A ANÁLISE COMPORTAMENTAL COMO INSTRUMENTO NA PRÁTICA MÉDICA: uma revisão de literatura

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10395628


Isabelly Cristina Pereira da Silva1
Juliana Lilis da Silva2
Natália de Fátima Gonçalves Amâncio3
Vanessa Pereira Tolentino4


RESUMO: Apesar dos benefícios para promover o tratamento de doenças, o modelo biomédico não leva em conta a subjetividade do paciente e os fatores sociais e históricos, objetivando uma abordagem meramente curativista e individualista. Por isso, com advento da “medicina comportamental”, começou-se a correlacionar o estudo do comportamento com as enfermidades físicas do paciente, englobando todo o seu entorno social. A pesquisa consiste de uma revisão exploratória integrativa de literatura, utilizando a estratégia PICO para a organização dos estudos. Foram encontrados 89.718 artigos, sendo incluídos no trabalho 19. A análise comportamental como instrumento na prática médica, visto que, conflitos psíquicos são expressos corporalmente. Portanto, possibilitando uma maior compreensão do paciente e de sua condição. Sabe-se que, muitas vezes, apenas a linguagem verbal não é o suficiente para decifrar os reais sentimentos e questões de um indivíduo, sendo necessário, portanto, a análise do comportamento não-verbal, que oferece pistas ao observador sobre o real estado de alguém.

PALAVRAS-CHAVE: Inteligência Artificial; Behaviorismo; Análise do Comportamento Aplicada; Modelos Biopsicossociais; Psicanálise.

1. INTRODUÇÃO

Desde o surgimento da medicina moderna, o saber clínico e racional sobre as doenças se formaram como base da ideologia científica. Com isso, foi-se criando um distanciamento na relação médico-paciente a partir de um processo de objetificação da doença, com exclusão da subjetividade do paciente e da consequente desumanização no ambiente clínico (CAMPOS; FÍGARO, 2020). No entanto, apenas no final do século XVI a partir da revolução científica realizada por René Descartes e Isaac Newton, o chamado “modelo biomédico” começou a ser mais influenciado e discutido, criando então uma maior dicotomia entre o corpo e a mente (SARAIVA; FILHA; DIAS, 2011). De acordo com Raimundo e Silva (2020), apesar dos benefícios para promover o tratamento de doenças, o modelo biomédico foca nos processos físicos, não levando em conta a subjetividade do paciente e os fatores sociais e históricos com ênfase na atenção hospitalar e pouca atenção nos determinantes do processo saúde-doença.

Assim, objetivando uma abordagem meramente curativista e individualista, priorizando a doença e os sintomas físicos, fazendo com que ocorresse uma fragmentação da relação médico-paciente.

Diante dessas dificuldades, no final da década de 70, com o início do Movimento da Reforma Sanitária, o modelo biomédico começou a ser questionado no Brasil (PINHEIRO, 2021). Porém, a Reforma Sanitária surgiu apenas como uma representação inicial para barrar a crise da saúde instaurada no momento. Foi apenas em 1986 com a VII Conferência Nacional de Saúde que a reorganização do modelo de saúde se tornou efetivamente um projeto no âmbito nacional. A partir disso, foi proposta a revisão e ampliação do conceito de saúde para além do modelo mecânista em vigor até então (ROSÁRIO; BAPTISTA; MATTA, 2020).

Com a Constituição Federal de 1988, a saúde passou a ser um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado (BRASIL, 1988). Além disso, a partir da criação da Lei 8.080, mais conhecida como a Lei Orgânica da Saúde, o conceito foi ainda mais ampliado e discutido, incorporando-se seus fatores condicionantes e determinantes, além de discorrer sobre condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde e o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 1990).

