TRATAMENTO DE OBESIDADE POR MEIO DA MUDANÇA DO ESTILO DE VIDA – RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10433735


Matheus Bernardes Souza1
Thays de Oliveira Rocha Mendes (Orientadora)2
Valter Luiz Moreira de Rezende (Orientador)3
Catharine de Cássia Lanna de Freitas Rolim4
Gustavo Lourenço de Sousa Crepaldi5


Resumo

A obesidade é uma doença crônica não transmissível, em que há excesso de gordura no organismo, gerando prejuízo celular com impacto na qualidade de vida e maior morbimortalidade. Atualmente, a literatura embasa diversos tipos de tratamentos para a doença: clínico farmacológico e não farmacológico e cirúrgico, com critérios para selecionar cada tratamento.

O Objetivo deste trabalho é relatar um caso de tratamento de obesidade por meio de medidas não farmacológicas baseadas em mudança do estilo de vida.

Foi realizado estudo observacional descritivo através da análise de prontuário de uma paciente, que acompanhou em consultório privado, não vinculado à instituição específica. Para descrição do caso e discussão, realizou-se análise crítica da literatura nas bases de dados Scielo, PubMed, e Medline, selecionando-se os artigos mais relevantes.

O caso trata-se de uma mulher, 28 anos, hipotireoidea, com obesidade grau 1, sem anormalidade em exames laboratoriais que se dispôs a seguir tratamento não farmacológico para obesidade. Baseado na literatura atualizada e em pilares da Medicina do Estilo de Vida foi prescrito alimentação com restrição calórica; prática de atividade física regular; técnicas para sono de qualidade e controle do estresse. Após um ano de tratamento, a paciente apresentou perda de peso de 15% em relação ao peso inicial, com remissão da obesidade.

O tratamento da obesidade tem como objetivos prevenir, tratar ou reverter as complicações e melhorar a qualidade de vida do indivíduo. Assim, espera-se contribuir com a literatura através do relato de um caso bem-sucedido de remissão de obesidade por medidas não farmacológicas.

Palavras-chave: Obesidade; Estilo de Vida Saudável; Redução de Peso.

Abstract

Obesity is a chronic non-communicable disease, in which there is excess fat in the body, causing cell damage with an impact on quality of life and greater morbidity and mortality. Currently, the literature supports several types of treatments for the disease: clinical pharmacological and non-pharmacological and surgical, with criteria to select each treatment.

The objective of this work is to report a case of obesity treatment through non-pharmacological measures based on lifestyle changes.

A descriptive observational study was carried out by analyzing the medical records of a patient, who was monitored in a private office, not linked to the specific institution. To describe the case and discussion, a critical analysis of the literature was carried out in the Scielo, PubMed, and Medline databases, selecting the most relevant articles.

The case concerns a woman, 28 years old, hypothyroid, with grade 1 obesity, without abnormalities in laboratory tests who was willing to follow non-pharmacological treatment for obesity. Based on updated literature and pillars of Lifestyle Medicine, a calorie-restricted diet was prescribed; practicing regular physical activity; techniques for quality sleep and stress control. After one year of treatment, the patient showed a weight loss of 15% in relation to her initial weight, with obesity remission.

Obesity treatment aims to prevent, treat or reverse complications and improve the individual’s quality of life. Thus, we hope to contribute to the literature by reporting a successful case of obesity remission through non-pharmacological measures.

Keywords: Obesity; Healthy lifestyle; Weight Loss.

Introdução

A obesidade é uma doença crônica não transmissível, caracterizada por excesso de gordura no organismo decorrente da hiperplasia e/ou hipertrofia dos adipócitos. Tem etiologia complexa e multifatorial, geralmente resultante do desequilíbrio crônico entre consumo alimentar e gasto energético. É associada a um baixo grau de inflamação crônica com consequentes desordens micro e macrocelulares, como disfunção endotelial, dislipidemias, resistência insulínica, aterogênese, hipertensão arterial sistêmica e síndrome metabólica (ALMEIDA et al., 2017; OLIVEIRA et al., 2022; LEITE et al., 2009).

