REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10491818
Andressa Custódio Erpen1;
Suelen de Melo Nascimento2;
Leslie Cristine Fiori Leite3;
João Pereira dos Santos Júnior4
RESUMO
A Cárie de Radiação (CR) é uma das principais consequências pós tratamento às neoplasias verdadeiras comumente manifestadas na cavidade oral. Nesse sentido, o cirurgião-dentista deve ter um olhar clínico preparado para identificar as lesões cancerígenas, as quais podem se manifestar de forma: exofítica, endofítica, leucoplásica, eritroplásica e eritroleucoplásica. Diante do exposto, a radioterapia (RT) faz parte do tratamento e traz resultados permanentes na região de cabeça e pescoço, devido aos efeitos deletérios à exposição das glândulas salivares maiores. Além da CR, se observa: mucosite, xerostomia, hipossalivação e osteorradionecrose como risco eminente de procedimentos invasivos. Ademais, o presente trabalho busca descrever um caso clínico de cárie de radiação, analisando seus sinais mais comuns, pontos de eleição, transtornos que podem ocorrer, bem como o tratamento odontológico. Para atingir tal objetivo o método para elaboração foi o caso clínico e revisão bibliográfica realizada em artigos científicos publicados nos últimos anos, sem restrições de idiomas, e indexados nos seguintes sites de pesquisa: PUBMED, Scientific Electronic Library (SciELO) e Google Acadêmico utilizando como palavras-chave: “paciente oncológico”, “cárie de radiação” e “tratamento”. Dentre todos os artigos encontrados pela estratégia descrita acima, apenas treze (13) preencheram os critérios de inclusão e exclusão. Desse modo, os principais meios de tratamento indicados são as restaurações com cimento de ionômero de vidro e/ou resina composta, tratamento endodôntico e sepultamento de raiz a fim de se evitar a exodontia, além do mais, o bem estar e a qualidade de vida de pacientes oncológicos devem ser alcançados de forma preventiva, curativa e proservativa.
Palavras-Chave: Paciente Oncológico. Cárie de Radiação. Tratamento.
ABSTRACT
Radiation Caries (RC) is one of the main post-treatment consequences of true neoplasm commonly manifested in the oral cavity. In this sense, the dentist must have a clinical eye prepared to identify cancerous lesions, which can manifest themselves in the following ways: exophytic, endophytic, leukoplastic, erythroplastic and erythroleukoplastic. In view of the above, radiotherapy (RT) is part of the treatment and has permanent results in the head and neck region, due to the harmful effects of exposure to the major salivary glands. In addition to CR, mucositis, xerostomia, hyposalivation and osteoradionecrosis are observed as an imminent risk of invasive procedures. Furthermore, the present work seeks to describe a clinical case of radiation caries, analyzing its most common signs, election points, disorders that may occur, as well as dental treatment. To achieve this objective, the method for elaboration was the clinical case and bibliographic review carried out on scientific articles published in the last years, without language restrictions, and indexed in the following research sites: PUBMED, Scientific Electronic Library (SciELO) and Google Scholar using the following keywords: “oncology patient”, “radiation caries” and “treatment”. Among all the articles found by the strategy described above, only thirteen (13) met the inclusion and exclusion criteria. Therefore, the main means of treatment indicated are restorations with glass ionomer cement and/or composite resin, endodontic treatment and root burial in order to avoid exodontia, in addition to the bad, the well-being and quality of life of cancer patients must be reached in a preventive, curative and proservative way.
Keywords: Oncology Patient. Radiation Caries. Treatment.
INTRODUÇÃO
A cárie de radiação é uma consequência ruim do pós-tratamento oncológico. Estatisticamente o carcinoma espino celular é a neoplasia mais incidente da cavidade oral e sua etiologia é multifatorial podendo está relacionada a fatores intrínsecos e extrínsecos com predileção pelo gênero masculino, leocoderma, baixa renda, e idade avançada. Vale salientar que desordens bucais principiam as neoplasias de 4-8 meses antes da manifestação clínica, porém uma de suas características é que em fase inicial há a ausência de dor o que colabora para um diagnóstico tardio. (NEVILLE, 2016).