Concomitantemente, a partir de uma análise freudiana influenciada por conceitos da psicanálise, começou-se a hipotetizar que “os fatores psicológicos poderiam contribuir para o surgimento de doenças físicas”. Assim, em 1977, surgiu o termo “medicina comportamental”, que tinha como princípio correlacionar o estudo do comportamento com as enfermidades físicas do paciente, englobando variáveis psicossomáticas, comportamentais e até mesmo questões sociodemográficas no diagnóstico clinico (BARLETTA, 2010). A partir disso, inúmeros movimentos para juntar a psicologia com a medicina começaram a surgir. Dentre eles, o que será discutido no presente artigo, a análise comportamental no contexto clínico. Nessa perspectiva, considerando-se as constantes mudanças no cenário da saúde, o presente artigo tem por objetivo ressaltar a importância de estabelecer uma visão do paciente como um todo, a fim de estabelecer uma melhor compreensão dos fatores que podem influenciar a dinâmica saúde-doença no ser-humano. Assim, melhorando a relação médico-paciente e, consequentemente, as condições de saúde.

2. METODOLOGIA

O presente estudo consiste de uma revisão exploratória integrativa de literatura. A revisão integrativa foi realizada em seis etapas: 1) identificação do tema e seleção da questão norteadora da pesquisa; 2) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos e busca na literatura; 3) definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados; 4) categorização dos estudos; 5) avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa e interpretação e 6) apresentação da revisão.

Na etapa inicial, para definição da questão de pesquisa utilizou-se da estratégia PICO (Acrômio para Patient, Intervention, Comparation e Outcome). Assim, definiu-se a seguinte questão central que orientou o estudo: “Qual é a importância do behaviorismo para a prática clínica?” Nela, observa-se o P: estudantes de medicina e profissionais de saúde; I: análise comportamental; C: não se aplica; O: benefício para a prática clínica.

 Para responder a esta pergunta, foi realizada a busca de artigos envolvendo o desfecho pretendido utilizando as terminologias cadastradas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCs) criados pela Biblioteca Virtual em Saúde desenvolvido a partir do Medical Subject Headings da U.S. National Library of Medcine, que permite o uso da terminologia comum em português, inglês e espanhol. Os descritores utilizados foram: “Behaviorismo”, “Medicina clínica”, “Medicina comportamental”, “Psicanálise”, “Body language”, “Nonverbal communication”, “Inteligência artificial”, “Análise do comportamento aplicada” e “Medicina do comportamento”. Para o cruzamento das palavras chaves utilizou-se o operador booleano “and”.

Realizou-se um levantamento bibliográfico por meio de buscas eletrônicas nas seguintes bases de dados: Google Scholar; Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scientif Eletronic Library Online (SciELO) e EbscoHost.

A busca foi realizada no mês de agosto de 2023. Como critérios de inclusão, limitou-se a artigos escritos em qualquer idioma publicados nos últimos 6 anos (2018 a 2023), que abordassem o tema pesquisado e que estivem disponíveis eletronicamente em seu formato integral, foram excluídos os artigos em que o título e resumo não estivessem relacionados ao tema de pesquisa e pesquisas que não tiverem metodologia bem clara.

Após a etapa de levantamento das publicações, encontrou 89.718 artigos, dos quais foram realizados a leitura do título e resumo das publicações considerando o critério de inclusão e exclusão definidos. Em seguida, realizou a leitura na íntegra das publicações, atentando-se novamente aos critérios de inclusão e exclusão, sendo que 89.699 artigos não foram utilizados devido aos critérios de exclusão. Foram selecionados 19 artigos para análise final e construção da revisão.

Posteriormente a seleção dos artigos, realizou um fichamento das obras selecionadas afim de selecionar a coleta e análise dos dados. Os dados coletados foram disponibilizados em um quadro, possibilitando ao leitor a avaliação da aplicabilidade da revisão integrativa elaborada, de forma a atingir o objetivo desse método.

A Figura 1 demonstra o processo de seleção dos artigos por meio das palavras-chaves de busca e da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão citados na metodologia. O fluxograma leva em consideração os critérios elencados pela estratégia PRISMA (Page et al., 2021).

Figura 1 – Fluxograma da busca e inclusão dos artigos

Fonte: Adaptado do Preferred Reporting Items for Systematic review and Meta-Analyses (PRISMA). Page et al., (2021).

