RESPONSABILIDADE CIVIL: PONDERAÇÕES ACERCA DOS LIMITES DA LEGITIMIDADE ATIVA NAS HIPÓTESES DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL REFLEXO DEVIDO À MORTE DE UM ENTE QUERIDO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10202296


Oliveira, Rodrigo Angeli de2
Leite, Wanderson da Rocha3


RESUMO

A morte de alguém pode causar imensuráveis danos às pessoas ligadas à vítima por laços afetivos. Nesse diapasão, o presente artigo visa discorrer sobre os limites da legitimidade ativa nas hipóteses de reparação por dano moral reflexo devido à morte de um ente querido no ordenamento jurídico brasileiro. Sendo assim, o problema da pesquisa é “quais são os limites da legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo devido à morte de um ente querido?”. Sequencialmente, o trabalho tem como objetivo geral analisar os limites da legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo devido à morte de um ente querido e como objetivos específicos conceituar o dano moral reflexo, compreender as discussões jurisprudenciais acerca da extensão e limitação da legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo e relacionar o princípio do prestígio aos familiares privilegiados com a legitimidade para requerer reparação do dano moral reflexo. Para tanto, foi realizada pesquisa pautando-se na metodologia de pesquisa bibliográfica e documental com abordagem qualitativa, de caráter explicativo e descritivo, utilizando-se como base decisões jurisprudenciais, materiais contidos no SciELO, Google Acadêmico, como artigos e livros, sites, no âmbito nacional. Assim, verifica-se por meio da pesquisa que a falta de delimitação de sujeitos que podem figurar no polo ativo da ação para pleitear reparação por dano moral reflexo pode conduzir a uma insegurança no ordenamento jurídico brasileiro, visto que afeta diretamente a figura da legitimidade processual, que é pressuposto para a própria existência da ação, e que o Poder Judiciário brasileiro tem garantido por meio de suas decisões que aqueles indivíduos do núcleo familiar que realmente tenha sofrido abalos emocionais tenham direito ao dano moral reflexo pela perda de alguém com o qual tinha laços afetivos.

Palavras-chave: Dano moral reflexo. Reparação. Legitimidade. Morte.

1. INTRODUÇÃO

A morte de um ente querido pode inflamar vários sentimentos negativos de um familiar ou amigo próximo, causando danos psicológicos e emocionais. Nesse contexto, relacionando- se com a responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, destaca-se a figura da reparação civil por dano moral reflexo, devido àqueles que sofrem lesões extrapatrimoniais pela morte de alguém, o que leva a presente pesquisa a analisar as ponderações acerca dos limites da legitimidade ativa nas hipóteses de reparação por dano moral reflexo devido à morte de um ente querido no ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, visando estabelecer legitimados para pleitear a reparação retrocitada, já que a lei é omissa quanto a isso, o Poder Judiciário, em algumas decisões, vem demonstrando que certos familiares podem figurar no polo ativo da ação, sendo o cônjuge (e companheiro), descentendes e ascendentes, contudo, registram-se decisões judiciais que também legitimam aos irmãos e sobrinhos tal direito. Ante o exposto, questiona-se: “quais são os limites da legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo devido à morte de um ente querido?”.

Na sequência, ante a problemática exposta, intuinta-se no objetivo geral analisar os limites da legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo devido à morte de um ente querido, de modo que os objetivos específicos pretendem conceituar o dano moral reflexo e outros elementos correlacionados; compreender as discussões jurisprudenciais acerca da extensão e limitação da legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo e relacionar o princípio do prestígio aos familiares privilegiados com a legitimidade para requerer reparação do dano moral reflexo.

Nessa perspectiva, importa enaltecer a relevância do assunto em pauta, pois é preciso considerar que a legitimidade, que compreende o atributo jurídico conferido a alguém para ser parte de um processo, é um dos pressupostos processuais da ação, cuja inobservância acarreta na extinção do processo sem resolução do mérito, tamanha a sua relevância. Com isso, depreende-se que é preciso estabelecer, de forma consistente, limites para postular o direito de reparação por dano moral reflexo em juízo, para que não haja uma extensividade descontrolada de pleiteadores.

Visando obter a resposta a respeito da problematização citada, a metodologia utilizada pauta-se na realização de pesquisa bibliográfica e documental, com abordagem qualitativa, de caráter explicativo e descritivo, cuja base de informações foi retirada precipuamente de artigos científicos e livros, bem como de sites, leis, entendimentos jurisprudenciais e fundamentações doutrinárias, no âmbito nacional.

Além disso, a revisão de literatura se subdivide em quatro pontos essenciais para tratar da problemática. O primeiro deles visa traçar os aspectos históricos sobre a evolução do direito à reparação por dano moral reflexo. O segundo ponto visa conceituar e caracterizar o dano moral reflexo e outros elementos correlacionados. Já o terceiro ponto da pesquisa busca esclarecer preceitos acerca do princípio do prestígio aos familiares privilegiados e sua relação com a legitimidade para pleitear o dano moral reflexo. Por fim, o quarto ponto tem como intuito esclarecer a forma como o ordenamento jurídico e a doutrina brasileira contemplam a questão da legitimidade para pleitear dano moral reflexo devido à morte de um ente querido.

Assim, como resultado, destaca-se que o Poder Judiciário tem reconhecido, por meio de suas decisões, aqueles que têm o direito de agir em ação de reparação por danos morais reflexos devido à morte de um ente querido, restringindo tal legitimidade aos membros que fazem parte da família direta, alinhando-se à ordem de vocação hereditária, com adaptações necessárias, o que, por conseguinte, fica a cargo do juiz analisar o caso concreto para identificar as mais variadas formas de arranjos familiares, avaliando as particularidades de cada situação, podendo o julgador idendificar outros legitimados que não estejam previstos na órdem de vocação hereditária.

