FISIOLOGIA, CÂNCER E DOR – A MÚSICA COMO FERRAMENTA PARA ALÍVIO DA PERCEPÇÃO DA DOR

PHYSIOLOGY, CANCER, AND PAIN – THE ROLE OF MUSIC AS A TOOL FOR ALLEVIATING THE PERCEPTION OF PAIN

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10205278


¹Naylson Aparecido Rodrigues
¹Alessandro de Oliveira
³Álvaro César de Oliveira Penoni
4Kennedy Henrique de Oliveira


Resumo

O câncer é um conjunto de mais de 100 patologias distintas, caracterizado pelo crescimento desordenado da célula (neoplasia) com capacidade de disseminação entre os tecidos subjacentes inicial da célula afetada. A dor é o principal sintoma dos grupos das doenças oncológicas, o que ocasiona prejuízos diretos ao paciente e, consequentemente, em sua qualidade de vida. Entender a fisiologia da dor se faz necessário para compreender todo o mecanismo desse sintoma. O controle da dor é uma realidade em todas as instituições e de profissionais de saúde. Os escores de dor dos pacientes diminuíram após a intervenção com a música, porém com variação entre os estudos, o que justifica a necessidade de um trabalho de revisão narrativa para esclarecer os benefícios da música para o paciente oncológico e servir como ferramenta de pesquisa para novos estudos.

Palavras-chave: dor oncológica, terapia musical, música, analgesia, avaliação da dor.

1 INTRODUÇÃO

A palavra câncer foi utilizada pela primeira vez por Hipócrates por volta de 400 a.c. e vem do grego karkínos, que significa caranguejo. A semelhança com o crustáceo se deu pelo fato das células cancerígenas assemelham-se com o animal na areia. Onkos, também de origem grega, significa peso ou fardo, pois acreditava-se que o tumor era uma coisa que a pessoa deveria carregar, associado a aspectos negativos (INCA, 2020).

Em definição, o câncer é um conjunto de mais de 100 patologias distintas, caracterizado pelo crescimento desordenado da célula (neoplasia) com capacidade de disseminação entre os tecidos subjacentes inicial da célula afetada. Consiste em um problema de saúde pública devido à alta incidência e transformação do perfil epidemiológico da população, envelhecimento saudável e taxas de mortalidade (BATISTA; MATTOS e SILVA, 2015).

O Instituto Nacional do Câncer, o INCA, é a instituição responsável por realizar pesquisas sobre as patologias de câncer no Brasil. Uma pesquisa realizada pela instituição descreveu a distribuição das taxas brutas de incidência por 100 mil habitantes, estimadas para o ano de 2023, segundo Unidade da Federação (todas as neoplasias malignas, exceto as de pele não melanoma), em Minas Gerais essa taxa foi de 240,77 (INCA, 2022).

De acordo com a International Agency for Research on Cancer (2020), as estimativas do câncer no mundo, de acordo com a idade e ambos os sexos em 2020, foram: cérvix uterino 604.127, fígado 905.677, estômago 1.089.103, próstata 1.419.259, colorretal 1.931.590, pulmão 2.206.771, mama 2.261.419 e outros cânceres 8.879.843.

O termo oncogênese ou carcinogênese, consiste no aparecimento das primeiras alterações celulares no organismo. É definida em três estágios, sendo: iniciação, promoção e progressão (VASCONCELOS, 2000).

Segundo Costa (2007), cerca de 35 a 45% dos pacientes oncológicos sentem dor antes do diagnóstico do câncer, 70% dos pacientes acometidos por alguma neoplasia sentem dor na fase avançada da doença e praticamente 100% dos pacientes sentem algum desconforto álgico na fase terminal da doença. A dor em oncologia não se restringe apenas ao tumor em si; em 80% dos casos está relacionado à alteração celular avançada, 5 a 20% dos casos relacionam-se ao tratamento e de 3 a 10% não está relacionado ao tumor, mas mantém relação com o aspecto biopsicossocial da doença.

