COMPREENSÕES DA EQUIPE DE SAÚDE ACERCA DO USO DE SMARTPHONES NO AMBIENTE HOSPITALAR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10413327


Lia Viera Bino1
Paulo Cezar Mendes 1
Newton Ferreira de Paula Júnior 2


RESUMO

INTRODUÇÃO: O smartphone, é um aparelho que permite a comunicação por meio de ondas eletromagnéticas, o que possibilita a transmissão da voz de forma bidirecional e de dados/informações uteis. Eles apresentam um potencial benéfico na assistência à saúde, no entanto, em ambiente hospitalar podem atuar como reservatórios de microrganismos patogênicos. OBJETIVO: Compreender as compreensões da equipe de saúde, de uma UTI de um hospital Universitário de grande porte, acerca do uso de smartphones em seu ambiente de trabalho. METODOLOGIA: Estudo de natureza qualitativa, desenvolvido conforme as recomendações do Consolidat ed Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). Realizado em um Centro de Terapia Intensivo adulto de 37 leitos, de um hospital universitário de grande porte do Triângulo Mineiro, onde foram selecionados 41 informantes, que atenderam aos critérios propostos para o estudo. A coleta de dados ocorreu no período de agosto a setembro de 2020, por meio de entrevistas semiestruturadas, com duração média de 40 minutos, realizadas pelos pesquisadores. As informações foram analisadas a luz da Proposta Operativa de Minayo. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Emergiram duas categorias: Potencialidades e fragilidades do uso de smartphones na UTI e Desinfecção do smartphone em ambiente hospitalar. O uso de smartphones no ambiente hospitalar possivelmente está associado a formação dos profissionais. Os smartphones permitem que os profissionais de saúde tenham acesso as informações de maneira rápida e contem com recursos voltados para a área da saúde de maneira online, permitir a interatividade entre profissionais de diferentes setores e até mesmo hospitais. Por outro lado, o uso constante de smartphones pode prejudicar a concentração dos profissionais e afetar negativamente sua produtividade no trabalho. Os aparelhos celulares são considerados veículos de disseminação microbiana e podem, em algum momento, causar malefícios ao usuário. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Embora os informantes já tenham sido orientados a não utilizarem smartphones no ambiente de UTI, eles fazem uso deles para diversas finalidades, como ferramenta auxiliar na terapêutica dos pacientes, por meio de aplicativos específicos da área da saúde, leituras de artigos e dosagens de medicamentos e para comunicação com o meio externo. Além do uso frequente e indiscriminado, agrava esta situação o modo como esses aparelhos são desinfectados, uma vez que eles não seguiam um protocolo específico e utilizavam os sanitizantes disponíveis na instituição.

Palavras chave: smartphones, unidade de terapia intensiva, infecção hospitalar

ABSTRACT

INTRODUCTION: The smartphone is a device that allows communication through electromagnetic waves, which enables the bidirectional transmission of voice and useful data/information. They have beneficial potential in healthcare, however, in a hospital environment they can act as reservoirs of pathogenic microorganisms. OBJECTIVE: To understand the understandings of the healthcare team, in an ICU of a large university hospital, regarding the use of smartphones in their work environment. METHODOLOGY: Qualitative study, developed in accordance with the recommendations of the Consolidat ed Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). Carried out in an adult Intensive Care Center with 37 beds, of a large university hospital in the Triângulo Mineiro, where 41 informants were selected, who met the criteria proposed for the study. Data collection took place from August to September 2020, through semi-structured interviews, lasting an average of 40 minutes, carried out by the researchers. The information was analyzed in light of Minayo Operative Proposal. RESULTS AND DISCUSSION: Two categories emerged: Potentials and weaknesses of using smartphones in the ICU and Smartphone disinfection in a hospital environment. The use of smartphones in the hospital environment is possibly associated with professional training. Smartphones allow healthcare professionals to access information quickly and have online healthcare resources, allowing interactivity between professionals from different sectors and even hospitals. On the other hand, the constant use of smartphones can impair professionals’ concentration and negatively affect their productivity at work. Cell phones are considered vehicles for microbial dissemination and may, at some point, cause harm to the user. FINAL CONSIDERATIONS: Although informants have already been instructed not to use smartphones in the ICU environment, they use them for various purposes, as an auxiliary tool in patient therapy, through specific health applications, reading articles and dosages of medicines and for communication with the external environment. In addition to frequent and indiscriminate use, the way in which these devices are disinfected makes this situation worse, as they did not follow a specific protocol and used the sanitizers available at the institution.

