DEMARCAÇÃO TERRITORIAL INDÍGENA: A LIDE ENTRE PROPRIETÁRIOS RURAIS E INDÍGENAS NO EXTREMO SUL DA BAHIA À LUZ DO DIREITO CONSTITUCIONAL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10395944


MARTINS, Bárbara Vitória dos Anjos¹
LEITE, Wanderson Rocha²


RESUMO

A demarcação territorial indígena é um tema de grande relevância no Brasil, pois trata da garantia dos direitos dos povos originários e da preservação da diversidade cultural e ambiental do país. No entanto, a implementação dessa medida enfrenta diversos desafios, pois estão em jogo, não apenas o interesse indígena, mas também dos proprietários de terras, que não são apenas o latifúndio, mas também médios e pequenos proprietários de terra de economia familiar. Deste modo, esta pesquisa abordou sobre a luta pela demarcação das terras indígenas no Extremo Sul da Bahia e a resistência dos proprietários rurais à luz da legislação brasileira, teve por problema a seguinte arguição: qual a eficácia da legislação brasileira que trata da demarcação de terras indígenas diante dos conflitos entre povos originários do Extremo Sul da Bahia e proprietários de terras? Diante da proposta de estudo, seu objetivo geral dedicou a analisar a legislação brasileira pertinente ao tema e sua eficácia nas soluções de conflitos entre povos originários e proprietários rurais. Acompanhado de seus objetivos específicos buscaram compreender a discursiva indígena sobre o direito da terra ora pleiteada pelo povo Pataxó; dissertar sobre o direito de propriedade dos atuais produtores rurais que resistem a pretensão do direito às terras reclamadas na região do Extremo Sul pelos Pataxó e por fim, conhecer a legislação vigente que trata do tema e o posicionamento da jurisprudência sobre o caso concreto. Deste modo, foi adotada como metodologia de estudo a abordagem qualitativa com o emprego de procedimentos de investigação da pesquisa bibliográfica e documental, com base em artigos científicos, revisão de livros em site de pesquisa como SciELO, Periódico da CAPES entre outros. Por fim, os resultados alcançados apontam para uma responsabilização maior do Estado que, conforme a força política que ocupam o cargo do Executivo, oscilam entre as partes envolvidas, porém sem trazer uma solução definitiva que, não pretensiosamente possa atender todas as partes, porém que dê uma solução definitiva e um fim na violência que envolve tais conflitos, que por décadas é geradora de homicídios e violação dos direitos humanos na região.

Palavras Chaves: Povos Originários. Direito a Propriedade. Proprietário Rural.  

1 INTRODUÇÃO

O Extremo Sul da Bahia é uma região marcada, há décadas, pelos conflitos violentos pela marcação de terras entre povos originários e proprietários rurais. A legislação brasileira prevê que as terras indígenas sejam demarcadas e declaradas de posse permanente dos povos que as habitam, garantindo-lhes o direito de usufruir e conservar seus recursos naturais e culturais. No entanto, a aplicação dessa norma tem sido dificultada pela pressão de setores econômicos interessados em explorar ou ocupar essas áreas.

Nesta região baiana, os conflitos entre proprietários rurais e indígenas se intensificaram a partir dos anos 1970, quando grandes empresas de celulose passaram a adquirir terras na região para a produção de papel e celulose. Para viabilizar seus empreendimentos na exploração da celulose, muitas vezes em áreas de floresta nativa e territórios tradicionais indígenas, foi necessário desalojar e deslocar comunidades locais, gerando tensões e protestos.

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, foi reconhecido o direito dos povos indígenas à posse e ao usufruto exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam. No entanto, a implementação dessa medida tem sido marcada por atrasos, omissões e conflitos, que no Extremo Sul da Bahia continua sendo sinônimo de mortes de inocentes, o que motivou o seguinte problema: qual a eficácia da legislação brasileira que trata da demarcação de terras indígenas diante dos conflitos entre povos originários do Extremo Sul da Bahia e proprietários de terras?

Diante do exposto sobre a questão da demarcação territorial indígena, que envolve questões econômicas, políticas, culturais e ambientais, buscando um aprofundamento teórico à luz do Direito, teve para este estudo como objetivo geral analisar a legislação brasileira pertinente ao tema e sua eficácia nas soluções de conflitos entre povos originários e proprietários rurais.

Por conseguinte, seus objetivos específicos buscaram compreender a discursiva indígena sobre o direito da terra ora pleiteada pelo povo Pataxó; dissertar sobre o direito de propriedade dos atuais produtores rurais que resistem a pretensão do direito às terras reclamadas na região do Extremo Sul pelos Pataxó e por fim, conhecer a legislação vigente que trata do tema e o posicionamento da jurisprudência sobre o caso concreto.

Considerando a complexidade do tema, é importante esta abordagem, pois, embora há decisões judiciais reconhecendo a validade da demarcação de terras indígenas, os conflitos persistem, evidenciando a fragilidade da tutela estatal. É preciso encontrar soluções que respeitem os direitos dos povos indígenas e ao mesmo tempo garantam a sustentabilidade econômica e ambiental da região, por meio do diálogo e do respeito mútuo entre as partes envolvidas, em especialmente, em defesa da integridade física e da vida dos protagonistas dessa trama.

