EFICIÊNCIA DA MAMOGRAFIA PARA O RASTREAMENTO DO CÂNCER DE MAMA

EFFICIENCY OF MAMMOGRAPHY FOR BREAST CANCER SCREENING

EFICIENCIA DE LA MAMOGRAFÍA PARA EL SEGUIMIENTO DEL CÁNCER DE MAMA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10205996


Luísa Tonin Sartoretto
Marcela Aparecida Brolini Mereth
Gabriela Potrich Costa
Sérgio Ricardo Severo Posser
João Victor Dayrell Machado


Resumo: O presente estudo trata de uma revisão integrativa de literatura, a qual tem o objetivo de avaliar a eficiência da mamografia na redução da mortalidade por câncer de mama e quanto a um possível excesso de diagnóstico de câncer, fenômeno que doravante será chamado pelo termo consagrado “overdiagnosis”. Além disso, avaliará quais são as mulheres da população em geral que devem se submeter à mamografia de rastreamento, bem como a frequência que deve ser realizado esse exame. As questões centrais de pesquisa são: diante dos números de overdiagnosis da mamografia, qual subgrupo de mulheres da população geral deve realizar mamografia de rastreamento e com que frequência? A mamografia é eficaz para detecção precoce de câncer de mama? Foram selecionados os descritores de saúde para a pesquisa de artigos através da técnica PICO. Posteriormente, foram selecionados os critérios de inclusão, exclusão e selecionado os artigos a serem analisados. Os resultados apontam que não há consenso na literatura nacional e internacional, mas que a mamografia ainda figura como um dos principais exames para detecção precoce de câncer de mama e sua realização é essencial para o tratamento adequado da doença. 

Palavras-chave: mamografia de rastreamento; câncer de mama; overdiagnosis.

Abstract: This study is an integrative literature review, which aims to evaluate the efficiency of mammography in reducing mortality from breast cancer and regarding a possible excess of cancer diagnosis, a phenomenon that will henceforth be called by the established term “ overdiagnosis”. In addition, it will assess which women in the general population should undergo screening mammography, as well as how often this exam should be performed. The central research questions are: given the numbers of mammography overdiagnosis, which subgroup of women in the general population should undergo screening mammography and how often? Is mammography effective for early detection of breast cancer? Health descriptors were selected for article research using the PICO technique. Subsequently, the inclusion and exclusion criteria were selected and the articles to be analyzed were selected. The results indicate that there is no consensus in the national and international literature, but that mammography still appears as one of the main tests for early detection of breast cancer and its performance is essential for the adequate treatment of the disease.

Key-words: screening mammography; breast cancer; overdiagnosis.

Resumen: El presente estudio es una revisión integrativa de la literatura, que tiene como objetivo evaluar la eficiencia de la mamografía en la reducción de la mortalidad por cáncer de mama y frente a un posible exceso de diagnóstico de cáncer, fenómeno que en adelante será denominado con el término establecido de “overdiagnosis”. Además, se valorará qué mujeres de la población general deben someterse a una mamografía de cribado, así como con qué frecuencia se debe realizar este examen. Las preguntas centrales de la investigación son: dadas las cifras de overdiagnosis por mamografía, ¿qué subgrupo de mujeres de la población general deberían someterse a mamografías de detección y con qué frecuencia? ¿Es eficaz la mamografía para la detección temprana del cáncer de mama? Los descriptores de salud fueron seleccionados para la investigación de artículos mediante la técnica PICO. Posteriormente se seleccionaron los criterios de inclusión y exclusión y se seleccionaron los artículos a analizar. Los resultados indican que no existe consenso en la literatura nacional e internacional, pero que la mamografía aún aparece como una de las principales pruebas para la detección temprana del cáncer de mama y su realización es fundamental para el adecuado tratamiento de la enfermedad.

Palabras-clave: mamografía de detección; cáncer de mama; overdiagnosis.