3. RESULTADOS

A tabela 1 sintetiza os principais artigos que foram utilizados na presente revisão de literatura, contendo informações relevantes sobre os mesmos, como os autores do estudo, o ano de publicação, o título e os achados relevantes.

Tabela 1 – A importância do behaviorismo na prática clínica encontrados nas publicações do período de 2019 a 2023

EstudoTítuloAchados principais
ALMEIIDA; OLIVEIRA, 2023Noções de consciência a partir de SkinnerA fenomenologia são as respostas sensoriais do indivíduo, sendo discriminada pela reflexividade
BUENO ET AL., 2023Uma leitura teórico- clínica de uma análise: o fato clínico como operador metodológicoA psicanálise é um processo demorado e reflexivo, muitas vezes regulada pela transferência
SCHMIDT, 2023Revisitando o conceito de personalidade: contribuições da Teoria de Sensibilidade ao Reforçamento e da Análise do ComportamentoDeficiências do estudo de Watson e a perspectiva da consequência das ações no estudo de Skinner; Complexidade do comportamento humano
SOUZA ET AL., 2023Inteligência Artificial na educação: rumo a uma aprendizagem personalizadaAumento da utilização da inteligência artificial na medicina e seus benefícios
GULLESTAD, 2023Finding the mind in the bodyO comportamento é expresso nas formas do indivíduo agir de acordo com as circunstâncias Conflitos psíquicos são expressos corporalmente
PAIXÃO; STRAPASSON, 2021A discreta introdução do behaviorismo no português brasileiro: a tradução de “Psychological Care of Infant and Child” de Watson e WatsonJohn Broadus Watson como principal fundador do behaviorismo clássico
CALBI ET AL., 2020Visual exploration of emotional body language: a behavioural and eye-tracking studyA postura corporal é essencial para entender as emoções Emoções negativas se refletem principalmente na postura do tronco e no movimento das mãos
COSTA; GALLO,2020O comportamento não-verbal na detecção da mentira: uma revisão bibliográficaImportância das técnicas de observação de comportamentos não-verbais
GARCIA,2020Ética e Inteligência artificialUso de banco de dados pelas IAs e a falta de confiabilidade delas
GRILLO; NAVARRO,2020Compreendendo o Behaviorismo Radical: da literatura ao cinemaPara a análise de Skinner tem-se que entender o contexto do indivíduo, e não apenas os estímulos
LEIRIA ET AL., 2020A aplicabilidade da comunicação na psicologiaCorrelação entre empatia e escuta ativa e comunicação assertiva
MARIN; FALEIROS, 2020Como a análise do comportamento tem contribuído para a área da saúde?As respostas comportamentais emitidas por um sujeito refletem seu estado de saúde
MARTINS, 2020Inteligência Artificial e gestão de risco no diagnóstico e tomada de decisãoA inteligência artificial não pode interpretar situações e ter emoções como humanos
OLIVEIRA ET AL., 2020O Condicionamento Pavloviano: variação da aprendizagem em diferentes raças de cãesExperimento de Pavlov
ARAÚJO; JÚNIOR; OLIVEIRA C; OLIVEIRA F, 2019A concepção behaviorista de Pavlov e Watson: implicações na educação profissionalEstudos de Watson forma influenciados pelos de Pavlov
COSTA; GALLO, 2019O conceito de consciência no Behaviorismo Radical de SkinnerO comportamento do indivíduo está sujeito a modificações advindas do meio
FISKE, 2019Your Robot Therapist Will See You Now: Ethical Implications of Embodied Artificial Intelligence in Psychiatry, Psychology, and PsychotherapyImplicações éticas do uso das IAs na medicina e suas deficiências interpretativas
NETTO; KERNKRAUT, 2019Contribuições da psicanálise à medicina: grupo com residentes em um programa de cancerologia clínicaCorrelação do estado físico e do mental
ZILIO; FILHO, 2018O que (não) há de “complexo” no comportamento? Behaviorismo radical, self, insight e linguagemConsidera que o que consideramos como comportamento complexo seja apenas comportamento, sendo influenciado pelas causas, processos e capacidade cognitiva
4. DISCUSSÃO