Posto visto, a metodologia aqui selecionada para orientar todo o percurso de estudo foi a abordagem qualitativa, com aplicação de procedimentos e técnicas de estudos a partir da associação de dois tipos de pesquisa, a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental, cujas obras foram buscadas em sites como Periódicos da CAPES, repositórios de universidades, SciELO, cuja publicação tenham ocorrido nos últimos dez anos.

2 METODOLOGIA

A metodologia se refere à utilização de procedimentos para a construção do conhecimento, onde busca comprovar sua validade e utilidade social. Então, constitui escolher um percurso que dê segurança para a obtenção de melhores resultados sobre a questão da demarcação de terras indígenas no território do Extremo Sul baiano à luz do Direito, o presente estudo se desenvolverá a partir de procedimentos do método científico como recurso para alcançar e satisfazer os objetivos aqui propostos, a partir do seguinte entendimento de pesquisa científica:

Investigação metódica, organizada, da realidade, para descobrir a essência dos seres e dos fenômenos e as leis que regem com o fim de aproveitar as propriedades das coisas e dos processos naturais em benefício do homem.                                  (PINTO, 1998 apud PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 21).

Como abordagem de estudo se optou pela qualitativa, que segundo ensina Gil (2017, p. 25) é aquela que “[…] tem como principal objetivo interpretar o fenômeno que se observa, sua descrição, a compreensão”, sendo os dados quantitativos e mensuráveis elementos de segundo plano”. Neste termo, se utilizou da abordagem qualitativa como fonte de dados que possam orientar por um percurso seguro, não privilegiando os resultados numéricos ou mensuráveis, mas buscando sempre a interpretação das ideias que poderão constituir em soluções para a sua problemática.

Dentre as técnicas disponíveis de pesquisa aplicou-se aquelas referente à pesquisa bibliográfica, a partir de registros disponíveis, decorrentes de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados, onde o pesquisador investigará a partir das contribuições de autores dos estudos analíticos constantes dos textos (SEVERINO, 2013, p.122). 

Colaborando com a pesquisa bibliográfica, também foram aplicadas técnicas de investigação e estudo da pesquisa documental, diferenciando da anterior por se tratar como fonte de coleta de dados documentos oficiais ou não como as normas que regram a questão da demarcação de terras dos povos originários e da propriedade, este último constituído de direitos fundamentais do indivíduo, conforme entendimento de Gil (2017), em especial a legislação pertinente e documentos produzidos ao longo do desenrolar deste conflito ainda sem solução jurídica e política.

Em relação ao local de estudo, seu recorte fica limitado a região do Extremo Sul da Bahia, mais especificamente a área geográfica da Costa do Descobrimento, onde há maior concentração de conflitos pela demarcação, o que é compreendido devido a presença de área de reserva florestal Parque Nacional do Monte Pascoal e Parque Nacional do Descobrimento.  

Amostra é parte da população ou do universo, selecionada de acordo com uma regra ou um plano. Refere-se ao subconjunto do universo ou da população, por meio do qual estabelecemos ou estimamos as características desse universo ou dessa população (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 94); sendo assim a amostra foi composta pela legislação vigente sobre a demarcação de terras dos povos originários e demais obras publicadas durante os últimos dez anos sobre a temática.

Além de outras ações foram realizadas e permitiram a formação do corpo textual deste estudo como a escolha do tema, a identificação de sua problemática, em seguida a formulação do problema com a definição dos objetivos geral e específicos. Ademais, foi realizada a escolha do acervo bibliográfico, para dar fundamentação teórica ao estudo, com leituras interpretativas seguidas de técnicas de fichamento, com ações operacionais como seleção, comparação, classificação entre outras.

3 O DIREITO À TERRA PELO PRISMA DO POVO ORIGINÁRIO PATAXÓ 

Esta seção trata da questão da posse da terra pela narrativa histórica do povo Pataxó, que foram coletadas e sistematizadas por diversos estudos acadêmicos, como forma de compreender a lide em torno da demarcação das terras, como forma de promover o direito das partes de manifestar e por sua versão não apenas para análise e qualquer tipo de juízo de valor, mas especialmente na promoção da justiça em defesa do direito estabelecido. 

A população Pataxó vive na área territorial dos municípios de Santa Cruz de Cabrália, Porto Seguro, Itamaraju e Prado no Extremo Sul do Estado da Bahia, localizada em 19 aldeias em suas áreas indígenas Águas Belas, Aldeia Velha, Barra Velha, Imbiriba, Coroa Vermelha, Mata Medonha e Aldeia do Parque. Sua população, de acordo com o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena – SIASI era de aproximadamente 12.300 habitantes em 2014 (SIASI/SESAI, 2014 apud POVOS INDÍGENAS NO BRASIL, 2021, online). 