Introdução 

A revolução industrial e tecnológica ocasionou o aumento da expectativa de vida, a diminuição da mortalidade e, consequentemente, o envelhecimento da população. O avanço tecnológico da medicina reflete na alteração da morbi-mortalidade, onde as doenças infeccionas se tornam coadjuvantes face à presença cada vez maior de neoplasias, doenças cardiovasculares e degenerativas (Santos; Chubaci, 2011). No Brasil, a terceira maior causa de morte em idosos são as neoplasias e, dentre essas, destaca-se o câncer de mama. De acordo com Ancelle (2006), 60% dos casos de câncer de mama são detectados de forma tardia e apresentam maior ocorrência conforme avança a idade. Nesse cenário, a realização do diagnóstico precoce melhora o tratamento e diminui a mortalidade (Araújo et. al., 2006). Dentre as metodologias mais comuns para o diagnóstico do câncer de mama estão o autoexame das mamas, exames clínicos e a mamografia, sendo essa última a de maior eficácia (Santos; Chubaci, 2011). 

A mamografia consiste em um exame radiológico que utiliza um aparelho (mamógrafo) que fornece uma imagem com que abrange todo o tecido mamário, onde constam alterações celulares que podem detectar doenças precoces (Espadaro et. al., 2019). Esse exame foi criado em 1913 pelo alemão Albert Salomon, quando realizou raio-x das mamas e, posteriormente, mastectomia, encontrando algumas microcalcificações (Kalaf, 2014). Depois, em 1930, foi realizada, em Nova Iorque, a primeira mamografia em um paciente, a cargo do radiologista Stafford Warren. A partir disso, diversos avanços foram conquistados, dos quais destacamos: o estudo HIP (Health Insurance Plan, Nova York), que apontou que a mamografia reduz a mortalidade do câncer de mama nas mulheres; o trabalho de Charles Gross, de 1965, que diferenciou parênquima, gordura e microcalcificações na imagem da mamografia; e o trabalho de László Tabár, de 1985, quando publicou um estudo realizado através do acompanhamento mamográfico de 134.867 mulheres entre 40 e 79 anos, cujos resultados apontaram para a redução de 30% da mortalidade (Kalaf, 2014; Loberg et. al., 2015).

Hoje, a mamografia é utilizada para rastreamento de neoplasia no tecido mamário, além de ser útil também na identificação de áreas suspeitas para posterior biópsia. Trata de um exame rápido, sensível e resolutivo que, com apenas quatro imagens (duas de cada mama), apresenta resultados suficientes para diversas conclusões sobre o estado de saúde das pacientes (Espadaro et. al., 2019). Porém, alguns estudos são contrários à utilização da mamografia para o rastreio de neoplasias, sob o argumento de que os tumores crescem lentamente, não produzem sintomas e, supostamente, jamais seriam descobertos sem o exame. Tais condições acabam por gerar resultados falsos-positivos, corroborando à ansiedade e angústia das pacientes, além de tratamentos desnecessários (Loberg et. al., 2015; Niel et. al., 2017; Lannin, 2018). 

Diante desse cenário, se faz pertinente uma revisão integrativa de literatura para verificar se a realização do exame radiológico das mamas ainda é eficaz para o rastreamento e a prevenção do câncer de mama e, se sim, com que periodicidade o mesmo deve ser realizado. A pertinência dessa investigação se justifica pois, apesar da excelência da mamografia para o rastreamento de tumores na mama, até 30% deles podem não ser detectados pela densidade do tecido mamário ou pela má conduta do exame (Majid et. al., 2003). Além disso, existem estudos que sugerem que a mamografia é responsável por muitos casos de sobre diagnósticos (overdiagnosis), isso é, tumores de crescimento lento que são tratados desnecessariamente. Portanto, uma revisão sistemática de literatura pode auxiliar os profissionais na melhor escolha sobre o momento de realização do exame e a frequência com que esse deve ser indicado às pacientes, para evitar casos de overdiagnosis e o índice de tratamentos desnecessários. 