2. METODOLOGIA

Pesquisar significa buscar, procurar, como também significa investigar algo para se obter uma resposta. Desta maneira, uma pesquisa científica significa buscar a resposta sobre um problema de uma determinada área da ciência. Assim, Kauark, Manhães e Medeiros (2010, p. 24) dizem que “pesquisar, portanto, é buscar ou procurar resposta para alguma coisa. Em se tratando de Ciência, a pesquisa é a busca de solução a um problema que alguém queira saber a resposta”, corroborando com a ideia citada previamente.

Sendo assim, um problema se identifica como uma pergunta, a qual a pesquisa de dedica a responder. Nesse sentido, “o problema é a mola propulsora de todo o trabalho de pesquisa. Depois de definido o tema, levanta-se uma questão para ser respondida através de uma hipótese, que será confirmada ou negada”, de acordo com os ensinamentos de Kauark, Manhães e Medeiros (2010, p. 50), sendo o problema um dos elementos principais da pesquisa.

Segundo Bailly (1950), a palavra “metodologia” deriva do grego “Méthodos”, que em tradução livre significa algo como o percurso pelo qual se chega a algures. Nesse sentido, depreende-se que escolher uma metodologia corresponde a selecionar um caminho, logo, dentro da pesquisa científica, a metodologia é o caminho que se utiliza para chegar à resposta do problema que surgiu.

Nessa perspectiva, um dos passos que integram o caminho para elaboração deste trabalho representa a escolha da abordagem qualitativa, que tem como preceito fundamental o contato que o pesquisador tem com o mundo natural, com a vida e o ambiente. O levantamento de informações pode ser feito até mesmo em um bloco de notas e o principal instrumento é a própria pessoa:

Os estudos denominados qualitativos têm como preocupação fundamental o estudo e a análise do mundo empírico em seu ambiente natural. Nessa abordagem valoriza-se o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo estudada. No trabalho intensivo de campo, os dados são coleta dos utilizando- se equipamentos como videoteipes e gravadores ou, simplesmente, fazendo-se anotações num bloco de papel. Para esses pesquisadores um fenômeno pode ser mais bem observado e compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte. Aqui o pesquisador deve aprender a usar sua própria pessoa como o instrumento mais confiável de observação, seleção, análise e interpretação dos dados coleta dos. (GODOY, 1995, p. 62)

A pesquisa em questão se pauta, também, em investigação documental que segundo Moresi (2003, p.10) “é a realizada em documentos conservados no interior de órgãos públicos e privados de qualquer natureza, ou com pessoas”, considerando que também tem como base para coleta de dados as decisões dos órgãos de jurisdição do país. Além disso, também se baseia na investigação bibliográfica, pois foi desenvolvida de acordo com consultas realizadas em publicações acessíveis, como livros, sites, etc, conforme ensina Moresi abaixo:

Pesquisa bibliográfica é o estudo sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material acessível ao público em geral. Fornece instrumental analítico para qualquer outro tipo de pesquisa, mas também pode esgotar-se em si mesma. (MORESI, 2003, p. 10)

Ainda, é preciso salientar que o trabalho em questão assume caráter de pesquisa explicativa e descritiva. Explicativa porque visa detectar fatores que contribuem para identificar a extensão da legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo e a relação entre a previsão dos legitimados e o atual entendimento jurisprudiencial sobre tal questão, no Brasil. Nessa perspectiva, Moresi (2003, p. 9) diz que “a investigação explicativa tem como principal objetivo tornar algo inteligível, justificar-lhe os motivos. Visa, portanto, esclarecer quais fatores contribuem, de alguma forma, para a ocorrência de determinado fenômeno”, que corresponde exatamente com o intuito da pesquisa.

Já o caráter descritivo se demonstra presente, pois a pesquisa visa apresentar conceitos relacionados ao tema, comprender as características e os óbices relacionados aos danos morais reflexos, à legitimidade de agir, ao princípio do prestígio aos familiares privilegiados, dentre outros termos. Nesse sentido, Almeida (2014, p. 31) diz que a pesquisa descritiva “tem a finalidade de descrever o objeto de estudo, as suas características e os problemas relacionados, apresentando com a máxima exatidão possível os fatos e fenômenos”, concretizando a ideia do caráter em comento.

A pesquisa de iniciou pela curiosidade de entender sobre a legitimidade ativa no caso de ação de reparação de dano moral reflexo devido à morte de alguém, assim, iniciou-se a pesquisa por meio de diversas fontes utilizadas para embasamento, como livros, diversos artigos científicos, monografias, teses, decisões judiciais, banco de dados acadêmicos, repositórios universitários, dentre outros, com dados relacionados ao tema. O local de estudo limita-se ao âmbito nacional.

3. BREVES ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE DANO MORAL REFLEXO NO BRASIL E NO MUNDO

A princípio, é importante ressaltar que o dano moral reflexo se refere à violação de direito de personalidade de alguém. Sendo assim, este captulo tem o intuito de tecer breves considerações acerca da evolução histórica do direito de personalidade sob a influência da Grécia Antiga, passando por Roma, Idade média, chegando à idade moderna e conteporânea, resultando no conceito que se conhece hodiernamente no ordenamento jurídico brasileiro.