De acordo com os relatos dos indígenas mais antigos e fontes históricas a área ocupada pelos Pataxó estendia-se do Sul da Bahia, mais especificamente de Porto Seguro até São Mateus, no estado do Espírito Santo, que datam do século 16, período da colonização. Entretanto, frente a exploração econômica, que se baseou na utilização dos recursos naturais da região, promovendo o avanço das atividades agrícolas e da mineração, com o intuito de desenvolver o mercado europeu e expulsão destes indígenas de suas áreas originárias (CUNHA, 2012).

Essas ações resultaram em vários conflitos entre os povos nativos e os colonizadores, gerando um cenário de violência e opressão por diversas décadas. A destruição dos modos de vida e da cultura dos nativos foi observada ao longo de todo o processo de colonização, diluindo as tradições e práticas antigas. Os índios Pataxós foram um dos povos que sofreram com essas ações, sendo perseguidos, expulsos e subjugados pelos portugueses e pelos brasileiros que chegaram depois. Muitos foram mortos ou escravizados, perdendo suas terras e suas tradições.

Para os Pataxó da região do Extremo Sul baiano o marco da expropriação de suas terras ocorreu pelo episódio conhecido por eles como “Fogo de 51”, que foi um massacre ocorrido entre 1949 a 1951, quando um grupo de indígenas Pataxó foi atacado por fazendeiros e pistoleiros no município de Porto Seguro, Bahia. O ataque resultou na morte de pelo menos 11 indígenas, além de feridos e desaparecidos. O nome “Fogo de 51” se deve ao fato de que uma das versões do incidente afirma que os indígenas teriam sido encurralados em uma casa e queimados vivos.

De volta à Bahia, dois homens que o capitão pataxó Honório Borges, conhecera no Rio de Janeiro (genericamente designados tenente e engenheiro) lideraram, conforme as evidências, um assalto a um comerciante do povoado de Corumbau. O assalto desencadeou revoltas que culminaram no que é localmente referido como o ‘Fogo de 1951.O motim, no qual foram envolvidos os Pataxó da Aldeia de Barra Velha, resultou em violenta repressão por destacamentos policiais de Porto Seguro e Prado, na morte de um índio e dos dois líderes não indígenas, na prisão de 38 índios, entre os quais o capitão Honório Borges, e no incêndio da Aldeia de Barra Velha, o que provocou a dispersão dos demais, em desespero (POVOS INDÍGENAS NO BRASIL, 2021, online).

Os Pataxó lutavam contra a invasão de suas terras ancestrais por fazendeiros e empresários do turismo. Após o massacre, muitos indígenas foram expulsos de suas terras e tiveram que buscar novos meios de sobrevivência em outras regiões. O episódio ficou conhecido como um dos mais brutais ataques contra indígenas no Brasil e é lembrado até hoje como um marco na luta pela garantia dos direitos indígenas e pela demarcação de terras, que dentre outras reivindicações indígenas está o reconhecimento do direito da posse ligado à noção de habitat:

Esta é a lição de José Afonso da Silva a respeito do tema:“A posse das terras ocupadas tradicionalmente pelos índios não é simples posse regulada pelo direito civil; não é a posse como simples poder de fato sobre a coisa, para sua guarda e uso, com ou sem ânimo de tê-la como própria. É, em substância, aquela ‘possessio ab origine’ que, no início, para os romanos, estava na consciência do antigo povo, e era não a relação material de homem com a coisa, mas um poder, um senhorio. Por isso é que João Mendes Júnior lembrou que a relação do indígena com suas terras não era apenas um ‘ius possessionis’, mas também um ‘ius possidendi’, porque ela revela também o direito que têm seus titulares de possuir a coisa, com o caráter de relação jurídica legítima e utilização imediata (ALMEIDA, 2005 apud POVOS INDÍGENAS NO BRASIL, 2021, online).

Hoje em dia, os povos nativos da região ainda lutam para manter suas culturas e tradições, e para garantir seus direitos como cidadãos brasileiros (CUNHA, 2012). Ainda há muitas formas de violência e opressão na região, como a exploração ilegal de recursos naturais, a expansão descontrolada da agricultura e a falta de políticas públicas eficazes para garantir a proteção dos povos nativos. 

Sendo assim, é fundamental que sejam adotadas medidas para garantir a proteção dos direitos dos povos nativos da região, promovendo a justiça e a igualdade entre todos os brasileiros. É preciso reconhecer e valorizar as tradições e culturas dos povos nativos, e garantir que suas terras sejam protegidas e preservadas para as futuras gerações. Somente assim será possível construir um país mais justo, igualitário e respeitoso com todas as culturas e tradições que o compõem.

4 OS PROPRIETÁRIOS DE TERRA E O DIREITO A PROPRIEDADE 

A grande questão dos proprietários de terras, parte na lide da disputa ao direito da posse da terra contra os interesses do povo pataxó na região do Extremo Sul da Bahia, se fundamenta, especialmente, no direito à propriedade que constitui em um dos direitos fundamentais na atual Carta Magna do país. Sendo assim, está previsto em seu artigo 5°, inciso XXII, garantindo sua proteção e segurança. Essa proteção é chamada de “oponibilidade erga omnes”, expressão em latim que significa que a garantia do direito à propriedade deve ser respeitada por todos.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…] XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social […] (BRASIL, 1988).

