ATENÇÃO PRIMÁRIA NA PEDIATRIA COMO FATOR DE PREVENÇÃO DE DOENÇAS CRÔNICAS NA INFÂNCIA

PRIMARY CARE IN PEDIATRIC AS A FACTOR IN THE PREVENTION OF CHRONIC ILLNESSES IN CHILDHOOD

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10558672


Ana Paula Lima Menezes dos Santos
Elaine Soares Barreto
Maria Ronikelle da Silva
Mariana Moraes Onofre Teixeira
Laryssa da Silva Félix
Giulio Gabriel Ferreira Pinto
Juliana Nascimento da Silva Costa
Thais Regina Ferreira França
Lorena Barros da Silveira
Larissa Graziela Sousa da Silva


Resumo: Introdução: Cerca de 10 a 30% das crianças do mundo são afetadas com doenças crônicas como asma, cardiopatias, diabetes mellitus, hiperatividade e depressão levando a limitações em atividades. O presente estudo teve como objetivo investigar as evidências disponíveis sobre a prevenção, a identificação precoce, o manejo e tratamento disponível quando necessário, assim como o acompanhamento de pacientes pediátricos com DCNT na atenção primária. Método: Trata-se de uma revisão integrativa. Ocorreu com a utilização do acrônimo PICO. A busca dos estudos ocorreu entre setembro e outubro de 2023 nas bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), PubMed e SciELO. Discussão e Resultados: O atendimento a crianças em Unidades de Saúde da Família pode ocorrer através da Estratégia Saúde da Família onde crianças menores de cinco anos são atendidas por enfermeiros e médicos e participam de ações de saúde. A identificação de doenças em crianças acontece através de consultas na atenção primária, geralmente relatadas pela mãe ou responsável da criança. Neste estudo foram relatadas doenças comuns da infância e a cerca de doenças crônicas, foram identificadas doenças respiratórias apenas. Conclusão: A prevenção ainda se torna o melhor meio de abordagem para qualquer doença e na atenção primária não deixa de ser diferente. A maioria das doenças crônicas não transmissíveis que acometem crianças são evitáveis e se instalam de forma lenta.

Palavras-chaves: Noncommunicable Diseases; Child Health; Primary Health Care.

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde define que as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são consideradas as principais causas de morte no mundo e devido este fato, constituem importante problema de saúde pública. Estas doenças ocasionam incapacidades, diminuição da qualidade de vida, mortalidade prematura e aumento da demanda de serviços do sistema público de saúde causando aumento de gastos com assistência médica.1

As DCNT como câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas são responsáveis por 74% das mortes mundiais e possuem semelhantes comportamentos modificáveis como dieta pouco saudável, falta de atividade física e outros fatores que levam ao sobrepeso e obesidade, aumentado pressão arterial e colesterol e, finalmente, levando a doença. Elas ainda se mantêm como um desafio em todos os países, incluindo países de baixo e médio rendimento, onde mais de três quartos das DCNT ocasionam mortes2 e são determinadas pelo acesso a bens e serviços públicos, garantia de direitos, informação, emprego e renda e possibilidades de fazer escolhas favoráveis à saúde.3

 Cerca de 10 a 30% das crianças do mundo são afetadas com doenças crônicas como asma, cardiopatias, diabetes mellitus, hiperatividade e depressão levando a limitações em atividades, aparecimento e persistência de dores e desconfortos, crescimento e desenvolvimento anormais, além de precisarem de maior demanda de serviços hospitalares de internação, consultas e tratamentos médicos.4 A Organização Mundial de Saúde (OMS) volta nossa atenção para os dados de relevância que vem se destacando a cerca das doenças crônicas em crianças e adolescentes a contar de 2003 devido às mudanças observadas no cenário epidemiológico mundial.5 

 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as crianças e adolescentes representam entre 9% e 11% das portadoras de uma doença crônica no Brasil. Nos Estados Unidos, 43% das crianças – cerca de 32 milhões – vivem, atualmente, com pelo menos uma das 20 doenças crônicas mais comuns na infância.5

