A SAÚDE DO PEQUENO PECUARISTA NA CAIXINHA DE LEITE: OS RISCOS E AS AÇÕES PREVENTIVAS RELACIONADAS À SEGURANÇA LABORAL NA PRODUÇÃO LEITEIRA

THE HEALTH OF SMALL FARMERS IN THE MILK CARTON: RISKS AND PREVENTIVE ACTIONS RELATED TO LABOR SAFETY IN DAIRY PRODUCTION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10571830


Marlom da Silva Lemos
Nivaldo Alves Gomes Junior
Diego Dantas Amorim


RESUMO

O presente trabalho tem como tema os riscos inerentes à produção de leite. O objetivo geral do trabalho foi identificar ações preventivas passíveis de garantir a segurança sanitária do pequeno produtor de leite no que diz respeito à segurança do trabalho. A metodologia empregada foi a revisão narrativa de literatura. A pecuária leiteira é uma atividade que envolve o manejo de animais de grande porte, o que pode representar riscos ergonômicos para os trabalhadores. Os principais riscos ergonômicos identificados na pecuária leiteira são as posturas inadequadas, levantamento e transporte de cargas pesadas e os movimentos repetitivos. As atividades de ordenha, manejo do gado e limpeza das instalações exigem que os trabalhadores adotem posturas inadequadas, como inclinação lateral e flexão do tronco. Os trabalhadores da pecuária leiteira frequentemente precisam levantar e transportar cargas pesadas. Quanto aos movimentos repetitivos: As atividades de ordenha, manejo do gado e limpeza das instalações também envolvem movimentos repetitivos. Esses riscos podem levar a uma série de problemas de saúde para os trabalhadores da pecuária leiteira, incluindo dores musculares, lesões na coluna vertebral, lesões nos ombros, lesões nas pernas, nos tendões e nas articulações. Para reduzir os riscos ergonômicos na pecuária leiteira, é importante adotar medidas preventivas, como a avaliação ergonômica do trabalho é para identificar os riscos ergonômicos e propor medidas de prevenção. Além disso, é necessário que seja realizado o ajuste das instalações e equipamentos e o fornecimento de equipamentos de proteção individual. O treinamento dos trabalhadores e a cooperação são essenciais para garantir que as medidas de segurança sejam eficazes e que os trabalhadores se sintam envolvidos e comprometidos com a sua implementação. A adoção de medidas preventivas é essencial para reduzir os riscos ergonômicos na pecuária leiteira e proteger a saúde dos trabalhadores. A avaliação ergonômica do trabalho é o primeiro passo para identificar os riscos e propor medidas adequadas.

Palavras-chave: Acidentes de Trabalho. Pecuária Leiteira. Prevenção.

ABSTRACT

This work focuses on the risks inherent to milk production. The general objective of the work was to identify preventive actions capable of guaranteeing the health security of small milk producers with regard to occupational safety. The methodology used was the narrative literature review. Dairy farming is an activity that involves the handling of large animals, which can pose ergonomic risks for workers. The main ergonomic risks identified in dairy farming are inadequate postures, lifting and transporting heavy loads and repetitive movements. Milking, cattle handling and cleaning of facilities require workers to adopt inappropriate postures, such as lateral bending and trunk flexion. Dairy farm workers often have to lift and carry heavy loads. Regarding repetitive movements: Milking, livestock handling and cleaning of facilities also involve repetitive movements. These risks can lead to a range of health problems for dairy workers, including muscle pain, spinal injuries, shoulder injuries, leg injuries, tendon injuries and joint injuries. To reduce ergonomic risks in dairy farming, it is important to adopt preventive measures, such as ergonomic work assessment to identify ergonomic risks and propose prevention measures. In addition, it is necessary to adjust facilities and equipment and provide personal protective equipment. Worker training and cooperation are essential to ensure that safety measures are effective and that workers feel involved and committed to their implementation. The adoption of preventive measures is essential to reduce ergonomic risks in dairy farming and protect workers’ health. Ergonomic work assessment is the first step to identifying risks and proposing appropriate measures.

Keywords: Work Accidents. Dairy Farming. Prevention.

