ABANDONO AFETIVO E A RESPONSABILIDADE CIVIL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10341423


Carlos Eduardo Sousa De Carvalho


RESUMO

Este artigo examina o abandono afetivo no âmbito familiar e sua relação com a responsabilidade civil, analisando a possibilidade de responsabilização legal dos pais ou responsáveis pelos danos causados às crianças devido à falta de afeto. O estudo começa definindo o abandono afetivo e destaca seus impactos emocionais nas crianças, ressaltando a importância do afeto em seu desenvolvimento. Além disso, explora como o sistema legal brasileiro está evoluindo para lidar com essa questão sensível por meio de casos jurisprudenciais relevantes. O artigo também investiga os princípios da responsabilidade civil, incluindo os elementos essenciais, como ação, dano e nexo causal, e questiona se a falta de afeto por parte dos pais pode ser considerada um ato ilícito sujeito a responsabilização legal. Abordando perspectivas internacionais, destaca exemplos de outros países que já adotaram medidas legais semelhantes. O objetivo principal é aprofundar a compreensão da interseção entre abandono afetivo e responsabilidade civil e fomentar discussões e análises mais aprofundadas sobre políticas e legislações relacionadas ao tema no contexto familiar.

Palavras-Chaves: Abandono Afetivo. Responsabilidade Civil. Família. Crianças. Jurisprudência

  1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a explorar a complexa questão do abandono afetivo no contexto das relações familiares. Esta problemática transcende as esferas sociais e jurídicas, demandando uma análise minuciosa e interconectada, uma vez que afeta diretamente o bem-estar das crianças e levanta questões importantes sobre a responsabilidade civil. O abandono afetivo é caracterizado pelo desinteresse parental, manifestando-se quando pais ou responsáveis negligenciam o fornecimento do apoio emocional essencial para o desenvolvimento saudável de seus filhos, privando-os do afeto e da atenção necessários. As implicações desse fenômeno abrangem diversas dimensões da sociedade, desde o impacto direto nas vidas das crianças até os complexos aspectos legais envolvidos em sua avaliação.

Na esfera social, é inegável o impacto do abandono afetivo sobre o desenvolvimento psicológico e emocional das crianças. A ausência de afeto e apoio emocional pode resultar em sérias sequelas, afetando a autoestima, as habilidades de relacionamento e gerando transtornos emocionais, entre outros problemas. Portanto, é imprescindível abordar o abandono afetivo para assegurar que as crianças cresçam em ambientes familiares seguros e afetuosos.

No âmbito jurídico, o abandono afetivo suscita um debate complexo sobre a possibilidade de responsabilização civil dos pais ou responsáveis por suas ações ou omissões. A legislação brasileira, aliada à jurisprudência em constante evolução, busca enfrentar essa questão delicada. A determinação de se a falta de afeto constitui um ato ilícito passível de responsabilização civil é um tópico de discussão jurídica significativo. A evolução das estruturas familiares, incluindo famílias monoparentais e recompostas, torna essa discussão ainda mais complexa, dada a mutabilidade das relações entre crianças e pais ou cuidadores legais.

A importância jurídica do abandono afetivo é acentuada pelo papel do Estado na proteção dos direitos das crianças. As autoridades têm o dever de garantir que as crianças tenham um ambiente familiar saudável e afetuoso, o que justifica a intervenção legal para proteger seus interesses. Além disso, é válido analisar as abordagens adotadas em outros países em relação ao abandono afetivo e à responsabilidade civil, proporcionando perspectivas comparativas que enriquecem o debate no Brasil. Nesse contexto, é de extrema relevância se propor a examinar as implicações sociais e jurídicas do abandono afetivo, buscando contribuir para uma compreensão mais profunda desta problemática e promovendo relações familiares saudáveis, a proteção dos direitos das crianças e o enriquecimento do debate sobre responsabilidade civil no âmbito das relações familiares através deste artigo.

  1. OBJETIVOS

Este trabalho tem como propósito principal aprofundar a análise do fenômeno do abandono afetivo no contexto familiar e a sua relação com a responsabilidade civil, visando contribuir para uma compreensão abrangente das implicações jurídicas e sociais envolvidas nessa questão. No decorrer desta pesquisa, uma parte substancial do nosso foco estará voltada para a investigação das causas e manifestações do abandono afetivo no ambiente familiar. Isso envolverá a análise de casos concretos que ilustram de que maneira a negligência emocional afeta crianças e as consequências profundas que isso acarreta em termos psicológicos e emocionais.

Buscamos compreender como a privação de afeto e atenção pode prejudicar o desenvolvimento saudável das crianças, impactando sua autoestima, habilidades interpessoais e bem-estar emocional. Além disso, este trabalho tem a finalidade de examinar a evolução da legislação brasileira no que diz respeito ao abandono afetivo e à responsabilidade civil. Iremos destacar as mudanças e adaptações ocorridas na jurisprudência, oferecendo uma visão abrangente das transformações legais que tiveram lugar.

