MATRIX SUPPORT IN MENTAL HEALTH: WORK PROCESS IN PRIMARY HEALTH CARE FROM THE NURSES’ POINT OF VIEW
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10499094
Eduardo Bassani Dal’Bosco1
Cristina Berger Fadel2
Resumo: Problematização: Considerando a mudança paradigmática que se encontra a atenção em saúde mental e a perspectiva de ampliar a compreensão dessas questões, surgiu a seguinte pergunta: quais são as ações de Matriciamento em saúde mental que estão sendo executadas na prática da Atenção Primária à Saúde (APS)? Objetivo: A pesquisa teve como objetivo geral analisar o Matriciamento em saúde mental na APS de um território de saúde sob olhar dos enfermeiros. Metodologia: Trata-se de um estudo observacional, transversal e quantitativo, desenvolvido em território que compreende a 3ª Regional de Saúde do estado do Paraná (3ª RS-PR), Brasil, com 73 enfermeiros entrevistados que atuam na Atenção Primária à Saúde, através de formulário estruturado em Escala de Likert, por ligação telefônica e registro de dados na plataforma Google Forms e tabulação em Microsoft Excel. A análise de dados ocorreu de forma descritiva por meio de frequência absoluta e relativa, apresentados em tabelas. Resultados: nota-se que as ações de reuniões de Matriciamento ocorrem com pouca frequência e quando acontecem, os enfermeiros ocasionalmente participam. Dentre os instrumentos utilizados para a elaboração do Matriciamento, a consulta conjunta é a maior frequente e o ecomapa o menor. E as intervenções em saúde mental mais utilizadas na APS são as abordagens familiares e a menos é a realização de grupos de saúde mental na unidade. Conclusão: Diante do exposto, é necessário intensificar o Matriciamento em saúde mental na APS através da educação permanente em saúde, a fim de qualificar a melhoria do cuidado em saúde mental.
Palavras-chave: Saúde Mental; Atenção Primária à Saúde; Educação Permanente.
Abstract: Problematization: Considering the paradigm shift in mental health care and the prospect of broadening our understanding of these issues, the following question arose: what are the mental health Matrix Support actions being carried out in Primary Health Care (PHC)? Objective: The general objective of this study was to analyze mental health Matrix Support in the PHC of a health territory from the point of view of nurses. Methodology: This is an observational, cross-sectional and quantitative study, carried out in a territory comprising the 3rd Health Region of the state of Paraná (3rd RS-PR), Brazil, with 73 nurses interviewed who work in Primary Health Care, using a Likert Scale structured form, by telephone call and data recording on the Google Forms platform and tabulation in Microsoft Excel. The data was analyzed descriptively using absolute and relative frequencies, presented in tables. Results: It can be seen that Matrix Meetings take place infrequently, and when they do, nurses only occasionally take part. Among the instruments used to draw up Matrix Support, the joint consultation is the most frequent and the ecomap the least. The mental health interventions most used in PHC are family approaches and the least are mental health groups held in the unit. Conclusion: In view of the above, it is necessary to intensify mental health matrix support in PHC through permanent health education in order to improve mental health care.
Keywords: Mental Health; Primary Health Care; Continuing Education.
1) INTRODUÇÃO
Durante muitos anos o método terapêutico outorgado às pessoas com problemas de saúde mental sustentou a premissa tradicional da assistência hospitalocêntrico manicomial, através do cuidado biologicista e curativista (PARKS, 2022; SMITH & SISTI, 2022). Inspirado no modelo da Psiquiatria Democrática Italiana, o Brasil iniciou um movimento de discussão sobre desinstitucionalização na década de 1970, com o processo da Reforma Psiquiátrica, o qual deu origem à construção de políticas que consideram as interações sociais, o direito à cidadania e a produção de práticas terapêuticas singulares que se responsabilizam pelo usuário e identificam sua necessidade e sofrimento (ALCÂNTARA et al., 2022).