1 INTRODUÇÃO

A produção de leite é uma atividade importante para a economia de muitos países, incluindo o Brasil. Uma parcela significativa dessa produção tem sua origem no trabalho dos pequenos produtores. No entanto, os pequenos produtores de leite enfrentam diversos desafios, incluindo os riscos à saúde. Esses riscos podem ter consequências graves para a saúde destes pequenos produtores de leite, podendo levar a doenças, acidentes e até mesmo à morte. Além disso, a contaminação do leite por agentes patogênicos pode causar problemas de saúde aos consumidores, como intoxicação alimentar.

De modo geral, o trabalho nas zonas rurais é considerado inerentemente arriscado por razões climáticas ou econômicas. Os riscos à saúde e à segurança dos trabalhadores rurais no Brasil são crescentes, devido à inadequação da organização das atividades (HOSTIOU et al., 2015).

Ressalta-se a necessidade de que sejam adotadas medidas efetivas no sentido de prover a segurança dos pequenos produtores de leite, considerando as especificidades intrínsecas ao trabalho destes pecuaristas. Assim, tem-se a imprescindibilidade de um trabalho de caráter preventivo, compreendendo a dimensão dos riscos que se relacionam à produção de leite.

Importa, desse modo, que os pequenos produtores de leite sejam conscientizados sobre os riscos à saúde e tomem medidas para minimizá-los.  Pergunta-se, nesse contexto, quais são os modelos de intervenção aptos a aprimorar a segurança sanitária do pequeno produtor de leite em sua atividade cotidiana.

As condições de trabalho seguras são essenciais para uma vida saudável e para garantir a segurança alimentar entre os agricultores e as comunidades agrícolas nos países em desenvolvimento. A investigação sobre este tema é limitada e a documentação é essencial para compreender e alterar padrões de saúde e segurança humanas (LUNNER-KOLSTRUP; SSALI, 2016).

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo geral identificar ações preventivas passíveis de garantir a segurança sanitária do pequeno produtor de leite no que diz respeito à segurança do trabalho. Os objetivos específicos foram identificar os riscos de acidentes de trabalho relacionados à produção de leite e situar a importância da prevenção contra acidentes e adoecimentos profissionais nesse contexto.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Atividades rurais estão associadas a diversos riscos, como exposição ao clima, produtos químicos, esforço físico intenso, animais venenosos, máquinas e equipamentos agrícolas. Trabalhadores da pecuária estão expostos a riscos ambientais, físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes, dependendo das medidas de proteção e prevenção que adotam para garantir sua saúde e segurança (SEBRAE, 2017).

A agricultura está entre os setores mais perigosos para os trabalhadores a nível mundial, e a produção leiteira tem sido associada a um elevado risco de lesões entre os trabalhadores em vários países. O objetivo deste artigo é fornecer uma atualização sobre o que se sabe sobre as fazendas leiteiras modernas e as lesões e mortes relacionadas em diferentes regiões do mundo. Tal como noutros setores da agricultura, as mortes parecem estar associadas à utilização de equipamento pesado, enquanto as lesões ocorrem em taxas mais elevadas na produção animal, especificamente na produção de gado e de leite (DOUPHRATE et al., 2013). 

A produção leiteira está associada a taxas mais elevadas de lesões em comparação com outros setores industriais, mas a falta de notificação de lesões relacionadas com o trabalho continua a ser um problema em vários países. A mortalidade de trabalhadores associada ao uso de equipamentos pesados não é uma observação nova (por exemplo, tratores); no entanto, os sistemas de manuseamento de estrume, o manejo do gado e a operação de quadriciclos continuam a estar associados a lesões e mortes de trabalhadores nas explorações agrícolas modernas. Existem oportunidades para melhorar os equipamentos relacionados à segurança para reduzir o risco de lesões e fatalidades durante as interações dos trabalhadores com animais de grande porte e equipamentos agrícolas (DOUPHRATE et al., 2013). 

A pecuária leiteira brasileira é dividida em dois grupos principais: pequenos produtores e grandes fazendas. Os pequenos produtores são mais numerosos, mas as grandes fazendas produzem mais leite. A pecuária leiteira familiar é importante para a economia e a sociedade rural brasileira, contribuindo para sua sustentabilidade econômica. No entanto, a produtividade do rebanho brasileiro é baixa em comparação a outros países. Países como Israel, Estados Unidos, Dinamarca, Canadá e Holanda têm produtividades muito superiores (GOMES, 2016, OLIVEIRA; MORO; ULBRICHT, 2017).