A avaliação da dor, saber sua fisiologia bem como estratégias para o seu alívio são importantes para melhoria da qualidade de vida do paciente com câncer. A avaliação permite identificar e reconhecer o paciente com dor, assim como avaliar a eficácia das intervenções e sua correção em tempo útil. O controle adequado da dor nos serviços de saúde é, atualmente, considerado como padrão de qualidade, e passa pela necessidade de implementação de programas de melhoria contínua da avaliação da dor e de seu controle.

Estudos comprovam que os escores de dor dos pacientes diminuíram após a intervenção com a música, porém com variação entre os estudos, o que justifica a necessidade de um trabalho concreto para esclarecer de fato o benefício da música para o paciente oncológico (ZANINI et al., 2009; CHADI & CORREA, 2012; SEKI & GALHEIGO, 2012; OLIVEIRA, OSELAME, NEVES e OLIVEIRA, 2014; OLIVEIRA et al., 2014 B, FRANCO, et al., 2021).

Além disso, a redução da dor possibilita ao paciente melhor qualidade de vida sob o aspecto holístico do indivíduo. Se essa redução pode ser associada à música, uma ferramenta de fácil acesso e de baixo custo pelos profissionais, a divulgação de seus benefícios devem ser ampliadas aos profissionais de saúde e da música.

  Outro aspecto importante é a definição da Portaria nº 849 do Ministério da Saúde, que incluiu, em 27 de março de 2017 a Musicoterapia com propósito terapêutico aos indivíduos de todas as idades, na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).

2 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de revisão narrativa, com caráter amplo, apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento ou de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico ou contextual. Constituem, basicamente, de análise da literatura publicada em livros, artigos de revistas impressas e/ou eletrônicas, com interpretação e análise crítica pessoal do autor. Esta categoria de artigos tem um papel fundamental para a educação continuada, pois permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em curto espaço de tempo, e de forma objetiva, clara e adequadamente problematizada e principalmente subsidiar novas pesquisas (ROTHER 2007).

A busca dos estudos foi realizada de maio a novembro de 2022 e desenvolvida na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS-BIREME), pela base de dado: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e biblioteca virtual: Scientific Eletronic Library Online (SCIELO). Foram utilizados os seguintes descritores padronizados pelos Descritores em Ciências da Saúde (Decs): fisiologia da dor, musicoterapia, oncologia. Esse estudo foi realizado na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) no departamento de Pós Graduação em Música (PPGMUSI) e teve como critérios de inclusão: artigos completos, em qualquer idioma, em suporte eletrônico. Os critérios de exclusão foram: teses e monografias.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1. Os estágios e classificações do câncer

Entender o processo da origem do câncer se faz necessário para compreender como todo esse processo irá terminar com a sensação álgica do paciente. O estágio de iniciação consiste na ativação de células não iniciadas, chamadas de proto-oncogenes. Após a iniciação, ou seja, após a mutação celular, as células já iniciadas recebem o nome de oncogênese. A partir disso, as células podem dar início ao próximo estágio. Nesta fase ainda não é possível observar sinais e sintomas do câncer (VIEIRA, 2016).

O segundo estágio é conhecido como promoção. Após serem iniciadas, as células sofrem ação de agentes cancerígenos ou agentes promotores e, de forma lenta e gradual, se transformam em células cancerígenas. Entende-se como agente promotor hábitos de vida e substâncias que podem promover às células, como por exemplo o tabagismo, obesidade e o Papiloma Vírus Humano (HPV). Vale lembrar que a suspensão com os agentes promotores, na maioria das vezes, interrompe esse processo (WARD, 2002; HOFF, 2013).

O terceiro estágio, chamado de estágio de progressão, é explicado pela multiplicação celular de forma desordenada e irreversível. Neste estágio o câncer já está instalado e é possível identificar alterações biológicas e físicas do organismo, existindo as primeiras manifestações clínicas, como a dor e massas palpáveis no corpo (DELELLA et al., 2012).

