REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10240533
Pamela Somavila¹
Sidnei Teixeira Júnior²
Mariana Orzekovski³
Resumo: Introdução: o suicídio pode ser compreendido como um evento de violência contra si próprio, onde há consciência do resultado. Inicia-se na ideação suicida, onde alimenta-se pensamentos ou até planos com o objetivo de causar a própria morte, sendo aumentado de acordo com as vulnerabilidades apresentadas pelas mulheres. Objetivo: refletir sobre indicadores de vulnerabilidade feminina nas tentativas de suicídio de um município do sudoeste do Paraná presentes nas fichas de notificação individual de violência interpessoal/autoprovocada. Metodologia: pesquisa, quantitativa, descritiva, transversal, desenvolvida a partir das fichas de notificação compulsória violência autoprovocada. A população estudada foram 99 mulheres que foram atendidas pela tentativa de suicídio nos anos de 2015 e 2016. Resultados e discussão: a partir da análise das fichas de notificação, nota-se que as mulheres do lar, com baixa escolaridade, na faixa etária classificada como economicamente produtiva e residentes na zona urbana desenham o perfil da tentativa de suicídio nos anos de 2015 e 2016. A compreensão das dinâmicas em relação as emoções das mulheres favorecem a promoção e prevenção integral da saúde, assim compreender as suas vulnerabilidades que as mulheres são expostas, facilita na atuação da equipe de saúde, pois as mesmas, facilitam o processo de adoecimento e podem acarretar na tentativa de suicídio. Considerações finais: as mulheres estão mais susceptíveis a tentativa de suicídio devido as condições de vida que são submetidas, ao preconceito e discriminação de gênero, consequentemente ocasionadas devido as suas vulnerabilidades.
Palavras-chave: Mulheres, Tentativa de Suicídio, Vulnerabilidade.
Abstract: Introduction: suicide can be understood as an event of violence against oneself, where there is awareness of the result. It begins with suicidal ideation, where thoughts or even plans are entertained with the aim of causing one’s own death, increasing according to the vulnerabilities presented by women. Objective: to reflect on indicators of female vulnerability in suicide attempts in a municipality in southwestern Paraná present in individual notification forms of interpersonal/self-inflicted violence. Methodology: by-product of research developed based on compulsory suicide attempt notification forms, the population studied were 99 women who reported a suicide attempt in 2015 and 2016. Results and discussion: based on the analysis of the notification forms, it is noted that women at home, with low education, in the age group classified as economically productive and residing in urban areas outline the profile of attempted suicide in the years 2015 and 2016. Understanding the dynamics in relation to women’s emotions They favor the comprehensive promotion and prevention of health, thus understanding the vulnerabilities that women are exposed to, facilitates the actions of the health team, as they facilitate the illness process and can lead to a suicide attempt. Final considerations: women are more susceptible to attempted suicide due to the living conditions they are subjected to, gender prejudice and discrimination, consequently caused by vulnerabilities.
Keywords: Women, Suicide Attempt, Vulnerability.
Introdução
O suicídio pode ser compreendido como um evento de violência contra si próprio, onde há consciência do resultado. Inicia-se na ideação suicida, onde alimenta-se pensamentos ou até planos com o objetivo de causar a própria morte e, nestas situações, os pensamentos antecipam a ação, podendo ser passageira ou com um planejamento detalhado (Organização Mundial da Saúde, 2023; Meneghel et al, 2013; Barbosa, Macedo, Silveira, 2011).
Uma grande parcela das pessoas que alimentam esses pensamentos mórbidos, não chega a realizar a tentativa, ou quando realizam, utilizam meios menos agressivos, a fim de expor que o problema vivenciado chegou ao ápice (Ramos et al, 2019; Araújo, Vieira, Coutinho, 2010).
Os elevados índices das tentativas de suicídio tornam este tema um importante problema de saúde pública, sendo que o ato consumado corresponde a décima quinta causa de mortalidade mundial. Porém o campo de estudo das tentativas de suicídio não é vasto. Estima-se que uma parte considerável destes eventos, permaneça desconhecida pelos serviços de saúde ou até, subnotificada (Brasil, 2017; Meneghel, 2015).
É normal do ser humano pensar sobre o momento da morte. Tal ato faz parte do processo da vida. Mas quando se há uma elaboração para uma tentativa de autoextermínio, o fato torna-se mais concreto e preocupante, pois, ideações suicidas repetidas, formam um dos preditores para o suicídio (Meneghel et al, 2013).