Outro objetivo essencial deste estudo consiste em avaliar as diferentes perspectivas doutrinárias que envolvem a responsabilização civil dos pais ou responsáveis legais em casos de abandono afetivo. Irei considerar cuidadosamente os elementos de ação ou omissão, dano e nexo de causalidade, analisando as interpretações variadas que prevalecem no âmbito jurídico. Além do contexto brasileiro, este trabalho também investigará a situação internacional. Será realizada uma análise comparativa com outros países que já implementaram medidas legais para responsabilizar pais pelo abandono afetivo, proporcionando valiosas perspectivas e insights que podem enriquecer o cenário nacional.

Este estudo também se dedicará a compreender o papel do Estado na proteção dos direitos das crianças, explorando políticas públicas e as ações das autoridades para garantir ambientes familiares saudáveis. Ao término dessa análise, este trabalho apresentará recomendações e sugestões com base nos resultados obtidos, visando ao aprimoramento do tratamento legal e social do abandono afetivo. Nossas conclusões têm como propósito contribuir para a proteção dos direitos das crianças e o estímulo a relacionamentos familiares saudáveis.

  1. JUSTIFICATIVAS

O abandono afetivo impacta diretamente no bem-estar das crianças, deixando marcas profundas em seu desenvolvimento. A falta de afeto e apoio emocional pode resultar em sérias sequelas psicológicas, tais como baixa autoestima, dificuldades nos relacionamentos interpessoais e transtornos emocionais. Logo, é imperativo compreender como esse fenômeno afeta as crianças e, mais importante, como preveni-lo. Além disso, a responsabilidade civil relacionada ao abandono afetivo é um tema jurídico de grande relevância, pois levanta complexas questões legais. A determinação de se a ausência de afeto pode ser considerada um ato ilícito, passível de responsabilização civil, é uma questão que demanda investigação e reflexão, especialmente em uma sociedade em constante evolução, com novas estruturas familiares emergindo, como famílias monoparentais e reconstituídas.

Os direitos das crianças, fundamentais em qualquer sociedade, estão no centro desse debate. O Estado tem a responsabilidade de proteger esses direitos, incluindo o direito a um ambiente familiar saudável e afetuoso. Portanto, o estudo do abandono afetivo é crucial para melhorar o sistema legal e garantir que os direitos das crianças sejam preservados e protegidos de maneira eficaz. Contudo, considerando que a dignidade da pessoa humana é valor fundamental do ordenamento pátrio, consagrado pela Constituição Federal de 1988, é certo que ela deve ser preservada em qualquer esfera de relacionamento, quer seja no âmbito familiar ou não.

havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando esta como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade dos seus membros. (BRANCO, 2006)

A análise de como outros países abordam o abandono afetivo e a responsabilidade civil também é essencial. Lições podem ser aprendidas com diferentes abordagens e melhores práticas, o que pode enriquecer o debate e contribuir para a formulação de políticas e leis mais eficazes no contexto brasileiro. Por fim, a importância de famílias saudáveis como alicerces de uma sociedade saudável não pode ser subestimada.

O abandono afetivo não afeta apenas as crianças, mas tem um impacto que se estende por toda a sociedade, contribuindo para problemas sociais e emocionais a longo prazo. Portanto, a pesquisa e a atenção acadêmica aprofundada nesse tema são cruciais para promover relações familiares saudáveis, proteger os direitos das crianças e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e saudável. A Constituição Federal, no artigo 229, estabelece as responsabilidades parentais, onde os pais têm o dever de prover cuidado, criação e educação para seus filhos menores, assim como os filhos adultos devem amparar seus pais em situações de necessidade decorrentes da velhice, carência ou doença.

Quando essas obrigações não são cumpridas, podem ocorrer crimes como o abandono material e intelectual, bem como, com base em jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o abandono afetivo. Essas infrações resultam em consequências legais, incluindo detenção e o pagamento de indenizações às vítimas. Os crimes de abandono material e intelectual estão contemplados no Código Penal brasileiro, mais especificamente no capítulo III, denominado “Dos crimes contra a assistência familiar”.

O abandono material ocorre quando um dos pais deixa de prover, sem justa causa, o sustento de seu filho menor de 18 anos, seja por não fornecer os recursos necessários, negligenciar o pagamento da pensão alimentícia estabelecida pela Justiça ou deixar de prestar assistência em casos de enfermidade grave. As penas para essa transgressão variam de um a quatro anos de detenção, além de multa cujo valor é determinado entre um e dez salários mínimos.

No caso do abandono intelectual, ele ocorre quando o pai, mãe ou responsável não assegura a educação primária de seu filho sem uma justificativa legítima. Isso visa garantir o direito à educação de todas as crianças e prevenir a evasão escolar. Nesse sentido, os pais têm a responsabilidade de garantir que seus filhos permaneçam na escola dos 4 aos 17 anos. A penalização para essa violação é de quinze dias a um mês de reclusão, além de multa. Além disso, outra forma de abandono intelectual estipulada pelo Código Penal é permitir que um menor frequente locais de jogos, conviva com pessoas viciosas ou de má reputação, participe de espetáculos inadequados, resida ou trabalhe em locais de prostituição, mendigue ou sirva como mendigo para suscitar compaixão pública.