O período clássico da Grécia Antiga teve como marco o domínio grego sobre o mundo antigo, em que se expandiam as conhecidas cidades-estados, como Atenas e Esparta, por exemplo. Segundo Silva (2016), entre os séc. IV e III a.C, a ideia de direito de personalidade começava a emergir devido ao ápice que a filosofia atinge, em especial com relação aos ensinamentos de Sócrates que começa a imaginar o homem como o foco do universo, numa ideia pautada na ciência, ligado ao bem moral do ser humano.

Apesar de se iniciar na Grécia Antiga, os direitos de personalidade começam a tomar forma em Roma e faziam parte apenas as esferas jurídicas de pessoas que possuiam três status, quais sejam; statusfamiliar, que compete à qualidade de família patriarcal, em que o homem, pai, era a autoridade do núcleo familiar, o statusda civilidade, devido aos cidadãos, o que desde então suprimia tais direitos de personalidade aos escravos e estrangeiros, e o statusda liberdade, destinada às pessoas livres. Portanto, só possuia direito de personalidade quem continha os três status:

Assim sendo, outra importante influência a qual já se preocupava com a tutela dos referidos direitos de personalidade era Roma. Para estes havia uma noção muito peculiar, onde para serem considerados sujeitos de personalidade, se fazia necessário que possuíssem três status, que a liberdade, a civilidade e a família, em contrapartida, quem não fosse detentor destes status eram considerados escravos igualando-se a objeto de propriedade. (SILVA, 2016, p. 22)

Com a queda do Império Romano, introduz-se a medievalidade, e com ela o cristianismo começa a crescer. Assim, surgem novas perspectivas sobre a visão dos direitos de personalidade, considerando que naquela época, segundo Motta e Mochi (2009, p. 9-10), “não se questiona, ao menos de forma não velada, de que o homem é constituído de corpo e alma, e que o corpo é o templo de Deus, e assim sendo, não se pode tratá-lo de qualquer jeito”. Com isso, sob influência religiosa, havia necessidade de proteger o homem por meio de uma imposição normativa.

Na chamada idade moderna, iniciou-se a movimentação de grupos que lutaram por inovações jurídicas, dentre elas a necessidade de criar um poder originário de titularidade do povo, a fim de exercer um controle sobre os poderes dos monarcas absolutistas. Sendo assim, a concepção de direitos fundamentais dentro de uma constituição foi considerado um grande avanço no que diz respeito à universalização do direito da personalidade do homem, nesse período:

Apesar da gama de países Europeus adotarem a partir da Idade Média o regime de governo a monarquia absolutista, a Grã Bretanha, por sua vez, incorreu contra os ditames adotados, proferindo como seu sistema a monarquia constitucionalista. O Parlamento, na constância dos séculos XVII ao XVIII, significante força para exercer a representação do povo e controlar os exercícios de poder do rei, por conseguinte, ao final do século XVIII sedimentada de nominada a monarquia legal. (SILVA, 2016, p. 12)

Na idade contemporânea, diversos acontecimentos históricos ocorreram e com isso grandes documentos foram promulgados, para legitimar os direitos do homem, como, por exemplo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e a Constituição Francesa de 1791. Nesse período, o direito de personalidade e a responsabilidade civil começam a dar seus principais passos:

Desse modo, outros importantes acontecimentos sucederam-se, como exemplo, a Declaração dos Direitos dos Direitos do Homem e do Cidadão adotadas por Constituições como a de 1791, 1793, e 1814. Porém, o que merece maior preponderância é a declaração promulgada pela Assembleia Geral da ONU, denominada de Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1949. (SILVA, 2016, p. 12)

Além disso, as grandes guerras mudiais, principalmente a segunda guerra mundial, foram fatores de grande influência para que o mundo começasse a avançar na concretização da existência do homem como sujeito de direitos passíveis de reparação. Foi a Constituição Alemã de 1949 que fez “previsão da exigência de um direito que se deve ter tutelado e de responsabilidade do Estado e do povo em respeitá-lo”, conforme dispõem Motta e Mochi (2009, p. 4). A partir disso, outros países começaram a constitucionalizar os direitos de personalidade, sendo um grande marco do início da reparabilidade dos danos morais.

No Brasil, o Código Civil de 1916 nada trazia, de forma expressa, sobre a reparabilidade por dano moral, conduto, o artigo 159 do código retromencionado dizia que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (BRASIL, 1916, n.p), representando o dano de forma genérica. Além disso, algumas leis extravagantes traziam de forma esporádica questões relacionadas ao dano moral e sua reparação, de forma expressa.

Com advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil finalmente concretizou no ordenamento jurídico o instituto do dano moral e o direito à sua reparação. A Carta Magna traz, em seu artigo 5º, inciso V, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (BRASIL,1988, n.p). Além disso, o inciso X ressalta que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988, n.p), sendo incisiva na proteção da personalidade do homem.

Importante ressaltar que segundo Barreto (2022) a ideia de dano moral reflexo se iniciou na jurisprudência francesa que começou a reparar comumente o préjudice d’affection(prejuízo de afeição) no final do século XIX, apesar de já terem existido algumas decisões sobre dano moral reflexo anteriormente. No Brasil, a jurisprudência só reconheceu o dano moral reflexo após a Constituição Federal de 1988.

Sendo assim, compreende-se, com isso, que é indubitável que o ordenamento jurídico passou por longos e complexos processos de entendimentos jurisprudenciais e de amadurecimento de direitos até chegar à efetivação do direito à reparação por dano moral reflexo compreendido e aceito hodiernamente.