Diversos são os determinantes para a tentativa de suicídio, sendo que as mulheres lideram o grupo de tentativas. As vulnerabilidades sociais e, principalmente, as de gênero, elucidam durante a vida das mulheres, pensamento de insuficiência, dependência e tristeza, embora não haja consenso em relação a eles (Trevisan, Santos, Oliveira, 2013).
No Brasil, os estudos caracterizam os homens como os maiores responsáveis pelos índices de ato consumado, enquanto as mulheres lideram as tentativas sem êxito, sendo que para cada suicídio consumado, estima-se cerca de vinte tentativas (Linhares et al, 2019).
As vulnerabilidades apresentadas pelas mulheres iniciam-se quando são taxadas como seres frágeis, seja por motivos sociais, pessoais ou econômicos. Igualmente quando são submetidas a situações de exclusão e até diminuídas perante o sexo masculino. Também pode ser considerado situações de perda de representatividade, sendo por questões de renda, moradia ou escolaridade. Envolvidas pelas vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas, estas mulheres são vítimas de um conjunto de fatores que as esgotam e as fazem vislumbrar o suicídio como a única saída, ou a mais simplificada, pois acreditam que desta forma conseguirão dar fim ao sofrimento e aos problemas vivenciados (Trevisan, 2010; França, Silva, 2016).
São por situações de vulnerabilidades, quando o medo e a tristeza somados no decorrer dos acontecimentos de qualquer idade vital, impulsiona os pensamentos e ideações suicida de mulheres que vislumbram a morte como possibilidade para evitar a dor. Perante o exposto, o objetivo deste trabalho é refletir sobre indicadores de vulnerabilidade feminina nas tentativas de suicídio de um município do sudoeste do Paraná presentes nas fichas de notificação individual de violência interpessoal/autoprovocada.
Material e Métodos
Trata-se de uma pesquisa quantitativa, descritiva, transversal, desenvolvida a partir da análise das fichas de notificações compulsórias de violência autoprovocada arquivadas no departamento de epidemiologia de um município do sudoeste do Paraná.
Os participantes do estudo foram todas as mulheres presentes nas fichas de notificação compulsória individual que tentaram ou praticaram o suicídio nos anos de 2015 e 2016.
A coleta de dados realizou-se através da análise das fichas de notificações compulsórias, preenchidas pelos profissionais das unidades básicas de saúde e hospitalar nos anos de 2015 e 2016. As fichas ficam sob pose do departamento de epidemiologia do município estudado.
As fichas contam com informações sobre a identidade do usuário, dados de perfil econômico e social, ocorrência da tentativa, evolução clínica, encaminhamentos e o desfecho do caso.
Os dados coletados foram inseridos em um banco de dados a partir do software epi-info 6 e tratados pelo software IBM SPSS Statistics 19. Foram analisadas 99 notificações, as quais foram descritas através da sua frequência, utilizando-se a epidemiologia descritiva (ROUQUAYROL, 2013).
A partir da distribuição das frequências, os dados descritivos foram analisados à luz dos indicadores de vulnerabilidades que representam impacto no universo feminino das tentativas de suicídio.
O projeto foi submetido à apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tecnológica do Paraná, sendo este, aprovado pelo parecer 2.225.268, CAAE: 70981717.0.0000.5547.
Resultados e Discussão
A amostra selecionada é constituída por 99 mulheres que foram atendidas por tentativa de suicídio em algum momento do ciclo vital entre os anos de 2015 e 2016. Nota-se que grande parte das mulheres que tentam suicídio, em algum momento da vida já passaram por situações que causaram angústia ou um tipo de sofrimento que não recebeu a devida atenção. Assim, levanta-se as vulnerabilidades como principais condicionantes que levam as mulheres a cometer o suicídio, sendo que na maioria das vezes são vítimas de torturas emocionais e físicas (Dantas, 2018; Santos, Diniz, 2018).
Tem-se em vista que o entendimento das dinâmicas em relação as emoções das mulheres favorecem a promoção e prevenção integral da saúde, assim, compreender as suas vulnerabilidades facilita na atuação da equipe de saúde em prol da saúde mental que pode estar sendo afetada (Trevisan, 2010).
Citado desde os anos 1980, o termo vulnerabilidade pode ser definido como a capacidade reduzida de proteção a si mesmo, juntamente com a soma de fatores biológicos, incluindo idade, sexo e genética, fatores culturais e sociais que são designados pelo estilo de vida abrangendo vida política, econômica, religiosa e educacional e fatores epidemiológicos, que remetem a chance de exposição do indivíduo a patologias. Onde a interação destes fatores pode reduzir ou ampliar o risco a exposição de uma enfermidade (Trevisan, 2010).