O abandono afetivo configura-se quando se observa a indiferença emocional de um dos pais em relação aos filhos, mesmo na ausência de abandono material ou intelectual. Embora essa questão familiar sempre tenha existido na sociedade, somente nos últimos anos passou a ser tratada nos tribunais, por meio de ações em que as vítimas, os filhos, buscam indenizações por danos resultantes do abandono afetivo. Algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tendem a conceder indenizações, considerando o abandono afetivo como um descumprimento do dever legal de prover cuidado, criação, educação e companhia, princípios implicitamente estabelecidos na Constituição Federal.

No que diz respeito ao abandono de recém-nascidos, frequentemente divulgado pela mídia, trata-se de um crime previsto no artigo 134 do Código Penal, com penalidades que incluem detenção de até dois anos. Essa pena pode ser ampliada para até seis anos se o abandono resultar em lesões corporais graves ou na morte da criança. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 13, estipula que qualquer gestante que deseje entregar seu filho para adoção pode fazê-lo de maneira segura, com o respaldo do Poder Judiciário. Para isso, a gestante deve procurar a Vara da Infância, onde receberá apoio de uma equipe psicossocial e assistência jurídica fornecida pela defensoria pública.

  1. DESENVOLVIMENTO

A instituição familiar, como a forma mais antiga de organização social da humanidade, desempenha um papel vital na socialização das pessoas, transmitindo valores e ética desde tenra idade, formando a base da sociedade. No entanto, em 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou um estudo que chama a atenção para a situação das mulheres no Brasil. O estudo apontou que mais de 20 milhões de mulheres são mães solteiras, e mais de 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai registrado em suas certidões de nascimento. Além disso, mais de 40% das famílias têm mulheres como chefes. Embora a Constituição Federal e o Código Civil estabeleçam princípios para a estrutura e funcionamento das famílias no Brasil, é crucial reconhecer que a realidade das famílias brasileiras é variada e complexa.

Deve-se enfatizar que a família natural é anterior ao próprio Estado e transcende o direito positivo. Ela é uma construção cultural que abriga uma complexa estrutura psíquica, na qual cada membro ocupa um lugar e desempenha funções específicas, como o papel do pai, da mãe e dos filhos. Contudo, essas funções não estão necessariamente vinculadas por laços biológicos.

O que importa é o papel desempenhado por cada indivíduo na dinâmica familiar, independentemente de sua relação genética. O Artigo 227 da Constituição Federal, por sua vez, solidifica a base da proteção à família e aos direitos das crianças, independentemente de sua origem. Ele enfatiza a igualdade na relação entre pais e filhos, ressaltando que a família é a unidade fundamental da sociedade e essencial para a formação do caráter e desenvolvimento emocional das crianças.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)  (CF, 1988)

Dentro do campo do direito de família, encontramos regulamentações para uma ampla gama de aspectos pessoais e patrimoniais que surgem das relações entre os membros de uma entidade familiar. Isso abrange desde a celebração do casamento, incluindo sua validade e os efeitos que dele decorrem, até aspectos pessoais e econômicos resultantes do matrimônio, incluindo os procedimentos de dissolução (Código Civil Brasileiro, Artigos 1.511, 1.521, 1.566, 1.573, 1.575).

Além disso, o direito de família trata de questões relacionadas à união estável, às relações entre pais e filhos, ao vínculo do parentesco e aos institutos da tutela e curatela, que dizem respeito à proteção de menores e adultos incapazes (Código Civil Brasileiro, Artigos 1.723[1], 1.584)

CC – Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002
Institui o Código Civil.
SUBTÍTULO I
Do Casamento
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
I – decretada pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

A Constituição Federal estabelece princípios que devem nortear as relações familiares, e esses princípios são baseados nos valores sociais predominantes, visando garantir a dignidade de todas as pessoas envolvidas nas relações familiares. Dentre os princípios que orientam o direito de família, destacam-se a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a liberdade, a afetividade, a convivência familiar e o melhor interesse da criança (Código Civil Brasileiro, Artigos 1.596, 1.634).

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Da mesma forma, o estatuto da criança e do adolescente, em seu artigo 4º, tem como objetivo principal garantir a prioridade absoluta na realização dos direitos e na proteção integral de crianças e adolescentes. A responsabilidade de cuidar dos filhos, oferecendo apoio total, garantindo sua segurança e promovendo um crescimento saudável, recai sobre os pais.

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

(CC – Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002)

O Código Civil, no artigo 1.566, inciso IV, estipula que “ambos os cônjuges têm o dever de prover o sustento, a guarda e a educação de seus filhos”. No entanto, é lamentável que, após o término do casamento, muitos pais simplesmente ignorem não apenas a obrigação legal, mas também a responsabilidade emocional que possuem em relação aos filhos.