A Radioterapia faz parte do tratamento aos carcinomas em cabeça/pescoço e a maioria dos pacientes oncológicos recebem irradiação entre 50 e 70 Gy (1 Gy=1J; Kg=100rad) como dose curativa. Geralmente essa dose é aplicada em um período superior a dois (2) meses e caso as glândulas salivares sejam atingidas sofrerão mudanças funcionais. A irradiação menor que 10 Gy geram uma breve diminuição no fluxo salivar e maiores que 10 Gy provocam a hipossalivação. Doses de irradiação entre 15 e 40 Gy causam dano irreversível do parênquima glandular, seguido de atrofia e fibrose. Também se sabe que a irradiação modifica a composição salivar, deixando-a mais viscosa, com baixo pH, capacidade tampão reduzida, descalcificação/desmineralização dental, comprometimento da estrutura prismática do esmalte, causando microfissuras nos minerais de hidroxiapatita, reduzindo a dureza e elasticidade do esmalte e da dentina, tornando o dente quebradiço, sem presença de dor aguda, e coloração marrom-preto. (ROLIM, et al., 2011; WISSMANN, 2015; ANTUNES, 2018).
Os efeitos deletérios às glândulas salivares supracitado resultam no aparecimento da Cárie de Radiação entre quatro (4) e três (3) meses após o tratamento oncológico ou de três a seis meses após o seu início. Com uma progressão rápida, afeta aproximadamente 25% de todos pacientes irradiados, é assintomática e leva, muitas vezes, a fratura completa da coroa dental. Localiza-se predominantemente em superfícies lisas e cervicais dos dentes e suas características radiográficas, são: lesão de formato irregular e aspecto radiolúcido. (HONG, 2010; LACERDA, 2014; NEVILLE, 2016; WISSMANN, 2015; COSTA E SILVA, et al., 2012).
Nesse contexto, se orienta que pacientes oncológicos sejam encaminhados ao cirurgião-dentista antes de iniciarem o tratamento radioterápico para que recebam instruções de higiene oral, avaliação, exames clínicos e radiográficos minimizando complicações futuras, além do mais, são importantes a realização de procedimentos preventivos como limpeza e aplicação de flúor. Durante a radioterapia se faz necessário manter o controle da hipossalivação com o uso da saliva artificial que em conjunto a dieta de baixo índice glicêmico, torna-se fator determinante na prevenção desse tipo de cárie. (GUPTA, et al., 2015).
O diagnóstico da cárie de radiação deve ser breve para que o prognóstico seja excelente. Nesse caso, a escolha é o Tratamento Restaurador Atraumático (ART) – manejo restaurador, terapêutico e preventivo com intervenção minimamente invasiva – técnica mais conhecida nos dias de hoje e realizada com ionômero de vidro, evitando cáries secundárias e/ou recidivas. Por outro lado, quando o diagnostico é tardio, o prognóstico é desfavorável podendo ser realizado o tratamento endodôntico ou no seu insucesso o sepultamento da raiz, de toda maneira, o que se evita é a extração dentária, precavendo assim, a osteorradionecrose. Em continuação, a proservação do paciente irradiado não pode ser negligenciada, pois na ausência de dor aguda os pacientes tendem a abandonar o tratamento odontológico após o término da radioterapia. (GUPTA, et al., 2015; PALMIER et al., 2017; ANTUNES, 2018).
Desse modo, o presente trabalho tem por objetivo descrever um relato de caso clínico – devidamente registrado na plataforma Brasil pelo Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 75116523.3.0000.0013 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), através do parecer: 6.579.575 – o qual está relacionado à cárie de radiação em paciente oncológico, analisando seus sinais mais comuns, pontos de eleição, transtornos relacionados, bem como abordar a conduta odontológica preventiva, curativa e proservativa visando saúde, bem estar e qualidade de vida.
