O CRIME LAVAGEM DE CAPITAL: UMA ANÁLISE DA LEI 9.613/98 E DA CONVENÇÃO PALERMO

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10355908


Letícia Souza Fontes1
Orientador: Profº. Esp. Marco Túlio Rodrigues Lopes


1 INTRODUÇÃO

Os tratados internacionais desempenham um papel crucial na manutenção da paz mundial; acordos vinculativos entre países que estabelecem normas e diretrizes para a cooperação internacional. Com isso, será feita uma abordagem sobre as mudanças legislativa ocorridas na lei de lavagem de capitais e organização criminosa, bem como os impactos dos tratados internacionais até momentos atuais.

A abordagem parte do princípio da legalidade oriundo do artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988, que preceitua que não deve existir crime sem que haja uma lei anterior que o defina, tal qual pena a previa cominação legal (BRASIL, 1988). Em se tratando de matéria penal, o axioma da reserva constitucional de lei prevalece em sentido formal, bem como o artigo 22, inciso I, da CF/88, o qual estabelece como competência privativa da União legislar sobre a matéria penal (BRASIL, 1988).

O crime de lavagem de capital nas organizações criminosas estava previsto dentro de um rol taxativo de crimes constantes da Lei nº 9.613/98 no artigo 1º, inciso VII, mas a aplicação do tipo penal necessita de um crime antecedente, e entre eles há a modalidade de organização criminosa (BRASIL, 1988). 

 Posto isso, no que tange à redação anterior do artigo 1º da Lei 9.613/98 conhecida como Lei de lavagens de capitais, havia a existência de um rol taxativo de crimes antecedentes. Somente haverá lavagem se o crime antecedente estiver listado no art. 1º da Lei (BRASIL, 1998).

Deste modo, poder-se-ia questionar como se dá a penalidade para o crime de organizações criminosas como delito derivado da lavagem de capital, o que resultou na inaplicabilidade penal na tentativa de enquadramento do tipo penal.

O objetivo deste trabalho é analisar a mudança legislativa no que diz respeito ao crime de lavagem de capital envolvendo organização criminosa, tal como o afastamento da Convenção de Palermo pelos tribunais superiores.

Portanto, o estudo aprofundado da lei de lavagem de capitais e sua parcial revogação é crucial para compreender como a lavagem de capital afeta a sociedade moderna, bem como para desenvolver políticas públicas eficazes para combater esse crime.

Ademais, entende-se que a norma penal não pode ser derivada de nenhuma outra fonte subalterna, com resultado da reserva de lei proposta pela Constituição que é absoluta, e não relativa, deste modo sua concepção deve ser formal e estrita.

Nesse panorama, o método utilizado é o bibliográfico, por intermédio dos levantamentos bibliográficas em fontes como artigos científicos, teses, revistas/periódicos, doutrinas, jurisprudências, etc., além do acesso à legislação que orienta o assunto.

2 CRIMES INTERNACIONAIS E A LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS

A globalização mundial e suas tecnologias facilitaram a prática da conduta de organização criminosa dentro e fora do Estado. No âmbito internacional, o crime de lavagem abrange diversas áreas. Desse modo, a fim de tornar mais eficientes a prevenção e persecução penal, destaca-se três ordens, quais sejam: penal, financeira e a cooperação internacional.

No âmbito penal é tipificado delito e traz ferramentas eficazes para o confisco dos bens decorrentes do delito. Na ordem financeira, há a necessidade de se regular o setor, a fim de identificar operações financeiras que possuem o objetivo de lavar capitais. E, por fim, a cooperação internacional é necessária para obter lucros em outras nações, e a implementação desse método deve ser promovida por meio de tratados e acordos internacionais.

Segundo Capez (2020), um crime internacional, também conhecido como crime mundial, é aquele que o Brasil tem o dever de reprimir. Um exemplo disso é o tráfico de pessoas para exploração sexual em escala global, que é regulado por tratados ou convenções internacionais.

Em outras palavras, o é o ramo do direito que define crimes e comina pena internacionais, sejam próprios ou impróprios, conhecida como direito penal internacional (JAPIASSÚ, 2004). Cassese (2003) destaca que os crimes internacionais são vistos como sérias violações das normas do direito internacional, que atribuem responsabilidade penal individual em um contexto internacional. Portanto, eles diferem dos casos de responsabilidade dos Estados em que os indivíduos atuam.