Portanto, o direito de família não se limita a um conjunto de regras e regulamentações. Ele também incorpora princípios éticos e sociais que moldam a forma como as relações familiares são tratadas no ordenamento jurídico. Esses princípios buscam o equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos individuais e a importância de preservar as relações familiares e a afetividade que permeia essas conexões. A família, em suas diversas configurações, é um componente essencial da sociedade, e o direito de família desempenha um papel crucial na garantia de seu funcionamento e na promoção do bem-estar de seus membros.

                   2.1.          ABANDONO AFETIVO

O princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares do Estado Democrático de Direito no Brasil, permeia todas as discussões sobre abandono afetivo e suas implicações legais. Essa premissa, consagrada na Constituição Federal do país, destaca a importância de proteger a dignidade e os direitos das pessoas em todas as esferas da sociedade. O princípio da afetividade, embora não expressamente mencionado na Constituição Federal de 1988, é discutido em relação à garantia da dignidade humana e solidariedade entre os cidadãos. Esse princípio tem relevância nas questões familiares, visto que o Estado tem a obrigação de assegurar o afeto entre seus cidadãos.

O abandono afetivo é um conceito de suma relevância que lança luz sobre uma situação delicada que pode surgir nas complexas dinâmicas familiares. Refere-se à ocorrência em que pais ou responsáveis legais deixam de fornecer o apoio emocional essencial para o saudável desenvolvimento de seus filhos. Essa situação se materializa quando as figuras parentais não conseguem ou deliberadamente optam por não oferecer o afeto, a atenção, o carinho e o suporte emocional de que as crianças em crescimento necessitam.

 A raiz desse conceito remonta ao campo da psicologia e do desenvolvimento infantil, onde profissionais reconheceram a importância do afeto como um elemento crucial para a formação saudável das crianças. O vínculo emocional entre pais e filhos é considerado um dos pilares do desenvolvimento infantil e do bem-estar psicológico. É a partir desse entendimento que o conceito de abandono afetivo emergiu, à medida que se observou os efeitos profundos da falta de apoio emocional na vida das crianças.

As manifestações do abandono afetivo podem assumir diversas formas, embora compartilhem a característica de privar a criança do suporte emocional necessário. Algumas dessas manifestações englobam a ausência de envolvimento emocional visível, o desinteresse pelas necessidades emocionais da criança e, frequentemente, a inexistência de laços afetivos significativos.

Nesse contexto, a Lei 8.069/90, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, assume um papel crucial. Seu Artigo 22 estabelece os deveres dos pais em relação ao sustento, guarda e educação de seus filhos menores. A lei obriga os pais a cumprir essas obrigações e a acatar as determinações judiciais no melhor interesse das crianças.

É fundamental compreender que o abandono afetivo não se limita somente à negligência emocional mais óbvia, como a ausência de demonstrações de carinho ou a falta física dos pais. Ele também pode se manifestar de maneiras mais sutis e subjetivas, incluindo a falta de comunicação emocional, a incapacidade dos pais de reconhecer e atender às necessidades emocionais da criança e a falta de envolvimento ativo na vida emocional dela. O abandono afetivo, caracterizado pela falta de afeto e cuidado dos pais, pode causar danos morais significativos às crianças e adolescentes. Esses danos, segundo a legislação, podem ser considerados como uma violação aos direitos da personalidade, afetando o desenvolvimento psicológico e emocional das crianças, as consequências do abandono afetivo para as crianças e adolescentes podem ser vastas e profundas.

Essas implicações podem abranger aspectos como a autoestima, com crianças que frequentemente desenvolvem uma visão negativa de si mesmas; as relações interpessoais, com dificuldades em formar conexões emocionais saudáveis; problemas de saúde mental, incluindo depressão e ansiedade; comportamentos de busca constante de atenção; desafios no desenvolvimento cognitivo, afetando o aprendizado; e uma maior vulnerabilidade a relacionamentos abusivos no futuro.

Além disso, o abandono afetivo pode influenciar o desempenho escolar, a saúde física e o desenvolvimento da identidade, tornando o entendimento desse conceito essencial para garantir um ambiente saudável e de apoio emocional para as crianças. A importância de oferecer um ambiente afetivamente seguro e apoiador para as crianças é indiscutível, pois isso não apenas influencia o seu desenvolvimento na infância, mas também tem repercussões significativas em sua vida adulta. Portanto, compreender as implicações do abandono afetivo é crucial para promover o bem-estar das crianças e adolescentes e construir relacionamentos familiares saudáveis e afetuosos.

                   2.2.          RESPONSABILIDADE CIVIL

Para abordar o abandono afetivo do ponto de vista legal, é essencial compreender os conceitos de responsabilidade civil e dano moral. A responsabilidade civil implica a existência de uma conduta que causa dano a outra parte, estabelecendo um nexo de causalidade entre a ação e o dano. No caso do abandono afetivo, a ausência de apoio emocional adequado pode ser considerada como uma conduta negligente.