A atividade agrícola é uma atividade de alto risco, tanto para os trabalhadores quanto para os negócios. Os riscos climáticos e econômicos podem causar grandes perdas, e os riscos à saúde e segurança dos trabalhadores podem levar a acidentes e doenças. No caso específico da atividade leiteira, os trabalhadores estão expostos a uma série de riscos, incluindo ferimentos, causados por animais, máquinas ou equipamentos; choques elétricos; ruídos excessivos; manipulações inadequadas de produtos químicos; fatores psicossociais, como isolamento, falta de descanso e baixos salários (MAIA; RODRIGUES, 2012).

O trabalho no campo é uma das atividades com maior risco de acidentes, ao mesmo nível da construção civil e da mineração. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que cerca de 170 mil trabalhadores morrem a cada ano em acidentes no setor rural. Para prevenir esses acidentes, a OIT adota desde 1921 diversas convenções que tratam da segurança e saúde no trabalho agrícola (MAIA; RODRIGUES, 2012).

Os produtores de leite enfrentam uma variedade de desafios quando se trata de saúde e segurança. Os trabalhadores muitas vezes lidam com vacas leiteiras grandes e muitas vezes erráticas. E não se esqueça de operar uma variedade de máquinas e equipamentos para realizar o trabalho, além da necessidade de manuseio manual para concluir as tarefas do dia a dia. Os perigos diários também incluem o acesso a espaços confinados, como silos de ração, o contato com vários produtos químicos para fins de limpeza ou medicamentos e a exposição a doenças possivelmente fatais. Alguns dos principais perigos na indústria global de laticínios incluem o manejo de animais, espaços confinados, produtos químicos e Zoonoses. Além disso, têm-se os riscos ambientais, incluindo exposição ao ruído, clima e tráfego (SAFE, 2023).

Os trabalhadores rurais estão expostos a diversos riscos, incluindo exposição a perigos naturais, como intempéries e animais peçonhentos; exposição a substâncias químicas, como agrotóxicos; exposição a máquinas e implementos agrícolas; e desgaste físico excessivo. Para proteger esses trabalhadores, é importante implementar programas de saúde, segurança e qualidade de vida no trabalho. Esses programas devem abordar os diversos riscos aos quais os trabalhadores rurais estão expostos (CANGUSSU; MICHALOSKI, 2015).

Os riscos químicos que dizem respeito ao trabalho da produção leiteira situam-se na exposição às substâncias químicas que, quando são absorvidas pelo organismo, podem produzir reações tóxicas e danos à saúde. Acerca dos riscos biológicos, os parasitas, bactérias, fungos, vírus e outros microrganismos são capazes de desencadear doenças no trabalhador pelo contato, devido à contaminação e pela própria natureza do trabalho (DIAS, 2012).

Os riscos físicos que se relacionam à atividade rural incluem aqueles que se relacionam às máquinas e equipamentos, que geram ruídos e vibrações que podem causar danos, dependendo do tempo de exposição, da intensidade do som e da sensibilidade individual da pessoa. O local de trabalho também pode ser prejudicial à saúde, por causa da umidade e da exposição à radiação solar (CANGUSSU; MICHALOSKI, 2015).

Na atividade leiteira, o trabalhador está exposto a diversos riscos físicos. O trator, usado para produzir e fornecer alimentos aos animais, gera ruído e vibração que podem causar danos ao trabalhador, se não forem tomadas medidas de proteção. A ordenhadeira também gera ruídos, que devem ser mensurados para que as medidas de proteção adequadas sejam tomadas. Outros riscos físicos são a umidade do ambiente e a exposição à radiação solar. O contato direto com esses fatores deve ser evitado, usando dispositivos de proteção individual adequados para cada risco (CANGUSSU; MICHALOSKI, 2015).

Na pecuária leiteira, em particular, os trabalhadores podem estar expostos a riscos ergonômicos durante a atividade de ordenha e a acidentes, principalmente no manejo dos animais (PINZKE, 2003). Distúrbios musculoesqueléticos entre trabalhadores de fazendas leiteiras estão geralmente associados ao ombro, cotovelo, parte inferior das costas, quadril e joelho. 