A Psicologia comportamental oferece várias áreas de estudo. Dentre esses movimentos, têm-se o behaviorismo, cujo principal fundador foi o americano John Broadus Watson no seu artigo intitulado “A Psicologia Como o Behaviorista a Vê”. A partir disso, denominando a prática watsoniana como “Behaviorismo Clássico” (PAIXÃO, STRAPASSON, 2021). Em suma, o behaviorismo se definiu como a habilidade de observação do comportamento e nas respostas que o indivíduo dá à um estímulo externo. O behaviorismo watsoniano acreditava que as respostas comportamentais eram em sua grande maioria condicionadas por um estímulo externo (ARAÚJO, JUNIOR, OLIVEIRA & OLIVEIRA, 2019).

Os estudos de Watson foram muito influenciados pelo trabalho de Ian Pavlov sobre o chamado Condicionamento Clássico ou Condicionamento Pavloviano, que consiste na relação de que estímulos desconhecidos poderiam gerar respostas condicionadas a partir da repetição (ARAÚJO, JUNIOR, OLIVEIRA, OLIVEIRA, 2019). De acordo com Oliveira et al., (2020) apud Feldman (2015):

O experimento de Pavlov se fundamentava na análise experimental em seu laboratório envolvendo a salivação dos cães em associações a respostas. Antes do condicionamento, o experimento consistia em mostrar ao cão um sino e o seu toque, sendo isso o estímulo neutro, no qual não havia salivação. Depois, na fase de condicionamento era mostrado o sino e o alimento (i.e estímulo incondicionado) onde, o cão salivava (i.e resposta incondicionada). Após o CC, toda vez que o som era tocado, o cão, consequentemente, salivava. Até mesmo outros sinais, tais como, os passos do cuidador ou o som de campainhas, desencadearam essa resposta, denominada como reflexo condicionado.

A partir desse estudo, Pavlov entendeu que o comportamento é associativo, podendo ser controlado por estímulos ambientais a partir da repetição. Assim, a percepção de Watson sobre o comportamento se limitou a entender as suas causas, desconsiderando as consequências, ou seja, as respostas reflexas que os estímulos geram. Com base nisso, em 1945, Burrhus Frederic Skinner complementou o estudo da psicologia comportamental ao considerá-las como parte essencial do behaviorismo, sendo o precursor do Behaviorismo Radical, que acredita que o comportamento humano é um maquinário complexo, não podendo ser meramente explicado por ideais antropocêntricas ou reflexos mecanicistas (SCHMIDT, 2023).

Na concepção de Skinner, a partir do momento em que o indivíduo vive em sociedade, ele é sujeito a modificações, sendo modulado a partir dessas interações. Ou seja, o comportamento não é imutável, mas pode estar sujeito a três condicionantes: o filogenético, ontológico e natural. O filogenético diz respeito aos processos seletivos de interação que favoreceram a adaptação do indivíduo na sociedade. O ontológico, à capacidade de selecionar o comportamento mais pertinente para cada situação a partir de experiências anteriores que criaram uma resposta positiva ou negativa à um determinado estímulo. E, por último, o natural, que se refere às transmissões de práticas culturais que vão mediar quais respostas serão punidas ou não em determinada sociedade (COSTA; GALLO, 2019).

Em outros termos, para Skinner, para entender o comportamento, não basta entender a ação e o estímulo que a causou, mas também o ambiente que o indivíduo está inserido e as consequências decorrentes de cada situação (GRILLO; NAVARRO 2020).

Nesse viés, o comportamento consiste na consciência reflexiva de um indivíduo sendo expresso pela fenomenalidade. A fenomenalidade, por sua vez, são as respostas dadas a um determinado estímulo sensorial. Ela ser expressa ou não de forma verbal do comportamento é determinada pela reflexidade, que é a capacidade de discriminar a fenomenalidade e expressá-la de forma verbal dependendo das circunstâncias individuais de cada um (ALMEIDA, OLIVEIRA, 2023).