A responsabilidade civil, muitas vezes referida como responsabilidade extracontratual, é um princípio jurídico fundamental que tem suas raízes no direito romano e desempenha um papel central nos sistemas legais em todo o mundo. Ela estabelece que uma pessoa ou entidade pode ser responsabilizada legalmente por reparar os danos causados a outra parte devido a uma ação inadequada ou omissão. É um conceito essencial para garantir que as pessoas sejam responsáveis por suas ações e que as vítimas de danos sejam compensadas adequadamente. Os elementos essenciais para a responsabilidade civil são bem estabelecidos e se aplicam universalmente. Em geral, são necessários três pressupostos para a responsabilização:

  • Ação ou Omissão:

A responsabilidade civil pode decorrer tanto de ações quanto de omissões. Ou seja, alguém pode ser responsabilizado por causar danos por meio de uma ação direta, como um motorista que provoca um acidente de trânsito devido à sua negligência, ou por não realizar uma ação que era legalmente obrigatória, como um médico que omite o atendimento a um paciente. O Código Civil Brasileiro, em seu Artigo 186, estabelece:

“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Portanto, no que diz respeito à possibilidade de conceder compensações por danos morais aos pais que negligenciam o cuidado de seus filhos, ainda não existe um consenso definitivo, estando sujeito a debate tanto na esfera doutrinária quanto nos tribunais.

  • Dano:

Para que ocorra a responsabilidade civil, é necessária a existência de um dano real e mensurável. Os danos podem ser materiais, como prejuízos financeiros ou físicos, ou imateriais, como danos morais decorrentes de difamação. A lei procura compensar a vítima pelos prejuízos efetivos que ela sofreu. O Código Civil Brasileiro, nos Artigos 927 e 944, estabelece que aquele que causar dano a outra pessoa, seja por ação ou omissão, fica obrigado a repará-lo, e a reparação deve ser integral, abrangendo o dano material e moral. A distinção entre dano moral objetivo e subjetivo é fundamental.

O dano moral objetivo não depende da consciência da parte afetada, enquanto o dano moral subjetivo está relacionado ao sofrimento emocional que afeta a pessoa de maneira subjetiva. No contexto do abandono afetivo, a lesão emocional da criança pode ser considerada um dano moral. A quantificação do dano moral envolve princípios de equidade, razoabilidade e proporcionalidade. A análise de cada caso requer consideração minuciosa desses princípios, levando em conta as circunstâncias econômicas das partes envolvidas.

CC – Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, Institui o Código Civil. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

CC – Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, Institui o Código Civil. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

  • Nexo de Causalidade:

Um elemento-chave na responsabilidade civil é o nexo de causalidade, que estabelece que a ação ou omissão foi a causa direta do dano. É fundamental demonstrar que o comportamento inadequado ou a omissão foram a razão pela qual o dano ocorreu. Isso é crucial para evitar responsabilizações injustas e garantir que a parte responsável seja identificada corretamente.

A responsabilidade civil é aplicada em diversas áreas do direito, incluindo a responsabilidade médica, responsabilidade do produto, responsabilidade contratual e extracontratual, entre outras. Em cada uma dessas áreas, os princípios fundamentais da responsabilidade civil permanecem os mesmos, com a necessidade de estabelecer os três elementos essenciais: ação ou omissão, dano e nexo de causalidade. Um exemplo clássico de aplicação da responsabilidade civil é o caso de negligência em um acidente de trânsito. Se um motorista age de forma imprudente, causando um acidente e resultando em danos materiais e lesões a outra parte, ele pode ser responsabilizado com base nos princípios da responsabilidade civil.

O propósito da responsabilidade civil no contexto legal é multifacetado. Ele visa fornecer uma forma de compensação para as vítimas, garantir que as partes responsáveis arquem com as consequências de suas ações ou omissões, dissuadir comportamentos inadequados ou negligentes e promover a justiça. Em última análise, a responsabilidade civil desempenha um papel fundamental na manutenção da ordem e da responsabilidade na sociedade e na proteção dos direitos individuais. Como tal, é um pilar do sistema legal que busca equilibrar os interesses das partes envolvidas, garantindo justiça e reparação adequada em casos de danos causados por condutas inadequadas.

                   2.3.          DISCUSSÃO NA DOUTRINA

A questão da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo é um tema complexo que tem gerado debates na doutrina jurídica, com diferentes abordagens e interpretações. A legislação brasileira, em particular, não possui artigos específicos que abordem o abandono afetivo de forma direta, o que levanta questões sobre como esse fenômeno deve ser tratado legalmente. Um dos principais debates no contexto legal gira em torno da possibilidade de responsabilizar civilmente os pais ou responsáveis por danos causados pelo abandono afetivo. A doutrina jurídica apresenta diferentes perspectivas sobre essa questão. Alguns autores defendem que a negligência no fornecimento de apoio emocional essencial para o desenvolvimento da criança deve ser considerada uma violação do dever parental, sujeita à responsabilidade civil.

Eles argumentam que isso é coerente com o Artigo 186 do Código Civil Brasileiro, que estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. No entanto, outros juristas argumentam que a aplicação estrita da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo pode ser problemática, dadas as complexidades envolvidas. Isso ocorre porque a avaliação dos danos emocionais é altamente subjetiva e a responsabilidade pode ser difícil de determinar.