Desde Hipócrates, a morbimortalidade associada ao excesso de peso é conhecida pela saúde (FRANCISCO; DIEZ-GARCIA, 2015). A obesidade tem aumentado sua prevalência em todas as faixas etárias, tornando-se uma epidemia global. A obesidade superou a desnutrição e o baixo peso ao redor do planeta em todas as regiões, exceto partes da África Subsaariana e da Ásia (NCD RISK FACTOR COLLABORATION, 2016). 

Desde a década de 1980, a prevalência de obesidade praticamente duplicou em mais de setenta países. Em 2015, foi ultrapassada a marca de 600 milhões de adultos com obesidade em todo o mundo. Homens e mulheres em todas as faixas etárias e níveis socioeconômicos tiveram aumento substancial da obesidade, com maior intensidade no início da idade adulta (GBD 2015 OBESITY COLLABORATORS, 2017). No Brasil, a obesidade é considerada um problema de saúde pública, acumulando elevados gastos públicos e privados, abrangendo consultas ambulatoriais, internações hospitalares e tratamentos clínico-cirúrgicos (ALMEIDA et al., 2017; LEITE et al., 2009).

O excesso de peso em adultos compreende dois estágios: sobrepeso e obesidade, que são definidos a partir do Índice de Massa Corporal (IMC) que é adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para classificar um indivíduo com ou sem obesidade. O IMC é o índice consagrado e adotado pela OMS como rastreamento e classificação da obesidade. É a primeira etapa para determinar o grau de excesso de peso e resulta em uma estimativa da gordura corporal total em relação ao peso corporal (MEI et al., 2002). O IMC é obtido através da relação matemática entre o peso (em quilogramas) do indivíduo e a altura (em metros) ao quadrado. Os valores são classificados e relacionados ao risco de doença cardiovascular (PROSPECTIVE STUDIES COLLABORATION, 2009).

Conforme a OMS, uma pessoa com IMC maior ou igual a 25 kg/m2 é considerada com sobrepeso e um valor maior ou igual a 30 kg/m2 é referida como portadora de obesidade. O IMC apresenta algumas limitações, pois não consegue discriminar as principais estruturas corporais que compõe o peso do indivíduo, como musculatura, órgãos, ossos e gordura. Apesar disso, é o método mais utilizado até os dias de hoje e pode ser melhor interpretado valendo-se de outras medidas associadas, como a medida da circunferência da cintura, que estima a intensidade de adiposidade visceral (SAADATI et al., 2021).

A circunferência abdominal é uma medida que atualmente faz parte dos critérios diagnósticos da Síndrome Metabólica e está mais intimamente relacionado ao risco de doenças cardiovasculares. Atualmente, se adota o valor referencial de circunferência abdominal ≥ 80 para mulheres e ≥ 90 para homens sul-americanos para se definir aumento da circunferência abdominal (BARROSO et al., 2017).

A obesidade marcadamente é fator de risco para outras várias doenças crônicas não transmissíveis. Doenças cardiovasculares, metabólicas e renais, além de alguns tipos de cânceres e disfunções musculoesqueléticas estão intimamente relacionadas à elevação do IMC. Por outro lado, a perda de peso saudável e a manutenção do peso adequado são inversamente relacionadas a tais morbidades associadas à obesidade (NCD RISK FACTOR COLLABORATION, 2016).

Diante do potencial de complicações, o tratamento da obesidade tem como principal ênfase prevenir, tratar ou reverter as complicações e melhorar a qualidade de vida do indivíduo portador da doença. Há evidencias que a perda de 5% do peso contribui para benefícios à saúde e mudanças no estilo de vida produzem tipicamente perda de 5% a 7% do peso. Embora metas mais altas podem ser difíceis de se sustentar, em pacientes motivados, podem ser alcançadas perdas de até mais de 15% afim de alcançar melhorias adicionais na saúde. É importante compreender a intensidade mais comum de cada método de intervenção para alinhamento entre as expectativas do indivíduo e os resultados obtidos (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION PROFESSIONAL PRACTICE COMMITTEE, 2022). O tratamento farmacológico e a bariátrica são duas opções com boas evidências para perda de peso, mas fogem do escopo desta avaliação.