A partir da perspectiva de Skinner, sabe-se que as respostas emitidas por um sujeito refletem seus estados de saúde. A compreensão dos padrões comportamentais a partir de uma análise das circunstâncias que os controlam é um fator chave para entender as condições que promovem ou não os estados de saúde de um indivíduo. Assim, a análise comportamental se torna uma ferramenta de extrema importância na prática médica na medida que: para se entender uma doença, tem-se que, a princípio, entender o sujeito e suas relações sociais (MARIN; FALEIROS, 2020).

 Ademais, Netto e Kernkraut (2019) ressaltam a importância da psicanálise para a prática médica ao identificar o determinismo inconsciente dos pacientes, no qual o estado físico do mesmo quase sempre se relaciona com seu estado mental. Além de conhecer a fisiologia e anatomia, é importante que o médico também conheça melhor o funcionamento psíquico destes para uma melhor interpretação dos sintomas e escolha do tratamento.

Desta maneira, destaca-se a importância de técnicas de observação de comportamentos verbais e, principalmente, não-verbais dos pacientes. Por exemplo: gestos corporais, desvios do olhar, entre outros sinais que podem servir como alertas de estados emocionais que podem indicar outras causas possíveis para os sintomas relatados pelos pacientes (COSTA; GALLO, 2020).

Nesse sentido, salienta-se o crescente papel que a inteligência artificial (IA) está desempenhando em diversos setores, como, por exemplo, a medicina. Essa utilização pode ser benéfica ao poder auxiliar na detecção precoce de doenças, assistência à diagnósticos mais precisos e na atuação em sistemas de suporte à decisão clínica, reduzindo erros médicos (SOUZA et al,. 2023).

No entanto, a utilização de IAs em áreas mais direcionadas para o comportamento humano e interações sociais de alto nível indicam uma preocupação por parte dos profissionais sobre as implicações sociais e éticas de seu uso. Além disso, um grande desafio para a plena implementação desses dispositivos é a deficiência interpretativa que as máquinas tem, não se sabendo até que ponto ela pode avaliar as informações contextuais na formulação de um diagnóstico (FISKE et al., 2019).

Em síntese, as IAs funcionam a partir de algoritmos, sequencias de instruções ou comandos que permitem a máquina “aprender” a partir de exemplos e dados disponibilizados na rede, reconhecendo padrões e montando um modelo. A partir disso, surge-se um problema: as informações retiradas das respostas dadas pelas IAs são advindas bases de dados disponíveis para o seu funcionamento. A inteligência dessas máquinas depende da qualidade dos dados que são a ela submetidos. Porém, a garantia de confiabilidade deles nem sempre é comprovada, causando erros nas informações prestadas e até mesmo a disseminação alguns vieses de preconceito (GARCIA, 2020).

De acordo com Martins (2020), a finalidade central da IA é simular o conhecimento humano, organizando informações no sistema, e prevendo possíveis respostas para o problema a partir da seleção de resultados, diagnósticos e a identificação de padrões de maneira que tenha uma tomada de decisão racional a partir de uma base de dados clínicos. Assim, para uma maior precisão de resultados, é necessário reconhecer e processar todo o tipo de informação sobre o estado do paciente. E é nesse ponto em que as máquinas demonstram a sua deficiência: a inteligência não se baseia apenas em raciocinar e aprender, mas também em uma série de interpretações sobre o meio. Podemos ensiná-las a pensar, mas não a ter emoções, que é o que a distingue do humano. Por essa razão essas ferramentas existem: não para substituir os médicos, mas para apoiá-los na decisão clínica diminuindo as incertezas. A interpretação final de um diagnóstico sempre será que responsabilidade dele.