Keywords: smartphones, intensive care unit, nosocomial infection.

INTRODUÇÃO

          O smartphone, ou telefone celular, é um aparelho que permite o ato de se comunicar por meio de ondas eletromagnéticas, o que possibilita a transmissão da voz de forma bidirecional e de dados/informações uteis (OLIVEIRA et al., 2021).

          Nesse contexto, o uso de celular tornou-se generalizado nos últimos anos, tanto para uso pessoal, quanto como ferramenta de trabalho. No ambiente hospitalar, são utilizados diversos aplicativos presentes no aparelho celular que possibilitam e proporcionam melhoria da prática profissional na medida que facilitam o acesso rápido a informações de qualidade que promovem a prática baseada em evidências científicas (JAIME; FRANCISCO; MOTTA; CAREGNATO, 2022).

          Estudos realizados em diferentes países têm definido um padrão de uso de smartphones por profissionais da saúde em seus ambientes de trabalho. Nos Estados Unidos da América (EUA) constatou-se que 56% dos médicos e 92,7% dos enfermeiros que atuam em unidades de terapia intensiva (UTI) relataram utilizar o telefone celular durante sua prática clínica. Porém, além do uso do smartphone relacionado a assistência à saúde, em muitos casos, os profissionais de saúde também utilizam o aparelho celular para fins pessoais dentro do ambiente hospitalar, como por exemplo, para envio de mensagens de texto, acesso as redes sociais, jogar durante o período de trabalho dentre outros (JÚNIOR et al. 2022).

          Os mesmos autores afirmam que, embora os smartphones apresentem um potencial benéfico na assistência à saúde, no ambiente hospitalar podem atuar como reservatórios de microrganismos patogênicos, condição que pode ser agravada pela baixa adesão dos profissionais de saúde à prática de higienização das mãos e pelo constate contato com a tela do aparelho, o que favorece a transmissão cruzada de microrganismos do dispositivo para as mãos e vice-versa.

          Segundo Koslowski et al. (2021), 88% dos aparelhos celulares utilizados pelos profissionais de saúde que atuavam dentro do centro cirúrgico encontravam-se com contaminação bacteriana. Além disso, o índice de contaminação por meio de colonização bacteriana em aparelhos celulares em ambiente hospitalar foi de 74% na Austrália, 60% na Irlanda do Norte, 81.8% na Índia e 94,2% na Etiópia.

          Assim, observaram-se que o aparelho celular se tornou uma ferramenta relevante na prática clínica dos profissionais de saúde, até para aqueles que atuam em ambientes restritos como UTI. Porém, nesse contexto, o constante manuseio do dispositivo celular, de maneira banalizada e naturalizada, o transforma em potencialmente patogênicos quando acometem pacientes imunocomprometidos, deixando-os vulneráveis para desenvolver processos infecciosos que acarretam piora do estado de saúde (OLIVEIRA et al., 2021; KOSLOWSKI et al., 2021).

Diante do exposto e compreendendo os possíveis riscos e perigos, que a equipe de saúde e pacientes estão expostos quando os profissionais de saúde fazem uso de smartphones em ambiente hospitalar, considera-se relevante conhecer as percepções da equipe de saúde acerca do uso de smartphones no ambiente hospitalar. Para tanto, buscou-se responder seguinte pergunta de pesquisa, baseada na estratégia PICO, acrônimo de P: população (equipe de saúde de uma UTI); I: intervenção (percepções); C: comparação/controle (uso de smartphones); O: desfecho/outcome (ambiente de trabalho): “Quais as compreensões da equipe de saúde de uma UTI de um hospital Universitário acerca do uso de smartphones em seu ambiente de trabalho?”. As respostas a esta questão visam apontar possíveis estratégias para prevenir incidentes ocasionados pelo uso de smartphones durante o período de trabalho, o que vem ao encontro da qualidade da assistência prestada e da segurança do paciente. Nesse sentido o objetivo desse estudo é compreender as percepções da equipe de saúde, de uma UTI de um hospital Universitário de grande porte, acerca do uso de smartphones em seu ambiente de trabalho.