No Brasil, há o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil 2021-2030, que nos traz ações estratégicas para enfrentamento das doenças e agravos não transmissíveis mostrando que a Atenção Primária em Saúde (APS), que é a porta de entrada para a rede de atenção à saúde no Brasil, tem o objetivo de promover ações e programas voltadas a grupos de maior vulnerabilidade para DCNT e a obesidade assim como o rastreamento de risco e detecção precoce de doenças crônicas e disseminar boas práticas na Atenção Primária à Saúde.3  O objetivo do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil 2021-2030 através da atenção primária é reduzir a prevalência de obesidade em crianças, verificar o acesso aos serviços e sua utilização e estabelecer regulamentação específica para a publicidade de alimentos, principalmente para crianças.4

 O Ministério da Saúde (MS) define 10 etapas fundamentais para o cuidado de crianças e adolescentes com doenças crônicas, os quais incluem: 

1) Diagnóstico precoce e correto; 2) Acompanhamento por toda a vida; 3) Acesso ao manejo interdisciplinar; 4) Cuidado centrado em diretrizes baseadas em evidências científicas sólidas; 5) Acesso a medicação de alto custo; 6) Avaliação de comorbidades; 7) Manejo das exacerbações; 8) Atenção à qualidade de vida; 9) Apoio à inclusão social e a não discriminação e 10) Apoio aos cuidadores.5

Há ainda a Portaria 483, de 1/4/2014, também do MS, que define os cuidados de DCNT visto que são doenças de longa duração, não transmissíveis, sem expectativa de cura, que se perpetuarão na vida adulta e que podem causar sequelas e limitações a quem é acometido sendo necessário readaptações no cotidiano da pessoa portadora da doença.6

 Um grande desafio atualmente que a APS enfrenta é a inclusão dos cuidados para as doenças crônicas devido à alta prevalência, vários fatores de causas e a necessidade de uma abordagem multiprofissional das equipes de saúde juntamente com a participação dos pacientes, suas famílias e a comunidade, ainda mais quando falamos de crianças e adolescentes.5 Diante do apresentado, o presente estudo teve como objetivo investigar as evidências disponíveis sobre a prevenção, a identificação precoce, o manejo e tratamento disponível quando necessário, assim como o acompanhamento de pacientes pediátricos com DCNT na atenção primária. 

MÉTODOS

 Trata-se de uma revisão integrativa baseada na proposta de Souza et al. (2010), contando com seis etapas, as quais são: elaboração da pergunta norteadora, busca ou amostragem na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa.7

 A primeira etapa do estudo ocorreu com a utilização do acrônimo PICO, em que o P representa a “população, paciente ou problema”, I representa o “interesse”, C representa o “contexto” e O representa o “desfecho”. 8 Desta forma delimitou-se a pergunta norteadora: “Quais as ações de prevenção, identificação, manejo e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis em pacientes pediátricos na atenção primária são reportadas na literatura?”. O problema (P) especificado foi “doenças crônicas não transmissíveis na infância” com o interesse (I) voltado para “ações de prevenção, identificação, manejo e tratamento” no contexto (C) da “atenção primária em saúde”, e o desfecho (O) não se aplica à pesquisa.

 A busca dos estudos ocorreu entre setembro e outubro de 2023 nas bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), PubMed e SciELO. Como descritores foram selecionadas expressões constituintes dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) da BVS e da Medical Subject Headings (MeSH): “Noncommunicable Diseases”, “Child Health” e “Primary Health Care” (idioma inglês). Visando uma busca ampla nas bases de dados, utilizou-se operadores booleanos nas interseções: “Noncommunicable Diseases” AND “Child Health”; Noncommunicable Diseases” AND “Primary Health Care”; “Child Health” AND “Primary Health Care”.

 Para seleção dos estudos, foi utilizado os parâmetros de inclusão e exclusão do teste de relevância (TR) 9: a) estudos com evidências de ações de prevenção, identificação, manejo e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis; b) estudos referentes a essas ações exclusivamente com pacientes pediátricos; c) estudos abordando o tema no ambiente da atenção primária; d) estudos publicados na íntegra durante o período de 2013 a 2022; e) estudos nos idiomas inglês, português ou espanhol.

 Como critérios de exclusão foram aplicados: monografias, relatos de casos, resumos simples, trabalhos de revisão, comunicações, baselines e artigos que abordem o tema de prevenção de DCNT fora do contexto de atenção primária. As etapas da pesquisa foram realizadas aplicando-se o TR por dois pesquisadores até o momento da seleção final dos artigos e nos casos de desacordos sobre a inclusão de algum estudo, foi consultado um terceiro pesquisador. 