A razão para a deficiência das máquinas é a complexidade do comportamento humano. De acordo com Schmidt (2023), uma análise efetiva do comportamento só poderá ser realizada a partir da análise conjunta do contexto no qual o comportamento ocorre, que fornece um significado a ele. Nesse sentido, a noção de personalidade passou a ser colocada em foco afim de obter um maior entendimento da essência humana. Ela pode ser definida como “um padrão estável e duradouro de pensamentos, sentimentos e comportamentos que distinguem um indivíduo do outro”. Na perspectiva behaviorista radical de Skinner, a personalidade não é algo imutável, mas selecionado para diferentes situações e ambientes. Assim, a ideia de que um indivíduo apenas apresenta uma gama estável de traços de personalidade tem mais relação com a manutenção desses comportamentos por meio de reforços do que com a personalidade em si.

Segundo o exemplo de um jovem soldado dado por Skinner (1974, p130):

O comportamento que um jovem adquire em um ambiente compõem um eu; o comportamento que ele adquire em outro, compõe outro. Os dois eus podem coexistir na mesma pele sem conflito até que haja uma sobreposição de elementos dos dois ambientes (conflito de contingências), como, por exemplo, um amigo do exército o visitar em sua casa.

No entanto, de acordo com Zilio e Filho (2018), a atribuição da característica de “comportamento complexo” geralmente acontece como uma herança qualificatória adquirida, em que o processo cognitivo do indivíduo fosse o ponto central da análise, e não sendo apenas um reflexo da ignorância da sua causa. Segundo os autores, o “porquê” de um comportamento não tem relação com o nível de inteligência ou análise de um ser, mas sim com as condições instintivas e selecionadas que responsáveis pelo fenômeno.

A análise do comportamento se torna especialmente importante ao se considerar o papel que a mente exerce sobre o corpo. Dessa forma, os estados mentais são, muitas vezes, refletidos no comportamento do indivíduo, seja a partir de um semblante fechado, uma aparência mais agitada, um aperto de mão frouxo ou uma atitude discordante. A percepção desses comportamentos expressos ajudará a entender os processos psicológicos presentes indivíduo. A partir do entendimento de que existe algo de errado, não apenas fisicamente, mas também mentalmente, ficará mais fácil para o médico descobrir do que exatamente se trata (GULLESTAD, 2023).

Esta hipótese também é corroborada pelos estudos de Calbi et al. (2020), na qual afirma que a postura corporal é essencial para entender as emoções. De acordo com suas considerações, emoções negativas se refletem na postura do tronco e no movimento das mãos, enquanto sentimento felizes se focalizam principalmente na face. Também, isso se relaciona com a percepção que temos dessas emoções, já que as expressões de medo e raiva conseguem atrair mais atenção dos olhos devido a um fator evolutivo, já que podem ser considerados ameaças que inoculam sentimentos de autopreservação. Dessa forma, amplificando a capacidade visual do observador, o deixando mais atento.

Dessa forma, a psicanálise é um processo demorado, complexo e reflexivo, sendo altamente regulado pela transferência e pela livre associação no qual o analista está inclinado a acreditar. Assim como o analisado tem seu comportamento modificado pelas situações nas quais ele está sujeito, o analista também está propenso a projetar suas vivências e impressões no paciente, transferindo sentimentos e interpretações que podem não refletir o real estado do indivíduo (BUENO et al., 2023).

Por isso, para uma comunicação assertiva, é de fundamental importância a escuta ativa. A escuta ativa se trata de um desafio no mundo atual, no qual, muitas vezes, a pressa do dia-a-dia impede os indivíduos de efetivamente prestarem atenção no que o outro está falando, fazendo com que a mensagem que foi transmitida seja mal interpretada. Associado a isso, é importante prestar atenção na linguagem não-verbal do emissor, que ajudam na transmissão de sentimentos e emoções que podem ser importantes na análise comportamental (LEIRIA et al., 2020).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De forma geral, compreende-se que a análise do comportamento é de extrema importância para a prática clínica, possibilitando uma maior compreensão do paciente e de sua condição. Sabe-se que, muitas vezes, apenas a linguagem verbal não é o suficiente para decifrar os reais sentimentos e questões de um indivíduo, sendo necessário, portanto, a análise do comportamento não-verbal, que oferece pistas ao observador sobre o real estado de alguém.