A jurisprudência em constante evolução também desempenha um papel importante na definição da abordagem legal ao abandono afetivo. Os tribunais têm se pronunciado sobre casos relacionados a essa questão, estabelecendo precedentes que podem influenciar as decisões futuras. É importante destacar que, apesar da ausência de disposições específicas no Código Civil Brasileiro que abordem o abandono afetivo, os princípios gerais da responsabilidade civil podem ser aplicados a esses casos, considerando os pressupostos clássicos da responsabilidade civil, que incluem ação ou omissão, dano e nexo de causalidade.

Em resumo, a doutrina jurídica no Brasil apresenta diferentes perspectivas sobre a responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo, com base na interpretação dos princípios gerais do Código Civil e em precedentes judiciais. Essa é uma área do direito que continua a evoluir à medida que novos casos são apresentados e decisões são proferidas pelos tribunais.

  • JURISPRUDÊNCIA

A responsabilidade civil por abandono afetivo é um tema complexo e frequentemente debatido no contexto jurídico brasileiro. Trata-se da possibilidade de responsabilização de um genitor que, voluntariamente, deixa de cumprir com os deveres de afeto em relação aos seus filhos, causando prejuízos emocionais e psicológicos a eles. Essa questão levanta debates sobre os limites do Direito em interferir nas relações familiares e sobre a extensão da responsabilidade civil em casos que envolvem questões de cunho emocional.

No cenário brasileiro, o abandono afetivo é um tema que tem sido amplamente debatido em diversos âmbitos, tanto no campo jurídico quanto na esfera social. À medida que o Brasil avança na proteção dos direitos das crianças e no reconhecimento da importância do cuidado emocional como parte integral do desenvolvimento infantil, é oportuno empreender uma análise comparativa com outros países que já adotaram medidas legais específicas para responsabilizar os pais em casos de abandono afetivo.

No contexto legal do Brasil, o abandono afetivo é, em grande parte, tratado sob a ótica da responsabilidade civil. Os tribunais brasileiros têm sido chamados a julgar casos que envolvem a violação dos direitos da personalidade das crianças, embora o país ainda careça de uma legislação específica que regulamente o abandono afetivo.

Diferentemente, Portugal oferece um exemplo de regulamentação específica, por meio da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99). Essa legislação prevê a responsabilização legal de pais por negligência emocional e pela falta de apoio emocional adequado a seus filhos, fornecendo um quadro jurídico mais detalhado em comparação com o Brasil. Nos Estados Unidos, a abordagem do abandono afetivo varia de estado para estado, uma vez que o país não possui uma legislação federal uniforme sobre o assunto. Alguns estados reconhecem o conceito de “alienação parental”, que diz respeito à manipulação de um dos pais contra o outro, resultando em danos emocionais para a criança.

Na França, a lei considera o abandono moral como uma forma de violência psicológica e, portanto, sujeita a punições legais. Isso significa que os pais podem ser processados por abandono afetivo se causarem danos psicológicos às crianças por meio de negligência emocional. Por sua vez, a Argentina incorporou a questão do abandono afetivo em seu Código Civil e Comercial, estabelecendo o dever dos pais de cuidar de seus filhos, não apenas em termos materiais, mas também no aspecto emocional. A jurisprudência argentina tem reconhecido a possibilidade de ações judiciais por danos morais relacionados ao abandono afetivo.

Essas comparações evidenciam a diversidade de abordagens legais em diferentes países. Alguns têm legislações específicas para lidar com o abandono afetivo, enquanto outros dependem mais da jurisprudência e da interpretação dos tribunais. É inegável que essa análise comparativa se revela uma fonte valiosa de insights para futuras discussões legais, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Isso ocorre à medida que os países buscam aprimorar a proteção dos direitos das crianças e a responsabilização dos pais em relação ao abandono afetivo, adaptando-se às necessidades do contexto social e jurídico de cada nação.

Um caso que ganhou notoriedade e gerou debates públicos sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo no Brasil é o denominado “Caso Eloá”. Nesse caso, uma mãe moveu uma ação judicial contra o pai de sua filha, alegando que ele havia se afastado emocionalmente da criança, causando-lhe danos psicológicos. A mãe buscou uma indenização por danos morais em nome da filha. O caso gerou ampla cobertura midiática e discussões sobre a possibilidade de responsabilização civil por abandono afetivo.

No âmbito das decisões judiciais, encontramos divergências entre os tribunais brasileiros. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidiu a favor de uma filha que alegou abandono afetivo por parte de seu pai, determinando que ele indenizasse a filha por danos morais. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um recurso especial no qual considerou que não é possível responsabilizar civilmente um genitor pelo simples abandono afetivo, alegando que as relações familiares devem ser pautadas na afetividade, não na coerção legal. A questão do abandono afetivo também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277, o STF se pronunciou sobre a possibilidade de responsabilização civil por abandono afetivo. Nesse contexto, o tribunal considerou inconstitucional a hipótese de responsabilização, argumentando que a Constituição Federal não prevê tal cenário e que as relações familiares devem ser regidas por princípios de afetividade, não por coerção legal.