4. CONCEITO E CARACTERISTICAS RELACIONADOS AO DANO MORAL REFLEXO

Visando melhor entendimento, a pesquisa aborda alguns conceitos relacionados ao tema, como o de responsabilidade civil, dano moral, dano moral reflexo, dentre outros sem os quais restaria dificultado o entendimento do trabalho. Sendo assim, doravante seguirão alguns dos significados dados por alguns doutrinadores aos termos retromencionados.

Para Gonçalves (2014) o termo “responsabilidade” tem origem da palavra respondere, do latim, que corresponde à junção do prefixo “re” (de volta, para trás) e da palavra spondere, que significa “garantir” ou “prometer”. Sendo assim, respondere pode significar “garantir de volta”, ou seja, recuperar o status quo de algo que precisa ser reparado.

Nesse sentido, a expressão “responsabilidade civil”, por seu turno, compreende o dever que o agente tem de reparar o dano causado a outrem, na tentativa de recuperar o estado no qual a coisa se encontrava. Para Filho (2012, p. 305) “responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”. Ainda complementa:

Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida. (FILHO, 2012, p. 2)

Ou seja, a princípio, existe uma obrigação positivada, prevista em uma norma jurídica que, caso seja descumprida e gere dano a outrem, acarreta no nascimento do dever de responsabilidade do agente, que deve ressacir ou reparar os danos causados.

Além disso, como já dito, o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988 preconiza que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são invioláveis, devendo ocorrer indenização pelo dano material ou moral sofridos decorrentes dessa violação. Tal dispositivo constitucional está intimamente relacionado com os chamados direitos de personalidade, que são intrisicamente ligados ao homem e sua dignidade enquanto pessoa humana.

Nessa seara, os direitos de personalidade englobam uma série de bens jurídicos personalíssimos, cuja agressão poderá gerar a responsabilidade de reparação. Nesse sentido, Gomes (1997) preleciona que dano moral corresponde ao constrangimento que alguém experimenta em decorrência de lesão a direito personalíssimo, ilicitamente praticada por outra pessoa.

Já Silva (1955) diz que os danos morais afetam o patrimônio ideal do ser humano, aquele que não se pode valorar economicamente, “entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico” (SILVA, 1955, , p.1), corroborando com a ideia.

Sob uma perspectiva mais voltada para o lado subjetivo do indivíduo, Alsina (1993, p. 96) diz que “pode-se definir dano moral como a lesão a sentimentos que determina a dor ou sofrimentos físicos, inquietação espiritual”. Sendo assim, depreende-se que o dano moral acarreta no indivíduo uma onda de sentimentos inerentes à sua psique, algo relacionado ao sofrimento humano, como a dor, a tristeza, a mágoa, a angústia, dentre outros.

Dando seguimento, na responsabilidade civil, a forma mais comum de se identificar o dano moral é a direta, em que a lesão é causada diretamente à vítima, contudo, apesar de não haver previsão expressa na legislação brasileira, a jurisprudência do país, baseando-se em outros ordenamentos jurídicos, teceu cuidados com relação ao dano moral reflexo ou por ricochete, que se refere à proteção de interesses jurídicos que foram violados de forma incindental, cujo dano consiste na lesão que atinge de forma reflexa pessoa ligada à vítima direta da conduta danosa praticada pelo agente:

Conceitualmente, consiste no prejuízo que atinge reflexamente pessoa próxima, ligada à vítima direta da atuação ilícita. É o caso, por exemplo, do pai de família que vem a perecer por descuido de um segurança de banco inábil, em uma troca de tiros. (GAGLIANO; FILHO, 2012, p. 96)

Os casos mais comuns com relação a dano moral reflexo são os que atingem terceiros intimamente ligados a uma vítima direta que morreu por culpa de um agente, conforme o exemplo mencionado na citação acima, em que uma vítima é assassinada sob influência da conduta culposa de um segurança, o que gera uma série de sentimentos ruins, como tristeza, angústia e sofrimento a familiares ou pessoas próximas. Nesse aspecto, Silva (2011, p. 359) destaca que “indene de dúvidas que as pessoas próximas do falecido sofrem um dos piores abalos psicológicos que o ser humano pode experimentar”, ratificando a intensidade do abalo causado.

Sob essa perspectiva, ressalta-se que por muito tempo a jurisprudência brasileira relutou em aceitar a existência da reparação do dano moral sofrido por parentes da vítima, ignorando todo o sofrimento suportado por aqueles, porém, segundo Silva (2011, p. 360) atualmente há “uma jurisprudência nacional bastante sólida em relação à reparação do dano sofrido pelos próximos do falecido, fazendo com que esse tipo de indenização já possa ser chamada de clássica”, ratificando que de umas décadas para cá, sob influência do judiciário de outros países, a visão dos tribunais vem mudando.

5. DO PRINCÍPIO DO PRESTÍGIO AOS FAMILIARES PRIVILEGIADOS E DA SUA INFLUÊNCIA SOBRE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Existe o princípio do prestígio aos familiares privilegiados no ordenamento jurídico brasileiro que presume que o conjugê (e companheiro), os ascendentes e descendentes tenham um laço afetivo mais forte entre si e por isso possuem preferência na titularidade de determinadas ações, servindo como base para o legislador, durante a elaboração de uma norma, bem como para a jurispruência e doutrina, nos casos em que a lei for omissa:

Há inegável privilégio dado pelo ordenamento jurídico ao cônjuge, ao descendente e ao ascendente em relação aos demais familiares. Há uma presunção de que aqueles familiares privilegiados são os mais próximos e que, presumidamente, não mediriam esforços para o bem-estar da pessoa. (OLIVEIRA, 2020, n.p)

Como efeito, o ordenamento tende a beneficiar o cônjuge, e companheiro, os ascendentes e descendentes em várias situação, como, por exemplo, ocorre nos casos de herdeiros necessários, conforme artigo 1.845 do Código Civil de 2002 que diz que “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge” (BRASIL, 2002, n.p), sendo tais privilegiados.