A partir dessa premissa, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) a Lei 10.216/2001 redireciona a atenção ao usuário de saúde mental passa a ser ofertada na ótica da reabilitação psicossocial, que se dá no território de vida das pessoas, permitindo ao usuário manter os vínculos com sua comunidade, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental comunitária, social e promovedora de autonomia e autocuidado (IGLESIAS et al., 2021).
Assim, em 2011 o Ministério da Saúde instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (BRASIL, 2013), a qual impõe a trabalhadores da Atenção Primária à Saúde (APS) o protagonismo nos processos de acolhimento e gerenciamento da saúde de pessoas com transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de substâncias psicoativas. Porém, estudos evidenciam baixa capacidade de identificação e manejo dos casos de saúde mental na APS, com sobrecarga dos serviços especializados, e consequentemente, dificuldade de acesso aos serviços da RAPS (HARMUCH et al., 2022; MILIAUSKAS et al., 2022). Essa realidade evidencia a necessidade de apoio e de ferramentas (teóricas e práticas) para profissionais da APS para o cuidado e o acompanhamento dessas pessoas ao longo de sua trajetória social e de saúde.
Ao redor do mundo, um dos métodos utilizados a fim de sobrepujar essa realidade é a aproximação dos serviços que compõem a rede de saúde e fomentem o cuidado colaborativo entre profissionais de APS e equipe especializada (SHALIGRAM et al., 2022; WENER et al., 2022; BUI et al., 2022).
No Brasil, como congênere dessas ações, emerge a proposta do Apoio Matricial ou Matriciamento, que está ligada a uma nova metodologia de trabalho e proposição de superar os limites tradicionais dos serviços de saúde, reorganizando a gestão e adequando a qualificação do trabalho em campo, através da integração dialógica entre as distintas especializações profissionais na RAPS (IGLESIAS & AVELLAR, 2019; IGLESIAS et al., 2021). Por meio do trabalho interdisciplinar, o Matriciamento fortalece a produção de saúde de maneira compartilhada com transformação na conduta de casos, valorizando desta forma o usuário, a família e os profissionais, com continuidade da integralidade (FAGUNDES et al., 2021).
Para a realização do Matriciamento no âmbito da saúde mental, os profissionais devem elaborar um projeto terapêutico singular, que inclui visita domiciliar, utilização de instrumentos pedagógicos como o Genograma e o Ecomapa, Interconsultas e contato à distância (CHIAVERINI, 2011; PALADINO & AMARANTE, 2021). Ainda, ações de educação permanente em saúde entre trabalhadores do SUS e a criação de grupos interprofissionais para maior articulação de modalidades terapêuticas e corresponsabilidade em saúde (IGLESIAS et al., 2021; ESLABÃO et al., 2019) concorrem positivamente para a produção do cuidado sob esta perspectiva.
Nesse contexto, é ressaltada a relevância da elaboração dos profissionais de enfermagem na assistência ao usuário em sofrimento mental na APS, uma vez que estes estão inseridos na equipe do território, o que permite ampliar o olhar que redireciona o cuidado em saúde mental. Para melhor entendimento do processo, surgiu a seguinte pergunta: quais são as ações de Matriciamento em saúde mental que estão sendo executadas na prática da APS?
Considerando a mudança paradigmática que se encontra a atenção em saúde mental e a perspectiva de ampliar a compreensão dessas questões, a pesquisa teve como objetivo geral analisar o Matriciamento em saúde mental na APS de um território de saúde sob olhar dos enfermeiros.
2) MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo foi desenvolvido através das normas de ética em pesquisa, seguindo a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, pelo parecer substanciado de aprovação número 65051822.7.0000.0105 do Comitê de Ética em Pesquisa da Plataforma Brasil.
Trata-se de um estudo observacional, transversal e quantitativo, desenvolvido em território que compreende a 3ª Regional de Saúde do estado do Paraná (3ª RS-PR), Brasil. Os participantes deste estudo compreenderam a totalidade de 176 enfermeiros que atuavam em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e/ou Estratégias de Saúde da Família (ESF) da APS dos doze municípios formadores (Arapoti; Carambeí; Castro; Ipiranga; Ivaí; Jaguariaíva; Palmeira; Piraí do Sul; Ponta Grossa; Porto Amazonas; São João do Triunfo; Sengés) (SESA PR, 2022).