Essas decisões e casos reais refletem a controvérsia existente nos tribunais brasileiros em relação à responsabilidade civil por abandono afetivo. Alguns tribunais têm entendido que a indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo é cabível, enquanto outros consideram que a esfera familiar deve ser regulada por princípios de afetividade e não por coerção legal.

Belinda Mandelbaum, professora de Psicologia Social no Instituto de Psicologia da USP e coordenadora do Laboratório de Estudos da Família (LEFAM), argumenta que a ausência paterna resulta de um vínculo com a criança que, de alguma forma, não consegue prevalecer sobre outros interesses ou necessidades do pai. Nesse contexto, o pai deixa de desempenhar seu papel paterno, que pode abranger aspectos de natureza material, intelectual e afetiva – configurando, assim, três formas de negligência. Enquanto as duas primeiras são claramente tipificadas no Código Penal, a questão do abandono emocional começou a ser tratada nos tribunais apenas recentemente.

A negligência material se caracteriza quando um dos pais deixa de prover, sem justa causa, o sustento de seu filho menor de 18 anos, incluindo a falta de pagamento de pensão alimentícia ou a omissão em prestar assistência em casos de enfermidade grave. As penas para esse tipo de conduta variam de um a quatro anos de detenção, acompanhados de multa, cujo valor é fixado entre um e dez salários mínimos. Por outro lado, a negligência intelectual ocorre quando o responsável deixa de garantir a educação primária de seu filho dos 4 aos 17 anos, sem justificativa adequada, acarretando pena que abrange multa e reclusão de quinze dias a um mês.

A negligência afetiva, por sua vez, é caracterizada pela indiferença emocional de um dos pais em relação aos filhos, mesmo na ausência de negligência material ou intelectual. Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem emitido decisões que tendem a conceder indenizações com base na premissa de que a negligência afetiva representa uma violação do dever legal de prover cuidado, educação, orientação e companhia, princípios implicitamente estabelecidos na Constituição Federal de 1988.

Em suma, a responsabilidade civil por abandono afetivo é um tema jurídico complexo e em constante evolução no Brasil. A jurisprudência nessa área ainda está em desenvolvimento, refletindo o desafio de encontrar um equilíbrio entre a proteção dos direitos das crianças e a não interferência excessiva nas relações familiares.

  • METODOLOGIA

Neste estudo, utilizamos uma metodologia qualitativa e exploratória, enfocando uma extensa revisão bibliográfica e análise crítica de dados. Iniciamos com um amplo levantamento bibliográfico, consultando fontes confiáveis, como artigos acadêmicos, monografias, leis e jurisprudência em bibliotecas virtuais e bancos de dados acadêmicos. Extraímos informações relevantes, como teorias, conceitos, dados empíricos e estudos de caso relacionados às consequências legais do abandono afetivo.

Os dados coletados foram tratados, organizados e categorizados para facilitar a análise comparativa e a identificação de tendências. Realizamos uma revisão inicial para refinar a seleção dos materiais mais pertinentes. A etapa seguinte envolverá a redação do artigo jurídico, estruturando os resultados da revisão bibliográfica, análises críticas e conclusões de acordo com as normas acadêmicas. O objetivo é fornecer uma análise fundamentada das implicações legais do abandono afetivo, garantindo qualidade e confiabilidade, além de aprofundar a compreensão das consequências nas relações familiares e na sociedade em geral.

No processo de coleta de dados para este estudo, foram empregados vários métodos de pesquisa. Inicialmente, realizou-se um extenso levantamento bibliográfico em bibliotecas virtuais, bancos de dados acadêmicos e fontes confiáveis disponíveis na internet. Essa etapa envolveu a consulta a livros, artigos acadêmicos, monografias, leis e jurisprudência relacionados ao tema das consequências jurídicas do abandono afetivo. Além disso, foram considerados casos reais, extraídos de decisões judiciais que envolviam a responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo.

Para analisar os dados coletados, foi realizada uma revisão crítica e aprofundada da literatura jurídica, permitindo uma compreensão mais ampla do assunto. A análise comparativa dos materiais levantados ajudou na identificação de tendências, argumentos recorrentes e perspectivas divergentes relacionadas à responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo. A análise também abordou os elementos fundamentais necessários para a configuração da responsabilidade civil, como ação ou omissão voluntária, dano, nexo de causalidade e culpa, conforme definido pelo Código Civil brasileiro.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As principais conclusões deste estudo indicam que a responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo é um tópico complexo e sujeito a debates e divergências na doutrina e jurisprudência. Enquanto alguns juristas defendem a possibilidade de indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo, outros argumentam que essa responsabilidade não deve ser aplicada, a fim de preservar a autonomia das relações familiares. A jurisprudência brasileira tem proferido decisões divergentes sobre o assunto, e a questão ainda carece de uma posição consolidada nos tribunais.

É importante ressaltar que a análise crítica realizada neste estudo evidenciou a necessidade de uma abordagem equilibrada e sensível em relação à responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo, considerando os interesses das crianças e dos adolescentes envolvidos. A compreensão das nuances desse tema é fundamental para o desenvolvimento de políticas e práticas legais que busquem proteger os direitos e o bem-estar das partes afetadas, sem comprometer a importância das relações familiares e o princípio da afetividade.