Em relação à classificação o crescimento tumoral pode ocorrer de forma ordenada, dando origem aos tumores benignos e de forma desordenada dando origem aos tumores malignos. Os tumores benignos são bem delimitados, geralmente com crescimento lento e não atingem os tecidos vizinhos. São exemplos de tumores benignos os lipomas e os miomas. Os tumores malignos se manifestam de forma desordenada e não específica. Sua principal característica é invadir tecidos vizinhos, o que pode gerar metástase, que é definida pela formação de uma lesão tumoral a partir de outra lesão tumoral (GADELHA et al., 2005; VIEIRA, 2016).

Outra classificação se dá pela localização do tumor. O câncer in situ é o primeiro estágio já instalado, o tumor localiza-se apenas na superfície do tecido e ainda não se espalhou para outras camadas do tecido. No câncer invasivo, as células invadem outras camadas dos órgãos e tecidos dando origem a outros tumores. A capacidade das células invadirem outro tecido define a agressividade do tumor e consequentemente menor probabilidade de cura (ROCHA,2020).

3.2. Fisiologia da dor

Como exposto anteriormente, todos os pacientes sentem algum desconforto álgico durante a doença e principalmente na fase terminal. A dor em oncologia não se restringe apenas ao tumor em si; em 80% dos casos está relacionado à alteração celular avançada, 5 a 20% dos casos relacionam-se ao tratamento e de 3 a 10% não está relacionado ao tumor, mas mantém relação com o aspecto biopsicossocial da doença. A dor proveniente do câncer é prevalente e o manejo inadequado acarreta em alterações significativas no bem estar do paciente e familiares. A principal razão do controle da dor é justamente o impacto benéfico que esse controle eficaz faz na sobrevida e qualidade de vida do paciente. O controle satisfatório da dor perpassa vários aspectos e medidas. Muitos profissionais ainda não conseguem atingir o objetivo do tratamento e a dor ainda é realidade no cotidiano dos afetados pelo câncer. Na dor crônica oncológica, além da abordagem farmacológica como uso de opioides, práticas integrativas devem ser aplicadas com o objetivo de oferecer ao paciente uma medicina mais humanizada por meio de cuidados do aspecto físico, emocional e espiritual (ERCOLANI et al.,2018; WIERMANN et al., 2014).

Antes de elucidar a fisiologia da dor se faz importante expor a definição da mesma. De acordo com a Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SABED), a dor é multifatorial. Existem inúmeras definições da dor, porém a descrição mais aceitável no meio científico e profissional foi definida pela Associação Internacional para Estudos da Dor (IASP) em 1979 e atualizada em 2020, na língua inglesa. A definição recebeu tradução para o português no 15º Congresso Brasileiro da dor em 2020, podendo ser assim definida: “Uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial” (DESANTANA et al.,2020).

Algumas considerações devem ser apresentadas: a dor é pessoal e influenciada por fatores biopsicossociais, não se deve relacionar a algia apenas pela neurofisiologia. As pessoas aprendem a dor por meio de suas experiências de vida. Embora a dor geralmente seja relatada de forma verbal, a incapacidade dessa comunicação não invalida a possibilidade de um animal ou ser humano sentir dor (SOUZA, 2002).

Apesar da atual definição expor que a dor não deve ser definida apenas pela percepção dos nociceptores, deve-se compreender, de forma fisiológica, como se dá o mecanismo da dor. Tais definições tratadas a seguir servem como base para construção do conhecimento de como fatores externos e ambientais, como a música, podem atuar na complexidade do corpo humano e, potencialmente, reduzir a dor.

