MATRICIAMENTO SOBRE CUIDADOS PALIATIVOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA – UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10558664


Poliana Laurentino da Conceição Alves1; Anna Heliza Silva Giomo2; Diego Era3; Margareth Akemi Ohofugi4; Hagda Krystyna de Novais da Silva5; Mirella Paula de Freitas Barros6; Júlia Oliveira Souza7


RESUMO

Introdução- O envelhecimento traz consigo diversas alterações biopsicossociais que vulnerabilizam o aparecimento de doenças no indivíduo a depender da influência de fatores como: hábitos de vida, genética e exposição a agentes externos. A mudança do perfil populacional evidencia a importância de medidas e cuidados dispensados à pessoa idosa, especialmente aos que possuem uma doença crônica, fora da proposta curativa e necessitam de um cuidado singular e humanizado, como propõe o Cuidado Paliativo. A abordagem multidisciplinar é fundamental nesse tipo de cuidado, visto que o indivíduo é um ser multidimensional, e nesse contexto, pode apresentar diversas alterações físicas, psicológicas e sociais. Foi proposto um matriciamento com a participação de profissionais da E-multi parar falar sobre o Cuidado Paliativo na perspectiva da Atenção Primária de saúde. Metodologia- O trabalho seguiu o modelo do Arco de Maguerez, proposto como um modelo de aprendizagem ativa, por meio da observação e identificação de um problema, do entendimento da interação dos sujeitos e objetos problematizados e da aplicação de uma solução para a problemática. Resultados- Os principais pontos abordados durante as discussões foram: a origem, conceitualização dos CP e quem são os pacientes que devem receber esse cuidado, a necessidade de incluir os familiares e cuidadores nos cuidados da equipe, os desafios enfrentados e a atuação de cada profissional dentro da perspectiva paliativista, instrumentos que podem ser utilizados para uma avaliação mais assertiva. Considerações finais- Apesar dos avanços desenvolvidos para a implementação dos cuidados paliativos no território brasileiro, ainda há desafios a serem superados. O surgimento de normativas e marcos legislativos não garantem a execução de uma política pública, principalmente na Atenção Primária, onde existem barreiras para que o manejo em Cuidado Paliativo seja bem consolidado.

PALAVRAS-CHAVE: Cuidado Paliativo; Qualidade de vida; Atenção Primária.

INTRODUÇÃO

Em todo o mundo, o número de idosos é cada vez maior devido ao aumento da expectativa de vida1. O envelhecimento traz consigo diversas alterações biopsicossociais que vulnerabilizam o aparecimento de doenças no indivíduo a depender da influência de fatores como: hábitos de vida, genética e exposição a agentes externos2.

A mudança do perfil populacional evidencia a importância de medidas e cuidados dispensados à pessoa idosa, especialmente aos que possuem uma doença crônica, fora da proposta curativa e necessitam de um cuidado singular e humanizado, como propõe o Cuidado Paliativo3.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a implementação dos Cuidados Paliativos (CP) é necessária para qualquer doença crônica que ameace a vida4, onde se deve garantir melhor qualidade de vida de pacientes, familiares e cuidadores, através do alívio da dor, alterações psicológicas, físicas, espirituais e sociais até a fase de luto4,5.

Os cuidados paliativos são divididos em três fases assistenciais. Na primeira fase, se percebe maior possibilidade de recuperação e busca-se o tratamento para alívio de sinais e sintomas da doença e do tratamento. Na segunda fase, percebe-se a falta de responsividade aos recursos e tratamentos impostos e se observa tendência ao desfecho morte. Já a terceira fase, é reconhecida pela irreversibilidade da doença e a iminência de morte, sendo, neste caso, implementado o cuidado paliativo exclusivo onde todas as medidas são impostas a fim de buscar melhor qualidade de vida do paciente e familiares5,6.

A ampliação dos olhares para demandas de Cuidados Paliativos

Em 2018 foi lançada a Política Nacional de Cuidados Paliativos7, que determina a realização dos Cuidados Paliativos em todas as redes de saúde, por qualquer ponto da rede, incluindo a Atenção Básica. Nesse contexto, existe a necessidade de mudar a lógica do modelo centrado nas condições agudas e ampliar os olhares para as demandas crônicas e CP, especialmente na atenção primária, que é a porta de entrada dos serviços de saúde no Brasil, e por isso, também é fundamental na identificação e no manejo do CP8.