O termo vulnerabilidade pode ser dividido em três planos correlativos, a saber: vulnerabilidade social, individual e programática (Trevisan, 2010, apud Mann, Tarantola, Netter, 1999).
A vulnerabilidade social leva em conta a disponibilidade de recursos, o acesso do indivíduo a meios de comunicação, escolaridade, política, cultura e possibilidade de enfrentamento de novas barreiras, além de relações de gênero, etnias, entre gerações e crenças religiosas. Mensura também, a possibilidade de adaptação perante a obtenção, metabolização e incorporação de mudanças (Oliveira, 2004; Trevisan, 2010).
A vulnerabilidade individual refere-se as atitudes do indivíduo, suas práticas e crenças, além de mensurar a qualidade das informações que porta e como as utiliza no cotidiano, tendo em vista a possibilidade de transformá-las em atos de prevenção da saúde (Oliveira, 2004; Trevisan, 2010).
A vulnerabilidade programática diz mais sobre o governo, onde o mesmo possibilita aos indivíduos recursos de proteção, para que não fiquem expostos a danos e todos tenham acesso a medidas de prevenção e promoção a saúde. Quanto maior for o grau e comprometimento e qualidade nos programas de prevenção e cuidado, maiores são as chances de fortificar os indivíduos frente a agravos (Oliveira, 2004; Trevisan, 2010).
A vulnerabilidade que envolve o sexo feminino, o expõe ao adoecimento, mas não é resultante apenas da soma de fatores individuais, mas sim do coletivo, que gera uma suscetibilidade maior ao problema em questão, o que de modo simplificado, pode acarretar na tentativa de suicídio, decorrente da alta culpabilização por situações que são promovidas pelo coletivo sendo ele a família e/ou a sociedade (Dantas, 2018).
É a partir de situações de constrangimento e medo que mulheres do mundo todo pensam em tirar a própria vida, pois veem isso como o fim da dor que carregam pelas situações que passaram e passam todos os dias. No mundo todo, cerca de 800 mil pessoas morrem todos os anos devido ao suicídio e a cada 45 segundos, uma pessoa atenta contra a própria vida, sendo, na maioria dos casos, mulheres (Organização Mundial da Saúde, 2023).
As pessoas que atentam contra a própria vida não têm um perfil único. Não há um biotipo para o suicídio, todos estão sujeitos a sofrer alguma situação cessante ou contínua de estresse no decorrer da vida que desfrute pensamentos suicidas e até a tentativa. Porém, há algumas características comuns que podem agrupar mulheres que passam por sofrimentos semelhantes, provocados a partir das vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas e, que podem explicar o porquê esse fenômeno acontece tão frequentemente entre as mulheres.
Do total das 99 mulheres que atentaram contra a própria vida nos anos de 2015 e 2016, três (3%) mulheres residiam na zona rural, onde o trabalho é considerado muito diversificado, pois podem ajudar na produção de alimentos sendo consideradas economicamente ativas, ou podem ser subordinadas e depender da renda do cônjuge exercendo a profissão do lar (Spanevello et al, 2018).
O local de estudo conta com uma população de 48.247 habitantes de acordo com o último senso realizado no ano de 2022 (Brasil, 2022).
Representando uma das maiores cidades em extensão agrícola do estado, o mercado de trabalho na zona rural torna-se significativo, onde culturalmente o homem na maioria das propriedades era o responsável pela produção, alimentando o preconceito contra as mulheres, desencorajando-as de realizar ou auxiliar nas tarefas do agronegócio, restando para sua ocupação, o desenvolvimento das atividades do trabalho doméstico para manutenção do lar (Spanevello et al, 2018).
O trabalho no campo é marcado pela divisão de tarefas de acordo com o sexo, onde a discriminação de gênero é evidente. Desde antigamente há uma naturalização da subordinação da mulher ao homem, onde a produção das mulheres que é dedicada ao consumo da família, não é notada, pois não gera rendimento econômico e o trabalho que exercem, exigindo força física tanto quanto as tarefas masculinas, é considerado como ajuda ou extensão do serviço doméstico, pois as mesmas são consideradas responsáveis pelo lar e sua manutenção diária (Moretti et al., 2012; Spanevello et al, 2018).