A relação dos participantes do estudo foi fornecida pela 3ª RS-PR, sendo posteriormente criada uma planilha constando nome do município, com suas respectivas UBS e/ou ESF, e telefones de contato. A planilha envolveu 121 serviços de saúde, sendo 39 UBS e 82 ESF.
Foram estabelecidos como critérios de inclusão: profissionais que possuem vínculo de pelo menos um ano de trabalho na UBS e/ou ESF; exercem a função de enfermeiro; aceitaram, através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), participar da pesquisa, totalizando 73 participantes. Como exclusão foram considerados os profissionais que não retornaram às ligações telefônicas após três tentativas em dias e horários alternados (78). Houve perda amostral de profissionais que se recusaram a participar do estudo (13) e dos que estavam em período de férias (12).
A obtenção das informações foi por meio de formulário estruturado, baseado em instrumentos do Ministério da Saúde do Brasil (BRASIL, 2013) e estudos científicos (ONOCKO-CAMPOS, 2017; SERRA, 2018), contendo questões que validem as ações Matriciamento em saúde mental na APS. O formulário foi aplicado por um único pesquisador, através de ligação telefônica exclusivamente. A duração de cada entrevista compreendeu o intermédio de vinte minutos.
O formulário foi elaborado no modelo de Escala de Likert (Lima, 2000) que consiste de uma lista de frases que manifestem opiniões radicais (claramente positivas ou negativas) em relação à atitude que se está a estudar, comumente apresentada como uma tabela de classificação de afirmativas, tendo o cuidado de cobrir as diferentes vertentes que se relacionam com o assunto. O formulário contava com 55 questões divididas em 08 subitens: a.1) informação dos enfermeiros da APS; a.2) informações sobre o território de saúde; b) ações de Matriciamento em saúde mental; c.1) instrumentos utilizados no processo de Matriciamento em saúde mental; c.2) intervenções em saúde mental utilizadas na atenção primária à saúde; c.3) problemas de saúde mental atendidos na unidade de saúde; c.4) desafios para as práticas de Matriciamento; c.5) potencialidades do Matriciamento. Nesse presente artigo foram utilizados os subitens correspondentes à: a1, a2, b, c1 e c2.
Para registro de dados foi utilizado a plataforma do Google Forms e na sequência construída uma planilha de dados no Microsoft Excel ®, composta pelo nome do entrevistado, telefones de contato, data, horário e quantas ligações foram realizadas, contendo todos os dados coletados. As ligações ocorreram no interstício compreendido entre dezembro de 2022 a março de 2023, de segunda a sexta-feira, nos horários entre 08 às 12 horas e 13 às 17 horas.
Os dados foram analisados descritivamente por meio de frequência absoluta e relativa com análise exploratória de dados e apresentados graficamente sob a forma de tabelas, com discussão das prevalências das respostas da escala com o mais prevalente “muito frequente/frequente” e o menos prevalente “nunca”.
3) RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 PERFIL DA APS NO TERRITÓRIO
Foram avaliadas as respostas de 73 enfermeiros de 94 UBS e 137 ESF, da 3ª Regional de Saúde do estado do Paraná. As características do território de saúde, envolvendo a APS estão descritas na Tabela 1:
Tabela 1 – Caracterização da APS da 3ª Regional de Saúde do Paraná, 2023.