Fundamentação teórica

A mama é formada por lóbulos, alvéolos e ácinos, sendo que a glândula mamária é constituída pelos sistemas lobular e ductal. Cada uma delas é composta por 20 a 40 lóbulos em cada lóbulo e possui 10 a 100 alvéolos (ácinos). Os lóbulos são as unidades morfofuncionais da mama, enquanto os alvéolos são as unidades secretoras em repouso e os ácinos são as unidades secretoras desenvolvidas na gravidez e na lactação. Cabe ressaltar que a mama sofre diferentes modificações nas distintas faixas etárias da vida da mulher. Na paciente jovem, há predomínio do tecido de sustentação e glandular. Conforme a idade avança, inicia o processo de liposubstituição que envolve a atrofia da glândula e o aumento do tecido adiposo e conjuntivo (Fonseca; Sá, 2018).

O processo de lipossubstituição está associado a fatores genéticos que podem favorecer o aparecimento de afecções mamárias, como neoplasias do tecido mamário. Fatores como história familiar, idade acima de 40 anos, raça branca, mutações em genes como BRCA 1 e 2, doença de Cowden, fatores ambientais, história menstrual (menarca precoce e menopausa tardia), história obstétrica (nulidade e primiparidade idosa), consumo de bebidas alcoólicas, uso de anticoncepcionais orais, terapia hormonal, entre outros podem estar associados a esses processos (Alves, 2011; Rocha et. al., 2013).

Já o câncer de mama propriamente dito é uma neoplasia que envolve alguns genes e inúmeros outros fatores. Há um fator genético possível, que se expressa quando a doença se inicia a partir de uma mutação na unidade ducto lobular, em que há mais suscetibilidade para danos do DNA e mais reparações. Outros fenômenos multifatoriais podem decorrer da interação de mecanismos endócrinos, ambientais e nutricionais. No câncer de mama há uma proliferação incontrolável de células anormais do tecido mamário que pode abranger tanto os lóbulos quanto os ductos. Esse carcinoma pode ter potencial elevado de morbimortalidade e por isso a detecção precoce aumenta a taxa de sobrevida e gera um melhor prognóstico (Silveira et. al., 2012).

No que tange ao rastreamento mamográfico, temos que a mamografia é um exame radiológico realizado nas mamas, que pode ser convencional (MC) ou digital (MD) direta ou indireta. Foi constatado que, em mulheres com idade inferior a 50 anos, a performance da mamografia digital é considerada melhor se comparada à convencional devido à densidade da mama (Espadaro et. al., 2019). Atualmente temos inúmeros avanços acerca da visualização das imagens mamográficas, como, por exemplo, a mamografia com contraste, a tomossíntese e a Positron Emission Tomography (PET). O contraste permite visualizar mais claramente as alterações vasculares. A tomossíntese aumenta e melhora a detecção de diagnóstico de câncer em mulheres com mamas radiodensas e/ou fibrocísticas, permitindo a obtenção de vários planos da mama e, assim, melhorando a visualização de estruturas suspeitas ou ocultas pela sobreposição de tecidos mais densos. Já a PET utiliza da marcação de moléculas de glicose com isótopo radioativo de flúor para acompanhar e registrar a captação desta pelas células. Além disso, avalia os índices de acumulação (efeito Warburg), tornando-se um importante marcador biológico tumoral. Outro marcador que se apresenta bastante promissor em PET/PEM é a FLT (18-fluoro-L-timidina), cuja captação é menos sensível a áreas de inflamação ou danos recentes, como as biópsias (Kalaf, 2014). 

A mamografia é o primeiro exame realizado na paciente para iniciar o rastreio do câncer de mama e o mais efetivo para esse fim, tornando-se um exame padrão ouro para a detecção precoce (ACR, 2016). Em um contexto global, há certa semelhança entre as recomendações para a realização do rastreio do câncer de mama. Ao estudar recomendações em países como Estados Unidos, Luxemburgo, Suíça, Noruega, Países Baixos, Alemanha, Suécia, Irlanda, Áustria, Dinamarca, Bélgica, Canadá, Austrália, França, Japão, Islândia, Reino Unido, Finlândia, Nova Zelândia, Itália e Espanha, Khrouf et. al. (2020) identificaram que a maioria dos países recomenda o início do rastreio na faixa de 50 a 69 anos de idade, com frequência de exames realizada a cada dois anos. Nessa lista, apenas o Japão não especifica a faixa etária e o Reino Unido recomenda período de rastreamento mais longo, a cada três anos.