Entretanto, a falta de incentivo à implementação dos Cuidados Paliativos e a ausência de indicadores específicos acabam interferindo na efetividade da Política e contribui para o desconhecimento e falta de manejo dos profissionais da atenção primária nesse cuidado9.

O matriciamento em cuidados paliativos

A abordagem multidisciplinar é fundamental nesse tipo de cuidado, visto que o indivíduo é um ser multidimensional, e nesse contexto, pode apresentar diversas alterações físicas, psicológicas e sociais. O familiar e/ou cuidador também necessita desse cuidado, uma vez que vivencia todo o processo de adoecimento do familiar4.5.

O conhecimento dos Profissionais da Atenção Primária de identificar e manejar dentro da proposta do CP é essencial e está descrita em portaria e resolução como sendo uma das atribuições da atenção básica7. No entanto, percebe-se que a maior parte das equipes especializadas estão ligadas à atenção terciária. Nesse contexto, foi proposto um matriciamento em Cuidados Paliativos intra e-multi com intuito de discutir, avaliar e saber manejar pacientes que necessitam desse cuidado.

No contexto vivenciado no território na Unidade de Saúde em que foi proposto o matriciamento, foi evidenciado um público majoritariamente de idosos, com casos de comorbidades e doenças crônicas degenerativas, como o Parkinson, Alzheimer, Demências, entre outras. Esses pacientes frequentemente necessitam dos serviços de saúde, seja através de atendimento na UBS ou por visitas domiciliares. Dessa forma, foi proposto um matriciamento realizado a cada 15 dias, com duração de aproximadamente 2 horas, com a participação de profissionais da e-multi através da perspectiva dos CP.

 Foram realizados 5 encontros, sendo o primeiro encontro direcionado para contextualizar e introduzir o tema. Depois, seguiu-se uma ordem para cada categoria profissional conduzir as reuniões dentro da perspectiva da sua profissão, sendo: Nutrição, Fisioterapia, Saúde coletiva e Farmácia.

A metodologia utilizada no trabalho seguiu o modelo do Arco de Maguerez, proposto como um modelo de aprendizagem ativa, por meio da observação e identificação de um problema, do entendimento da interação dos sujeitos e objetos problematizados e da aplicação de uma solução para a problemática.

RESULTADOS

Os principais pontos abordados durante as discussões foram: a) origem, conceitualização dos CP e quem são os pacientes que devem receber esse cuidado, b) a necessidade de incluir os familiares e cuidadores nos cuidados da equipe, c) os desafios enfrentados e a atuação de cada profissional dentro da perspectiva paliativista, d) instrumentos que podem ser utilizados para uma avaliação mais assertiva.

Origem, conceitualização de Cuidados Paliativos e pacientes que devem receber esse cuidado

Ao longo do tempo sempre existiram personalidades, na maioria das vezes religiosos, que se dedicavam ao cuidado do sofrimento de pessoas negligenciadas socialmente. Cicely Saunders foi um exemplo de personalidade que se interessou nos cuidados dessas pessoas e acabou fundando o St. Christopher’s Hospice, primeiro hospital com o objetivo de acolher pacientes terminais, sem chance de cura10.

Durante as reuniões foi abordado sobre a origem do CP e sua importância para abarcar a saúde do indivíduo de forma mais completa e humanitária, como defendia Cicely, ao enxergar a necessidade de aliar as dimensões físicas, psíquicas, sociais e até espirituais10. Nesse sentido, foi discutido como o conceito de Cuidado Paliativo foi reformulado com o passar do tempo, constituindo um pilar para promover a melhora da qualidade de vida através do alívio de sinais e sintomas, não só para pacientes terminais, mas para qualquer indivíduo que possua doença crônica e progressiva que ameace a vida.