Estudo realizado por Dedieu et al. (2018) avaliou as posturas dos trabalhadores durante as atividades de ordenha e manejo do gado leiteiro na Comunidade dos Municípios de Campo Mourão, no Brasil. Os trabalhadores estão nesta ocupação há 20 anos, em média, com média de 17 anos. O tempo mínimo de trabalho é de cinco meses e o máximo é de 70 anos. A maioria deles trabalha cerca de 11 horas por dia; a atividade de ordenha, subtarefa do processo de extração do leite integral, leva em média 3 h. 

Quatro horas são gastas em atividades que envolvem o manejo do gado leiteiro (plantio, colheita, alimentação, vacinação, inseminação, etc.) e o tempo restante é gasto em outras atividades. A carga total de trabalho por semana, incluindo todas as atividades na propriedade, foi de 77,1 h. Dos 163 ordenhadores entrevistados, 61,3% (100 ordenhadores) exerciam apenas a atividade de pecuária leiteira e 38,6% (63) exerciam outras atividades como agricultura e pecuária de corte. Em média, 17 animais são ordenhados em cada sessão de ordenha, sendo ordenhados um mínimo de três animais e um máximo de 100. A maioria dos trabalhadores (71,2%; 116) ordenhava as vacas duas vezes ao dia, e 28,8% (47) realizavam uma vez ao dia e adotaram um sistema de ordenha manual (DEDIEU et al., 2018).

A proteção quanto à segurança do trabalho conta, nesse caso, com a observação das normas regulamentadoras. As normas regulamentadoras são criadas pelo governo para garantir a segurança dos trabalhadores. Elas abordam vários tipos de atividade laboral e devem ser seguidas por todos os empregadores. Uma das mais importantes normas é a NR-6, que trata do uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). A NR-6 estabelece que o empregador é responsável por fornecer EPIs gratuitos aos trabalhadores e por treiná-los no uso correto dos equipamentos. Também estabelece que os EPIs devem ser substituídos quando necessário e que devem possuir um certificado chamado Certificado de Aprovação (CA), que garante a sua autenticidade e qualidade (GALON; MARZIALE; SOUZA, 2011).

Abordando o trabalho na produção de leite, destaca-se a importância da NR-31, que se relaciona à segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura. A citada norma objetiva estabelecer os preceitos inerentes à organização e ao ambiente de trabalho rural, possibilitando a compatibilidade do planejamento e o desenvolvimento das atividades do setor com a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho rural (BRASIL, 2022).

No entanto, a aplicação dessas regras tem sido dificultada por resistências de produtores e trabalhadores. Essa resistência pode ser explicada por dois fatores principais: as características do próprio trabalho rural e a escassez de treinamentos. As atividades rurais costumam ocorrer em grandes extensões de terra, o que dificulta o controle e a fiscalização das normas de segurança. Além disso, os trabalhadores rurais, em geral, têm baixa escolaridade e baixa renda, o que dificulta a participação em treinamentos (ALVES; GUIMARÃES, 2012).

Para superar essas dificuldades, é necessário que os produtores rurais e os trabalhadores sejam conscientizados da importância das normas de segurança no trabalho. Também é importante investir em treinamentos específicos para trabalhadores rurais, de forma a garantir que eles tenham as habilidades necessárias para trabalhar com segurança (ALVES; GUIMARÃES, 2012).

A aplicação da legislação de saúde e segurança ocupacional nas atividades que se relacionam à produção de leite e derivados varia em todo o mundo. Geralmente não existe legislação específica de SST que se aplique à indústria de lacticínios e, principalmente, nos países, a legislação atual de SST aplica-se a todos os locais de trabalho com diretrizes específicas que se aplicam às indústrias agrícolas. A principal diferença entre os países está na aplicação da legislação de SST especificamente em relação ao tamanho das explorações agrícolas. Nos EUA, a legislação de SSO e, portanto, a sua aplicação, não se aplica, na maioria dos casos, a explorações agrícolas com menos de 11 trabalhadores, enquanto noutros países não existe um número mínimo de trabalhadores e, em alguns casos, como no Reino Unido e na Austrália abrange todas as pessoas que trabalham na fazenda (REED et al., 2013). 

A outra área de diferença está na utilização e publicação de diretrizes para a indústria; alguns países têm uma ampla gama de diretrizes, enquanto outros países têm poucas. Geralmente, isto está relacionado com a jurisdição da legislação de SSO, que em vários países não é de nível nacional, como EUA, Canadá e Austrália. O principal princípio da legislação de SSO é que todos os locais de trabalho, incluindo as explorações leiteiras, devem ser locais seguros e saudáveis para trabalhar, e não variam significativamente entre os países revistos, mesmo aqueles com legislação prescritiva (REED et al., 2013). 