Foram encontrados 861 artigos, 58 estavam repetidos e foram descartados, restando 803 elegíveis para a aplicação do TR. Após a leitura dos títulos e dos resumos, 28 artigos foram analisados por completo. Desses, 11 foram selecionados e respondem aos questionamentos do estudo compondo a amostra final. Dos estudos foram coletadas informações quanto ao ano e local de publicação, nome dos autores e resultados obtidos conforme a pergunta norteadora.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentre os artigos selecionados, podemos observar no Quadro 1 o título, autor, periódico e ano de publicação.  

Quadro 1. Artigos selecionados para estudo.

ARTIGOAUTORPERIÓDICOANO
O acesso e a dificuldade na resolutividade do
cuidado da criança na atenção primária à saúde
Finkler, A. L., Viera, C. S., Tacla, M. T. G. M., & Toso, B. R. G. D. O. Acta Paulista  de Enfermagem2014
Ações e articulações do enfermeiro no cuidado da criança na atenção básica. Furtado, M. C. D. C., Mello, D. F. D., Pina, J. C., Vicente, J. B., Lima, P. R. D., & Rezende, V. D. Texto & Contexto-
Enfermagem
2018
Avaliação em saúde: dimensão processual e estrutural da saúde da criança na atenção primária. Coutinho, S. E. D.,
Reichert, A. P. D. S.,
Nogueira, J. A., Toso, B. R. G. D. O., & Collet, N. 
Saúde em Debate2020
Cuidado em saúde à criança na atenção primária em região de fronteira. Morgana Picco, T., Aparecida Baggio, M., Renata Hirano, A.,
Caldeira, S., & Pimenta
Ferrari, R. A. 
Anna  Nery  School
Journal  of Nursing/Escola Anna Nery Revista de
Enfermagem.
2022
Enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis na atenção primária à saúde em Goiás: estudo descritivo, 2012 e 2014. Oliveira, J. H. D., Souza, M. R. D., & Morais Neto, O. L.
D. 
Epidemiologia e
Serviços de Saúde
2020
Qualidade da Atenção
Primária à Saúde infantil em estados da região Nordeste. 
Gubert, F. D. A., Barbosa Filho, V. C., Queiroz, R. C. D. S., Martins, M. C., Alves, R. D. S., Rolim, I. L. T. P., …
& Vieira-Meyer, A. P. G. F. 
Ciência & Saúde Coletiva2021
Discursividade de agentes comunitários de saúde acerca do cuidado à criança e ao adolescente com doença crônica na atenção primária. Ramalho, E. L. R., Silva, M. E. D. A., Machado, A. N., Vaz, E. M. C., Souza, M. H. D. N., & Collet, N. REME rev. min. enferm,2019
Saúde da criança na atenção primária: evolução das políticas brasileiras e a atuação do enfermeiro. Branquinho, I. D., & Lanza, F. M. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro,2018
A criança e sua família na atenção primária em saúde. Menezes, LG, Ciuffo, LL, Gonçalves, AP, Moraes, JRMMD, Souza, TVD, &
Rodrigues, EDC 
Rev. UFPE on-line  2019
Construção de material educativo para prevenção do excesso de peso infantil na atenção básica1. Más, M. F. F., Palombo, C. N. T., & Fujimori, E. Cienc Cuid Saude,  2019
Utilização de medicamento pelos usuários da atenção primária do Sistema Único de Saúde. Costa, C. M. F. N., Silveira, M. R., Acurcio, F. D. A.,
Guerra, A. A., Guibu, I. A.,
Costa, K. S., … & Álvares, J. 
Revista de Saúde
Pública
2017

Fonte: Quadro elaborado pelos autores da pesquisa (2023)

A prevenção e a identificação de Doenças Crônicas Não Transmissíveis em crianças na Atenção Primária

Conforme os estudos analisados, o programa Saúde da Família é uma estratégia que tem ações que visam a promoção a saúde de uma população de determinado território mediante a educação em saúde e visa a prática preventiva e curativa onde os indivíduos buscam qualidade de vida.10 