Além disso, os familiares privilegiados são legalmente os únicos legitimados para requerer a proteção dos direitos de personalidade do morto, cuja divulgação de dados pessoais do de cujus, como escritos, publicações e imagens, atinjam a sua honra, boa fama, respeitabilidade, conforme preceitua o artigo 20 do Código Civil brasileiro:

[…]Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único.Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. (BRASIL, 2002, n.p, grifo nosso)

Outra ocasião se encontra no artigo 790 do Código Civil, parágrafo único, que diz que são dispensados os familiares privilegiados de declararem o interesse na vida da pessoa segurada: “até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente.” (BRASIL, 2002, n.p), corroborando mais uma vez com o princípio em questão.

Ademais, como já informado, a legislação nacional não dispôs expressamente o rol de legitimados para pleitar reparação por danos morais reflexos, nem mesmo com o advento do Código de Processo Civil de 2015. Sendo assim, decisões jurisprudenciais vêm admitindo os familiares privilegiados como legitimados para pletear reparação por dano moral reflexo ocasionado pela morte do ente querido.

Nesse sentido, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça por meio de agravo regimental em agravo de recurso especial nº 1.212.322/SP, que tem como relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, publicada em 10/06/2014, reconhece a titularidade da esposa e do filho da vítima para pleitear dano moral reflexo. Já em 2010, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de decisão em recurso especial 1.208.949/MG, que tem como relatora a Ministra Nancy Andrighi, também reconheceu a legitimidade dos pais da vítima para pleitear dano moral em ricochete, devido às lesões suportadas.

Com relação ao companheiro, é preciso enfatizar que ele também deve ser abrangido nesse princípio, mesmo que raramente seja citado nos artigos que contemplam tais familiares privilegiados, isso porque, conforme explica Oliveira (2020, n.p), “no sistema brasileiro, a união estável deve ser equiparada, no que couber, ao casamento”, trazendo a isonomia entre companheiro e cônjuge no ordenamento jurídico nacional.

Ante o exposto, é cediço que o ornenamento jurídico costuma diferenciar tais familiares privilegiados dos demais sujeitos familiares, como consequência desse princípio, portanto, fica notório que as referidas normas e decisões respeitam e promovem a restrição de um pequeno grupo de parentes privilegiados devido a um princípio que tem norteado o ordenamento jurídico brasileiro há anos.

Nessa perspectiva, Oliveira (2020, n.p) também diz que “há hipóteses de primos mais próximos afetivamente do que irmãos ou de que pais”, logo, é imperioso destacar que o juiz poderá, a depender do caso concreto, flexibilizar ou até mesmo afastar esse privilégio tido por alguns familiares, obedecidos os preceitos legais para isso, considerando que em vários casos uns familiares podem ser mais próximos que outros, entendendo-se e respeitando-se as mais diversificadas organizações familiares que exitem na sociedade.

6. DA LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR DANO MORAL REFLEXO

Após esclarecer o significado de termos essenciais correlacionados ao assunto, a seguir será expendido também o significado de legitimidade processual, qual sua relevância para o ordenamento jurídico brasileiro, a previsão no atual código processual civil, bem como no código processual civil anterior, o papel que desempenha nos processos e sua relação com o problema da pesquisa em comento.

A legitimidade ad causam corresponde à titularidade que alguém tem para pleitear um determinado direito em uma determinada ação, ou seja, é o atributo jurídico disponibilizado a um sujeito para estar presente em uma determinada situação jurídica, como um processo judicial, por exemplo. Portanto, depreende-se que deve existir um vínculo entre as pessoas e a situação jurídica e o direito a ser pleiteado:

A legitimidade ad causam, portanto, diz respeito a pertinência subjetiva da ação, consistindo na análise de vínculo entre os sujeitos da demanda e a situação jurídica afirmada. Por regra, os legitimados ao processo são os sujeitos da lide, titulares dos interesses em conflito, ressalvadas as hipóteses de legitimação extraordinária. (RIBEIRO, 2018, n.p)

Aliás, a legitimidade ad causam, no antigo código de processo civil de 1973, foi considero um elemento tão importante que o ordenamento jurídico brasileiro da época declarava extinto o precesso se ele não estivesse sendo respeitado, sendo ele uma das três condições da ação:

[…]Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) […] Vl – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. (BRASIL, 1973, n.p, grifo nosso)

Já no chamado Novo Código de Processo Civil, de 2015, a legitimidade ad causam passou a pertencer ao rol de pressupostos processuais, uma vez que a categoria das condições da ação foi excluída, sendo um requisito de adminissibilidade que se relaciona com as partes da demanda, que deverão ser titulares dos interesses do conflito, cuja inobservância também acarreta na extinção do processo sem resolução do mérito:

O Código de Processo Civil de 2015 extinguiu, como categoria, as condições da ação. Note-se: o instituto foi extinto, mas seus elementos permaneceram intactos, tendo sofrido, contudo, um deslocamento. Tomando-se o fato de que o magistrado realiza dois juízos (de admissibilidade e mérito), o novo CPC buscou separar os elementos integrantes das condições da ação alocando-os em pressupostos processuais (relativos ao juízo de admissibilidade da ação) e como questão de mérito. (FILHO, 2015, n.p)

Nesta lógica, salienta-se que é indubitável que no atual ordenamento brasileiro qualquer pessoa que sofra um dano tem legitimidade para pleitear reparação indenizatória pela lesão que teve que suportar. Também não restam dúvidas que a morte de alguém pode gerar abalos incalculáveis para várias pessoas do ciclo de convivência, como familiares, parentes, amigos, compenheiros e cônjuges, dentre outros.