A medicina do estilo de vida é o manejo não farmacológico de doenças crônicas, no qual um indivíduo opta por se envolver em atividades regulares com objetivo de prevenir, tratar ou controlar alguma condição crônica. Tem como pilares padrões a alimentação saudável, a atividade física regular, o sono de qualidade, a redução e o controle de estresse, a cessação de tabaco e o consumo moderado de álcool. A abordagem é realizada por meio de abordagem motivacional baseado no grau de motivação para mudança. Para tratamento da obesidade, a terapia de estilo de vida é resumida em três componentes: alimentação, atividade física e comportamentos saudáveis (KHANDELWAL, 2020).

A alimentação é preconizada com déficit calórico de 500-750 kcal, com baixa ingestão de carboidratos e gorduras e maior consumo de proteínas e, se possível, com seguimento nutricional. Para manejo do sedentarismo, é orientada atividade física aeróbica de no mínimo 150 minutos por semana por 3 a 5 dias, intercalada com exercícios de resistência em 2 a 3 dias com supervisão de profissional de educação física. O componente comportamental é gerido, tendo metas definidas para áreas específicas. É orientado o automonitoramento do padrão alimentar, de exercícios físicos e do peso, a fim de manter motivação quanto à meta. Estratégias de resolução de problemas para redução de estímulos nocivos, como estresse, ingesta alimentar não planejada e uso de substâncias toxicas são fundamentais nesse processo, somadas a medidas de higiene do sono para manter qualidade de vida e mobilização de apoio social (familiares e amigos) para cumprimento das metas (KHANDELWAL, 2020; BODAI et al., 2018).

O presente trabalho justifica-se por se tratar de um tema atual e extremamente relevante tendo em vista a epidemiologia da obesidade. Busca-se contribuir com a literatura acerca do manejo não farmacológico da obesidade, contribuindo-se assim com a propagação de hábitos de vida saudáveis e estímulo a novos estudos acerca do tema. Por meio deste estudo, objetiva-se descrever os efeitos da mudança do estilo de vida sobre a composição corporal e apontar as possibilidades de tratamento não farmacológico da obesidade.

Metodologia

O presente trabalho trata-se de um relato de caso de um tratamento de obesidade em uma mulher, 28 anos, hipotireoidea, com obesidade grau 1, exames laboratoriais sem alterações e desejo de perda de peso saudável, acompanhada em consultório privado. O tratamento consentido pela mulher se deu por meio de medidas não farmacológicas, baseado em mudanças do estilo de vida (alimentação com restrição calórica, atividade física regular, controle de estresse e sono de qualidade).

Foi realizado estudo observacional descritivo através da análise de prontuário desta mulher, que acompanhou em consultório privado, não vinculado à instituição específica. A participante da pesquisa foi convidada e permitiu acesso ao seu prontuário por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assegurando-se a confidencialidade e privacidade dos dados. Para descrição do caso e referencial teórico, realizou-se análise crítica da literatura nas bases de dados Scielo, PubMed, e Medline, selecionando-se os artigos mais relevantes a fim de embasar a discussão acerca do assunto.

Dentre os benefícios do estudo destaca-se a contribuição com o conhecimento acerca de eficácia de métodos não farmacológicos para tratamento de obesidade, por meio da perda de peso saudável a partir de mudanças no estilo de vida.

A pesquisa apresentou alguns possíveis riscos envolvidos, dentre eles invasão de privacidade, divulgação de dados confidenciais e risco a segurança do prontuário. Para minimizá-los foi garantida a confidencialidade e privacidade da pessoa envolvida. Além de assegurar a integridade dos documentos e não violação destes. O acesso aos prontuários foi limitado apenas pelo tempo, quantidade e qualidade das informações específicas para a pesquisa garantindo a não utilização das informações em prejuízo da pessoa.