Espera-se que a presente pesquisa auxilie os profissionais da área da saúde a entender esse tópico tão importante para a prática clínica, e que pode facilitar no processo de diagnóstico de diversas doenças, principalmente as que envolvem transtornos mentais. Dessa forma, implicando na maior efetividade do processo clínico e em uma maior resolutividade ao entender o paciente como um todo, e não apenas como uma doença.

Recomenda-se que os futuros estudos analisem mais afundo os estudos de Skinner sobre o behaviorismo radical, que fornecem uma maior dimensão e explicações aprofundadas sobre a temática. O presente artigo oferece apenas uma base sobre o assunto, abrindo possibilidades para futuros estudos. No entanto, é necessário ser mais aprofundado com base em mais estudos, já que a análise comportamental possui muitas vertentes vinculadas e que valem a pena serem estudadas.

6. REFERÊNCIAS

ARAÚJO, R. G. DE et al. A concepção behaviorista de Pavlov e Watson: implicações na educação profissional. Revista Semiárido De Visu, v. 7, n. 2, p. 206–221, 31 ago. 2019.

BARLETTA, J. B. Comportamentos e Crenças em Saúde: Contribuições da Psicologia para a Medicina Comportamental. Revista de Psicologia da IMED, v. 2, n. 1, p. 307–318, 30 jun. 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 de outubro de 2023

BRASIL. Lei N° 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre a organização do SUS. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8080.htm>. Acesso em: 15 de outubro de 2023

BUENO, M. L. da S.; KESSLER, C. H. Uma Leitura Teórico-Clínica de uma Análise: O Fato Clínico como Operador Metodológico. Psicologia: Ciência E Profissão43, e248134. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3703003248134 .Acesso em: 06 de nov. 2023.

CALBI, M. et al. Visual exploration of emotional body language: a behavioural and eye-tracking study. Psychological Research, 13 set. 2020.

CAMPOS, C. F. C.; FÍGARO, R. Relação Médico-Paciente vista sob o Olhar da Comunicação e Trabalho. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, v. 16, n. 43, p. 2352, 1 abr. 2021.

COSTA, P. E. A.; GALLO, A. E. O comportamento verbal e não verbal na detecção da mentira: uma revisão bibliográfica. Psicologia Argumento, v. 38, n. 101, p. 411, 4 ago. 2020.

COSTA, P; GALLO, A. O conceito de consciência no behaviorismo radical de Skinner. [s.l.:s.n], 2019. Disponível em: < https://bitlybr.com/lPyCM> Acesso em: 7 nov. 2023.

FAGUNDES NETTO, M. V. R.; KERNKRAUT, A. M. Contribuições da psicanálise à medicina: grupo com residentes em um programa de cancerologia clínica. Revista da SBPH, v. 22, n. SPE, p. 133–156, 1 jun. 2019.

FISKE, A.; HENNINGSEN, P.; BUYX, A. Your Robot Therapist Will See You Now: Ethical Implications of Embodied Artificial Intelligence in Psychiatry, Psychology, and Psychotherapy. Journal of Medical Internet Research, v. 21, n. 5, p. e13216, 9 maio 2019.

GARCIA, A. C. Ética e Inteligência Artificial. Computação Brasil, n. 43, p. 14–22, 16 nov. 2020.

‌GULLESTAD, S. E. Finding the Mind in the Body. Psychoanalytic Inquiry42(4), 244–252. Disponível em: https://doi.org/10.1080/07351690.2022.2059277. Acesso em 06 de nov. 2023.

HENRIQUE, J.; WAGNER. NOÇÕES DE CONSCIÊNCIA A PARTIR DE SKINNER. Anais do XXVI Seminário de Iniciação Científica, n. 26, 6 jun. 2023.

‌‌LEIRIA, M. et al. A aplicabilidade da comunicação na psicologia. Revista INFAD de Psicología. International Journal of Developmental and Educational Psychology., v. 1, n. 1, p. 435–442, 9 jun. 2020.