O Estatuto de Roma estabelece a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), uma corte de última instância responsável por julgar graves crimes internacionais. De acordo com o artigo 5º do Estatuto de Roma, o TPI tem competência para julgar os seguintes crimes: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão (BRASIL, 2002). Em seu texto, o Estatuto de Roma foi adoptado em julho de 1998. O tribunal começou a funcionar em 2003, seguindo a criação de tribunais ad hoc na década de 1990 para investigar os crimes de atrocidades cometidos no Ruanda e na ex-Jugoslávia.

Embora o crime de lavagem de dinheiro seja, em geral, de competência das autoridades nacionais do país onde o crime foi cometido, existe uma conexão potencial entre esses crimes e os crimes internacionais.

A lavagem de capitais pode ser usada para financiar atividades criminosas internacionais, incluindo crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Por exemplo, os lucros obtidos com a exploração ilegal de recursos naturais ou o tráfico de drogas podem ser “lavados” e usados para financiar grupos armados que cometem crimes internacionais.

Portanto, embora o TPI não tenha competência direta para julgar crimes de lavagem de dinheiro ou organização criminosa, esses crimes podem estar indiretamente relacionados aos crimes internacionais que estão sob sua jurisdição.

Os doutrinadores Moisescu e Sabau (1994, apud JAPIASSÚ, 2012) afirmam que, no contexto do direito penal romeno, a terminologia mais apropriada para crime internacional seria infração internacional. Tal infração é caracterizada por uma ação ou inação que viola o direito internacional, com um elemento crucial sendo um risco evidente para a paz e segurança internacionais, fundamentos para a convivência pacífica entre as nações.

Tais doutrinadores compreendem a existência de duas categorias. Assim, os crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade seriam infrações internacionais cometidas pelo Estado. O tráfico internacional de drogas, a pirataria e a falsificação de moeda são exemplos de infrações internacionais cometidas por particulares. Desse modo, enquanto a primeira categoria teria objetivos políticos básicos, a segunda não os teria (MOISESCU; SABAU, 1994 apud JAPIASSÚ, 2012).

Seguindo o viés da segunda categoria de infrações internacionais, com a intenção de identificar e bloquear o fluxo de recursos das máfias que se utilizava de meios legais para converter e/ou encobrir um bem de origem ilícita, foram feitas convenções internacionais sobre o tema, como a Convenção de Viena (acordo internacional que estabelece as regras e normas para a criação e interpretação de tratados internacionais), Convenção de Palermo (instrumento global no combate ao crime organizado transnacional) e a Convenção de Mérida (instrumento internacional no combate à corrupção).

Também foi estabelecido o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento ao Terrorismo (Gafi/FATF). Este grupo foi formado com a finalidade de prevenir a conduta delituosa por meio do sistema bancáro, adaptar os sistemas jurídicos e regulatórios para proteção, além de aprimorar a cooperação multilateral entre os países.

A convenção contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas é um verdadeiro mandado internacional de criminalização, este acordo foi finalizado em Viena, no dia 20 de dezembro de 1988. O artigo 3º preconiza que cada nação deve implementar as medidas necessárias para definir como crimes penais, em sua legislação interna, as ações que, quando cometidas em um contexto internacional, são consideradas infrações (BRASIL, 1991). Ou seja, a Convenção de Viena se destacou como o primeiro documento internacional que impôs aos países signatários a obrigação de elaborar leis internas voltadas para aqueles que tentavam legitimar bens oriundos do tráfico de drogas.

A Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida também como Convenção de Palermo, institui a prevenção e o combate de maneira mais eficaz contra o crime organizado transnacional. Foi promulgada em Nova York em 15 de novembro de 2000 e tornou-se aplicável em todo o mundo em 29 de setembro de 2003.

É amplamente reconhecido que a lavagem de dinheiro não é um fenômeno novo na história do homem, tampouco uma conduta criada por agentes específicos, mas sua figura se tornou mais conhecida na década de 30 por meio dos comércios de lavanderias criados por mafiosos na Califórnia – EUA. Segundo Anselmo (2013), a lavagem de dinheiro não é um fenômeno recente. No entanto, a preocupação com essa questão tem recebido grande atenção nos últimos anos. A caracterização da lavagem se baseia no objetivo de encobrir a origem de um ilícito por meio de ato lícito.