Todavia, se o Brasil não prevê lei que se expresse acerca dos danos morais reflexos, também não previu expressamente quem pode pleitear tal reparação, por óbvio. Nesse sentido, a indagação que surge refere-se quanto ao limite da legitimidade para pleitear o dano moral em ricochete, cuja resposta ainda não se identifica em lei, ficando a cargo da jurisprudência o estabelecimento do rol, em suas decisões.

Insta informar que nem sempre o judiciário brasileiro foi favorável à reparação de dano moral por morte, considerando que antes da Constituição Federal de 1988 não existia, ainda, um seguimento de ideias sobre a reparação de um terceiro devido à morte de uma vítima ligada a ele, e por conta disso, os juízes levavam em consideração a omissão da lei, que não dispunha sobre tal reparação:

[…] jurisprudência anterior à Constituição de 1988 era majoritária no sentido da impossibilidade de sua reparação e isso – pasme-se – com um fundamento de interpretação puramente gramatical: não havia disposição expressa em letra de lei para tal caso. (MATOS, 2018, p. 496)

Apesar disso, após a carta magna o judiciário passou a mudar a postura com relação ao tema, pautando-se numa interpretação sistemática, que engloba toda a intenção do ordenamento jurídico, que, como já dito, passou a aceitar a repação por dano moral devido à morte de um ente querido, legitimando os parentes mais próximos da vítima para obter tal direito.

Contudo, também há decisões do Superior Tribunal de Justiça que legitima a parentes mais distantes da vítima o direito à reparação pelo dano moral reflexo em questão, como por exemplo o sobrinho. No caso, em decisão no Recurso Especial nº 239.009/RJ, que teve como relator o Ministro Salvio de Figueiredo Teixeira, dispensou-se até mesmo o fato de o sobrinho não ser dependente economicamente do tio, vítima direta, levando-se em consideração apenas o sofrimento e trauma dele:

PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE. DANO MORAL. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE IRMÃOS E SOBRINHOS DA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. CONVÍVIO FAMILIAR SOB O MESMO TETO. AUSÊNCIA DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTE DA TURMA. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO. I – A indenização por dano moral tem natureza extrapatrimonial e origem, em caso de morte, no sofrimento e no trauma dos familiares próximos das vítimas. Irrelevante, assim, que os autores do pedido não dependessem economicamente da vítima. II – No caso, em face das peculiaridades da espécie, os irmãos e sobrinhos possuem legitimidade para postular a reparação pelo dano moral. (BRASIL, 2000, n.p)

O Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em voto proferido no recurso especial supracitado, ainda complementa:

Não há razão para impedir, em princípio, que qualquer parente, seja ele ascendente, descendente ou colateral, postule a indenização por danos morais, independentemente de haver ou não dependência econômica com a vítima. […] Para o recebimento da indenização, é a demonstração de que a parte veio a sofrer intimamente com o acontecimento, sendo certo, de outro lado, que se poderá provar que o convívio familiar entre os parentes não era de muita proximidade, cabendo ainda ao julgador sopesar todos os elementos dos autos para os fins de quantificação indenizatória. (BRASIL, 2000, n.p)

Sendo assim, o Superior Tribunal de Justiça segue a linha de raciocínio que ascendentes, descedentes e colaterais podem pleitear a indenização em comento, sem levar em consideração qualquer vínculo econômico entre eles. Nessa perspectiva, o Recurso Especial 1.076.160/AM, da relatoria do em. Ministro Luis Felipe Salomão é extremamente importante para o tema em questão, pois trata objetivamente da extensividade e limitação da legitimidade para pleitear dano moral reflexo:

[…] 1. Em tema de legitimidade para propositura de ação indenizatória em razão de morte, percebe-se que o espírito do ordenamento jurídico rechaça a legitimação daqueles que não fazem parte da “família” direta da vítima, sobretudo aqueles que não se inserem, nem hipoteticamente, na condição de herdeiro. […] Assim, como regra – ficando expressamente ressalvadas eventuais particularidades de casos concretos -, a legitimação para a propositura de ação de indenização por dano moral em razão de morte deve mesmo alinhar-se, mutatis mutandis, à ordem de vocação hereditária, com as devidas adaptações. 3. Cumpre realçar que o direito à indenização, diante de peculiaridades do caso concreto, pode estar aberto aos mais diversificados arranjos familiares, devendo o juiz avaliar se as particularidades de cada família nuclear justificam o alargamento a outros sujeitos que nela se inserem, assim também, em cada hipótese a ser julgada, o prudente arbítrio do julgador avaliará o total da indenização para o núcleo familiar, sem excluir os diversos legitimados indicados. […]

5. Nessa linha de raciocínio, conceder legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma forma, suportaram a dor da perda de alguém – como um sem-número de pessoas que se encontram fora do núcleo familiar da vítima – significa impor ao obrigado um dever também ilimitado de reparar um dano cuja extensão será sempre desproporcional ao ato causador. Assim, o dano por ricochete a pessoas não pertencentes ao núcleo familiar da vítima direta da morte, de regra, deve ser considerado como não inserido nos desdobramentos lógicos e causais do ato, seja na responsabilidade por culpa, seja na objetiva, porque extrapolam os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente. 6. Por outro lado, conferir a via da ação indenizatória a sujeitos não inseridos no núcleo familiar da vítima acarretaria também uma diluição de valores, em evidente prejuízo daqueles que efetivamente fazem jus a uma compensação dos danos morais, como cônjuge/companheiro, descendentes e ascendentes. […] (BRASIL, 2012, n.p)