É importante ressaltar que o tema do abandono afetivo não foi completamente pacificado em lei. Portanto, a decisão sobre casos de abandono afetivo permanece, em grande parte, sujeita à análise do judiciário e ao entendimento jurisprudencial. Isso realça a necessidade de cautela e prudência por parte dos juízes ao lidar com esses casos delicados, que envolvem a proteção da dignidade da pessoa humana e os direitos das crianças no contexto das relações familiares. Ao longo desta pesquisa sobre as consequências jurídicas do abandono afetivo, encontramos algumas limitações e desafios que moldaram nosso processo e os resultados alcançados. Um dos principais desafios foi a escassez de jurisprudência consolidada sobre o tema.

O cenário jurídico brasileiro apresenta uma variedade de decisões judiciais em relação à responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo, o que dificultou a análise crítica e limitou nossa capacidade de tirar conclusões definitivas. Além disso, a natureza evolutiva da jurisprudência foi um desafio significativo. Novas decisões judiciais podem influenciar a interpretação da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo, o que significa que nossas conclusões podem não refletir plenamente as tendências e desenvolvimentos futuros.

Questões éticas e subjetivas também surgiram como um obstáculo. Avaliar danos morais decorrentes de abandono afetivo é uma tarefa subjetiva e ética, sujeita a variações consideráveis de caso para caso. Isso representou um desafio no processo de análise crítica e na identificação de padrões consistentes. A falta de dados empíricos diretos relacionados aos casos de abandono afetivo foi outra limitação. A pesquisa se baseou principalmente em dados extraídos de fontes como literatura acadêmica e decisões judiciais, e a ausência de pesquisas empíricas limitou a profundidade de nossa análise.

Por fim, a diversidade de perspectivas envolvidas no tema do abandono afetivo, que inclui dimensões legais, psicológicas, sociológicas e éticas, apresentou um desafio. Embora esta pesquisa tenha se concentrado principalmente na perspectiva jurídica, a complexidade do tema pode demandar uma abordagem interdisciplinar mais ampla. É importante destacar que essas limitações e desafios não diminuem o valor da pesquisa. Pelo contrário, eles destacam áreas que merecem atenção contínua e futuras investigações. A pesquisa jurídica é um campo em constante evolução, e a consideração desses fatores pode orientar estudos futuros e melhorias nas análises legais e sociais relacionadas ao abandono afetivo.

  1. CONTRIBUIÇÕES E RECOMENDAÇÕES

Este trabalho de pesquisa traz importantes contribuições para o campo do Direito, focando na responsabilidade civil em casos de abandono afetivo. Ao longo do estudo, foram alcançados resultados que promovem uma compreensão mais profunda e detalhada das implicações jurídicas relacionadas a esse tema complexo. Uma das contribuições mais notáveis deste trabalho é a análise abrangente que aborda diversas dimensões do abandono afetivo. Isso incluiu uma revisão completa da literatura acadêmica, bem como uma investigação de casos reais e jurisprudência relevante. Essa abordagem proporcionou uma visão ampla e multifacetada do assunto, o que pode ser extremamente valioso para profissionais do Direito que lidam com casos de abandono afetivo.

Além disso, a base evidencial sólida deste estudo, construída a partir de uma extensa revisão bibliográfica e análise crítica de dados, garante a credibilidade das conclusões. Isso é fundamental para aqueles que buscam orientação jurídica embasada e confiável nessa área. Este trabalho também tem implicações práticas. Advogados, promotores e juízes que se deparam com casos de abandono afetivo podem se beneficiar das análises e conclusões apresentadas aqui. Isso os capacita a representar seus clientes de forma mais eficaz, com argumentos jurídicos mais embasados e insights sobre como os tribunais têm abordado esses casos em jurisdições específicas.

Além das contribuições diretas, este trabalho aponta caminhos para pesquisas futuras. Sugere investigações mais aprofundadas na dimensão psicológica desses casos, uma avaliação mais abrangente do impacto social das decisões legais, comparações com abordagens legais em jurisdições internacionais e esforços educacionais e de conscientização. Portanto, este estudo não apenas expande o entendimento atual sobre as consequências jurídicas do abandono afetivo, mas também serve como um trampolim para futuras pesquisas que podem aprimorar a abordagem da sociedade e do sistema jurídico a esse tema complexo e delicado.

REFERÊNCIAS

BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no Direito de Família. São Paulo: Método, 2006.

BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/legislacao

BANDEIRA, A. L.; BARROS, A. M. Os crimes contra a assistência familiar: as consequências do abandono afetivo paterno na vida da criança/adolescente. Revista Científica do UBM, v. 22, n. 42, p. 157-183, 6 jan. 2020. Acesso em: 19 de maio de 2023

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm;

BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art266. Acesso em: 29 de setembro de 2020

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil. 2018.

.


[1] CC – Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002

Institui o Código Civil.

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.