Pode-se entender a lavagem de capitais como um ato ou uma sequência de atos realizados para esconder a natureza, localização ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes de crimes com o objetivo de reintroduzi-los à economia formal com aparência legítima.

Tratado, de acordo com Celso D. de Albuquerque Mello em seus votos no Agravo Regimental no Recurso Ordinário de Habeas Corpus 121.835/PE, é o termo utilizado para se referir a um acordo internacional escrito entre Estados que é regulado pelo Direito Internacional e concluído por meio de um único ou mais instrumentos conexos.

Por tanto, ao incorporar no sistema jurídico brasileiro um tratado internacional, de acordo com o seu conteúdo pode se enquadrar em uma das três classes de tratados internacionais: 1º) tratados e convenções internacionais de direitos humanos que são aprovados em dois turnos pelos membros de cada Casa do Congresso Nacional com ⅗ (três quintos) dos votos, que são equiparáveis às emendas constitucionais (BRASIL, 1988, art. 5º, §, 3º); 2º) tratados internacionais de direitos humanos, que foram aprovados pelo procedimento ordinário (BRASIL, 1988, art. 47) e têm status supralegal, o que significa que estão abaixo da Constituição e acima da legislação ordinária; 3º) tratados e convenções internacionais que não abordam os direitos humanos serão incorporados à legislação brasileira com força de lei ordinária.

3 TIPO PENAL PARA O CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

A princípio, para tipificar a conduta de organização criminosa era necessário admitir o empréstimo:

Em primeiro lugar, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), prevista no artigo 2º, alínea ‘‘a’’ do tratado; tem a seguinte definição como um conjunto estruturado composto por três ou mais indivíduos, que existe por um período de tempo e opera em uníssono com o objetivo de cometer uma ou mais infrações graves ou estipuladas nesta Convenção, visa obter, direta ou indiretamente, um ganho financeiro ou material. (BRASIL, 2004).

O Código Penal, por sua vez, define no artigo 288 o crime de quadrilha ou bando (BRASIL, 1940); já a Lei 9.034/95 estabelece o uso de recursos operacionais para a prevenir e reprimir atividades realizadas por organizações criminosas. (BRASIL, 1995).

Seguramente, doutrinadores dualistas, entre os quais pode-se mencionar Nádia de Araújo. Posteriormente, Amílcar de Castro, apoiado ao princípio da reserva legal, princípio da anterioridade e o princípio da proibição do excesso, defende a atipicidade da conduta de organização criminosa, sendo considerada inexistente o tipo penal no ordenamento brasileiro. Mesmo que haja a tipificação do crime de quadrilha ou bando, ainda assim não supre a necessidade do tipo penal e, além disso, tal conduta está atrelada à lei de lavagem de capitais no rol taxativo, que preceitua a necessidade de o crime antecedente ser um delito previsto.

Consequentemente, a definição de organização criminosa se torna vaga, fazendo com que diversos dispositivos da lei percam a eficácia, mesmo com a introdução da Lei 9.034/95, como o flagrante prorrogado (arts. 2º, inciso II), organização da polícia judiciária (art. 4º), identificação criminal (art. 5º), delação premiada (art. 6º), proibição de liberdade provisória (art. 7º) e progressão de regime (art.10º), sendo considerada assim uma lei morta (BRASIL, 1995).

Ao fixar a atipicidade do termo organização criminosa, foi definido um conceito vago, necessitando de “empréstimo” da Convenção de Palermo. Os tribunais de instâncias superiores concluíram que não é necessário verificar se a acusação contém todos os elementos essenciais para a existência teórica de um crime com autoria estabelecida, a fim de garantir o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa dos acusados.

3.1 O afastamento da convenção de palermo na visão dos tribunais superiores

Precipuamente, durante o RHC 121.835/PE no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do Ministro Celso de Mello, realizado em 13 de outubro de 2015, foi ressaltado que o dogma da reserva constitucional de lei, em sentido formal, é predominante, pois a Constituição da República identifica somente a lei interna como a única fonte formal e direta das regras de direito penal. Isso significa que as cláusulas de tipificação e cominação penais, destinadas à repressão estatal, estão submetidas ao âmbito das normas domésticas de direito penal incriminador, sendo, assim, regidas pelo princípio da reserva do Parlamento. Esta é uma visão sustentada pela doutrina e corroborada por precedentes.

Ou seja, constitucionalmente as convenções internacionais, como a Convenção de Palermo, não se classificam como fonte formal direta legitimadora de regulação normativa no tocante à tipificação de crimes e à cominação de pena, ofendendo o princípio da reserva legal expressa no artigo 5º, inciso XXXIX.