Conforme Opitz e Opitz (2017), no Brasil, a legislação sobre segurança do trabalho no campo evoluiu ao longo do tempo. A Lei n. 5.889, de 1973, criou o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), que passou a conceder benefícios para trabalhadores rurais acidentados. A Lei n. 6.195, de 1974, regulamentou o FUNRURAL e estabeleceu os direitos dos trabalhadores rurais acidentados. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, estabeleceu que trabalhadores urbanos e rurais têm os mesmos direitos, incluindo o direito à Previdência Social. A Lei n. 8.212/91, a Lei n. 8.213/91 e o Decreto n. 3.048/99 regulamenta atualmente a legislação sobre segurança do trabalho no Brasil.

3 MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia empregada da realização do presente trabalho foi a revisão narrativa de literatura, realizada em livros, artigos científicos, teses, dissertações, preceitos legais e normativos. O critério de utilização das publicações referiu-se à pertinência ao tema proposto, considerando as publicações em português e inglês. Os critérios de exclusão foram representados pelos trabalhos de graduação, estudos bibliométricos e trabalhos publicados parcialmente.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A pecuária leiteira é uma atividade especialmente perigosa, devido ao envolvimento de animais de grande porte. Por isso, é importante que os trabalhadores tenham acesso à Norma Regulamentadora 31 (NR31), que estabelece os requisitos de segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura (MAIA; RODRIGUES, 2012).

A Instrução Normativa 51/2002 estabelece regras para garantir a segurança e a qualidade do leite de vaca. Os funcionários que trabalham na ordenha devem usar uniformes brancos completos e botas antiderrapantes. Eles também devem lavar as mãos antes e depois de trabalhar com o leite. As escadas, rampas e corredores devem ser antiderrapantes, e os funcionários devem receber treinamento sobre como trabalhar com animais de grande porte. Além disso, os funcionários que trabalham de pé devem ter pausas para descanso (BRASIL, 2002).

Os empregadores que estão comprometidos com a saúde e segurança de seus trabalhadores são mais propensos a permanecer no mercado. Isso ocorre porque os acidentes de trabalho podem causar danos físicos, financeiros e de reputação. Um exemplo específico de risco ergonômico enfrentado pelos trabalhadores rurais é a ordenha de vacas. Essa atividade requer uma variedade de posturas e movimentos que podem causar estresse físico. Em países de clima frio, onde as condições de trabalho são mais adversas, é ainda mais importante fornecer aos trabalhadores equipamentos e instalações que ajudem a reduzir o estresse ergonômico (CANGUSSU; MICHALOSKI, 2015).

Vários investigadores identificaram uma elevada prevalência de sintomas musculoesqueléticos entre trabalhadores de explorações leiteiras. Muitos distúrbios musculoesqueléticos têm sido relatados em trabalhadores de explorações leiteiras devido a atividades que envolvem fatores de alto risco em termos de levantamento e transporte de cargas pesadas, movimentos repetitivos e posturas inadequadas (PINZKE, 2003, PERKIÖ-MÄKELÄ; HENTILÄ, 2005; KOLSTRUP; HULTGREN, 2011, DOUPHRATE et al., 2016). 

As perturbações músculo esqueléticas são comuns entre os agricultores e, particularmente, os seus problemas nas costas estão associados ao manuseio de materiais e a posturas de trabalho inclinadas para a frente, como na ordenha (CANGUSSU; MICHALOSKI, 2015).

Quitaiski (2018) realizou um estudo junto aos produtores de leite, constatando a necessidade de que ocorra a definição dos riscos principais de natureza ergonômica que se relacionam à atividade de ordenha, que é a tarefa que mais oferece riscos. A análise das atividades de ordenha e do manejo do gado leiteiro é fundamental para identificar os principais riscos ergonômicos aos quais os ordenhadores estão expostos. Para isso, foram analisados três sistemas de produção: ordenha manual, ordenha mecânica com balde ao pé e ordenha mecânica com dutos em sala de ordenha. Cada sistema foi representado por duas propriedades, totalizando seis ordenhadores. A escolha desses sistemas se deve ao fato de que eles apresentam as maiores prevalências de dor e/ou desconforto musculoesquelético.