Objetivo

Compreender as compreensões da equipe de saúde, de uma UTI de um hospital Universitário de grande porte, acerca do uso de smartphones em seu ambiente de trabalho.

METODOLOGIA

Estudo de natureza qualitativa, desenvolvido conforme as recomendações do Consolidat ed Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) (TONG A, et al.,2007). Foi realizado no Centro de Terapia Intensivo (CTI) adulto de um hospital universitário de grande porte do Triângulo Mineiro, Estado de Minas Gerais, Brasil. O referido CTI é composto por cinco UTI, com um total de 37 leitos divididos em: UTI Cirúrgica; UTI Neurológica; UTI Clínica, UTI de isolamento e UTI coronariana.

Foram convidados a participar do estudo 50 profissionais de saúde que compunham a equipe multidisciplinar da CTI adulto, conforme os seguintes critérios de inclusão: atuar diretamente na assistência e nos cuidados do paciente criticamente enfermo no CTI; estar em pleno exercício profissional e ter experiência mínima de um ano no CTI. Os critérios de exclusão foram: profissionais da equipe multidisciplinar que ocupavam cargos administrativos, ou que estivessem afastados de suas atividades por motivo de doença ou férias no período de coleta de dados. Da seleção inicial, 41 atenderam aos critérios propostos, e se tornaram os informantes do estudo.

A coleta de dados ocorreu no período de agosto a setembro de 2020, por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas pelos pesquisadores, em horários pré-agendados com a instituição e com os informantes. Foram realizadas em sala privativa, no próprio CTI, com garantia de sigilo dos dados e duração média de 40 minutos.

O instrumento da coleta de dados foi elaborado pelos pesquisadores e o roteiro foi organizado em duas partes, ambos aprovados por juízes no assunto: a primeira para caracterização sociodemográfica dos informantes e a segunda conduzida pela questão norteadora dessa pesquisa.

As informações coletadas foram analisadas a luz da Proposta Operativa de Minayo, que consiste em desvelar os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado. Este tipo de análise divide-se em três momentos: ordenação; classificação e a análise dos dados propriamente dita (MINAYO MCS, et al., 2016).

Na ordenação dos dados, fez-se o mapeamento de todas as informações e dados coletados no trabalho de campo, por meio das transcrições na íntegra das entrevistas e dos dados oriundos da observação. Na fase de classificação dos dados, fez-se leitura exaustiva dos textos, estabelece-se as interrogações no intuito de identificar qualquer aspecto relevante que emergisse das falas dos informantes, buscando alcançar o núcleo de compreensão do texto, para construção das categorias. Na terceira fase, realizou-se o tratamento dos resultados obtidos com as respectivas inferências e interpretações, relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente e respondendo à questão e ao objetivo da pesquisa. Assim, foram promovidas as relações entre o concreto e o abstrato, a teoria e a prática, característica essencial de uma pesquisa qualitativa (MINAYO MCS, et al., 2016).

A fim de preservar a identidade dos informantes, estes foram identificados por uma sequência alfanumérica, com a letra “AE” para Auxiliares de Enfermagem; “TE” para Técnicos de Enfermagem; “AS” para Assistente Social; “F” para Fisioterapeuta; “N” para Nutricionista; “E”, para Enfermeiro (a); “M” para Médico (a); e “P” para Psicólogo (a), seguidas do número sequencial da entrevista (1,2,3…), sendo necessário a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), afirmando concordar com a participação na pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia sob número de parecer 4.017.130 e CAAE 23262719.5.0000.5152, conforme determina a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, órgão que regulamenta pesquisas com seres humanos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a leitura do conteúdo das entrevistas, emergiram duas categorias: Potencialidades e fragilidades do uso de smartphones na UTI e Desinfecção do smartphone em ambiente hospitalar, apresentadas a seguir.