No Brasil, o rastreamento do câncer de mama, bem como sua recomendação, adentrou o campo das políticas públicas a partir de 2004 (Migowski et. al., 2018). A publicação Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil indica que o rastreamento deve ser ofertado a mulheres entre 50 e 69 anos, uma vez a cada dois anos, seguindo as diretrizes internacionais. Porém, as associações técnicas, como a Sociedade Brasileira de Mastologia e a Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia entendem que o rastreamento deve iniciar a partir dos 40 anos e que esse seja realizado com frequência anual. No caso de mulheres com prevalência de história familiar de câncer de mama em parentes de primeiro grau, as associações recomendam o início do rastreio aos 35 anos (Migowski et. al., 2018; INCA, 2019). 

Independente da recomendação, entendemos que é indispensável que a mamografia seja realizadas pelas mulheres e que é papel do poder público e dos profissionais da área conscientizar a sociedade sobre a importância do rastreamento, pois essa afecção traz uma série de prejuízos para a saúde física e emocional das mulheres, além do aumento dos gastos públicos. As mulheres devem ser informadas sobre os riscos e benefícios da realização da mamografia, e sua realização deve ser uma decisão compartilhada entre o profissional da saúda e a paciente. Migowski et. al. (2018) frisam que esse rastreiro deve ser realizado mesmo em mulheres sem sinais ou sintomas suspeitos de câncer de mama.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o rastreio seja realizado em diversas esferas, envolvendo comunicação, planejamento, monitoramento e avaliação. Para isso, o rastreio, enquanto política pública de prevenção e tratamento, deve envolver desde a conscientização e o convite às mulheres da faixa etária estabelecida, a investigação diagnóstica, o tratamento e os cuidados das mulheres com exames alterados. Em todas essas etapas, é essencial uma equipe multiprofissional atuante e capacitada, bem como recursos e materiais suficientes e adequados para a realização de todo o processo (INCA, 2019). 

No Brasil, o Ministério da Saúde desenvolveu parâmetros para o rastreamento do câncer de mama (Brasil, 2009) que auxiliam a melhor conduta a ser realizada pelos profissionais depois do laudo mamográfico. Para isso, há a classificação BI-RADS, estratificada de 0 a 5, sendo que a categoria 0 indica resultado incompleto ou não conclusivo e a categoria 5 indica resultado altamente suspeito. Organizamos, no Quadro 1, a descrição das recomendações da classificação BI-RADS. 

Quadro 1: classificação BI-RADS

Fonte: organizado pelos autores, a partir de Brasil (2009) e ACR/CBR (2016)

Diante dessas informações, percebe-se que a mamografia de rastreamento apresenta muitos benefícios pois tem o potencial de detectar pequenas lesões e evitar a propagação da doença. Consequentemente, diminui a mortalidade e a intensidade do tratamento (menos quimioterapia, cirurgia menos agressiva, etc). O estudo HIP Trial (Health Insurance Plan), realizado na década de 1960, realizou ensaios clínicos randomizados e demonstrou a redução da mortalidade de câncer de mama através do rastreamento, com índice de redução de 20% da mortalidade (Niel et. al, 2017). 

Um dos pontos negativos da mamografia está relacionado a ser uma exame que utiliza radiação, o que pode trazer riscos e consequências a longo prazo, além de ser um exame operador-dependente. Além disso, podem ocorrer resultados falsos positivos, sendo que até 15% dos laudos requerem exames complementares para confirmação de benignidade. Cabe ressaltar, também, que esse exame não realiza o diagnóstico final do câncer de mama, pois necessita a interpretação médica e a biópsia (Moynihan et. al., 2012). 

