pelo Centro Universitário CESMAC
debinha-barros@hotmail.com

4Graduando em Medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO)
gabrielvidalst@gmail.com

5Graduanda em medicina pelo Centro Universitário Santa Maria (UNIFSM)
isabellysampaiobezerra@gmail.com

6Graduanda em medicina pelo Centro Universitário CESMAC
llivialorensmoura@gmail.com

7Graduando em medicina pelo Centro Universitário CESMAC
luizgustavo.delima00@gmail.com

8Graduando em medicina pelo Centro Universitário CESMAC
Rodrigomeloluz@hotmail.com

9Graduando em medicina pela Faculdade Pitágoras de Medicina Eunápolis (FPME)
saidlcruz29@gmail.com

10Graduanda em medicina pelo Centro Universitário CESMAC
vicnagila104@gmail.com