Potencialidades e fragilidades do uso de smartphones na UTI

O uso de smartphones no ambiente hospitalar possivelmente está associado a formação dos profissionais, que fazem uso dos mesmos em ambiente acadêmicos e estão arraigados na era digital, onde a tecnologia é uma parte essencial da vida cotidiana e no ambiente de trabalho.

“Eu uso aparelho celular desde a faculdade, fui acostumada a fazer pesquisas rápidas no celular em sala de aula mesmo, esse uso rotineiro foi herdado da faculdade. ”  (M2)

Os smartphones permitem que os profissionais de saúde tenham acesso as informações de maneira rápida e contem com recursos voltados para a área da saúde de maneira online, isso pode tornar o tratamento do paciente mais dinâmico e atualizado. Além de permitir a interatividade entre profissionais de diferentes setores e até mesmo hospitais. Os smartphones permitem a comunicação fácil entre os profissionais assistenciais e gestores do hospital, isso facilita a contribuição em conduções de casos e tratamento clínico.

“Eu consigo tirar dúvidas e discutir com colegas de outras especialidades e até de outros setores, e eu vou além, até de ouros hospitais só através do celular.” (M1)

Os smartphones podem ser ferramenta administrativa, gerencial e clínica valiosa quando são usados de maneira controlada e com objetivo de discussões acerca de saúde. Os smartphones oferecerem acesso rápido a dados e informações, que permitem o uso de aplicativos para saúde, além de promover discussões e resolução de problemas de maneira digital. Um exemplo prático são as tele consultas, que se encontra em franco processo de desenvolvimento.

“Hoje mesmo, já realizei duas consultas online com profissionais que estão com covid positivo eu aqui no hospital e eles nas casas deles.” (M1)

Por outro lado, o uso constante de smartphones pode prejudicar a concentração dos profissionais e afetar negativamente sua produtividade no trabalho. Nesse sentido, o uso excessivo de smartphones está relacionado a um desempenho profissional reduzido e que altos níveis de tempo de tela têm um efeito negativo na estabilidade emocional dos profissionais.

“Às vezes percebo que dou muita atenção para meu celular, mais é porque deixei em casa meus filhos e isso me preocupa muito, daí toda hora tenho que ficar vendo se eles mandaram mensagem.” (T4)

É sabido que o uso indiscriminado de smartphone em ambientes fechados em nível hospitalar pode levar os profissionais a distração, o que prejudica a assistência e o cuidado aos pacientes, em especial quando são pacientes que exigem atenção mais refinada, como é o caso dos pacientes criticamente enfermos. Somado a isso, é possível observar impacto direto no desempenho dos profissionais de saúde, uma vez que as evidências científicas apontam que o uso excessivo de smartphones possivelmente está relacionado a um desempenho profissional prejudicado, no sentido de redução de atenção e comprometimento da segurança e qualidade da assistência prestada, em especial quando os profissionais utilizam para fins não relacionados ao quadro clínico ou para discussões acerca do estado de saúde do paciente.

“ Uma vez fui na farmácia, aqui dentro mesmo da UTI, buscar um remédio e quando entrei no corredor, chegou uma mensagem no meu celular e quando fui olhar me distraí, quando cheguei na farmácia não lembrava mais o que tinha ido buscar. Acabou que atrasei meu serviço” (T2)

Outro fator relevante para considerar é a possibilidade de alguma informação referente ao paciente ser publicada em uma rede onde quem envia a mensagem, não tem governabilidade após a publicação. Nesse contexto, é importante considerar a lei geral de proteção de dados (LGPD), uma vez que é essa lei que trata de questões pertinentes ao campo de conhecimento abordado nesse artigo.