O atendimento a crianças em Unidades de Saúde da Família pode ocorrer através da Estratégia Saúde da Família onde crianças menores de cinco anos são atendidas por enfermeiros e médicos e participam de ações de saúde relacionadas com a realização de exames físicos, coleta de material para exames e atualização de vacinas para imunização. Há também orientações sobre aleitamento materno e alimentação infantil e ações com atenção programada visando sempre a prevenção de doenças.10, 11,12

Geralmente o primeiro contato da criança com a atenção primária é na primeira consulta após o nascimento, onde a mãe e criança são atendidos em unidades básicas de saúde para acompanhamento do crescimento e desenvolvimento permitindo que sejam identificadas dificuldades que estejam ocorrendo e possa haver intervenções precoces. A mãe por ser cuidadora no momento da consulta, pode ser orientada quanto a saúde da criança e corroborar durante todo seu desenvolvimento para evitar doenças.11,12

A criança é atendida na atenção primária conforme sua necessidade. A oferta de serviços e encaminhamentos para outros profissionais se faz quando há identificação desta necessidade através de uma rede de atendimento ampla multiprofissional para contemplar um atendimento integral à criança. Busca-se uma rede ampla de atendimento com outras unidades de saúde de atendimento especializado, atendimento de urgência e emergência e outros níveis de complexidade.11,13

Na atenção primária há uma ação chamada visita domiciliar, que colabora com as práticas profissionais uma vez que crianças que por algum motivo não conseguem alcançar o atendimento em unidades básicas de saúde, recebem a visita de profissionais de saúde e assim são avaliadas e examinadas identificando qualquer necessidade de saúde. Nestas visitas, os profissionais de saúde aproveitam a oportunidade para gerarem orientações de educação em saúde e prevenção de agravos e doenças.11,12

As visitas domiciliares geralmente são realizadas num primeiro momento por Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e ocorrem na forma de busca ativa às mães que não compareceram à Unidade Básica de Saúde (UBS) para consulta de primeira semana pós-parto ou quando estão há meses sem aparecer na UBS. É por meio destas visitas que a equipe de saúde pode conhecer o contexto real em que vivem as famílias e orientar os responsáveis das crianças quanto ao cuidado que elas necessitam e a prevenção de doenças.13

Não se pode deixar de citar a articulação que existe da atenção primária com o setor de educação dos municípios onde creches e escolas públicas e privadas são importantes parceiros para o acesso aos cuidados em saúde das crianças através da visita dos profissionais ofertando serviços que às vezes a criança não tem oportunidade de usufruir devido o responsável não a levar à unidade de saúde.11

 Em um estudo, mostrou-se que a identificação de doenças em crianças acontece através de consultas na atenção primária, geralmente relatadas pela mãe ou responsável da criança. Neste estudo foram relatadas doenças comuns da infância e a cerca de doenças crônicas, foram identificadas doenças respiratórias apenas.13,17

 A família deve ser envolvida na promoção de saúde à criança e na prevenção de doenças sejam agudas ou crônicas. O familiar deve ser orientado a ponto de ser capaz de reconhecer sinais de alerta contribuindo com o crescimento e desenvolvimento adequado da criança. Crianças até dois anos devem ter acompanhamento rigoroso dos hábitos alimentares pois são fundamentais para desenvolvimento e crescimento e manutenção satisfatória da saúde sem agravamento e cronicidade de doenças.15,17

 Podemos citar como exemplo de envolvimento o estudo intitulado “Construção de material educativo para prevenção do excesso de peso infantil na atenção básica” onde neste estudo a equipe de saúde realizou três oficinas com mães de uma Unidade Básica de Saúde as quais tinham filhos menores de três anos que apresentavam riscos para obesidade.Com a familiarização do tema há um aceite maior no controle de riscos pois as pessoas entendem porque devem ter aquela atenção específica solicitada pelo profissional de saúde e o que pode acontecer com seus filhos caso negligenciem os fatores de prevenção.19

 Em estudos variados, os ACSs relatam acompanhar crianças com DCNT com diagnósticos como anemia falciforme, neuropatia crônica, artrite reumatóide, hidrocefalia, câncer ocular infantil, diabetes mellitus tipo I, asma, cardiopatias, síndrome de Down, deficiência mental, visual e motora.16

O manejo e o tratamento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis em crianças na Atenção Primária