MUNICÍPIO | APS | ENFERMEIROS | ||
UBS | ESF | ATUANTES | ENTREVISTADOS | |
ARAPOTI | 6 | 6 | 7 | 2 |
CARAMBEÍ | 7 | 3 | 7 | 7 |
CASTRO | 5 | 19 | 22 | 4 |
IVAÍ | 1 | 2 | 3 | 1 |
IPIRANGA | 2 | 4 | 6 | 2 |
JAGUARIAÍVA | 3 | 3 | 5 | 3 |
PALMEIRA | 5 | 13 | 16 | 3 |
PIRAÍ DO SUL | 4 | 5 | 7 | 1 |
PONTA GROSSA | 54 | 75 | 94 | 47 |
PORTO AMAZONAS | 1 | 1 | 2 | 1 |
SÃO JOÃO DO TRIUNFO | 3 | 3 | 3 | 1 |
SENGÉS | 3 | 3 | 1 | 1 |
TOTAL | 94 | 137 | 176 | 73 |
Fonte: dados da pesquisa
3.2 AÇÕES DE MATRICIAMENTO EM SAÚDE MENTAL NO TERRITÓRIO
Sobre o eixo temático do questionário, em que aborda as ações de Matriciamento em saúde mental, os entrevistados responderam que as reuniões de Matriciamento ocorrem com pouca frequência e quando ocorrem, ocasionalmente participam das mesmas, conforme demonstrado na tabela 2 e figura 1 a seguir:
Tabela 2 – Ações de Matriciamento em Saúde Mental. 3ª Regional de Saúde do Paraná, 2023.
Muito Frequente | Frequente | Ocasionalmente | Raramente | Nunca | ||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Há reuniões de Matriciamento em saúde mental nesse centro de saúde? | 0 | 0 | 18 | 24,6 | 18 | 24,6 | 12 | 16,5 | 25 | 34,2 |
Você participa das reuniões de Matriciamento em saúde mental? | 2 | 2,8 | 17 | 23,2 | 25 | 34,2 | 8 | 11 | 21 | 28,8 |
Fonte: dados da pesquisa
O estudo de Braga et al., (2021) afirma que os encontros do Matriciamento possibilitam diálogos abertos de relação, organização do atendimento e melhora no processo de trabalho dos profissionais. Diferentes opiniões são discutidas em uma mesma situação, a fim de obter a construção de uma compreensão da problemática e promover intervenções favoráveis às práticas de saúde.
Há municípios onde não é realizado o Matriciamento em saúde mental mesmo havendo CAPS, os quais seriam os responsáveis pelo apoio matricial, conforme dados da pesquisa de Braga et al., (2022) em que 34,3% dos serviços não realizam reuniões de Matriciamento ou quando feito, 29% dos enfermeiros não participam dos encontros, corroborando com os dados da pesquisa, em que 34,2% dos participantes relatam não haver os encontros de Matriciamento, e quando participam, apenas 34,2% ocasionalmente estão presentes.
No apoio matricial, às equipes de referência e de apoio matricial devem interatuar e elaborar ações terapêuticas, e assim proporcionar novas possibilidades de intervenções, reunindo seus conhecimentos a respeito daquele usuário, discutindo seus hábitos, de sua família, da comunidade, da rede de apoio social e/ou pessoal (SOUSA et al., 2019). Tais ações devem incidir nos casos em que a equipe de referência percebe a necessidade de apoio da saúde mental para abordar e intervir um caso que exige, por exemplo, esclarecimento diagnóstico, estruturação de um projeto terapêutico e abordagem da família (CHIAVERINI et al., 2011).
Também fazem parte do campo do apoio matricial às reuniões distritais, que envolvem as equipes de saúde mental e da APS em encontros que possibilitam a reflexão sobre o trabalho integrado no distrito de saúde. São momentos em que ocorrem supervisões de casos clínicos e reuniões de micro áreas, e que representam a tentativa máxima de ampliar o acesso do paciente aos recursos oferecidos em seu território.
Discute-se ainda o fato de que há os municípios que não têm serviços de apoio, nem são elegíveis para implantar um CAPS, por conseguinte não possuem nenhum tipo de Matriciamento (LONGO, 2019). Há vários obstáculos para que ocorra o trabalho de articulação da rede de serviços, entre eles, a inexistência de uma rede de APS eficaz, a deficiência de suporte dos serviços existentes, número insuficiente de profissionais e a falta de conhecimento sobre as estratégias da rede, resultando em uma demanda excessiva sobre as equipes, superlotação dos serviços, presença do encaminhamento para outros serviços como forma de atenção e a dificuldades de funcionamento das equipes (KATES, 2019).