Relato do Caso

Paciente, 28 anos, hipotireoidea em tratamento com levotiroxina 50mcg, apresentando obesidade grau 1, procurou atendimento médico em consultório particular, em fevereiro de 2022, com vistas a perda de peso saudável. Ela se dispôs a participar de tratamento não farmacológico por meio de mudança de estilo em busca de remissão da obesidade e melhoria da qualidade de vida. Manteve-se em seguimento clínico mensal ou bimensal ao longo de 12 meses. Para este trabalho, foram reunidas as informações (anamnese, exame físico e exames complementares) de 10 consultas que ocorreram no período de um ano.  

Foi realizada, em primeira consulta, anamnese com ênfase em entender padrão alimentar com recordatório de 24 horas, avaliação de prática esportiva ou sedentarismo, abordagem breve de saúde mental e avaliação de hábitos de vida com foco em uso de substâncias tóxicas como álcool, tabaco e drogas ilícitas. Além disso, foram investigados antecedentes pessoais e familiares de patologias e uso de medicamentos. 

Em seguida, foi realizado exame físico compreendendo avaliação de peso e IMC (em  Bioimpedância Elétrica – BIA – InBody 230), estatura em estadiômetro compacto, avaliação de circunferência abdominal com  fita  métrica  inelástica, pressão arterial e oximetria de pulso aferidas com aparelho digital de braço e de oxímetro de pulso certificados pelo INMETRO, frequência cardíaca e respiratória e ausculta cardiopulmonar. Nesta consulta, foi solicitada avaliação laboratorial de hemograma, glicemia de jejum, perfil lipídico (colesterol total, HDL e triglicerídeos), TGO/AST, TGP/ALT, TSH.

Na história clínica, apresentou-se uma paciente com obesidade desde os 19 anos de idade, com histórico de alimentação com elevado teor de carboidratos e gorduras e baixa ingesta de fibras e carnes. Além disso, foram relatadas recorrentes tentativas frustradas de prática de musculação e restrição calórica extrema ao longo do período de obesidade. No momento da primeira consulta, a paciente estava há 2 anos sem praticar qualquer atividade física supervisionada.

Realizou-se avaliação de saúde mental por meio de anamnese e a paciente referiu histórico prévio de possível transtorno mental comum devido à situação normativa em seu ciclo de vida (período pré-vestibular), ocorrendo tratamento aos 17 anos com psicoterapia, obtendo boa resposta, sem necessidade de terapia farmacológica. Na ocasião da primeira consulta e nas consultas subsequentes, a paciente não apresentava sinais e sintomas de transtornos de saúde mental, não preenchendo critérios para tais patologias.   

Quanto ao consumo de substâncias tóxicas, a paciente referiu não fazer uso ou ingesta de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas. Referiu uso regular de levotiroxina 50mcg para controle de hipotireoidismo e negou uso de outros medicamentos e comorbidades. Não houve relato de alergias ou intolerâncias alimentares. Como antecedentes familiares de primeiro grau, ela relata pai e mãe com obesidade mórbida tratados com cirurgia bariátrica, pai com hipertensão arterial sistêmica, mãe com diabetes em remissão devido bariátrica e irmã com obesidade grau 2.  

No exame físico, a comparação entre os parâmetros da primeira e última avaliação permite observar os resultados positivos obtidos ao longo do tratamento, tais como perda de peso e redução da circunferência abdominal (Tabela 1).

Tabela 1 – Parâmetros da paciente avaliados no início e após 12 meses de tratamento.