A maioria das atividades desenvolvidas pelas mulheres que moram no campo, não têm visibilidade nem reconhecimento, o que as pode levar ao desencadeamento de doenças mentais depressivas, juntamente com a vida em comunidade difícil, devido a desvantagens demográficas e com menos contato social (Embrapa, 2012; Spanevello et al, 2018; Perreira et al, 2017).
O trabalho além de ser desvalorizado é desgastante, pois, geralmente exige esforço físico e não disponibiliza muitas oportunidades de escolhas, além de apresentar renda irregular, violência, pouco apoio social e a distância do meio urbano que, consequentemente, dificulta a obtenção de artigos e produtos. São motivos relevantes que podem influenciar negativamente a mulher a atentar contra a própria vida (Embrapa, 2012; Spanevello et al, 2018; Perreira et al, 2017).
Comparando historicamente, a zona urbana oferece uma melhor qualidade de vida em relação a zona rural, onde as políticas públicas e trabalhistas atingiram muito antes os moradores da cidade do que no campo. Além de uma infraestrutura melhorada, a zona urbana conta com um fácil acesso à educação e a saúde, porém o nível de alfabetização ainda é baixo em ambos os lugares (Heredia, Cintrão, 2006).
Neste estudo 95 (96%) mulheres que atentaram contra a própria vida residam na zona urbana. Cabe ressaltar que apesar da infraestrutura ser mais favorável no meio urbano, ainda deixa muito a desejar. Há muitas habitações que não contam com água tratada, rede esgoto e coleta de lixo, serviços básicos e essenciais para manter uma qualidade de vida adequada (Perreira et al, 2017).
O meio urbano tem a oferecer mais oportunidades de emprego, mas quando o nível de escolaridade é baixo, o leque se reduz, fazendo com as mulheres aceitem serviços de baixa valorização e grande esforço, mesmo que para apenas conseguir manter as necessidades básicas, o que com o tempo pode tornar-se um fator de desvantagem e desgaste para a saúde mental (Perreira et al, 2017).
Neste estudo o nível de escolaridade em relação às tentativas de suicídio demostrou que a maioria das mulheres que atentaram contra a própria vida tinham baixa instrução, podendo ter influenciado nas oportunidades de trabalho, levando-as muitas vezes, a aceitar funções que exigiam muito esforço e geram pouca renda, ocasionando um desgaste físico, quanto mental (Gastal et al, 2006).
A prevalência de doença mental como a depressão, segundo Gonçalves (2018), é mais incidente na população da zona urbana, especificadamente nas mulheres, devido as baixas condições financeiras e de escolaridade que, consequentemente, espelham um emprego não gratificante, induzindo as mulheres ao desenvolvimento de patologias mentais, onde muitas vezes evidenciam inequidade na atenção aos sintomas depressivos que consequentemente não são tratados pela saúde (Gonçalves et al, 2018).
A vida das mulheres vem sofrendo mudanças relevantes desde o século XX, sendo elas sociais, educacionais e tecnológicas. Com a busca de seus direitos, a condição social da mulher passou por modificações, redefinindo os papéis perante a sociedade, conquistando o direito de exercer a cidadania, com acesso à educação de qualidade, a vida economicamente ativa e a independência (Gastal et al, 2006).
A idade das mulheres variou de 10 a 65 anos, sendo que 63 casos (63,7%) ocorreram na faixa etária classificada como economicamente produtiva. Predominantemente é nesta faixa etária que ocorre a inserção feminina no mercado de trabalho e que pode ser marcada por desigualdades salariais, pela injustiça no desenvolvimento de algumas atividades que, muitas vezes no imaginário social, não são permitidas as mulheres. Isso pode reduzir uma porção significativa de oportunidades, levando as mulheres a se inserirem no mercado informal (Gastal et al, 2006; Senicato, Azevedo, Barros, 2018).
Além das alterações hormonais que são submetidas nestas faixas etárias como os períodos pré-menstruais, gestação, pós-parto e menopausa, as mulheres ficam expostas as desigualdades de gênero, a sobrecarga do trabalho, organização e manutenção do lar. Estas alterações podem acarretar no desenvolvimento de patologias depressivas, as quais podem potencializar os pensamentos de insuficiência e inutilidade levando a tentativa de suicídio (Senicato, Azevedo, Barros, 2018).
Deu-se também um significativo número de casos na pré-adolescência e na adolescência com 25 tentativas. Este dado pode ser relacionado ao início da vida social, quando muitas das adolescentes têm o primeiro contato com álcool e outras drogas, estando mais susceptíveis a desilusões amorosas, sentimentos de rebeldia e sendo facilmente influenciados por não mensurarem a realidade das consequências de cada ato (Senicato, Azevedo, Barros, 2018).