 Observa-se em relatos de alguns estudos que as visitas domiciliares pelos profissionais de saúde até o 5º dia de vida das crianças, após a alta hospitalar, ainda não ocorrem com a frequência que deveriam, deixando algumas crianças sem cobertura de assistência à saúde. Estas visitas não ocorrem por vários motivos que vão desde fatores de gestão, materiais ou até mesmo periculosidade das áreas de domicílio das crianças.13

 Há ainda em muitos locais do país a insuficiência de profissionais de saúde e de medicamentos na APS configurando deficiências do sistema de saúde que atingem diretamente pacientes que necessitam de cuidados essenciais.13

 Mesmo com as fragilidades enfrentadas pela APS, as equipes de saúde adotam medidas para a promoção da continuidade do cuidado de crianças na APS utilizando-se de educação em saúde, agendamentos, encaixes e remanejamentos de consultas para atender a demanda e necessidades.13 As intervenções de prevenção e promoção de saúde para o enfrentamento de DCNT busca a redução dos fatores de risco.14

Observou-se em estudos que mesmo a APS buscando a prevenção de doenças, muitas vezes as crianças chegam ao ambulatório médico para atendimentos de demanda espontânea e não programada com situações agudas de doenças, onde o foco se vira para a queixa, intervenção e cura, uma vez que era para ter foco na orientação e prevenção, evitando a cronicidade de certas doenças como hipertensão arterial e diabetes. 10 Ao ser identificadas doenças em crianças através da consulta na atenção primária, há a indicação de tratamento ou orientações aos pais conforme cada caso.13

 Geralmente ocorre a medicação sem avaliação médica, sem prescrição ou orientação pois as mães e responsáveis de crianças ao identificarem sinais e sintomas de doenças, administram às crianças as medicações indicadas a outras pessoas com os mesmos sintomas e só recorrem à APS para consulta quando há piora do quadro da criança.13

 A Organização Mundial de Saúde (OMS) indica que mais de 50% dos medicamentos são prescritos ou dispensados de forma inadequada em todo o mundo e acontece o uso incorreto de medicamentos por pelo menos 50% dos pacientes. A APS deve estar preparada para os problemas dos cuidados primários, incluindo medicações de doenças crônicas sendo o acesso a medicamentos de qualidade e a orientação de uso de forma correta uma oportunidade da APS se mostrar resolutiva e acessível.20

 Os usuários de medicamentos disponibilizados na APS para doenças crônicas representam 77%. Entre as principais doenças crônicas que os pacientes necessitam buscar medicamentos, a hipertensão arterial é a mais prevalente. Hipertensão, dislipidemia, artrite/artrose ou reumatismo, diabetes mellitus, doenças do coração e acidente vascular cerebral são as doenças crônicas mais citadas, porém comuns em adultos. Em crianças pode-se citar o maior uso de medicação para doenças respiratórias crônicas.20

 Na APS são disponibilizados medicamentos para adolescentes portadores de doenças crônicas não transmissíveis como anti-hipertensivos, antidiabéticos, antidepressivos e psicoanalépticos. Assim como medicamentos agentes modificadores de lipídios e as preparações anti-obesidade. Para artrite, artrose e reumatismo, há corticosteróides para uso sistêmico simples, produtos anti-inflamatórios não esteroidais e anti reumáticos entre muitos outros.20

 Em 2011 foi implementado o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), levando as equipes de APS a obter padrões de qualidade em gestão e no cuidado em saúde. No PMAQ-AB há plano de estratégia para o enfrentamento de DCNT indicando o aumento da promoção de atividades físicas através de estímulos para construção de espaços físicos para a prática esportiva através do Programa Academia da Saúde.14

 Observa-se que as ações de saúde para prevenção de doenças em crianças são de baixa complexidade e muitas vezes necessitam apenas de orientações e educação em saúde. O diálogo aberto entre pais e profissionais é de grande valia para a adesão às orientações e para sanar dúvidas. Profissionais como médicos e enfermeiros devem possuir atributos como competência, conhecimento e habilidade técnica pois são decisivos na detecção de crianças em risco, o que implica planejamento de acompanhamento mais frequente.15, 18  O ACS é o elo entre a comunidade e os serviços de saúde e assim possui ações de cuidado que se ajustam ao acompanhamento longitudinal de crianças com doenças crônicas e suas famílias. Essas ações se resumem em identificar o público infantil, realizar o cadastro na unidade de saúde e acompanhar através de visitas domiciliares para realizar o levantamento de dados e informações importantes sobre a saúde destes, além de realizar orientações sobre o controle dessas doenças.16