A necessidade de incluir os familiares e cuidadores nos cuidados da equipe

Durante as discussões, foi ressaltado a importância de incluir os familiares e cuidadores no cuidado. A saúde desses indivíduos também é afetado pelo processo de adoecimento ligado ao cuidar e o sofrimento ligado ao adoecimento do ente querido. Nesse sentido, os Cuidados Paliativos podem trazer benefícios para o alívio de sinais e sintomas, melhorando a qualidade de vida dos familiares e cuidadores.

Foi salientado durante as reuniões, que o CP deve ser estendido tanto para o paciente, a partir do momento do diagnóstico, quanto para o familiar 4,5,10, e o quanto o olhar da equipe de saúde pode ser um fator preponderante para o enfrentamento da doença por parte da família, além de promover uma comunicação mais efetiva e a conscientização dos familiares para a melhor condução das propostas de tratamento11.

Os desafios enfrentados e a atuação de cada profissional dentro da perspectiva paliativista

Um ponto observado como um desafio a ser enfrentado para a atuação em CP na atenção primária, foi em relação à falta de formação da maioria dos profissionais para atuar na área. A maioria dos profissionais que são especializados estão em outro nível de atenção à saúde, o que evidencia a necessidade da busca do conhecimento e discussão sobre o tema, tanto pelo aumento da incidência de doenças crônicas que ameaçam a vida e aumento da expectativa de vida, quanto pela piora dos hábitos de vida. Além da negligência com a própria saúde, no caso de alguns jovens.

Há alguns anos atrás, o Cuidado Paliativo era visto como um tipo de cuidado oferecido apenas em pacientes terminais e oferecido apenas em hospitais. Com as mudanças e pesquisas realizadas, a relevância do CP foi ganhando forma e assim surgiu as normas e portarias, elencando esse tipo de cuidado como sendo um serviço que deve ser oferecido também pela Atenção Primária.

Cada categoria profissional elencou pontos considerados importantes no manejo dos pacientes em CP, como: a alimentação como sendo um sentido importante a ser respeitado dentro dos limites que não causem malefício, a prática de exercício físico vista como uma causa de sofrimento por alguns pacientes, a preservação da funcionalidade e independência, recursos utilizados para alívio e controle de sinais e sintomas decorrentes da doença ou do tratamento, manejo, preparo e formas de administração medicamentosa para o alívio da dor. Além disso, foi abordado sobre o Cuidado Paliativo fora do modelo biomédico, a comunicação em saúde como sendo uma estratégia de comunicação efetiva no cuidado, a importância do princípio bioético da autonomia para estabelecimento da dignidade do paciente e os processos sociais variáveis imbuídos no adoecimento dentro do contexto do CP.

A equipe de saúde desempenha um papel importante no enfrentamento da doença pela família, promovendo uma comunicação efetiva e conscientizando os familiares sobre as propostas de tratamento.

Instrumentos que podem ser utilizados para uma avaliação mais assertiva

Saber avaliar e identificar é essencial para traçar condutas adequadas. Para isso, existem alguns instrumentos utilizados para avaliar o paciente paliativo, que englobam a funcionalidade e prognóstico, como a escala PPS (Palliative Performance Scale), utilizada para avaliação da funcionalidade como: deambulação, autocuidado, a atividade e nível de evidência da doença, a ingestão oral e o estado de consciência do indivíduo12.

Além da escala PPS, a PPI (Palliative Prognostic Index), também é utilizada nos cuidados paliativos para avaliar o prognóstico. A PPI é uma escala prognóstica formal que utiliza a PPS e a avalia a presença de sinais e sintomas como delirium, dispneia e edema para estimar a sobrevida dos pacientes, calculada em semanas13.

A utilização das escalas específicas de avaliação e o manejo para aplica-las foi um ponto discutido durante o matriciamento como sendo uma dificuldade, porém, foi visto a importância dos parâmetros obtidos através dos instrumentos para oferecer um plano de cuidado que condiz com a necessidade e vontade do indivíduo. O que favorece a realização de condutas mais assertivas, que proporcionem qualidade de vida e bem-estar até nos quadros de terminalidade de doença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos avanços desenvolvidos para a implementação dos cuidados paliativos no território brasileiro, ainda há desafios a serem superados. O surgimento de normativas e marcos legislativos não garantem a execução de uma política pública, principalmente na Atenção Primária, onde existem barreiras para que o manejo em Cuidado Paliativo seja bem consolidado.