Cada ciclo vital compreende uma trajetória, onde cada mulher irá vivenciar de maneira diferente, sendo assim, na fase idosa, a partir dos 60 anos, as mulheres já vivenciaram muitas experiências, sendo elas positivas ou negativas. Começam a desenvolver pensamentos de inutilidade, pois, muitas não conseguem desenvolver todas as atividades sem ajuda, como por exemplo, atividades laborais. Neste estudo três mulheres acima dos 60 anos atentaram contra a própria vida (Meneghel et al, 2012).
Como mencionado, a hierarquia entre os sexos tem influência muito relevante durante a vida das mulheres, o que na terceira idade, é vista como um fator predisponente a tentativa do suicídio, pois o elevando índice de mulheres que foram e ainda são subordinadas aos homens é preocupante. O imaginário social versa que o papel da mulher até na vida idosa é zelar pela família, pelo marido e pelos filhos, mesmo estando com os problemas iguais ou até maiores. Neste sentido a chance do desenvolvimento de patologias graves que incentivem a tentativa de suicídio é alta (Meneghel et al, 2012).
Durante toda a vida, as mulheres carregam consigo um grande fardo, pois desempenham vários papéis ao mesmo tempo, quando assumem a maternidade, como esposas, educadoras e trabalhadoras. Lutam contra o preconceito nas atividades lucrativas, pois a sociedade impôs desde os tempos antigos que a mulher não é capaz de desenvolver todos os tipos de atividades perante os homens. Hoje a figura feminina na sociedade é vista maneira diferente, o preconceito foi reduzido, mas ainda existe (Meneghel et al, 2012).
Muitas optam pelo cuidado do lar e da família, enquanto outras buscam a satisfação em suas vidas profissionais, mas todas lutam por uma vida tranquila e que atenda às necessidades básicas. Porém as intercorrências podem acontecer para qualquer faixa etária. Traumas sofridos na infância podem ter seu estopim na adolescência, como na vida adulta. Tudo age de acordo de como a mulher percebe tais situações de violência as quais foi submetida (Meneghel et al, 2012).
Dos pensamentos suicidas, 90% podem ser oriundos do desenvolvimento de uma patologia mental decorrente de situações desagradáveis constantes e não tratadas. Estas patologias vitimam mulheres de todas as faixas etárias e revela que podem ter sofrido violência física, sexual ou psicológica em qualquer fase da vida, mas que provavelmente, não buscaram ajuda devido ao medo e ao tabu a cerca dessas problemáticas. Acreditando na mudança e movidas pelo medo, utilizam todas as suas forças no sentido de terminar com o sofrimento e vêem o suicídio como a única saída (Meneghel et al, 2012).
Da situação profissional predominante das mulheres, 41% das notificações, referiam ser do lar. Têm-se conhecimento que as tarefas realizadas nesta atividade não rendem lucros financeiros, mas compõe uma parte essencial na vida da família, a manutenção primordial diária do lar.
Neste ponto a análise das vulnerabilidades femininas se torna complexa, uma vez que inclui vários princípios que envolvem a desigualdade de gênero, tais como a violência sexual, física, verbal e doméstica, condições de recurso desfavorável, ausência de fonte de renda, ameaças e privação da liberdade (Silva et al, 2021).
Este estigma criado com a desigualdade de gênero vem sendo alimentado há muitos anos, onde a construção social era baseada na submissão da mulher ao homem. A desigualdade começa na demarcação de papeis sociais, vista como desfavorável as mulheres, compondo diferentes graus de discriminação feminina, as excluindo da vida social fundamental e limitando sua liberdade ao que os convém (Barros, 2014).
Marcadas pelos baixos salários em relação aos homens, as mulheres historicamente são vistas como menos capazes ou até incapazes de realizar certas tarefas. Em consequência desse abuso, tornam-se dependentes do homem para a manutenção das contas do lar e pela alimentação diária. Muitas vezes, são obrigadas a deixar sua liberdade para tomar conta da família e do lar, sendo esta convivência harmoniosa ou agressiva (Barros, 2014).
Vista pela literatura como uma situação ocupacional desfavorável, grande parte das mulheres do lar são expostas a eventos estressores, na maior parte da vida, devido a invisibilidade de suas funções, pois seu trabalho não constitui renda a família e, muitas vezes não é percebido como essencial. Além da falta de valorização por parte da família, o trabalho doméstico torna-se uma tarefa sem fim, pois todos os dias as atividades são as mesmas e produto final do trabalho não existe (Trevisan, Santos, Oliveira, 2013).