Dentro do julgamento do RHC 121.835/PE, argumentou-se a possibilidade da estabelecimento do crime de lavagem de capitais disposta na Lei 9.613/98, pressupõem como delito derivado, necessita a existência de crime principal como no caso das organizações criminosas para a qualificação do crime, não sendo equiparado ao crime de formação de quadrilha disposto no artigo 288 do Código Penal (BRASIL, 1940).

Eis o entendimento do Supremo Tribunal Federal como mencionado nas razões deste recurso de agravo, que a falta de uma lei formal que defina o crime de organização criminosa poderia ser suprida pela invocação da Convenção de Palermo. Isso seria suficiente para estabelecer, no âmbito da tipicidade penal – conforme sustentado pelo Ministério Público Federal -, a existência do crime de organização criminosa como infração penal antecedente, considerando o texto normativo da Lei n° 9.613/98 em sua redação original.

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu por unanimidade que é inviável que a classificação da conduta de organização criminosa seja delito derivado ao crime de lavagem, não podendo a Convenção de Palermo ser utilizada com um supridor de omissão legislativa para a definição de organização criminosa.

As decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça vêm sendo condizentes com as decisões articuladas pelo Supremo Tribunal Federal. No Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 473.442/RJ, publicado no dia 14 de novembro de 2018 sob a relatoria do Ministro Jorge Mussi, cita-se que o tipo penal descrito no artigo 1º da Lei de lavagem de capitais anterior à Lei nº 12.683/12 vinculava a conduta descrita no rol taxativo nos incisos do referido dispositivo, logo, caso a lavagem derivasse de outra prática delituosa, não era possível sua tipificação.

Além disso, anteriormente, a legislação brasileira não possuía uma definição específica para o crime de organização criminosa. Essa definição só foi estabelecida com a introdução da Lei 12.850/2013. (Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal) (BRASIL, 2013).

Por essa razão, começou-se a questionar se o texto normativo poderia constituir o crime de lavagem de dinheiro. Além disso, questionou-se se a regulamentação contida em acordos internacionais, como a Convenção de Palermo, seria suficiente para a aplicação da lei em questão (BRASIL, 2018).

De acordo com Martins (2010):

A hierarquia das normas internacionais pode ser analisada sob o ângulo de duas teorias: a teoria monista, que prega a unidade do sistema do Direito Internacional e do Direito interno do país, e a teoria dualista, que entende que existem duas ordens jurídicas distintas, a internacional e a interna.

Dentro dos aspectos da teoria monista, sustentam-se duas ramificações: (a) a existência da superioridade do direito internacional em relação ao direito interno, tese defendida por Haroldo Valladão e (b) ocorre uma equiparação entre os direitos, podendo a prevalência de uma fonte sobre a outra.

Em contrapartida, a teoria dualista define que a norma interna regula a norma internacional. Embora majoritariamente doutrinadores adotam a teoria monista, o Supremo Tribunal Federal em pronunciamento no acordão e na ADIn nº 1.480/DF.

4 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Inicialmente, o intuito de criação de lei de combate à lavagem de dinheiro tinha caráter preventivo e regulatório, no entanto, foi necessário implementar a criminalização da conduta por conta da intensificação de tal prática. Pode-se dizer que essa criminalização se deu em três etapas.

A primeira geração de leis considera crime de lavagem de dinheiro somente com a caracterização de ocultação e de que a dissimulação do capital seja que obtido através do tráfico ilícito de entorpecentes. Na segunda geração surge a ampliação dos crimes antecedentes, trazendo assim um rol taxativo.

Por último, a terceira geração extingue o rol taxativo de crimes antecedentes, considerando assim qualquer infração penal como conduta antecedente para a prática do crime de lavagem.

A criação da Lei 9.613/98 visa criar mecanismo de prevenção e junto com ela criou-se o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF. Entretanto, por meio da Lei 12.683/12 sofreu profundas alterações na sua estrutura legislativa, visto que a Lei de Lavagens se encontrava obsoleta e não estava surtindo o efeito desejado. O Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) compeliu o Brasil a aprimorar a legislação, por verificar poucas condenações, poucos confiscos e problemas sistêmicos no Judiciário, sendo que objetivo é tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de capitais.