Conscientizar a população para o combate de estigmas e tabus sobre o Cuidado Paliativo, além de investir em capacitação e educação dos profissionais de saúde é essencial para promover uma abordagem multidisciplinar humanizada no cuidado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ratuchnei, E. S. et al. Qualidade de vida e risco de depressão em idosos institucionalizados. Revista de Pesquisa (Univ. Fed. Estado Rio J., Online), p. 982-988, 2021. 

2. Taffet, George e. Normal Aging. 2019. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/normal-aging/print?search=envelhecimento&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=defau%E2%80%A6>.  Acesso em: 20 de outubro de 2023.

3. Abou Ali, A. M. A. S. (2011). Cuidados Paliativos e a Saúde dos Idosos no Brasil. Revista Kairós-Gerontologia, 14(1), 125–136. https://doi.org/10.23925/2176-901X.2011v14i1p125-136. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/6931/5023>. Acesso em 22 de outubro de 2023.

4. World Health Oganization. Palliative Care. Aug. 2020. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/palliative-care. Acesso em 22 de outubro de 2023.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Domiciliar. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de atenção básica. Coordenaçao-geral de atenção domiciliar. Brasília -DF. 2012. v.2.

6. Inca, Detecção precoce do câncer, 2016. Disponível http://www1.inca.gov.br. Acesso em 25 de Outubro de 2023.

7. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 102, de 20 de janeiro de 2022. Altera a Portaria GM/MS nº 3.222, de 10 de dezembro de 2019, que dispõe sobre os indicadores do pagamento por desempenho, no âmbito do Programa Previne Brasil. Diário Oficial da União 2022; 21 jan.

8. Junges JR, Schaefer R, Lopes PPS, Nied C, Weber S. Cuidados paliativos na Atenção Primária à Saúde: discussão de um caso. Sanare. 2022;21(2):23-33. Disponível em: https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/1661. Acesso em 26 de outubro de 2023.

9. Ministério da Saúde. Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2018; 23 nov.

10. Câmara, Lauro Arruda. Dame Cicely Saunders: dedicou-se aos cuidados paliativos. A voz do coração, veículo de comunicação do hospital do coração, Ano XI, Edição nº 122, 2016. Disponível em: http://hospitaldocoracao. com.br/wp-content/uploads/2016/02/Voz-doCora%C3%A7%C3%A3o-mar%C3%A7o-2016. pdf. Acesso em 30 de outubro de 2023.

11. Braga CO, Machado CS, Afiune FG. A percepção da família sobre Cuidados Paliativos. Rev Cient Esc Estadual de Saúde Pública “Candido Santiago” 2021;7:e7000041. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2021/09/1290791/a-percepcao-da-familia-sobre-cuidados-paliativos.pdf. Acesso em 30 de outubro de 2023.

12. Tavares FAG. Acuidade prognóstica em fim de vida: valor preditivo de quatro métodos na estimativa de sobrevivência de doentes oncológicos de um hospital central e universitário português [dissertação]. Lisboa (PT): Universidade de Lisboa; 2011. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/2433. Acesso em 07 de Novembro de 2023.

13.  Silva SIM. Acuidade prognóstica do Palliative Prognostic Index em doentes oncológicos admitidos numa Unidade de Cuidados Paliativos [dissertação]. Porto: Universidade do Porto, 2020. Disponível em: https://sigarra.up.pt/fmup/pt/pub_geral.show_file?pi_doc_id=257694. Acesso em 07 de Novembro de 2023.


1Fisioterapeuta e Residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS/ FEPECS;
2Farmacêutica na Secretaria de Saúde do DF e Preceptora do Programa Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS/ FEPECS;
3Fisioterapeuta na Secretaria de Saúde do DF e Preceptor do Programa Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS/ FEPECS;
4Fisioterapeuta na Secretaria de Saúde do DF e Preceptora do Programa Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS/ FEPECS;
5Fisioterapeuta e Residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS/ FEPECS;
6Farmacêutica e Residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS/ FEPECS;
7Sanitarista e Residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS/ FEPECS.