3.3 INSTRUMENTOS DE MATRICIAMENTO EM SAÚDE MENTAL
Com base na Tabela 3, nota-se que as estratégias utilizadas como meios de instrumentos para elaboração do Matriciamento em Saúde Mental possuem variações significativas, tendo como maior frequência a Consulta Conjunta na APS e a menor frequência o Ecomapa.
Tabela 3 – Instrumentos utilizados no processo de Matriciamento em Saúde Mental. 3ª Regional de Saúde do Paraná, 2023.
Muito Frequente | Frequente | Ocasionalmente | Raramente | Nunca | ||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Você elabora projeto terapêutico singular no Apoio Matricial de saúde mental? | 10 | 13,8 | 14 | 19,2 | 25 | 34,2 | 7 | 9,6 | 17 | 23,2 |
Você realiza a interconsulta como instrumento do processo de Matriciamento em saúde mental? | 13 | 17,8 | 21 | 28,8 | 16 | 21,8 | 10 | 13,8 | 13 | 17,8 |
Você realiza a consulta conjunta de saúde mental na atenção primária? | 24 | 32,8 | 17 | 23,8 | 14 | 19,2 | 10 | 13,8 | 8 | 11 |
Você realiza a Visita Domiciliar conjunta na APS nos casos de saúde mental? | 13 | 17,8 | 21 | 28,8 | 22 | 30,1 | 9 | 12,3 | 8 | 11 |
Você realiza contato a distância com os usuários de saúde mental? uso do telefone e de outras tecnologias de comunicação | 7 | 9,6 | 15 | 20,6 | 39 | 53,4 | 4 | 5,4 | 8 | 11 |
Você formula o Genograma dos usuários de saúde mental? | 0 | 0 | 15 | 20,7 | 28 | 38,3 | 12 | 16,5 | 19 | 26 |
Você formula o Ecomapa dos usuários de saúde mental? | 0 | 0 | 14 | 19,2 | 24 | 32,8 | 16 | 21,8 | 18 | 24,7 |
Fonte: dados da pesquisa
Na situação específica do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, as equipes da APS funcionam como equipes de referência interdisciplinares, atuando com responsabilidade sanitária que inclui o cuidado longitudinal, além do atendimento especializado que realizam concomitantemente (CHIAVERINI, 2011).
Na sequência dos instrumentos utilizados no Matriciamento, tem-se a Consulta Conjunta, caracterizada como meio de reunir profissionais da APS e equipe especializada com discussão de casos por meio da troca de questionamentos, dúvidas, informações e apoio entre as partes. A ação se faz a partir da solicitação de um dos profissionais para complementar e/ou elucidar aspectos da situação de cuidado em andamento que fujam ao entendimento do solicitante para traçar um plano terapêutico (FILHO et al., 2020).
Na pesquisa é possível identificar que a Consulta Conjunta é uma ação que ocorre com muita frequência (32,8%), corroborando com o estudo de Fagundes (2021), em que 52,5% dos participantes realizam ações de consulta conjunta na APS e com estudo de Chazan et al., (2018), em que 41,2 % dos participantes trazem respostas positivas em relação à essa prática de ação nos casos de saúde mental.
Com isso, os matriciadores ensinam e aprendem em conjunto com os matriciadores, fazendo da consulta conjunta um espaço de estímulo ao crescimento das competências da APS relacionadas à saúde mental.
Por outro lado, o instrumento menos utilizado foi o Ecomapa (19,2%), sendo um instrumento que permite oferecer subsídios a respeito das relações do indivíduo com o mundo externo, demonstrando ainda o fluxo ou a falta de recursos e as privações das relações da família.
Dados da pesquisa de Ferreira et al., (2020) apontam que o Ecomapa é realizado somente por aproximadamente 30% dos profissionais da APS de um município na região Centro-Oeste do Brasil. Outro estudo, de Cattani et al., (2020), mostra que 62,3% dos profissionais não possuem conhecimento sobre o termo Ecomapa e/ou não aplicam na sua prática na APS, diante das altas demandas de serviço do cotidiano, o que corrobora com os dados dessa pesquisa.