Os resultados do estudo realizado por Quitaiski (2018) indicaram que as atividades de ordenha precisam ser melhoradas para melhorar a relação entre o trabalhador e o trabalho e reduzir a exposição dos trabalhadores aos riscos ocupacionais. Nesse contexto, é importante que os ambientes de trabalho sejam projetados levando em consideração as características técnicas da construção, a atividade a ser realizada, o tempo de permanência no posto de trabalho e as características do trabalhador. Ou seja, o ambiente de trabalho deve ser adequado para o bem-estar do trabalhador.

A atividade de ordenha é considerada monótona e inflexível em relação ao horário de trabalho. Os ordenhadores acordam muito cedo para fazer a ordenha, além de terem uma carga diária de trabalho elevada (sem finais de semana, folgas ou feriados). Esses trabalhadores não possuem atividades de lazer e estão voltados praticamente inteiramente para o trabalho (DEDIEU et al., 2018).

Os resultados obtidos por Lunner-Kolstrup e Ssali (2016) indicam que os produtores de leite entrevistados tinham baixo conhecimento e consciência dos fatores de risco e das questões de saúde e segurança relacionadas à pecuária leiteira. Eles enfrentaram tarefas de trabalho fisicamente exigentes e perigosas relacionadas com o trabalho com o gado e com o trabalho agrícola em geral, o que colocou em risco a sua segurança e saúde. 

Estes resultados são consistentes com as conclusões de estudos de investigação e análises anteriores entre agricultores na África. Cortes e hematomas, tanto graves como menos graves, eram frequentemente tratados em casa ou por um vizinho com conhecimento específico de ervas curativas. Os agricultores não consideraram que valia a pena anotar, denunciar ou procurar cuidados médicos para estas lesões. Os agricultores raramente visitavam clínicas médicas, provavelmente devido à pouca conveniência, ao facto de serem demasiado remotos geograficamente, à falta de acesso a transportes, à falta de meios financeiros para pagar um médico, à falta de confiança nos serviços médicos ou à falta de cuidados de saúde adequados e disponíveis (HOGSTEDT; PIERIS, 2000, CULP et al., 2007).

Cockburn et al. (2015) avaliaram o efeito da altura de trabalho em diferentes tipos de salas de ordenha sobre a carga de trabalho do ordenhador durante a tarefa de fixação dos conjuntos de ordenha. A altura de trabalho foi definida como um coeficiente baseado na altura corporal do ordenhador, no nível do piso e na altura do úbere da vaca. Foi criada uma fórmula de saúde da ordenha para calcular a profundidade ideal da cova considerando o tipo de sala, a altura do ordenhador e a altura média do úbere do rebanho. Esta fórmula pode ser usada para desenvolver recomendações individuais para futuras construções de salões.

Oliveira (2011) avaliou a postura de 163 trabalhadores ordenhadores em relação às atividades de ordenha e manejo de gado leiteiro. Os resultados mostraram que 87% dos participantes apresentaram queixas de dor e/ou desconforto musculoesquelético. A maior prevalência de dor foi na região lombar (73,94%). Com relação à cronicidade, a região mais afetada foi a dos quadris (64,29%). Com relação à gravidade, os quadros álgicos mais graves envolveram a região dos membros inferiores (pernas com 37,93%). A comparação entre os sistemas de ordenha manual e mecânica mostrou que a ordenha manual foi mais prejudicial, com 95,31% de dor. No entanto, dos cinco sistemas de produção analisados, a ordenha mecânica com balde ao pé em sala de ordenha (fosso) foi a mais prejudicial, com 100% de dor.

A análise das posturas dos ordenhadores mostrou que as principais posturas adotadas são a inclinação lateral e flexão do tronco e o manuseio de cargas entre 12 e 60 kg. Essas posturas podem contribuir para o desenvolvimento de lesões musculoesqueléticas (OLIVEIRA, 2011).

Pinzke, Stal e Hansson (2011) realizaram a quantificação da carga de trabalho na extremidade superior para tarefas fundamentais de trabalho durante a ordenha mecânica. Participaram do estudo onze ordenhadores que trabalhavam em sistema de alojamento solto com sala de ordenha. A atividade muscular do bíceps e dos flexores do antebraço, bem como as posições e movimentos dos punhos foram medidos simultaneamente durante a gravação em vídeo do trabalho. O trabalho de ordenha foi dividido em três tarefas principais que foram a secagem do úbere da vaca, a pré-ordenha, que é o primeiro leite, e a fixação da unidade de ordenha ao úbere. Foram também analisadas três tarefas complementares. 