Além desses fatores, cabe ressaltar o problema da overdiagnosis, uma discussão que vêm ganhando cada vez mais espaço no campo acadêmico e profissional sobre o tema. O overdiagnosis é um conceito teórico que consiste na possibilidade de algumas mulheres assintomáticas que realizam mamografia de rastreamento poderem ser diagnosticadas com câncer que, em última análise, jamais causaria sintomas ou morte prematura. Além de aumentar consideravelmente os cursos para o sistema de saúde, o overdiagnosis pode acarretar a realização de exames, tratamentos e até cirurgia desnecessárias (Duffy; Parmar, 2013).

Os casos de overdiagnosis poderiam ser cânceres invasivos ou, principalmente, cânceres in situ. Teoricamente, esses casos teriam potencial de regressão ou desaparecimento espontâneo, sendo que, caso não tivessem sido encontrados no rastreiro mamográfico de rotina, jamais se tornariam um problema na vida das mulheres diagnosticadas. Os estudos acerca desse tema divergem opiniões, principalmente no caso do carcinoma in situ, que, embora possa, teoricamente, regredir, todos os casos passam por tratamento, pois até o momento a medicina não dá conta de saber, com exatidão, quais canceres in situ detectados evoluirão para casos invasivos e quais poderão regredir ou desaparecer espontaneamente (Duffy; Parmar, 2013). 

Tendo em vista essas limitações no conhecimento sobre o tema, os estudos observacionais isolados sobre overdiagnosis devem ser interpretados de forma cuidadosa e criteriosa, levando em consideração a particularidade de cada caso e as diferenças de cada paciente. No entendimento de Moynihan et. al. (2012), esses estudos não devem ser tomados como uma verdade absoluta, pois podem estigmatizar injustamente o rastreamento mamográfico.

A mamografia ainda é o método mais utilizado em todo o mundo para o diagnóstico precoce do câncer de mama. Entretanto, ela não é tão bem vista por alguns estudiosos, que entendem que ela pode tratar um carcinoma que demoraria muito para se tornar invasivo ou causar malefícios para a paciente. Dessa maneira, as pacientes seriam tratadas e submetidas a um estresse e esgotamento emocional sem a real necessidade. Como exemplo, temos que o excesso de diagnósticos ocorre principalmente no carcinoma ductal in situ, que contabiliza menos de 30% dos totais de cânceres diagnosticados nos Estados Unidos da América. Esse carcinoma aumentou seu índice de incidência depois do advento da mamografia, pois ele se apresenta de forma calcificada e se torna mais visível nesse exame. Segundo os estudiosos contrários à mamografia, como o carcinoma ductal in situ progride em casos raros para carcinoma invasivo, ele submete a paciente a tratamentos agressivos sem necessidade, pois o tratamento desse tumor é através de cirurgia, radioterapia e quimioterapia, que, caso o carcinoma não se desenvolvesse, não precisaria ser tratado (Moynihan et. al., 2012).

Diante do exposto, se torna crescente o debate entre as diversas sociedades médicas acerca do benefício e o malefício da mamografia de rastreamento para câncer de mama. Não há consenso entre os estudiosos, pois enquanto alguns autores afirmam sua importância para detecção precoce e diminuição da mortalidade, outros reforçam o problema do excesso de diagnósticos e tratamentos desnecessários em pacientes. 

Procedimentos metodológicos

Esse estudo é caracterizado por revisão integrativa de literatura relativo ao papel da mamografia para o rastreamento de câncer de mama. A metodologia utilizada é qualitativa, pois a revisão se deu a partir da consulta em artigos e livros. A organização metodológica se deu da seguinte maneira: (a) determinação da pergunta de pesquisa, através da identificação do problema; (b) revisão de artigos que integrem a questão norteadora e definição de critérios de inclusão e exclusão para a coleta de dados; (c) coleta de dados utilizando palavras-chave em sites de busca; (d) análise crítica dos estudos incluídos; e (e) apresentação da revisão integrativa e discussão dos resultado.