Redação pretérita do art. 1º da Lei 9.613/98 prevê os meios de ocultação ou dissimulação de bens que são resultados direito ou indireto de crime previsto no rol taxativo, como por exemplo, a conduta praticada por organização criminosa (BRASIL, 1998).

Nova redação do Art. 1º da Lei 9.613/98, a expressão “crime” foi substituída por “infração penal”, de modo que qualquer infração, seja ela um crime ou uma contravenção penal, poderá configurar como crime antecedente na lavagem de capitais. Assim, torna-se mais eficiente a prevenção e persecução penal ao crime.

Quanto ao bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de dinheiro, a doutrina majoritária entende que seria o sistema econômico-financeiro, dado que tal prática traz como consequência o risco à ordem econômica, assim como a concorrência desleal, abuso do poder econômico e outros.

Tal mudança legislativa trouxe o aprimoramento das medidas assecuratórias e ampliação das pessoas físicas/jurídicas responsáveis pela comunicação de operações suspeitas, chamadas de torres de vigias (gaterkeepers).

Além disso, em se tratando de crime de lavagem de capitais, sendo insuficiente apenas evidenciar a existência de suporte probatório relacionado à dissimulação de ativos, direitos ou recursos financeiros., é também indispensável que a denúncia seja instruída com suporte probatório a demonstrar que esses montantes têm origem, de maneira direta ou indireta, em violações criminais. Há, portanto, reconhecida pela doutrina a dupla justa causa.

Ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e também quanto à infração precedente. A propósito, o artigo 2º, § 1º, da lei 9.613/98, estabelece que a acusação será acompanhada de evidências suficientes da existência de uma infração penal anterior. Os fatos previstos nesta lei são puníveis, mesmo que o autor seja desconhecido, isento de pena, ou a punibilidade da infração penal anterior tenha sido extinta. (BRASIL, 1998).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devido à globalização do mundo, a realização de tratados internacionais, convenções ou qualquer outra modalidade nas quais envolvam soberanias se tornou comum. Embora a teoria monista seja majoritária entre os doutrinadores, pode ser sustentado por duas vertentes: (a) a existência de superioridade do direito internacional com relação ao direito interno, tese defendida por Haroldo Valladão; (b) ocorre uma equiparação entre o direito interno e o direito internacional, podendo a prevalência de uma fonte sobre a outra. Em contrapartida, a teoria dualista define que não há a aplicação da norma internacional sem que a norma interna regulamente.

Desta forma, a criação da Lei 9.613/98, advinda da Convenção de Viena, que tinha como objetivo inicial a prevenção e a repressão à prática de lavagem de capitais, a fim de barrar seu crescimento, mostrou-se insuficiente e ineficaz quanto à aplicabilidade aos casos concretos.

Com isso, foram necessárias modificações legislativas para tornar eficaz sua aplicação. Por meio da Lei 12.850/13 exclui a taxatividade presente no artigo 1º da Lei 9.613/98, entre tais modificações a expressão crime foi substituída por infração penal, de modo que qualquer infração, seja ela um crime ou uma contravenção penal, poderá configurar como antecedente na lavagem de capitais, o que resultou em uma maior eficácia legislativa.

Anteriormente a revogação parcial da lei, a punição do delito derivado de organização criminosa eram temas muito discutidos nos tribunais, não alcançando seu êxito, assim como havia dificuldade em sua definição, devendo resgatar a definição dentro da Convenção de Palermo ou a definição prevista no artigo 288 de crime de quadrilha ou bando, o que tornava inviável sua aplicação, ferindo, assim, o princípio da legalidade.

Posto isso, apesar da corrente majoritária ser monista, sua aplicação pode limitar a capacidade de processamento da conduta, visto que em face do princípio da legalidade um tratado ou convenção internacional não possui competência para criar crime e culminar pena. Deste modo, ficou-se satisfeito com a decisão dos tribunais superiores quanto à taxatividade prevista, o que gerou espaço legislativo para que seja criada uma lei própria para a conduta de organização criminosa. A conduta de organização criminosa se tornou uma lei própria, deixando de ser crime derivado/antecedente e passando à categoria de crime autônomo.

REFERÊNCIAS

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Letícia Souza Fontes- Graduanda em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione
Orientador: Profº. Esp. Marco Túlio Rodrigues Lopes – Graduado em Direito pela Universidade Federal do Tocantins (2010). Especialista em Direito Tributário. Professor da Faculdade Católica Dom Orione2