A exposição continuada ao estres, desvalorização, desrespeito e a violência, são situações que cercam as mulheres e podem impulsioná-las a tentar suicídio. A subordinação ao cônjuge e a dependência afetiva, são fatores que podem leva-las a ver o suicídio como a saída mais pertinente para terminar com a dor do momento, seja ela acumulada de tempos ou não. Os medos, juntamente com as frustações, tornam o abandono do lar uma saída difícil, sendo assim, desapegam-se da vida (Meneghel et al, 2013).
Em se tratar de nível de escolaridade analisa-se os fatores individuais para vulnerabilidade social e programática, onde nota-se a falta de recurso e informações para o enfrentamento da problemática em questão (Trevisan, 2010).
Das mulheres notificadas, 40 (40,4%) apresentaram ensino básico incompleto sendo a maioria dos casos, 5 (5,1%) não haviam terminado o ensino médio e 6 (6,1%) delas eram analfabetas. Isso remete a pensar que o nível de escolaridade afeta diretamente a qualidade de vida, o que associado com a condição socioeconômica, gera um nível de estresse elevado na vida das mulheres que não tem a renda que desejam ou a ocupação profissional almejada, sendo este, um gatilho para a ideação suicida (Dantas, 2018).
Quando o grau de instrução é considerado baixo, há um alto índice de vulnerabilidade. A falta de qualificação profissional faz com que a mulher aceite condições de vida que podem trazer malefícios, mas por não ter oportunidade de estudo ou até de trabalho, submetem-se aos cônjuges, sendo que muitas vezes são humilhadas e as tarefas domésticas que realizam não são consideradas (Dantas, 2018).
Cabe ressaltar que mulheres com maior nível de alfabetização, também tentam suicídio. Em um índice menor, 2 (2%) mulheres tinham ensino superior, 21 (21,2%) apresentavam ensino básico completo e 8 (8,1%) delas completou o ensino médio. As condições de vida podem propiciar a ideação, planos frustrados, objetivos não alcançados. Tendo em vista que a ideação suicida pode atingir qualquer pessoa (Trevisan, 2010).
As vulnerabilidades que cercam estas mulheres as fazem ver o suicídio como uma saída fácil e rápida, pois, muitas vezes, não se encaixam nos padrões exigidos na sociedade e, poucas são as oportunidades que estas mulheres tem, para buscar pelos seus anseios. Geralmente são mais repreendidas do que ouvidas, potencializando os agravos referente a diminuição da autoestima (Trevisan, 2010).
Considerações Finais
As mulheres estão mais susceptíveis a tentativa de suicídio devido às condições de vida que são submetidas, ao preconceito e a discriminação de gênero, percebidas através das vulnerabilidades apresentadas por elas e explanadas pelos dados apresentados do município estudado.
Diante das evidências literárias, torna-se fundamental o acompanhamento de mulheres que apresentam vulnerabilidades ou sinais de doenças mentais que podem ter a tentativa de suicídio como consequência. Sendo o suicídio um importante problema de saúde pública, são necessárias medidas para prevenção e promoção da saúde.
Os resultados obtidos neste trabalho podem auxiliar no desenvolvimento de novas pesquisas a respeito do assunto na região ou estado. Tendo em vista que a tentativa de suicídio é um acontecimento multicausal, que impacta e desestabiliza os usuários envolvidos. Neste âmbito, é necessária a reprodução de estudos que visem entender esta dinâmica, promovendo prevenção e auxiliando na assistência e cuidados destinados a estes usuários.
Devido a gravidade da tentativa de suicídio, é necessário que as políticas e os formuladores das mesmas se atentem para medidas de prevenção ágeis e resolutivas, que amparem as mulheres que mantém estes pensamentos, pois a omissão pode gerar mais tentativas e consequentemente aumentar o índice de casos consumados. Reconhecendo os fatores de risco que levam as mulheres a cometer o ato, as possibilidades de oferta de ajuda ampliam-se e as chances de reversão destes quadros aumentam, diminuindo o sofrimento de todos os envolvidos.
Este estudo traz informações que corroboram para a sensibilização dos gestores e profissionais de saúde para que compreendam a importância da notificação quando o ato de violência contra si próprio é cometido e, assim cria-se um banco de dados que pode auxiliar no desenvolvimento de ações que visam à prevenção do ato.
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