Antes de dar continuidade, é importante descrever alguns termos importantes da fisiologia do sistema neurológico. Entende-se como via aferente os mecanismos que levam a informação até o cérebrosistema nervoso central e, a via eferente é responsável por realizar a resposta cerebral central até a parte periférica. Por exemplo, quando colocamos a mão em uma superfície quente, rapidamente essa informação chega até o nosso sistema nervoso central (medula) por meio da via aferente. A resposta de tirarmos a mão da superfície que pode causar algum dano tecidual é comunicado pela via eferente à medula, enquanto a percepção da dor é interpretada no cérebro por meio, também, de estímulos aferentes (SOUZA, 2018).

Como qualquer outro neurônio aferente, os nociceptores serão classificados de acordo com sua terminação periférica, denominadas fibras sensitivas. De acordo com o diâmetro, mielina e velocidade de condução as fibras são divididas em três grupos, Aβ, Aδ e C. Na ausência de alterações, cada um dos nociceptores desempenham um papel. As fibras C e Aδ transmitem informação nociceptiva. Os nociceptores Aδ são responsáveis pela dor aguda, seguida por uma dor mais difusa provocada pela ativação das fibras C com uma condução lenta. Em condições não fisiológicas, quando existe uma inflamação tecidual, os Aβ sofrem alterações neuroquímicas e anatômicas que podem provocar a algia pelas outras fibras dos nociceptores (FEIN, 2011).

Os neurônios se comunicam em cadeia, de forma ordenada. Os nociceptores, realizam essa transmissão em três ordens de neurônios: os de primeira ordem, são oriundos da periferia do corpo projetando-se para a medula espinhal, quando sensibilizados fazem a transdução e transmissão; os neurônios de segunda ordem localizam-se na medula espinhal de forma ascendente, após sensibilização dos primeiros neurônios, realizam a modulação; os neurônios de terceira ordem comunicam-se com o córtex cerebral para então o indivíduo sentir a dor, etapa conhecida como percepção (KLAUMANN et al., 2008).

A transdução se dá pela sensibilização do neurônio por intermédio de um estímulo nocivo, ou seja, aquele que pode causar algum prejuízo tecidual. A transdução é a fase em que o estímulo é percebido e transitado para a medula espinhal. A transmissão é a chegada da informação percebida anteriormente até partes mais elevadas da medula espinhal e Sistema Nervoso Central (SNC). A modulação consiste na etapa em que os estímulos são modulados antes de chegar ao encéfalo. Por último temos a percepção que pode ser definida como a interpretação pelo cérebro do estímulo percebido (HALL; EDWARD, 2011).

A transdução, transmissão, modulação e percepção acontecem após uma injúria tecidual. Entende-se por injúria tecidual qualquer dano, seja ele químico, físico ou biológico que altera o tecido e resulta em sinais, conhecido como os cinco sinais flogísticos(inflamação), que são: dor, calor, rubor (vermelhidão), edema e perda de função (KASUAYA, 2013).

A inflamação é uma resposta em cascata do corpo para iniciar o reparo tecidual, consiste em um mecanismo de defesa do organismo com alterações imunológicas, bioquímicas e fisiológicas podendo ser aguda ou crônica. A inflamação aguda se dá pela ativação dos mediadores químicos de forma rápida, a vasodilatação ocorre para que a permeabilidade intravascular aumente, levando a migração leucocitária para o local da injúria. Já na inflamação crônica, observa-se que há destruição do tecido e o processo inflamatório instalado de maneira prolongada, como tentativa de reverter o dano. Tal mecanismo leva à exacerbação dos sinais flogísticos (LIMA et al,2017). 

O processo inflamatório ativa mediadores que auxiliam na comunicação dos nociceptores que consequentemente causam a dor. Os mediadores são conhecidos como neurotransmissores. Eles subdividem-se em aminoácidos excitatórios ou inibitórios e os neuropeptídeos, que são produzidos e liberados nas terminações dos nervos eferentes. Os aminoácidos excitatórios são o glutamato e o aspartato. Em fibras aferentes do tipo C encontram-se os neuropeptídeos como a substância P, neurotensina e peptídeo intestinal vasoativo (KASSUYA, 2013).