CASO CLÍNICO:
Paciente do sexo feminino, leucoderma, 43 anos de idade, procurou atendimento na clínica odontológica da disciplina de Pacientes com Necessidades Especiais do Centro Universitário São Lucas, campus 1 na cidade de Porto Velho/RO, com queixa principal de “escurecimento dos dentes”. Na anamnese relatou que no inicio de 2019 foi diagnosticada com neoplasia maligna em região de palato duro à esquerda; em abril do mesmo ano iniciou seu tratamento no hospital de câncer de Barretos em porto velho/Ro, onde foi submetida a maxilectomia subtotal esquerda com linfadenectomia cervical esquerda e radioterapia adjuvante até o mês de novembro e que sua última consulta no hospital de Barretos/Ro foi em dezembro de 2020. Ao exame físico odontológico, dentre as alterações observadas, destacou-se a coloração enegrecida/acastanhada nas cervicais, em faces lisas e incisais dos dentes permanentes remanescentes, com coroas bastante fragilizadas e sem sintomatologia. (Imagens: 1, 2, 3 e 4).
Diante do diagnóstico de cárie de radiação o tratamento odontológico da paciente supracitada ocorreu semanalmente. O planejamento de Dentística proposto à paciente foi de conduta minimamente invasiva e de tratamento restaurador atraumático dos elementos: 33, 32, 31, 41, 43 e 44 em conjunto com o tratamento de periodontia, a saber: raspagem e alisamento radicular (RAR), instruções de higiene oral e motivação da paciente. Os benefícios e riscos foram devidamente explicados e documentados na assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
O tratamento foi iniciado com a raspagem supragengival do V sextante, com curetas gracey 5/6 para a face vestibular e lingual, foice Morse 0-00 para interproximais, para o acabamento: tira de lixa fina e fio dental. Raspagem supragengival dos elementos 34, 44 e 46 com cureta gracey 7/8 para face vestibular e face lingual, cureta gracey 11/12 para as faces mesiais e a cureta gracey 13/14 para faces distais, tira de lixa fina e fio dental para o acabamento.
Ademais, as manchas mais aderidas foram retiradas com o auxílio de sistema ultrassônico, o tecido cariado foi removido por intermédio da cureta dentina e pontos profundos com broca esférica diamantada 1012 e a broca tronco-cônica diamantada 2135 para realização do bisel em ângulo cavo superficial. Após completa adequação do meio bucal e preparos cavitários finalizados foram realizadas as restaurações provisórias com cimento de ionômero de vidro – CIV R, as quais foram substituídas por restaurações definitivas em resina composta – DA2 e EA3. (Imagens: 5, 6, 7 e 8). Finalizando assim, o tratamento à cárie de radiação. (Imagens: 9, 10, 11 e 12).
Fotos: Pré-Tratamento
Fotos: Trans-Operatório
Fotos: Pós-Tratamento IMEDIATO
Fotos: Comparativo entre início e fim do Tratamento
DISCUSSÃO
A cárie de radiação é um dos principais efeitos deletérios às pessoas irradiadas e infelizmente não há tantos artigos relacionados ao tema. Outro ponto a ser discutido e melhorado são as possibilidades de tratamento que até o dado momento não foram inovados com técnicas cientificamente elaboradas para o tema.
De acordo com o caso clínico no que tange às características, ponto de eleição e coloração, as CR estão de acordo com o que dizem os autores, a saber: localização predominantemente em superfícies lisas e cervicais dos dentes, ausência de dor, comprometimento da estrutura prismática do esmalte tornando-o quebradiço e coloração marrom-preto. (ROLIM, et al., 2011; WISSMANN, 2015; ANTUNES, 2018).
Segundo Neville as neoplasias que acometem a cavidade oral possuem predileção pelo gênero masculino, leocoderma, baixa renda, e idade avançada, chances que são potencializadas pelos maus hábitos do álcool e tabagismo; o que torna o caso clínico bem peculiar, pois a paciente é do gênero feminino, adulta, não etilista e nem tabagista. Dessa forma, fica claro quão importante são as consultas odontológicas, pois o cirurgião-dentista é o principal profissional a diagnosticar patologias orais.