Além disso, o Artigo 60, Parágrafo 4º estabelece que não será permitida a alteração do Inciso IV que trata dos direitos e garantias individuais, incluindo o direito de propriedade. No entanto, é importante destacar que em casos de necessidade de ordem pública previstos na Constituição, pode ocorrer a relativização desse direito. Além disso, os textos infraconstitucionais conferem ao proprietário algumas situações em que a propriedade pode ser disponibilizada para terceiros, como previsto pelo Código Civil.

A ideia de propriedade privada vem sendo utilizada desde os tempos antigos, mas, na maioria das vezes, era uma apropriação coletiva ou familiar, como ocorria na Grécia Antiga. Mais tarde, surgiram evidências de que a titularidade individual da propriedade tenha se desenvolvido, como na Roma antiga, a propriedade era regulamentada pela “Lei das Doze Tábuas”, e foram estabelecidas as primeiras restrições, tais como a desapropriação em caso de interesse público. E é impossível falar sobre o feudalismo sem mencionar a propriedade, o feudo (ÁLVARES; DURANTE, 2019).

 Entretanto, em casos em que o poder público necessite da propriedade ou em situações em que não há o exercício da função social da propriedade, sua relativização é possível. Por tanto, a função social da propriedade é um conceito que está presente nas constituições de vários países, incluindo o Brasil. A ideia é que a propriedade não é um direito absoluto e incondicional, mas sim um direito que deve ser exercido de acordo com sua finalidade social.

Art. 128 […] § 1º – O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (BRASIL, 2002).

Isso significa que, ao possuir uma propriedade, o proprietário tem a responsabilidade de utilizá-la de acordo com os interesses da sociedade como um todo. Isso pode incluir, por exemplo, o cumprimento de leis ambientais, a garantia de acessibilidade para pessoas com deficiência, o respeito aos direitos dos trabalhadores, entre outras coisas.

Este é outro ponto posto pelos proprietários de terra, que acreditam que os povos originários vão deixar as terras reclamadas ociosas, sem produtividade sem atender a sua função junto a sociedade local, não gerando desenvolvimento e nem crescimento econômico. Para estes, a motivação dos pataxós seria apenas a mera especulação de terras.

Outro aspecto levantado pelos proprietários rurais é que uma parte significativa dos proprietários de terras reclamadas pelos indígenas, são pequenos proprietários de terras, de economia familiar e, não somente, de latifundiários ou de empresas multinacionais da indústria de celulose (WENDT, 2023). Para estes, a devolução das terras alegadas pelos indígenas representaria uma grande tragédia nas vidas de diversos pequenos proprietários, que se veriam largado pelo Estado, para passar necessidades.

Posto visto, o pequeno produtor rural em áreas de reivindicação indígena no sul da Bahia enfrenta diversos desafios em seu cotidiano. A região é marcada por conflitos históricos entre povos indígenas e produtores rurais, que disputam o controle da terra e dos recursos naturais. Mas também há a questão da presença expansionista da monocultura de eucalipto e a falta de políticas voltadas para o desenvolvimento rural sustentável. 

Todavia, tais questões constituem os objetos de investigação desta proposta de pesquisa que considerará o papel do poder público e sua uma responsabilidade crucial no processo de garantia dos direitos dos povos indígenas e dos produtores rurais da região. É necessária uma política de desenvolvimento rural que esteja voltada para a sustentabilidade, a diversificação da produção e a garantia de segurança jurídica e acesso à terra para os pequenos agricultores. 

5 OS AVANÇOS NA LEGISÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÇÃO DOS POVOS ORIGINÁRIOS

No percurso da construção histórica da legislação brasileira que assisti os povos originários quanto aos seus direitos, em especial, a posse da terra, esta seção traz os eventos em torno da história das Constituições do Brasil até a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal. Neste sentido, ainda no Brasil colônia já havia uma preocupação nesta direção, destacando o período régio do governo de Filipe III, rei de Portugal, conforme leciona Pereira:

Ao tratar de direitos dos povos indígenas no Brasil, o Período Colonial constitui referência diante das Cartas Régias dos anos de 1609 e 1611, as quais foram promulgadas por Filipe III, o rei de Portugal. A Carta Régia de 30 de julho de 1609 consignava que os gentios (indígenas) eram livres, conforme o direito. […] Ulteriormente, no dia 10 de setembro de 1611, Dom Filipe III, lhes assegurou o direito à terra, de forma que não poderiam ser obrigados a retirarem-se do local onde tradicionalmente viviam [..]A garantia da terra ao povo indígena, naquele período, ainda se estendeu, eis que a Coroa Portuguesa, utilizando-se do Alvará Régio de 01 de abril de 1680, declarou que os indígenas eram senhores de seus domínios, propiciando, também, àqueles que são desaldeados um lugar para sobreviverem (PEREIRA, 2022, p. 10-11).