Parâmetros avaliados1ª Consulta10ª consultaPerda (%)
Peso (kg)68,85358,338-10,515 (15%)
Estatura (m)1,531,53
IMC (kg/m2)30,2024,92-5,28 (17%)
Circunferência Abdominal (cm)8979-10 (11%)
Gasto energético estimado (kcal/dia)17482512+764 (44%)
Gordura Corporal (%)4129-12
Pressão arterial (mmHg)118×76116×72
Frequência Cardíaca (bpm)8880
Oximetria de pulso (%)9897%
Ausculta cardiopulmonarSem alteraçõesSem alterações

Baseando-se no exame, foi feito diagnóstico de obesidade grau 1 em paciente mulher jovem, com fatores de risco familiares para tal doença e sem alterações de órgão alvo perceptíveis ao exame físico. Os exames bioquímicos estavam todos dentro dos limites da normalidade, como observado na Tabela 2.

Tabela 2 – Resultado dos exames laboratoriais da paciente no início do tratamento.

Exames laboratoriais (27/02/2022)ResultadosValores de Referência*
Hemoglobina/Hematócrito (g/dL / %)13,4 / 4012 a 16 / 37 a 47
Glicemia de jejum (mg/dL)8970 a 99
Colesterol total (mg/dL)148Desejável: < 200
HDL (mg/dL)51Feminino: > 50
Triglicérides (mg/dL)98Normal: < 150
TGO/AST (U/mL)2110 a 40
TGP/ALT (U/mL)2210 a 40
TSH (mcUI/mL)1,790,5 a 4

* Conforme descrito pelo laboratório que realizou os exames em questão.

Após avaliação completa, foi proposto à paciente um plano personalizado de mudanças do estilo de vida com finalidade de tratar obesidade e melhorar qualidade de vida. Paciente compreendeu orientações e se propôs a realizar as medidas interventivas. As medidas nutricionais foram implementadas com suporte de nutricionista e foi reavaliado e adaptado a cada encontro clínico, com foco em redução do consumo calórico e maior ingesta de alimentos não processados ou minimamente processados, conforme recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira (Brasil, 2014). A Tabela 3 expõe o resultado do recordatório alimentar de 24 horas da paciente convertido em consumo energético e de macronutrientes através da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos 2023 – Versão 7.2.

Tabela 3 – Padrão de consumo energético e macronutrientes da paciente na consulta inicial e após 12 meses de tratamento.

ParâmetrosConsumo 1ª consultaConsumo 10ª consulta
Calorias (kcal/dia)27441200
Carboidratos (g/dia)13770 (1,2g/kg)
Proteínas (g/dia)5588 (1,5g/kg)
Gorduras (g/dia)10458 (1,0g/kg)

Discussão

De acordo com a OMS, aproximadamente 60% das doenças crônicas e baixa qualidade de vida são devido a estilos de vida nocivos e podem ser prevenidas por mudanças do estilo de vida (ABE; ABE, 2019). O mundo contemporâneo propicia constantes estímulos à obesidade. O padrão natural de sedentarismo e consumo excessivo de alimentos ultraprocessados e extremamente calóricos cooperam para um ganho de peso anormal e prejudicial à saúde, com consequente carga elevada de morbimortalidade por doenças cardiovasculares passiveis de prevenção (ABESO, 2016).

O aumento da adiposidade corporal advém de um balanço energético diário positivo. Para avaliação deste balanço, normalmente, calcula-se o gasto energético diário e avalia-se a padrão de consumo calórico. O primeiro pode ser calculador por fórmulas específicas ou mais facilmente por bioimpedância. Esta trata-se de um método prático de avaliação da composição corporal (tecido gorduroso e muscular) por meio da variação elétrica de cada tecido. Para melhor avaliação é orientado que o paciente, tenha jejum de no mínimo 4 horas, inatividade física durante 12 horas, abstinência de álcool por 24 horas e sem uso de diuréticos por uma semana, e em mulheres idealmente entre o 7º e 21°dia do ciclo menstrual (ABESO, 2016).

 A avaliação do padrão alimentar (recordatório alimentar de 24 horas, diários alimentares) permite o cálculo do consumo energético (ABESO, 2016).  No caso em discussão, na primeira consulta, foi realizado o recordatório alimentar da paciente e obtido padrão de consumo calórico conforme Tabela 3, evidenciando elevado consumo de carboidratos e gorduras e menor ingesta de proteínas. A bioimpedância elétrica da paciente foi realizada em aparelho BIA – InBody 230, obtendo padrão de gasto energético estimado em 1748 kcal/dia. Dessa forma, é possível observar, neste caso, um balanço positivo de aproximadamente 996 kcal/dia.