Além de tudo, o cirurgião-dentista é o responsável pela avaliação intra-oral, levantamento clínico e radiográfico a fim de serem estabelecidos procedimentos preventivos, como: adequação do meio e aplicação de flúor. No tratamento curativo se objetiva a eliminação do foco infeccioso e recomendações como a introdução alimentar não cariogênica.
Outrossim, a solução de clorexidina 0,12% por um minuto duas vezes ao dia ajuda a prevenir a manifestação cariosa e a aplicação de fluoreto de sódio a 1,0% ajuda na remineralização de lesões incipientes existentes. Já o tratamento restaurador de maior incidência são os cimentos de ionômero de vidro (CIV) para liberação de flúor que posteriormente devem ser trocados pela resina composta, pois estas apresentam maior resistência e consequentemente mais longevidade. (RODRIGUES, et al., 2021).
Vale salientar que a terapêutica de cáries extensas acaba sendo o tratamento endodôntico e que diante do insucesso, em vez de realizar a exodontia, se prioriza a amputação coronal, devido aos riscos de osteorradionecrose. O implante dentário é contraindicado, sendo, a prótese parcial removível, uma alternativa de reabilitação oral. (BERNARDES, 2017; ARAÚJO et al., 2021).
Entretanto, se as técnicas citadas anteriormente não forem possíveis e a única opção de tratamento seja a exodontia, alguns cuidados devem ser previamente preconizados, como orientado por Neves (2012): que estabelece a necessidade de oxigenação hiperbárica antes do procedimento, nessa modalidade terapêutica o paciente respira oxigênio puro em uma pressão duas a três vezes maiores que a pressão atmosférica normal, dentro de uma câmara hermeticamente fechada, a fim de acelerar o processo de cicatrização. Após o término do procedimento a oxigenação do paciente segue em manutenção por um determinado período e essa conduta pode ser considerada para a prevenção/controle da osteorradionecrose.
Logo, após o fim do tratamento radioterápico o risco para o desenvolvimento da cárie de radiação é sempre oportuno, consequentemente reduzindo a qualidade de vida do paciente. Sendo assim, encontramos controvérsias no que tange terapêutica: enquanto alguns autores orientam o uso de fluoretação tópica, outros preferem a clorexidina 0,12%, porém, quando a discussão é sobre proservação, ambos defendem assiduidade às consultas com o cirurgião-dentista de 4 a 6 meses.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o acompanhamento odontológico de um paciente oncológico no que tange a cárie de radiação deve ocorrer em três diferentes modalidades, a saber: preventiva, primordialmente às radioterapias, com orientações sobre higiene oral, uso de colutórios bucais a base de clorexidina 0,12%, aplicação tópica de fluoreto de sódio e dieta anticariogênica. Curativa, etapa tanto quanto desafiadora, pois a escolha deve ser sempre a mais conservadora possível, entre elas: CIV R, resina composta, facetas, saliva artificial, endodontia para lesões extensas e no insucesso o sepultamento radicular. Última modalidade e não menos importante a proservativa, consultas periódicas e contínuas de 4 a 6 meses ao ano visando a longevidade dos tratamentos, bem estar e qualidade de vida do indivíduo.
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1Discente do Curso Superior de Odontologia do Centro Universitário São Lucas Campus 1 e-mail: andressa_c_erpen@hotmail.com;
2Discente do Curso Superior de Odontologia do Centro Universitário São Lucas Campus 1 e-mail: melosuelen406@gmail.com;
3Docente do Curso Superior de Odontologia do Centro Universitário São Lucas Campus 1 e-mail: leslie.leite@saolucas.edu.br;
4Docente do Curso Superior de Odontologia do Centro Universitário São Lucas Campus 1 e-mail: joao.santos@saolucas.edu.br