Desta forma, observa-se que mesmo no início do período de colonização portuguesa no Brasil, considerando que a política lusa de ocupar o território brasileiro ocorreu após 1560, de forma mais sistemática com as capitanias hereditárias, já havia uma preocupação jurídica de assegurar aos povos nativos, o direito sobre suas terras, sendo considerado direitos primários e naturais, ainda que pese, fosse naquele período desenvolvido o Regime de Sesmaria com a finalidade de distribuir terras para portugueses de maneira que estimulasse a produção. 

Ainda em conformidade com os estudos de Pereira (2022) esta preocupação em resguardar o direito da terra aos povos originários do Brasil esteve presente em documentos jurídicos, decretados pelos soberanos da época, em todo o período em que o Brasil foi colônia e Reino Unido de Portugal. É tanto, que D. João VI tornou a propriedade das terras indígenas direito inalienável aquelas onde se encontravam localizadas as aldeias.

Após, a Carta Régia de 16 de março de 1819 e duas provisões de 8 de julho de 1819, assinadas por D. João VI, reconheceram o domínio das terras aos povos indígenas, declarando serem as terras onde se localizavam as aldeias inalienáveis, e totalmente nulas todas as concessões de sesmarias realizadas (PEREIRA, 2022, p. 12).

Esta medida além de reconhecer o direito da terra aos povos indígenas, também reconhecia que estas terras não eram devolutas, o que obrigavam a população branca europeia aqui residente e domiciliada, bem como seus descendentes a respeitarem as decisões régias da época, que foram garantidas por todo o período do domínio português sobre as terras brasileiras. 

Porém, o grande lapso referente ao direito das referidas terras pelos povos originários, à luz da produção de normas que lhes dão sustentação, inicia com o surgimento do Estado Brasileiro. É com a promulgação da Primeira Constituição do Brasil Império que trouxe uma omissão, uma obscuridade, sobre o direito dos povos originários sobre as terras que ocupavam.

Neste prado, o direito à posse da terra ficou a critério da boa-fé do colonizador e mais tarde, daquele que iria ser seu substituto, o proprietário de terra. Entretanto, na prática nunca foram observadas de forma correta, o que ocasionou a expropriação da terra dos povos originários em prol do interesse do capital, que embrionariamente, vinha se formando no início da era moderna.

Já no período republicano, a primeira constituição do novo regime, também não tratou de forma específica sobre os direitos dos povos indígenas, que por longas décadas prevaleceu a ideologia assimilacionista, que trata de “civilizar o índio” visto como selvagem e que o mesmo deveria aderir a cultura do colonizador. 

 Só a partir da Carta Magna de 1934, foi reconhecida a proteção aos indígenas como um dever do Estado, determinando que todas as medidas necessárias para a sua proteção e segurança deveriam ser tomadas. Porém, novamente, a partir da Constituição de 1967, durante o período da Ditadura Militar, apresentou uma visão mais assimilacionista, que buscava a aculturação e a integração forçada dos povos indígenas à sociedade nacional (SILVA, 2018).

Neste contexto, a realidade dos indígenas brasileiros ainda era bastante difícil. Muitas vezes, suas terras eram invadidas e seu modo de vida era ameaçado por atividades econômicas como a exploração de madeira, garimpo e cultivo de produtos agrícolas. Isso motivou mudanças na legislação ao longo dos anos seguintes, buscando reforçar a proteção aos indígenas e garantir seus direitos.

No entanto, foi somente com a Constituição de 1988 que o Brasil reconheceu a pluralidade étnica e cultural do país, garantindo aos povos indígenas seus direitos originais sobre as terras que ocupam e o reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas e tradições. Desde então, a legislação brasileira vem conferindo cada vez mais autonomia aos povos indígenas, reconhecendo-os como sujeitos de direitos e respeitando suas formas próprias de organização e gestão de seus territórios (SILVA, 2018).

Apesar do reconhecimento que ocorreram inúmeras conquistas legais, a situação dos indígenas brasileiros ainda é desafiadora, envolvendo conflitos por terra, violência e discriminação. A garantia da proteção e dos direitos dos povos indígenas é um desafio constante para o Estado brasileiro e para a sociedade como um todo, que ultimamente se tem a questão do marco temporal como parâmetro para a demarcação das terras indígenas, ainda em volta de muitos conflitos e impasses.

5.1 O MARCO TEMPORAL E A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

O marco temporal de demarcação de terras indígenas é um princípio jurídico que estabelece que somente serão reconhecidos como territórios indígenas aquelas áreas que estavam sendo efetivamente ocupadas pelos povos indígenas na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Este entendimento foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009, no julgamento do caso Raposa Serra do Sol. Na ocasião, o tribunal decidiu que a demarcação de terras indígenas deveria respeitar o requisito temporal, ou seja, só poderiam ser reconhecidas como terras indígenas aquelas que estivessem ocupadas por indígenas até a data da promulgação da Constituição. 