“eu tenho muito medo de mandar mensagens nos grupos aqui da UTI e de repente essa mensagem ir para algum outro grupo ou pessoa e alguém interpretar de maneira equivocada, porque eu já vi isso acontecer com outras pessoas, e a chefia encaminhar até para a comissão de ética… eu não quero isso pra mim não.” (P1)

Chamou a atenção o uso frequente de smartphones dentro do ambiente de terapia intensiva, apesar do fornecimento prévio de orientações contrárias a essa conduta. Alguns informantes relataram, inclusive, que esses aparelhos eram utilizados por determinados profissionais em momentos que exigiam dedicação e atenção, o que pode comprometer a segurança do paciente e a qualidade da assistência de enfermagem. Além disso, foi apontado o uso do smartphone para entretenimento durante os intervalos, como forma de aliviar a tensão.

“Eu uso muito para verificar as pupilas dos pacientes, eu sei que não pode, que tem que ser uma lanterna clínica, mas se não tem no setor, não vou deixar de olhar, vou olhar com que tenho, no caso é meu celular.”  (T3)

A Portaria Nº 529/2013, que institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), alerta para a necessidade da gestão se comprometer com a qualidade e segurança do paciente promovendo a criação de uma cultura de segurança; a execução sistemática e estruturada dos processos de gerenciamento de risco; a integração com todos os processos de cuidado e articulação com os processos organizacionais dos serviços de saúde; as melhores evidências disponíveis; a transparência, a inclusão, a responsabilização e a sensibilização, além da capacidade de reagir a mudanças.

O clima de segurança institucional refere-se à criação de um ambiente e de percepções que facilitem a sensibilização sobre as questões de segurança do paciente, devendo ter a higiene das mãos alta prioridade em todos os níveis (LUIZ et al., 2015).

O uso excessivo do celular pode comprometer a produtividade do profissional. É possível que o atendimento a uma chamada de celular também cause distração, quebra de concentração, com riscos para além de uma rápida interrupção dos serviços. Uma distração, por menor que seja, pode favorecer falha humana e, por conseguinte, eventos adversos prejudiciais ao paciente. Assim, o profissional que utiliza o celular no decorrer de sua jornada de trabalho para fazer ligações, enviar mensagens de texto e navegar pela Internet age dedicado a seus interesses próprios e não aos da empregadora ou, neste caso, do paciente crítico (BRASIL, 2010).

Em última análise, a questão do uso de smartphones na UTI é complexa e pode variar dependendo do contexto profissional e da filosofia da instituição. Encontrar um equilíbrio entre aproveitar os benefícios dos smartphones como ferramentas de trabalho no campo da saúde e lidar com suas possíveis desvantagens é fundamental para promover um ambiente de trabalho seguro, eficaz e com qualidade. 

É necessária discussão cuidadosa acerca do uso racional de smartphones em ambiente hospitalar e ainda mais em UTI, além de sistematizar orientações e sensibilização dos profissionais sobre o uso responsável da tecnologia, isso pode ser importante para lidar com os prós e contras do uso de smartphones na UTI.

Desinfecção do smartphone em ambiente hospitalar

Os aparelhos celulares e diversos outros objetos de uso cotidiano são considerados veículos de disseminação microbiana e podem, em algum momento, causar malefícios ao usuário. Portanto, é necessário higienizá-los sempre que possível, a fim de reduzir a carga microbiana e garantir maior segurança à saúde. Reforçar a limpeza também diminui o risco de infecções oportunistas e a disseminação de microrganismos para outras superfícies (RODRIGUES; AZEVEDO; FRANÇA, 2019).

“Apesar do apelo da CCIH em proibir o uso de smartphones, sempre uso porque para mim, facilita muito minha comunicação com meus colegas de trabalho, até mesmo de outros hospitais e em relação aos meus pacientes, sei que o smartphone nunca irá substituir a interação presencial com os meus pacientes.” (F5)

“Fui orientada em colocar meu celular num saquinho de plástico, mas limpo com o surfânios, que é o produto padronizado aqui.”  (T1)

A solução aquosa do álcool é mais eficaz em relação ao álcool absoluto, pois promove a redução da tensão superficial da célula bacteriana. O mais indicado é o álcool a 70%, que é hidratado e elimina, em 10 segundos, bactérias gram-negativas e gram-positivas, e, após 30 segundos, vírus lipídicos e não lipídicos, além de microbactérias. Esta versão é também mais indicada para desinfecção de nível intermediário e baixo. Recomenda-se que o produto seja friccionado por 30 segundos, após limpeza prévia da superfície, caso esta possa ser higienizada com água e sabão, o que, todavia, não se aplica a smartphones (RUTALA; WEBER, 2011).