Todas as três tarefas principais apresentam valores elevados de carga muscular e quase nenhum tempo para descanso. Durante 10% do tempo de registro, os ordenhadores mantiveram as mãos ativas em flexão dorsal de 42 graus durante as tarefas e em posições desviadas excedendo 50% de seus valores máximos. As altas cargas musculares combinadas com posições e movimentos extremos da mão e do antebraço podem contribuir para o desenvolvimento de lesões entre os ordenhadores. O resultado do estudo busca formar uma base para melhorias técnicas do equipamento de ordenha para diminuir o risco de distúrbios nos braços, punhos e mãos (PINZKE; STAL; HANSSON, 2001).

Conforme Galon, Marziale e Souza (2011), às leis brasileiras estabelecem que os empregadores têm responsabilidades semelhantes às de outros países para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores. No entanto, no Brasil, é comum que os empregadores não consultem os trabalhadores antes de tomar decisões sobre segurança no trabalho. A Organização Internacional do Trabalho recomenda que os empregadores consultem os trabalhadores e cooperem com eles em todas as questões relacionadas à segurança no trabalho. Essa cooperação é essencial para garantir que as medidas de segurança sejam eficazes e que os trabalhadores se sintam envolvidos e comprometidos com a sua implementação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atividade agrícola exige dos trabalhadores uma série de habilidades e conhecimentos. Trata-se, inclusive, de uma atividade de alto risco, tanto para os trabalhadores quanto para os negócios. Os riscos climáticos são um dos principais desafios da atividade agrícola. Secas, inundações, geadas e outras condições climáticas adversas podem causar grandes perdas de produção. Os riscos econômicos também são importantes, pois a agricultura é uma atividade sujeita a variações de preços e à concorrência internacional.

Além dos riscos climáticos e econômicos, os trabalhadores agrícolas também estão expostos a uma série de riscos à saúde e à segurança. Esses riscos podem ser divididos em duas categorias: riscos físicos e riscos ergonômicos. Os riscos físicos são aqueles que podem causar lesões ou doenças físicas. Entre os principais riscos físicos na atividade agrícola estão os ferimentos causados por animais, máquinas ou equipamentos; os choques elétricos; ruídos excessivos e manipulações inadequadas de produtos químicos.

Os riscos ergonômicos são aqueles que podem causar lesões ou doenças relacionadas ao trabalho. Entre os principais riscos ergonômicos na atividade agrícola estão os esforços físicos excessivos; as posturas inadequadas e os movimentos repetitivos. No caso específico da atividade leiteira, os trabalhadores estão expostos a uma série de riscos, incluindo os riscos físicos e ergonômicos mencionados acima. 

Além disso, os trabalhadores da pecuária leiteira também estão expostos a riscos psicossociais, como o isolamento, devido ao trabalho em áreas rurais; a falta de descanso, devido às longas jornadas de trabalho e os baixos salários, que podem levar à pobreza e à vulnerabilidade social. 

Para reduzir os riscos na atividade agrícola, é importante que os trabalhadores tenham acesso a treinamento adequado e que sejam adotadas medidas de segurança. Observa-se a existência de normas regulamentadoras que estabelecem os requisitos de segurança e saúde no trabalho no contexto da produção de leite, sendo que seu cumprimento é essencial para proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores agrícolas. 

Todavia, os obstáculos são diversos, como a resistência por parte de produtores e trabalhadores. As atividades rurais costumam ocorrer em grandes extensões de terra, o que dificulta o controle e a fiscalização das normas de segurança. Além disso, os trabalhadores rurais, em geral, têm baixa escolaridade e baixa renda, o que dificulta a participação em treinamentos.

Ressalta-se a escassez de pesquisas relacionadas à segurança do trabalho no campo da produção leiteira, principalmente no que diz respeito aos pecuaristas de pequeno porte. Esta, inclusive, pode ser definida como uma limitação à execução da presente pesquisa. Desse modo, sugere-se a realização de novas pesquisas a respeito do tema, considerando sua importância no contexto da segurança do trabalho no campo.

REFERÊNCIAS

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