Para a etapa de coleta de dados, utilizamos o cruzamento de termos no sistema DeCS (Descritores em Ciências de Saúde – padrão de linguagem única na indexação de trabalhos científicos da área), com as seguintes combinações: (1) mammography AND breast cancer AND screening; (2) mammography AND overdiagnosis; (3) mammography AND screening AND breast cancer AND overdiagnosis; e (4) screening mammography AND efficiency. A fonte dos dados utilizados foram as plataformas Pubmed e LILACS. 

A investigação foi realizada entre agosto e setembro de 2019. Os critérios de inclusão foram levaram em conta a data de publicação (artigos dos últimos 5 anos), o idioma (inglês, espanhol ou português), o público alvo (artigos que tratassem da mamografia de rastreamento em mulheres que não apresentavam sinais ou sintomas e sem histórico familiar) e a estrutura do estudo (preferência para estudos com revisão sistemática sobre a eficiência da mamografia), descartando-se artigos que tratassem sobre o câncer de mama em si ou suas metástases. Os critérios de exclusão foram: trabalhos com mulheres que já apresentavam sintomas, nódulos na mama ou histórico familiar de neoplasia mamária; artigos publicados anteriormente a 2015 ou em plataformas de acesso pago. 

No Quadro 2, apresentamos uma síntese quantitativa do número de referências obtidas com o cruzamento das palavras-chave em ambas as plataformas, o número de resumos analisados, o número de referências selecionadas para análise prévia e a quantidade final de trabalhos selecionados para a revisão de literatura.

Quadro 2: síntese dos trabalhos encontrados

Fonte: organizado pelos autores (2021)

Resultados e discussão

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define critérios para a realização adequada de triagem em determinada patologia. Essa triagem é universal e muito importante para realizar um melhor diagnóstico e elaborar um tratamento adequado. O câncer de mama, devido à sua importância e necessidade de cuidado, atende aos dez critérios da OMS para a triagem organizada, apresentados no Quadro 3.

Quadro 3: critérios de triagem da OMS para o câncer de mama

1Trata-se de um problema de saúde pública, pois é a principal causa de morte por câncer em mulheres no mundo.
2Existe um tratamento de eficácia comprovada para essa patologia.
3Os meios de diagnóstico (biópsias) e tratamento (cirurgia, quimioterapia, radioterapia, terapia hormonal, terapias direcionadas) estão disponíveis para as pacientes.
4Há uma fase de latência para o câncer de mama, antes mesmo da paciente apresentar sintomas, onde a patologia é detectável através de técnicas de mamografia cada vez mais aprimoradas.
5Existe um excelente exame para triagem do câncer de mama: a mamografia.
6Esse exame geralmente é bem aceito pela população.
7O curso da patologia é conhecido.
8A escolha das pacientes que deverão ser submetidas ao tratamento cirúrgico é de acordo com critérios pré-estabelecidos e com recomendações das sociedades científicas.
9O custo das pesquisas incluindo o diagnóstico e tratamento dos pacientes não é desproporcional ao custo global do tratamento medicamentoso, mesmo sendo muito oneroso.
10A descoberta de casos de câncer é um processo contínuo uma vez que é realizado anualmente.

Fonte: organizado pelos autores, a partir de Khrouf et. al. (2020)

Para o estudo, realizamos a leitura de 33 artigos que incluíam desde o câncer de mama em geral, anatomia e fisiologia da mama, como é realizado o rastreamento do câncer de mama e discussões acerca do overdiagnosis. Dentre esses, 15 artigos abordam o rastreamento do câncer de mama, sendo que a maioria ainda defende a mamografia como principal método para esse rastreamento. 