Para a descontaminação destas superfícies, a limpeza prévia do local, seguida de desinfecção com um agente microbicida, por exemplo, o álcool a 70%. Esse é o germicida de nível intermediário mais disponível e utilizado em nosso meio (tanto o etanol 70% como o 2-propanol), principalmente pelo menor custo quando comparado a outros produtos. Nos estabelecimentos de assistência à saúde, este também é o produto mais utilizado (GRAZIANO et al., 2013).

De acordo com Ferreira et al. (2011), mudanças simples nos processos de limpeza realizados em hospitais podem promover melhorias significativas e auxiliar na redução dos níveis residuais de Staphylococcus aureus resistente à meticilina e de outros microrganismos patogênicos.

O hábito inadequado de higienização pessoal do indivíduo que manipula determinado material é um dos maiores colaboradores para a disseminação da contaminação microbiológica nas superfícies de objetos, incluindo aparelhos celulares (BALDO et al., 2016).

De acordo com Fracarolli e Marziale (2019), a lavagem das mãos continua sendo a medida individual mais simples e menos dispendiosa para prevenir a propagação das infecções no ambiente hospitalar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As compreensões dos profissionais de saúde da CTI identificadas nesta pesquisa mostram que, embora já tenham sido orientados a não utilizarem smartphones no ambiente de UTI, fazem uso destes aparelhos para diversas finalidades. Algumas vezes, são utilizados como ferramenta auxiliar na terapêutica dos pacientes, por meio de aplicativos específicos da área da saúde, leituras de artigos e dosagens de medicamentos, e, em outras, para comunicação com o meio externo, inclusive com os familiares, uma vez que a linha telefônica da UTI nem sempre está disponível e, quando está, deve ser utilizada para outras finalidades. Ademais, segundo eles, os smartphones possibilitam a conexão entre os profissionais da UTI e de outros setores e/ou instituições, assim como a comunicação rápida entre os estudantes e seus respectivos preceptores, por se tratar de um hospital-escola.

Outra utilização deste aparelho, embora inadvertida, é como objeto de bolso na UTI, para auxiliar na avaliação da pupila. Destaca-se que o recomendado para este procedimento é utilizar uma lanterna clínica. Por fim, foi relatado o uso de smartphone por alguns profissionais durante o cuidado do paciente, em momentos que exigem atenção e concentração, o que pode colocar em risco a segurança do paciente e comprometer a qualidade da assistência de enfermagem.

Além do uso frequente e indiscriminado, agrava esta situação o modo como esses aparelhos são desinfectados. Embora os participantes tenham sido unânimes em reconhecer a importância desta medida para prevenir infecções, eles não seguiam um protocolo específico e utilizavam os sanitizantes disponíveis na instituição, álcool ou surfânios, para realizar a desinfecção.

Usar smartphones no ambiente de terapia intensiva e fazer a desinfecção desses aparelhos sem seguir protocolos ou utilizar produtos padronizados contraria as medidas de prevenção de infecção e pode comprometer a segurança do paciente internado, o qual, geralmente, já se encontra imunocomprometido.

O estudo apresentou como limitação a participação restrita de profissionais de saúde de um CTI de um hospital, o que dificulta a generalização dos resultados. Dessa forma, para pesquisas futuras, recomenda-se a inclusão de CTIs de outras instituições.

Os resultados encontrados oferecem aos profissionais de saúde que trabalham em UTI orientações acerca da importância do uso racional de smartphones neste ambiente de cuidado. Além disso, reforçam a necessidade de elaboração de um protocolo específico para a desinfecção destes aparelhos, bem como de padronização de um sanitizante próprio para este procedimento.

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1 Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia – MG
2 Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara – GO