Em 2009 houve um caso extremamente importante para o nosso país, que foi a demarcação das terras de Raposa Serra do Sol. De repente, por uma deliberação do STF, pessoas que ocupavam terras limítrofes, fronteiriças, e de forma produtiva, foram desalojadas. E lá estavam, em alguns casos, há 80 e até 100 anos. E se definiu um marco no tempo. E esse marco no tempo, na época, os senhores ministros do Supremo Tribunal Federal o fizeram, para que nós tivéssemos previsibilidade e segurança jurídica (SENADO FEDERAL, 2023, p.2).

Na ocasião a decisão foi baseada na interpretação do artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece aos povos indígenas o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles. O STF entendeu naquele contexto, que esse direito deve ser exercido a partir da ocupação efetiva dessas terras até o momento da promulgação da Constituição.

Posto visto, com o recrudescimento dos conflitos envolvendo povos indígenas e produtores rurais, em particular, na região do Extremo Sul da Bahia, local deste estudo, o segmento ruralista e empresarial entenderam que o marco temporal poderia ser uma solução viável aos seus interesses quanto a posse e propriedade de terra para a questão da demarcação das terras indígenas.

Todavia, esse princípio tem gerado muitas críticas por parte de organizações indígenas e de defensores dos direitos humanos, pois alegam que ela viola os direitos fundamentais dos povos indígenas, que têm sido historicamente desapropriados de suas terras. Além disso, a decisão do STF ignorou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante aos povos indígenas o direito à consulta prévia e informada antes de qualquer decisão que possa afetar seus territórios.

Os defensores do marco temporal argumentam que ele é necessário para garantir a segurança jurídica e evitar conflitos entre os povos indígenas e os proprietários de terras. No entanto, críticos argumentam que essa medida favorece os interesses de grandes empresas que buscam explorar os recursos naturais das terras indígenas, ignorando os direitos dos povos originários.

O marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil é uma medida controversa que tem gerado muito debate e discussão em relação aos direitos dos povos indígenas e ao equilíbrio entre interesses econômicos e ambientais, que teve seu capítulo fechado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, na quarta-feira do dia 27 de setembro do corrente ano, quando decidiu com 9 votos a favor da inconstitucionalidade da tese do marco temporal para ser aplicado nos casos de demarcação de terras indígenas:

O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.031 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Nunes Marques, que negava provimento ao recurso, e, parcialmente, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso extraordinário, mas devolviam os autos à origem para que, à luz da tese aprovada, fosse apreciada a questão (STF, 2023).

Visto posto, de acordo com a decisão do STF, o marco temporal foi afastado de forma legal e definitiva, considerada uma vitória relevante pelo movimento indigenista e pelos próprios indígenas, enquanto que o segmento ruralista buscam outras vias para trazer a temática à tona, sendo o Senado Federal um dos possíveis trajeto a ser percorrido. 

Comitantemente a decisão do STF, o Senado Federal, impulsionado pela bancada ruralista e empresarial, interessada da questão, através da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), se reuniu para tratar sobre a constitucionalidade do Projeto de Lei 2.903/2023, conhecido como marco temporal para demarcação de terras indígenas, onde há discussões sobre as atribuições do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e na preservação do direito indígena pela Constituição Federal.

Doravante, as questões que tratam ou possam vir a tratar sobre a demarcação de terras indígenas serão analisadas e julgadas de acordo com o atual entendimento da Suprema Corte Federal, entendimento este defendido pelo Luiz Fux (STF, 2023).  No entanto, a decisão do STF do se aplica apenas as questões de demarcação de terras indígenas, não incluindo dois outros pontos deduzidos na petição inicial que se trata da indenização sobre a terra nua aos fazendeiros e a possibilidade de exploração da mineração pelos indígenas como atividade econômica.

Desta forma, a tese de repercussão geral voltada para o Tema 1.031, que foi construída coletivamente pelo colegiado apresenta doze fundamentos que detalha o posicionamento do Tribunal em resposta a cada pedido constante na petição inicial, que segue, sendo considerados seus aspectos relevantes para a questão:

I – A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II – A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional; III – A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição […] (STF, 2023, online)

Desta forma, ficam mantidas as garantias para os povos indígenas já estabelecidas na Carta Magna como previstas no artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal, quanto terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas (parágrafo 1º, art. 231) pertencem à União. E no texto principal do artigo 231 reconhece o direito desses indivíduos de permanecerem com tais terras, enquanto o parágrafo 2º prevê o vínculo jurídico existente entre os indígenas e as terras, reiterados nos seguintes pontos:

X – As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI – As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional ao meio ambiente, sendo assegurados o exercício das atividades tradicionais dos indígenas; XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei” […] (STF, 2023, online).

Por conseguinte, a decisão do STF confirma aos povos indígenas como sujeitos de direitos perante o Estado, sendo este obrigado a protegê-los em suas especificidades, bem como reconhece sua capacidade civil e postulatória, sendo subsidiária a legitimidade da FUNAI e Ministério Público. Também desta forma, afasta relativamente a questão da exploração econômica das terras indígenas, inclusiva, de suas riquezas minerais, reconhecendo com patrimônio do Estado.