A Medicina do Estilo de Vida (MEV) tem potencial de fornecer soluções para problemas crônicos de saúde, tendo em vista que grande parte das doenças crônicas não transmissíveis tangenciam hábitos de vida maléficos, como excessos nutricionais, sedentarismo, ingesta de substâncias e elevados níveis de estresse. Por outro lado, a prática de estilo de vida saudável redunda em prevenção, controle e, por vezes, remissão de algumas doenças crônica, como a obesidade (MINICH; BLAND, 2013). Conforme o pilar nutricional da MEV, os planos alimentares seguiram diretrizes da ABESO (2016) e Ministério da Saúde (2014) para alimentação saudável. Foi prescrito dieta restritiva de 1200 kcal por dia. Sugeriu-se preferência aos alimentos à base de vegetais e integrais e menor consumo de alimentos de origem animal e processados/ultraprocessados.

O segundo pilar da MEV – atividade física – está associado à redução do risco de doenças cardiovasculares, à melhor qualidade de vida e à perda de peso por meio da criação de um balanço energético negativo. Sugere-se que prática de exercícios aeróbicos por mais de 150 minutos por semana redunde em uma perda de peso de 2 a 3 kg; entre 225 e 420 minutos é possível estimar uma perda de aproximadamente 5 a 7,5 kg, em geral ao longo de 18 semanas, conforme estudos (SWIFT et al., 2018). A paciente não apresentava restrição à prática esportiva e optou por realizar 300 minutos de atividade aeróbica e 150 minutos de atividade resistida com supervisão de profissional de educação física contratado pela paciente. Neste contexto, a paciente conseguiu elevar seu gasto energético diário para 2512 kcal, conforme avaliado, por bioimpedância elétrica – BIA – InBody 230, na última consulta. De acordo com ABESO (2016), a atividade física é o componente mais importante do gasto energético diário de indivíduo, chegando até a 30%.

Outros pilares importantes da MEV, o controle de estresse e sono de qualidade, não foram negligenciados, visando maior adesão às metas dos pilares anteriores. A privação de sono, mesmo aguda, é responsável por aumento de citocinas inflamatórias, redução da produtividade e aumento dos níveis de estresse psíquico. Este, por sua vez, é um elemento que pode ser de origem física, química ou emocional que suscita tensão psíquica e/ou física com resposta neuroendócrina de aumento de catecolaminas e citocinas inflamatórias. Assim, ambos estímulos contribuem negativamente para surgimento ou complicação de doenças crônicas não transmissíveis (ABE; ABE, 2019; BODAI et al., 2018).

Ao encontro das possíveis técnicas para controle de estresse citadas por Abe e Abe (2019), foram propostos, como possibilidade de controle do estresse, a busca de contatos sociais significativos, o estímulo ao autoconhecimento e de propósito de vida, um maior convívio direto com a natureza e a prática de meditação, mindfulness e/ou espiritualidade. A paciente também foi orientada quanto a medidas gerais de higiene do sono, tais como as citadas no Quadro 1. Nas avaliações subsequentes, paciente referiu maior engajamento em convívio social mais intenso com familiares, espiritualidade e frequente contato com a natureza por meio de passeios regulares em zona rural. Além disso, citou que as medidas de higiene do sono foram implementadas em sua rotina.

Quadro 1 – Medidas de higiene do sono para sono de qualidade.

Estabelecimento de rotinas com horários específicos para se deitar e acordar diariamente.
Não forçar o sono. Buscar deitar-se quando perceber sinais de sonolência.
Banhos quentes 1 hora antes de se deitar ajudam a relaxar e estimular o sono.
Evitar estímulos luminosos no período noturno.
Evitar consumo de bebidas alcoólicas no período noturno e cafeína em horários após o almoço. 
Evitar atividades além de sono e sexo na cama.
Prática de exercícios físicos longe do horário do sono.
Exposição à luz solar ao acordar.