O Ecomapa representa de forma didática os relacionamentos entre indivíduo e membros da família com os outros sistemas: tanto no círculo familiar, quanto no meio externo que vivem, sendo possível compactar grande quantidade de informações obtidas na entrevista e/ou na anamnese durante a consulta, a fim de facilitar e identificar as falhas e traçar planos de tratamento para os usuários em sofrimento mental na APS (JUNIOR et al., 2022).
3.4 INTERVENÇÕES EM SAÚDE MENTAL UTILIZADAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Em relação às intervenções utilizadas de cuidado em saúde mental na APS, nota-se pelas respostas dos entrevistados que a maior frequência está na abordagem familiar dos usuários em saúde mental e a menos frequente na realização dos grupos em saúde mental na unidade de saúde.
Tabela 4. Intervenções em Saúde Mental utilizadas na APS. 3ª Regional de Saúde do Paraná, em 2023.
Muito Frequente | Frequente | Ocasionalmente | Raramente | Nunca | ||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
São realizados Grupos de saúde mental na unidade de saúde? | 0 | 0 | 17 | 23,3 | 22 | 30,2 | 17 | 23,2 | 13 | 17,8 |
São realizadas ações de Educação permanente em saúde sobre os transtornos mentais na unidade de saúde? | 0 | 0 | 28 | 38,3 | 22 | 30,2 | 18 | 24,6 | 5 | 6,9 |
Na unidade, há o uso de psicofármacos pelos usuários de saúde mental? | 24 | 32,8 | 21 | 28,8 | 18 | 24,6 | 10 | 13,8 | 4 | 5,5 |
Na unidade, há abordagem familiar dos usuários de saúde mental? | 13 | 17,8 | 39 | 53,4 | 14 | 19,2 | 5 | 6,9 | 2 | 2,7 |
Há discussão de casos de saúde mental com equipe interdisciplinar da unidade de saúde? | 16 | 21,9 | 28 | 38,4 | 23 | 31,5 | 4 | 5,5 | 2 | 2,7 |
Há discussão de casos de saúde mental com equipe interdisciplinar da rede de saúde? | 11 | 15,1 | 30 | 41 | 21 | 28,8 | 10 | 13,8 | 1 | 1,3 |
O Exame do estado mental é realizado nos usuários de saúde? | 18 | 24,6 | 22 | 30,2 | 17 | 23,2 | 8 | 11 | 8 | 11 |
É realizada a Estratificação de Risco em Saúde Mental na unidade de saúde? | 22 | 30,2 | 23 | 31,5 | 12 | 16,4 | 5 | 6,9 | 11 | 15 |
Fonte: dados da pesquisa
Na abordagem familiar no meio psicossocial, o foco que em vez de estar na doença, deveria estar nas interações entre pessoas, portanto é necessário incluir a comunidade e a família. Neste cenário, as teorias relacionadas à abordagem familiar tiveram seu auge nos anos 50 e 60 do século XX, visto que os movimentos de Reforma Psiquiátrica culminaram com a saída dos pacientes dos hospitais e permitiram a volta aos núcleos familiares (PAMPLONA et al., 2022).
Na pesquisa, é possível observar que 53,4% dos entrevistados utilizam a abordagem familiar como meio de intervenção nos cuidados em saúde mental na APS de forma frequente, corroborando com o estudo de Régio et al., (2023) em que 60% dos profissionais trazem que a abordagem familiar configurou-se como uma estratégia adequada para condução dos casos de saúde mental, bem como o estudo de Candido et al., (2020) em que 52,9% dos familiares relatam que o suporte fornecido pelos serviços de saúde, possibilitam melhor entendimento e manejo dos cuidados em saúde mental com os usuários no domicílio.