Para o povo Pataxó do Extremo Sul Baiano, a decisão de inconstitucionalidade do marco temporal representa não apenas uma vitória em torno na terra, mas a proteção e reconhecimento da identidade dos povos indígenas. Quanto a questão da demarcação das terras não representa um ganho, mas a confirmação e reconhecimento do pouco que restou do extenso território pataxó antes da chegada dos portugueses e das políticas públicas desenvolvimentistas executadas por governos majoritariamente representados pelas elites brasileiras: latifundiários e empresários.

Percebe-se, portanto, que o foco central da regulação jurídica relacionada aos indígenas, presente na Constituição Federal, está na questão das terras que eles ocupam, uma vez que o livre acesso dos indígenas ao seu ambiente natural é uma condição essencial para garantir seus demais direitos, incluindo o de preservar suas características culturais.

Por outro lado, outra questão central na tese da decisão do STF e de grandes expectativas dos produtores rurais, é quanto a indenização dos proprietários das terras que passarão a ser consideradas áreas indígenas, e que estão na presente “propriedade” ou posse daqueles produtores, sejam posseiros, pequenos produtores, assentamentos, grupos empresariais e latifundiários. Nesta direção, a tese aborda da seguinte forma:

IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no art. 231, §6º, da CF/88; V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do art. 37, §6º da CF; VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento […] (STF, 2023, online)

O que se percebe diante do expostos da tese do STF, que a Suprema Corte fez uma ampliação de direito indenizatório para os produtores rurais ocupantes das terras que forem consideradas indígenas, o que outrora naqueles atos que visem a ocupação, o controle ou a posse por terceiros e a exploração dos recursos naturais do solo, rios e lagos em terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas resultarão em nulidade e extinção, sem gerar direito a indenização ou ação contra a União, exceto quanto às melhorias decorrentes de ocupação de boa-fé.

Agora passa a considerar, em atendimento parcial ao exposto pelo Ministro Gilmar Mendes sobre a possibilidade de assegurar a indenização aos ocupantes de boa-fé sobre a terra nua. Desta forma no Inciso V da referida tese, ficou estabelecido esta modalidade de indenização que antes não existia previsão legal. Sendo que considera o “valor de terra nua” aquela referente aos cálculos definidos pela Receita Federal do Brasil, pela Instrução Normativa RFB nº 1.877/2019:

Assim, entre muitas informações a serem preenchidas na DITR, no campo “Valor da Terra Nua” presente na ficha “Cálculo do Imposto” o valor informado será um reflexo dos três campos anteriores desta mesma ficha, são eles:

(+) Valor total do imóvel;

(-) Valor das construções, instalações e benfeitorias; 

(-) Valor das culturas, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas;

(=) VALOR DA TERRA NUA (EPAC CONTABILIDADE, 2023, p. 1).

Desta forma, além das indenizações já previstas referentes as benfeitorias, aqueles produtores que tiveram a posse de boa-fé, em terras na data da promulgação da Carta Magna não eram consideradas de ocupação tradicional, a possibilidade de receberem sobre o valor da terra nua a indenização feita pelo Estado. Todavia, este ponto não está definitivamente pacificado, até mesmo porque tal direito recairá sobre 600 áreas em lide judicial, que representaria aproximadamente um trilhão de reais conforme alguns estudos.

Nesta direção, foi votado o Projeto de Lei 2.903/2023, no Senado Federal, onde a bancada ruralista busca estabelecer o marco temporal para a demarcação das terras indígenas e prevê a exploração econômica das terras indígenas, inclusive em cooperação ou com contratação de não-indígenas. Se trata de um novo capítulo a ser aberto em torno da questão da demarcação das terras indígenas. Todavia, com a decisão do STF, fadado a ser encerrado antes de concluir uma página, porém foi aprovado dentro da Comissão de Constituição e Justiça e seguiu para o Plenário do Congresso em regime de urgência.

Todavia, se do ponto jurídico o presente estudo demonstrou que, tanto o que prevê na Constituição Federal, quanto na recente decisão do Supremo Tribunal Federal as terras o direito constitucional das terras indígenas, considerando sua ocupação tradicional, confere aos povos indígenas segurança jurídica, não obstante não afasta a violência no campo. Infelizmente, a controvérsia em torno da demarcação de terras indígenas continuará ocorrendo em conflitos violentos. 

Estes conflitos surgirão não mais pela dúvida se os territórios são ou não indígenas, mas especificamente porque nenhum dos segmentos deseja arcar com o ônus da desapropriação, e em áreas de fronteira agrícola e em regiões onde os povos indígenas reivindicam terras tradicionais o Estado precisa se posicionar de forma efetiva, porque em muitos contextos, foi coparticipante destas ocupações, emitindo títulos de terras para grileiros, posseiros, assentados, empresários, em nome do “progresso e desenvolvimento” do país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Posto visto, a questão da demarcação das terras indígenas é tema que dura há séculos, acompanhando o desenrolar da trajetória histórica da formação do povo e da sociedade brasileira, onde há diversas facetas conforme o contexto histórico vivenciado, tendo a atualidade, provavelmente, o contexto até então de maior relevância quanto a conquistas de direitos indígenas assegurados pelo Estado brasileiro.