Com isso, percebe-se que o STJ decidiu que, via regra geral, apenas os familiares da vítima direta têm a legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo devido à morte do ente querido, levando-se como base a órdem de vocação hereditária. Conduto, na decisão há a ressalva de que o julgador deverá analisar o caso concreto para saber se poderá ou não extender os sujeitos que fazem parte do núcleo familiar da vítima direta, já que o termo “família” pode abranger os mais variados tipos de pessoas, não apenas aqueles previstos na órdem de vocação herediatária, além de também poder afastar aqueles familiares que não possuem vínculo afetivo, mesmo sendo de grau parentesco mais próximo. A decisão em comento também ressalva que conceder a legitimidade para pleitear reparação por dano moral reflexo a todos aqueles que se sentiram abalados devido à morte de um ente querido, inclusive aqueles que não estão no núcleo familiar, poderia acarretar em reparação a pessoas ilimitadas, sendo algo descabível e não correspondente com o ordenamento jurídico brasileiro.

7. CONCLUSÃO

A morte de alguém pode causar imensuráveis danos emocionais, psíquicos e mentais a certos indivíduos ligados à vítima por laços afetivos, principalmente nos casos em que a vida daquele indivíduo estava legalmente resguardada, seja por uma pessoa física ou por uma pessoa jurídica, como o exemplo da instituição bancária citado alhures. Tutelar a proteção dos indivíduos que passam pelo luto relacionado à vítima direta nesses casos é um notório avanço na jurisdição brasileira e emerge um direito significativamente moderno: a reparação pelo dano moral reflexo devido à morte de um ente querido.

O dano mencionado atinge uma série de direitos de personalidade que têm sua proteção garantida e faz parte da essência natural do indivíduo, e que passaram por vários processos de mutação em meio a mudanças sociais, filosóficas e históricas que influenciaram significativamente na criação e aprimoramento do que conhecemos como direito de personalidade atualmente. Já a ideia de dano moral reflexo se iniciou na jurisprudência francesa e foi conquistando a jurisprudência de outros países, quando o conceito de direito de personalidade e de dano moral já estava bastante consolidado.

No Brasil, mesmo que não haja registro em lei sobre a reparação pelo dano moral reflexo, a jurisprudência tem garantido tal direito nas últimas décadas, e que para delimitar a legitimidade da ação, o juiz, sob infliência do princípio do prestígio aos familiares privilegiados, tem usado o núcleo familiar como a base de legitimados, principalmente pela órdem de vocação hereditária, devendo fazer, apesar disso, a análise do caso concreto para identificar se aquele que figura o polo ativo realmente tem ou não vínculo afetivo com a vítima e se realmente sofreu lesão extrapatrimonial devido à morte desta, podendo o julgador flexibilizar a prévia linha de presunção de proximidade afetiva estabelecida, ou até mesmo afastar familiares devido à falta de proximidade afetiva.

Sob essa perspectiva, a pesquisa buscou e conseguiu explicar os vários conceitos relacionados ao teor principal, que é a legitimidade para pleitear o dano moral reflexo, extraindo o significado de cada termo correlacionado para concretizar a ideia principal. Além disso, foi perspicaz ao relacionar o princípio do prestígio aos familiares privilegiados com a legitimidade em comento, agindo como agente norteador para tomada da decisão. Ademais, também obteve êxito ao extrair os entendimentos jurisprudenciais sobre a legitimidade para requerer reparação por dano moral reflexo, sanando a dúvida obtida no problema, demonstrando o que nosso ordenamento jurídico concretizou sobre o tema.

Sendo assim, o trabalho permitiu esclarecer que o ordenamento jurídico brasileiro é claro no que diz respeito à extensividade e limitação da legitimidade para pleitear reparação pelo dano moral reflexo sofrido devido à morte de um ente querido, tendo alcançado, com empenho, o objetivo principal da pesquisa.

Por fim, espera-se que o poder legislativo brasileiro concretize o direito em questão expressamente por meio de lei, e que seus termos sejam claros na delimitação e extensividade dos sujeitos que poderão figurar no polo ativo da ação, bem como nortear em quais casos tal direito poderá ser pleiteado, bem como flexibilizado, à luz do caso concreto, seja por culpa e/ou dolo, garantindo, assim, a reparação pelo dano sofrido pelos terceiros que perderam alguém que tanto considerava ou amava, e que infelizmente não poderão mais compartilhar momentos juntos aqui na Terra.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Mário de Souza. Elaboração de projeto, TCC, dissertação e tese: uma abordagem simples, prática e objetiva – 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria geral da responsabilidade civil. 7. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot. 1993.

BAILLY, Anatole. Dicionário: grego-francês. Escrito com a ajuda de E. Egger. Paris: Hachette, 1950.

BARRETO, Júlia d’Alge Mont’ Alverne. Préjudice d’affection: como o direito francês indeniza os danos morais reflexos. Revista Consultor Jurídico, 03 de outubro de 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-out-03/direito-civil-atual-prejudice- daffection-direito-frances-indeniza-danos- reflexos#:~:text=Os%20danos%20reflexos%2C%20esp%C3%A9cie%20de,financeira%20ao%20membro%20de%20uma. Acesso em 08 de setembro de 2023.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>>. Acesso em: 10 de maio de 2023.

BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 15 de maio de 2023.

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 11 de outubro de 2023.

BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Instituio Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 de maio de 2023.