LEITE, R. B. et al. Compreendendo o behaviorismo radical: da literatura ao cinema. Psicologia: desafios, perspectivas e possibilidades, v. 1, n. 1, p. 86–96, 1 jun. 2020.

MARIN, R.; FALEIROS, P. B.; MORAES, A. B. A. DE. Como a Análise do Comportamento tem Contribuído para Área da Saúde? Psicologia: Ciência e Profissão, v. 40, 2020.

MARTINS, R. S. Inteligência artificial e gestão de risco no diagnóstico e tomada de decisão médica. [s.l: s.n.].  Disponível em: <https://run.unl.pt/handle/10362/109202>. Acesso em: 7 nov. 2023.

OLIVEIRA, N. et al. O Condicionamento Pavloviano: variação da aprendizagem em diferentes raças de cães. [s.l: s.n.]. Disponível em: <http://seer.umc.br/index.php/revistaumc/article/viewFile/1367/820>. Acesso em: 7 nov. 2023.

Page, M. J., Moher, D., Bossuyt, P. M., Boutron, I., Hoffmann, T. C., Mulrow, C. D., & McKenzie, J. E. PRISMA 2020 explanation and elaboration: updated guidance and exemplars for reporting systematic reviews. bmj, 372. 2021.

PAIXÃO, A. A.; STRAPASSON, B. A. A discreta introdução do behaviorismo no português brasileiro: A tradução de “Psychological Care of Infant and Child” de Watson e Watson. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 23, p. 1–24, 9 nov. 2021.‌

PINHEIRO, S. B. Atenção em saúde: Modelo biomédico e biopsicossocial, uma breve trajetória. Revista Longeviver, v. 0, n. 0, 13 jan. 2021.

ROSÁRIO, C. A.; BAPTISTA, T. W. DE F.; MATTA, G. C. Sentidos da universalidade na VIII Conferência Nacional de Saúde: entre o conceito ampliado de saúde e a ampliação do acesso a serviços de saúde. Saúde em Debate, v. 44, n. 124, p. 17–31, mar. 2020.

SARAIVA, A. M.; FILHA, M. DE O. F.; DIAS, M. D. As práticas integrativas como forma de complementaridade ao modelo biomédico: concepções de cuidadoras. Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online, p. 155–163, 2011.

SCHMIDT, E. B. Revisitando o conceito de personalidade : contribuições da teoria de sensibilidade ao reforçamento e da análise do comportamento, 2023. Disponível em: lume.ufrgs.br. Acesso em: 05 de dezembro de 2023.

SOARES RAIMUNDO, J.; DA SILVA, R. B. Reflexões acerca do predomínio do modelo biomédico, no contexto da Atenção Primária em Saúde, no Brasil. Revista Mosaico, v. 11, n. 2, p. 109–116, 2 dez. 2020.

SOUZA, L et al., Inteligência artificial na educação: rumo a uma aprendizagem personalizada. IOSR Jornal Of Humanites And Social Science, v.28. p. 19 – 25, mai. 2023

‌‌SKINNER, B. F. About Behaviorism. [s.n], Nova York, 1974. p.130.

ZILIO, D.; NEVES FILHO, H. O que (não) há de “complexo” no comportamento? Behaviorismo radical, self, insight e linguagem. Psicologia USP, v. 29, n. 3, p. 374–384, dez. 2018. Disponível em: https://www.periodicos.usp.br/psicousp/article/view/154615. Acesso em: 7 nov. 2023.


Isabelly Cristina Pereira da Silva – Discente do curso de Medicina do Centro Universitário de Patos de Minas -UNIPAM.1
Juliana Lilis da Silva – Docente do Centro Universitário de Patos de Minas -UNIPAM.2
Natália de Fátima Gonçalves Amâncio – Docente do Centro Universitário de Patos de Minas -UNIPAM.3
Vanessa Pereira Tolentino – Docente do Centro Universitário de Patos de Minas -UNIPAM.4