Todo esse processo funciona como uma rede de comunicação até o cérebro. As informações nociceptivas inervam o tálamo, o mesencéfalo e o sistema límbico, principalmente. Cada uma das partes citadas são responsáveis por uma característica da dor, como localização, intensidade e os aspectos afetivos e cognitivos (KLAUMANN; WOUK; SILLAS, 2008).

Após exposto todo o processo de nocicepção e de toda a fisiologia envolvida, se faz possível explanar sobre a hiperalgesia primária e secundária. Tanto uma como outra são eventos decorrentes de uma lesão tecidual. A hiperalgesia primária é responsável pela dor localizada, manifestada por algia e aumento da sensibilidade. A hiperalgesia secundária é caracterizada por sinais de dor ao redor da lesão com uma intensidade menor (ROCHA et al., 2007).

Existem inúmeros tipos de dor. A classificação mais conhecida se dá em relação ao seu tempo de duração, que pode ser aguda ou crônica. A dor aguda é caracterizada por uma dor fisiológica, como um sinal de alerta e proteção, para a manutenção da saúde. Sua duração é limitada e melhora com o término do processo nóxico ou reparo tecidual. As dores crônicas não tem relação biológica de proteção, sua presença mostra o sinal e sintoma de uma patologia.  Em relação ao tempo, sua duração ainda é discutida, com definições superiores a três meses e sem período para cessar (MARQUEZ, 2011).

A dor somática ou nociceptiva é aquela que já foi discutida nos subtítulos anteriores. Caracteriza-se pela ação dos nociceptores e neurotransmissores. A dor visceral, que também se enquadra na dor nociceptiva necessita de maiores esclarecimentos. Sendo assim, a dor visceral tem um mecanismo mais complexo ainda do que se viu até essa parte do texto. Em resumo, a sensação visceral é difusa e organizada de forma periférica e central. As fibras nervosas aferentes inervam as projeções viscerais para o sistema nervoso central por meio de três vias principais: primeiro, nervo vago e seus ramos; segunda, no interior e ao longo das vias eferentes das fibras simpáticas; terceiro no nervo pélvico e as suas respectivas ramificações (IASP,2013).

A dor visceral ainda se divide em dois grupos, sendo: a dor visceral direta, aquela que é transmitida de forma direta até o encéfalo e o indivíduo tem a percepção álgica diretamente no órgão afetado. A dor visceral referida, transmitida pela via visceral até os nociceptores eferentes. Neste caso é comum sentir uma dor difusa, pouco definida e superficial na pele, justamente por se comunicarem com os neurônios de superfície corporal (ZAKKA et al., 2014).

Em relação à dor neuropática, sua definição ainda foi pouco estudada. A dor origina-se de um mecanismo enigmático. Existem teorias que abordam a lesão inflamatória de nervos centrais, porém não se sabe como surge essa inflamação, e a teoria imune, na qual o próprio organismo danifica as fibras nervosas (KRAYCHETE et al.,2008).

3.3. Música como ferramenta para alívio da percepção da dor

Conforme exposto anteriormente e definido pelo 15º Congresso Brasileiro da dor em 2020, a dor é “uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”. Os tratamentos são divididos em farmacológico e não farmacológico. Dentre os tratamentos farmacológicos pode-se citar o uso de analgésicos e em casos mais severos o uso de opióides. Nos tratamentos não farmacológicos, pode-se citar o uso de acupuntura, reflexologia, música e/ou musicoterapia. Essas ações são descritas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) por intermédio da Portaria nº 849 do Ministério da Saúde (DESANTANA et al., 2020; NASCIMENTO, SANTOS, ALVES, 2022).