Do ponto de vista do Direito a marcação das terras indígenas é um direito garantido pela Constituição e, portanto, é um direito subjetivo tanto dos povos indígenas como da sociedade civil em geral. Sua importância reside no fato de que ela, a demarcação, viabiliza a efetivação do direito fundamental dos povos indígenas à posse e uso de suas terras, constituindo no mais relevante meio de garantir e assegurar a preservação de seus costumes, crenças, valores, língua, de sua identidade e, o que é mais relevante, de suas vidas como povo originário.

Deste modo, a metodologia de investigação demonstrou que à luz do Direito a demarcação das terras indígenas é um direito fundamental na Constituição Federal, não sendo esta tomada como marco de demarcação, mas possui a função maior de assegurar a legitimidade dos povos indígenas na posse de suas terras tradicionais, devendo, a partir do entendimento do STF, ser afastada quaisquer ideias ou concepções similares a tese do marco temporal.

Por conseguinte, foi possível através da revisão de literatura e da pesquisa documental alcançar com plena satisfação os objetivos propostos, onde foram percorridos caminhos que demonstraram o posicionamento indígena e sua argumentação e do mesmo modo a visão dos atuais proprietários de terras em lide com o povo Pataxó no Extremo Sul Baiano.

Quanto a tese do marco temporal, o que o STF fez foi que as terras consideradas de posse dos povos indígenas são direitos originários, anteriores à colonização e ocupação portuguesa, por isso mesmo inviável um marco temporal para se determinar a extensão deste direito, pois sempre existiu. Por outro lado, esta decisão não dá fim aos conflitos entre produtores rurais e indígenas, pois deixou de aprofundar pontos relevantes e de interesse do setor ruralista.

Portanto, além do papel do Direito de assegurar aos povos indígenas o direito à terra, é necessário que o Estado crie mecanismo de aceitação social de tais medidas, que a sociedade de fato possa compreender que as terras reclamadas pelos povos indígenas, inclusive os Pataxó, sejam entendidas como “direitos originários”, que antecedem a própria formação do Estado brasileiro. Sendo, também necessário que o Estado, verdadeiro proprietário das terras, assuma sua responsabilidade como coparticipante nos processos de titulação de terras indígenas à terceiros.

Por fim, o presente estudo não esgota a temática, sendo entre outros estudos uma fonte de colaboração para fomentar as discussões nos segmentos sociais, em especial, no universo acadêmico e que possa contribuir com futuros estudos sobre os desdobramentos desta temática. Desta forma, contribuir para divulgar e esclarecer o papel do Direito na regulação da vida social e nos casos de fenômenos específicos, que possam vir criar desarmonia na vida em sociedade, gerando ansiedade e insegurança entre os cidadãos e das cidadãs brasileiras.

REFERÊNCIAS

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 ¹Artigo apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito, em 2023. 2
 ²Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA, em Itamaraju (BA). E-mail: barbaravitoria675@gmail.com
 ³Professor-Orientador. Graduado em DIREITO pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicada (2006). Advogado-OAB/BA nº 24.648; Vereador Câmara Mun. de Prado/BA; Ex- Assessor do Dep Federal Neto Carletto; Assessor do Diretório Estadual do Partido Avante/BA; Ex Assessor Jurídico da Câmara de Alcobaça/Ba; Ex Assessor Jurídico do Mun. de Itabela/Ba; Ex-Assessor do Dep Federal Ronaldo Carletto; Ex Assessor Jurídico da Câmara Mun. de Eunápolis/BA, Prof. Universitário FACISA/Itamaraju/Ba – Direito Processo Penal; Direito Municipal e Urbanístico, Direito Eleitoral; Ex-Assessor Jurídico da Câmara de Vereadores de Itamaraju/Ba; Especialista em Direito Público Municipal pela Universidade Católica do Salvador; Ex Assessor Jurídico do Mun. de Prado/Ba 2013-2020; Ex assessor jurídico da Câmara de Vereadores do Prado/Ba; Ex assessor Jurídico da Câmara de Vereadores de Jucuruçu/Ba; Ex Diretor Tesoureiro da OAB/BA Subseção de Itamaraju/BA; Ex coord. do curso de direito e prof. de Direito Penal Econômico, Direito Penal III e IV, Direito das Sucessões, Introdução ao Estudo do Direito, Direito Humanos e Estágio Supervisionado II na FACISA; Sócio-administrador do escritório Rocha Leite & Madeiro Advocacia Consultoria Jurídica; Ex Prof. do curso de Direito da Unesul-Bahia em Eunápolis/Ba, Ex aluno especial do curso de Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória; ex Assessor do Secretário Estadual de Desenvolvimento e Integração Regional do Estado da Bahia Wilson A. de Brito Filho; Agraciado com o Título de Cidadão Pradense, Alcobacense e Itamarajuense aprovado por unanimidade pelas respectivas Câmara de Vereadores; Prof. homenageado DIREITO-FACISA – FORMADOS 2011-1; 2011-2; 2012-2; 2013-1; 2013-2 e 2014-2. E-mail: rochaleiteadvocacia@hotmail.com