 Apesar da demanda de crianças com necessidade de atenção à saúde devido às doenças crônicas, as ações desenvolvidas na APS através da visita domiciliar se resumem em terapia medicamentosa e sem contemplar especificidades de condições crônicas, seguindo a mesma lógica das visitas para população geral, não atendendo suas necessidades específicas. Mesmo com as fragilidades de atendimento apontadas, o ACS consegue construir um vínculo com a família da criança portadora da doença crônica, facilitando a vivência e enfrentamento da situação por parte do familiar buscando reduzir hospitalizações desnecessárias e utilização de serviços de urgência e emergência pois proporciona o acompanhamento contínuo para o paciente e familiares.16

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A partir da análise dos estudos selecionados, pode-se chegar à conclusão de que a atenção primária em saúde possui meios para o atendimento eficaz de crianças com doenças crônicas não transmissíveis visto que já há programas que atendem adultos e há profissionais de saúde qualificados para atenderem a faixa etária infantil.

 A prevenção ainda se torna o melhor meio de abordagem para qualquer doença e na atenção primária não deixa de ser diferente. A maioria das doenças crônicas não transmissíveis que acometem crianças são evitáveis e se instalam de forma lenta. Algumas doenças como hidrocefalia e asma não são evitáveis, mas podem ser acompanhadas pela equipe da atenção primária de forma a amenizar o sofrimento do paciente e da família e dar mais liberdade para ambos conviverem com a condição limitante.

 Dessa forma, este estudo de pesquisa teve por finalidade levantar questões sobre a abordagem de doenças crônicas na atenção primária em crianças, onde podemos verificar que ainda há um caminho a percorrer para a disponibilização de atendimento mais bem direcionado, porém já existe mesmo com todas as dificuldades enfrentadas na saúde pública do país.

 Há medicamentos para certas doenças e disponibilização de atendimento multiprofissional ambulatorial e domiciliar, levando qualidade de vida aos pacientes e familiares e buscando a melhora da oferta de serviços públicos de saúde.

REFERÊNCIAS

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2.  World Health Organization (WHO). Noncommunicable diseases progress monitor 2022. Geneva: WHO; 2022. [acesso 2023 Set 24]. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/353048/9789240047761eng.pdf?sequence=1

3.  Malta, D. C., & Silva Jr, J. B. D. (2013). O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil e a definição das metas globais para o enfrentamento dessas doenças até 2025: uma revisão. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 22(1), 151-164.

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6.  Brasil. Portaria nº 483, de 1º de abril de 2014. Redefine a Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e estabelece diretrizes para a organização das suas linhas de cuidado. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014. [Acesso 2023 Out 24]. Disponível em: bvsms.saude. gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0483_01_04_2014.html. 

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9. Olsen, J. (1995). Meta-analyses or collaborative studies. Journal of occupational and environmental medicine, 897-902.

10. Finkler, A. L., Viera, C. S., Tacla, M. T. G. M., & Toso, B. R. G. D. O. (2014). O acesso e a dificuldade na resolutividade do cuidado da criança na atenção primária à saúde. Acta Paulista de Enfermagem, 27, 548-553.

11.  Finkler, A. L., Viera, C. S., Tacla, M. T. G. M., & Toso, B. R. G. D. O. (2014). O acesso e a dificuldade na resolutividade do cuidado da criança na atenção primária à saúde. Acta Paulista de Enfermagem, 27, 548-553.

12.  Coutinho, S. E. D., Reichert, A. P. D. S., Nogueira, J. A., Toso, B. R. G. D. O., & Collet, N. (2020). Avaliação em saúde: dimensão processual e estrutural da saúde da criança na atenção primária. Saúde em Debate, 44(124), 115-129.

13. Morgana Picco, T., Aparecida Baggio, M., Renata Hirano, A., Caldeira, S., & Pimenta Ferrari, R. A. (2022). Cuidado em saúde à criança na atenção primária em região de fronteira. Anna Nery School Journal of Nursing/Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 26.

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20.  Costa, C. M. F. N., Silveira, M. R., Acurcio, F. D. A., Guerra, A. A., Guibu, I. A., Costa, K. S., … & Álvares, J. (2017). Utilização de medicamento pelos usuários da atenção primária do Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública, 51.