De acordo com o Merleau-Ponty, a percepção é um processo no qual o corpo e a mente estão intimamente envolvidos, sendo uma forma de envolvimento ativo com o mundo. O filósofo destaca que a percepção não é apenas uma atividade sensorial, mas uma experiência encarnada e contextualizada, na qual o corpo desempenha um papel fundamental. Nesse processo, o corpo torna-se um meio de interação e compreensão do ambiente, influenciado por nossas experiências passadas, intenções e subjetividade. A percepção, portanto, é uma forma complexa e integrada de nos relacionarmos e darmos significado ao mundo ao nosso redor (FONTES, 1999).

Em um estudo descritivo, exploratório, de abordagem quanti-qualitativa, entre indivíduos com câncer e dor crônica, realizado por Oliveira (2014), foi possível comprovar que a música foi capaz de reduzir a dor e sintomas de estresse. A pesquisa, realizada com 10 indivíduos com câncer e dor crônica, propôs sessões de música aplicadas por três dias da semana, durante três semanas. Ao início e término de cada sessão foram realizadas a entrevista e a aplicação da escala numérica da dor. Existem algumas teorias de como o som age no cérebro para criar os efeitos que permitem utilizar a música como ferramenta terapêutica, conforme exposto pela mesma autora.

Quando o som chega ao cérebro, ele atua no sistema límbico (centro das emoções), especificamente no complexo amigdaloide. O complexo amigdaloide, em uma situação de stress, medo ou tristeza, envia uma mensagem para o hipotálamo que ordena a hipófise a liberar o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Este, circula na corrente sanguínea até chegar às glândulas suprarrenais que, então, liberam o cortisol (OLIVEIRA, et al., 2014).

Do ponto de vista da neurociência, a música ativa uma parte do cérebro por intermédio do córtex auditivo, desenvolvendo uma reação em cadeia por meio do complexo amigdaloide. Essas reações liberam cortisol, que tem como função o controle do estresse, além de agir como anti-inflamatório, sendo benéfico para a redução da dor. Outro aspecto defendido é que a música age como um competidor com a dor, distrai o paciente e desvia a atenção. Esse mecanismo é defendido justamente pela ativação do sistema límbico, mostrando que a música não é capaz apenas de diminuir a dor, mas também o estresse, a confusão mental, a frequência cardíaca e respiratória, além de   melhorar o humor (SILVA, 2010).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O câncer está entre mais de uma centena de patologias distintas, se caracteriza pelo crescimento desordenado das células, dotado da notável capacidade de disseminação entre os tecidos subjacentes. A dor, enquanto manifestação preeminente nas enfermidades oncológicas, exerce impacto direto sobre a qualidade de vida do paciente. Nesse contexto, a compreensão aprofundada da fisiologia da dor revela-se uma premissa crucial para a abordagem eficaz desse sintoma intrincado.

O gerenciamento da dor constitui uma prática consolidada em ambientes institucionais e no âmbito dos profissionais de saúde. A despeito de evidências que corroboram a redução nos índices de dor em pacientes submetidos à intervenção musical, a heterogeneidade observada nos resultados suscita a pertinência de uma revisão narrativa. Tal abordagem propicia uma compreensão mais ampla dos benefícios da música para pacientes oncológicos, desempenhando, assim, o papel de orientação para investigações futuras.

Sendo assim, a música emerge como uma promissora ferramenta na gestão da dor em pacientes com câncer. A busca por uma compreensão mais aprofundada dos impactos positivos dessa intervenção oferece uma perspectiva valiosa para aprimorar as práticas clínicas e proporcionar uma melhor qualidade de vida aos indivíduos enfrentando o desafio do câncer.

REFERÊNCIAS

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¹Enfermeiro – coordenador do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves. Mestrando em Música (PPGMUSI/UFSJ)

¹Docente do curso de educação física da Universidade Federal de São João del. Professor do PPGMUSI/UFSJ. doutor em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa

³Docente e coordenador do curso de educação física da Universidade Federal de São João del. Professor do PPGMUSI/UFSJ.
Doutor em Ciências da Saúde Aplicadas ao Aparelho Locomotor pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP)

4Discente do curso de Música da Universidade Federal de São João del-Rei.