BRASIL. Recurso especial nº 239.009 – RJ de 13 de junho de 2000 do Superior Tribunal de Justiça. Dispões sobre responsabilidade civil, legitimidade e indenização por dano moral. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/ita/documento/?num_registro=199901050120&dt_publica cao=04/09/2000&cod_tipo_documento=1#:~:text=RECURSO%20PROVIDO.,n%C3%A3o% 20dependessem%20economicamente%20da%20v%C3%ADtima. Acesso em 07 de setenbro de 2023.

BRASIL. Recurso especial nº 1.076.160 – AM de 21 de junho de 2012 do Superior Tribunal de Justiça. Dispõe sobre limites da legitimidade para pleitear dano moral reflexo ou por ricochete. Disponível em: https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=21135376&tipo=3&nreg=200 801608299&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20120621&formato=PDF&salvar=false. Acesso em 06 de setembro de 2023.

FILHO, Otávio Bueno da Fonseca. Novo Código de Processo Civil quebra paradigma das “condições da ação”. Revista Consultor Jurídico, 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-30/otavio-fonseca-cpc-quebra-paradigma-condicoes- acao>. Data de acesso: 14/10/2023.

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. – São Paulo: Atlas, 2012.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol. 3. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GODOY, Arilda Schmidt. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, v. 35, n. 2, p. 57-63, São Paulo, 1995.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. GOMES, Orlando. Obrigações. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

KAUARK, Fabiana. MAGALHÃES, Fernanda Castro. MEDEIROS, Carlos Henrique. Metodologia da pesquisa: guia prático. Itabuna. Via Litterarum, 2010.

MATOS, Eneas. STJ – Recurso Especial 1.270.983/SP – Comentário por Eneas Matos. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 14. ano 5. p. 491-521. São Paulo: Ed. RT, jan.- mar. 2018.

MORESI, Eduardo. Metodologia da pesquisa. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2003. Disponível em: http://www.inf.ufes.br/~pdcosta/ensino/2010-2-metodologia-de- pesquisa/MetodologiaPesquisa-Moresi2003.pdf. Acesso em: 10 de maio de 2023.

MOTTA, Ivan Dias da; MOCHI, Cássio Marcelo. Os direitos da personalidade e o direito à educação na sociedade da informação. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, novembro de 2009.

OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. Princípio do prestígio aos familiares privilegiados e o dano moral reflexo. Revista Consultor Jurídico, 26 out. 2020. Direito Civil Atual. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-out-26/direito-civil-atual-principio-prestigio-aos- familiaresprivilegidos-dano-moral-reflexo>. Acesso em: 12 jan. 2023

RIBEIRO, Adelmo Dias. Legitimidade ad causamNCPC. Revista JusBrasil, 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/legitimidade-ad-causam- ncpc/627370703. Acesso em 27 de maio de 2023.

SILVA, Hugo Gregório Mussi. A Origem e a evolução dos Direitos Da Personalidade e a sua tutela no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Publicado em 2016. Disponível em http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/view/5571/5297. Acesso em 12.05.2023.

SILVA, Rafael Peteffi da. Sistema de Justiça, Função Social do Contrato e a Indenização do Dano Reflexo ou por Ricochete. Revista Sequência (UFSC), Florianópolis, v. 63, 2011.

SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1955.


1 Artigo apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito, em 2023.

2 Graduando em Direito na Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA, em Itamaraju (BA). E-mail: rodrigo.angeli10@hotmail.com

3 Professor-Orientador. Graduado em DIREITO pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicada (2006). Advogado- OAB/BA nº 24.648; Vereador Câmara Mun. de Prado/BA; Ex- Assessor do Dep Federal Neto Carletto; Assessor do Diretório Estadual do Partido Avante/BA; Ex Assessor Jurídico da Câmara de Alcobaça/Ba; Ex Assessor Jurídico do Mun. de Itabela/Ba; Ex-Assessor do Dep Federal Ronaldo Carletto; Ex Assessor Jurídico da Câmara Mun. de Eunápolis/BA, Prof. Universitário FACISA/Itamaraju/Ba – Direito Processo Penal; Direito Municipal e Urbanístico, Direito Eleitoral; Ex-Assessor Jurídico da Câmara de Vereadores de Itamaraju/Ba; Especialista em Direito Público Municipal pela Universidade Católica do Salvador; Ex Assessor Jurídico do Mun. de Prado/Ba 2013-2020; Ex assessor jurídico da Câmara de Vereadores do Prado/Ba; Ex assessor Jurídico da Câmara de Vereadores de Jucuruçu/Ba; Ex Diretor Tesoureiro da OAB/BA Subseção de Itamaraju/BA; Ex coord. do curso de direito e prof. de Direito Penal Econômico, Direito Penal III e IV, Direito das Sucessões, Introdução ao Estudo do Direito, Direito Humanos e Estágio Supervisionado II na FACISA; Sócio-administrador do escritório Rocha Leite & Madeiro Advocacia Consultoria Jurídica; Ex Prof. do curso de Direito da Unesul-Bahia em Eunápolis/Ba, Ex aluno especial do curso de Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória; ex Assessor do Secretário Estadual de Desenvolvimento e Integração Regional do Estado da Bahia Wilson A. de Brito Filho; Agraciado com o Título de Cidadão Pradense, Alcobacense e Itamarajuense aprovado por unanimidade pelas respectivas Câmara de Vereadores; Prof. homenageado DIREITO-FACISA – FORMADOS 2011-1; 2011-2; 2012-2; 2013-1; 2013-2 e 2014-2. E-mail: rochaleiteadvocacia@hotmail.com.