No rastreamento, o overdiagnosis não é um fenômeno preciso, mas é uma hipótese que pode explicar o desacerto entre o aumento da incidência de cânceres após o início dos rastreamentos, se comparado com a taxa de mortalidade, que pouco alterou. Em um estudo canadense publicado em 2014 (Kalaf, 2014), onde foram analisados casos ao longo de 25 anos, notou-se que o aumento de incidência do câncer de mama não reduziu a taxa de mortalidade e, segundo o estudo, a hipótese é que o câncer não levaria à morte. Nesse sentido, o overdiagnosis poderia ser uma explicação para isso dados, isso é, o aumento da incidência sem o aumento da mortalidade. 

Quando o câncer é detectado no rastreamento mamográfico, a literatura aponta para três possibilidades teóricas sobre o significado e desfecho do exame: (1) trata-se de um câncer importante que possui chances de ser curado caso seja diagnosticado precocemente; (2) trata-se de um câncer extremamente agressivo que não será curado, mesmo se tratado precocemente; e (3) é um câncer sobre diagnosticado (Duffy; Parmar, 2013). Para Lichtenfeld (2011), o maior problema está em reconhecer esse excesso de diagnósticos, visto que sua identificação só é possível se o paciente recusar o tratamento, não apresentar sintomas e morrer por outras causas, fatos que praticamente não ocorrem ou são de difícil identificação.

Outro problema é que ainda não existem estudos que determinam, com exatidão, quais cânceres in situ irão evoluir para casos invasivos. Também, não existem provas de que cânceres invasivos podem ou não regredir ou desaparecer espontaneamente (Arleo et. al., 2017). Em contrapartida, existem estudos que não evidenciam o overdiagnosis: Siu e a U. S. Preventive Services Task Force (2016) promoveram um estudo randomizado controlado no Reino Unido e Suécia e concluíram que os índices de overdiagnosis são muito baixos com o seguimento mais longo. Outros estudos recentes também atentam para os benefícios do rastreamento mamográfico devido ao número de casos diagnosticados em estágios precoces da doença, que diminuíram a mortalidade, se comparado com mulheres que não realizavam rastreamento de rotina (Duffy; Parmar, 2013; Buseman et. al., 2003). 

De acordo com estudos prós e contras a mamografia, na década de 2010 órgãos governamentais do Brasil, Estados Unidos e Canadá reduziram a indicação de idade e frequência para a realização da mamografia, sendo indicado para mulheres após os 50 anos e com frequência bianual. As justificativas apontam para a necessidade de ultrassom complementar, a alta taxa de falsos positivos (mamografia positiva com biópsia negativa), os falsos negativos (mamografia negativa e presença de câncer), o overdiagnosis e o grande custo financeiro. 

Porém, algumas sociedades médicas, como a Sociedade Brasileira de Mastologia e a Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, mantiveram a indicação de mamografia anual a partir dos 40 anos. Os argumentos utilizados por essas organizações são os resultados de 6 dos 7 grandes estudos randomizados controlados que investigaram essa temática e apontaram para uma comprovada redução da mortalidade nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos após a introdução da mamografia de rotina. 

Considerações finais

Verificamos, ao longo de nossa revisão de literatura, que não há consenso sobre a orientação de idade mínima e frequência de realização do exame de mamografia na literatura, apesar de todos reconhecerem sua importância no diagnóstico. Enquanto alguns trabalhos atentam para altos índices de overdiagnosis, que acarretam em custos de tratamento para os órgãos do governo e frustrações e ansiedade nas pacientes, outros estudos indicam que esses índices são muito baixos dentre o rol de diagnósticos precoces que podem identificar doenças em estágios iniciais, aumentando as chances de êxito dos tratamentos.

Na nossa interpretação, consideramos que, enquanto não possuirmos metodologias mais eficientes de diagnóstico exato e com menos margem de erro, a mamografia ainda é um recurso essencial para a prevenção e tratamento do câncer de mama. Em síntese, é preciso realizar uma interpretação cautelosa sobre os dados obtidos em populações muito heterogêneas, para que os resultados de overdiagnosis não sejam replicados como verdades absolutas, que acabariam por estigmatizar o rastreamento mamográfico e diminuir a consideração sobre os seus benefícios. 

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