Fonte: Elaborada pelos autores com base em Abe e Abe (2019).

Um dos aspectos da obesidade frequentemente orientado à paciente durante as consultas foi o reganho de peso. Estima-se, em pessoas obesas, um reganho de até dois quilos por ano após qualquer tipo de tratamento para obesidade. A manutenção da perda de peso saudável sustentada pelos pilares da MEV pode ser fator decisivo para êxito na remissão da obesidade (DA SILVA; DOS SANTOS BATISTA, 2021).

Assim, as avaliações mensais ou bimensais seguiram-se ao longo dos 12 meses e em cada encontro clínico foi avaliado o grau de motivação e realização da pessoa. Além disso, usou-se abordagem motivacional para superação e enfretamento de barreiras a fim de obter êxito com as metas de clínicas. O resultado após um ano do tratamento foi a remissão da obesidade através da perda de peso de 15% em relação ao valor inicial. A auto avaliação foi positiva por parte da paciente, que conseguiu cumprir grande parte das metas estabelecidas. Em última consulta foi mencionado elevado grau de satisfação não só com a perda de peso, mas também com as melhorias conquistadas em relação à qualidade de vida. Ainda foi mencionada a intenção de seguimento regular com intervalos mais espaçados entre as consultas.

Considerações Finais

Os comportamentos nocivos à saúde, como elevada ingesta calórica e sedentarismo aliado a histórico familiar de primeiro grau de obesidade, foram importantes fatores de gênese da obesidade nesta paciente. O elevado grau de motivação e adesão ao tratamento foram pontos fundamentais para sucesso da terapêutica não medicamentosa implementada.

Inicialmente, observaram-se diversas contradições argumentativas da paciente quanto ao desejo de emagrecimento e o estilo de vida em curso previamente ao tratamento. Com uso de abordagem motivacional e ao encontro da motivação da paciente, foi possível a adoção de um estilo de vida saudável como princípio para remissão da obesidade neste caso.

O acompanhamento clínico e o planejamento alimentar com médico e nutricionista permitiram o enfrentamento das contradições e comportamentos prejudiciais, com uma mudança gradativa do paradigma do estilo de vida. A intervenção dietética surtiu excelente resultado devido boa compreensão e adesão às orientações alimentares resultando em mudanças positivas na composição corporal, no aspecto físico e psicológico, assim auxiliando na redução do risco de doenças cardiovasculares e outras doenças crônicas.

Apesar disso, é importante ressaltar que o reganho de peso é algo inerente ao paciente com obesidade, independente do tratamento implementado. Desta forma, a manutenção do estilo de vida saudável e acompanhamento clínico regular são importantes para manutenção e potencialização dos resultados.

Convém lembrar que a obesidade, como doença crônica, necessita de avaliação criteriosa para decisão do tratamento a ser implementado. Ressalta-se que o grau de motivação do indivíduo é pilar fundamental para o sucesso de qualquer terapia e que a adoção de um estilo de vida saudável comporta-se com espectro fundamental em qualquer tratamento implementado para obesidade.

Referências

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1Médico Residente em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade Evangélica de Goiás. E-mail: matheusmbs19@hotmail.com

2Médica Especialista em Medicina de Família e Comunidade e preceptora do Programa de Residência de Medicina de Família e Comunidade da Universidade Evangélica de Goiás. E-mail: th_rocha1@hotmail.com

3Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Goiás e preceptor do Programa de Residência de Medicina de Família e Comunidade da Universidade Evangélica de Goiás. E-mail: resende.valter@gmail.com

4Médica Especialista em Medicina de Família e Comunidade e preceptora do Programa de Residência de Medicina de Família e Comunidade da Universidade Evangélica de Goiás. E-mail: catharinefreitas@gmail.com

5Médico Especialista em Medicina de Família e Comunidade. E-mail: gustavo_crepaldi2@hotmail.com