As ferramentas de abordagem familiar possibilitam para equipe e a própria família a construção de conhecimento mais abrangente acerca da família em si. É com base nas etapas de trabalho com famílias que as equipes escolhem a abordagem e as ferramentas adequadas, definem o atendimento e, sobretudo, conseguem antecipar problemas, conduzir campanhas educativas nas comunidades e famílias ou sugerir mudanças em hábitos que fatalmente desencadeiam ou agravam doenças.
Em contrapartida, os grupos de saúde mental realizados na APS são pouco frequentes (23,3%), podendo ser justificado pelo período da pandemia de COVID-19 a nível mundial, em que os serviços de saúde acabaram suspendendo várias atividades presenciais, a fim de prevenir a contaminação do vírus. Por mais que atualmente os serviços estejam se reestruturando novamente, muitas atividades não foram possíveis de retorno.
É notável essa assimilação no estudo de Brunozi et al., (2019), em que 33% dos entrevistados desvelou que os efeitos da pandemia no processo de trabalho dos profissionais desviaram o foco das ações de promoção em saúde em atividades grupais, fortemente desenvolvidas no período anterior à pandemia, para o atendimento individual, prioritário de urgência e emergência em saúde, com manutenção do distanciamento social e mantém-se nesse cenário atualmente.
Ainda, o estudo de Gama et al., (2021) revela que somente 20% dos entrevistados realizam grupo de saúde mental na APS, devido às altas demandas de serviços que a unidade de saúde possui, bem como os atendimentos de saúde mental em grande parte serem concentrados na consulta médica e psicofármacos.
O trabalho em grupos de saúde mental é um recurso essencial nas práticas de saúde desenvolvidas na APS. Quando ocorre manejo adequado, permite que a equipe realize a organização dos processos de trabalho, de cuidado e também proporciona a capacidade assistencial, sem perda de qualidade, muitas vezes até ampliando-a (QUEIROZ et al., 2022).
Geralmente os grupos realizados na APS são de educação em saúde, na proposta de promoção e prevenção em saúde, tão importante nesse nível assistencial e tão valorizada, mas, infelizmente, muitas vezes são concretizados em modelos clássicos de transmissão de informações, como as palestras sobre patologias. Esse modelo apresenta dificuldades relativas à adesão dos pacientes, não estimula a participação nem a corresponsabilização no processo de construção da saúde. Tradicionalmente os grupos da APS abarcam os grupos de doenças crônicas (hipertensão e diabetes); de gestantes; de adolescentes; de convivência; de atividade física; de planejamento familiar; de saúde mental.
4) CONCLUSÃO
O presente estudo desvelou os processos de trabalho em saúde mental na APS acerca do Matriciamento em saúde mental pelos enfermeiros. Esses profissionais, que cumprem importante papel na promoção e prevenção da saúde mental, trazem as reuniões e os meios de intervenções de Matriciamento pouco utilizados em sua prática profissional.
Ressalta-se que isso dificulta a implementação de ações interdisciplinares em saúde mental, todavia, a partir do fortalecimento de redes e gestão comprometida, assim como por meio da educação permanente, isso pode ser mudado. Diante do exposto e considerando o Matriciamento como uma estratégia de educação permanente em saúde, faz-se mister o fortalecimento do apoio matricial no âmbito dos serviços de saúde.
Ademais, para que ocorra a corresponsabilização da gestão com o fortalecimento do trabalho em redes, é importante que todos os profissionais estejam capacitados, uma vez que todas as equipes devem estar qualificadas para acolher o usuário com transtorno mental, realizando um trabalho multiprofissional e interdisciplinar. Somente dessa forma, será possível a melhoria do cuidado em saúde mental.
Por fim, cabe destacar as limitações desse estudo, que ateve-se a uma pequena amostra, não sendo possível a generalização dos dados. Contudo, devido à relevância da temática para gestores e usuários do Sistema Único de Saúde, indica-se a realização de novos estudos, os quais devem contemplar a perspectiva de outros públicos, como por exemplo, gestores, usuários e familiares dos serviços de saúde.
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1Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG – mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – PPGCS.
2Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG – pós-doutorado. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – PPGCS.