A ADEQUAÇÃO DA ADVOCACIA À REALIDADE DIGITAL EM TEMPOS DE COVID- 19: DESAFIOS E OPORTUNIDADES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10201386


Cabral, Maria Anitta Francisca Santos1
Pasitto, Fernando Teles2


RESUMO

O presente artigo realiza uma análise sobre a adaptação da advocacia brasileira à realidade digital no contexto da pandemia de Covid-19. Dessa forma, busca compreender o problema gerado pelos impactos deixados pela crise sanitária no setor jurídico brasileiro e as estratégias adotadas para incorporar a realidade digital. A pandemia da Covid-19 acelerou a necessidade de adaptação dos advogados ao ambiente digital, especialmente em questões relacionadas à ética e o Marketing profissional, ao acesso à justiça e à eficiência da atuação jurídica. Nesse contexto, a problemática desse estudo consiste em investigar como a advocacia brasileira vem se adaptando à nova realidade digital advinda da pandemia e quais são os desafios e as oportunidades enfrentados pela comunidade jurídica. O objetivo geral desta pesquisa é analisar as mudanças ocorridas no cenário jurídico brasileiro pelo viés digital, compreendendo os impactos decorrentes do distanciamento social. Em seguida, serão discutidos os seguintes objetivos específicos: identificar as principais transformações ocorridas na prática advocatícia devido ao acelerado crescimento digital proporcionado pela pandemia; analisar os desafios e as oportunidades enfrentados pelos profissionais do direito no uso das ferramentas e inovações digitais e, por fim, apresentar alternativas coerentes para a transição dos advogados tradicionais para o mundo digital. Para atender a essa demanda, realizou-se uma pesquisa qualitativa baseada em revisão bibliográfica, investigando a adaptação da advocacia brasileira ao contexto digital. A pandemia da Covid-19 evidenciou a necessidade de ajuste tanto por parte dos advogados mais jovens quanto dos veteranos ao ambiente digital. Essa adaptação se revela essencial para a continuidade da prestação jurisdicional em períodos de crise, oferecendo oportunidades significativas para a modernização e inovação do setor jurídico. Nesse sentido, este estudo contribui de maneira substancial para a reflexão sobre os desafios e oportunidades enfrentados pela advocacia diante das transformações iminentes.

Palavras-chave: Advocacia. Pandemia. Adaptação. Realidade Digital.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a digitalização do direito contemporâneo teve seu marco inicial com a promulgação da Lei 11.419/2006, que versa sobre a informatização dos processos judiciais. De maneira geral, os processos que antes tramitavam fisicamente migraram para o ambiente online, transformando a forma como tanto o Poder Judiciário quanto os membros da Ordem dos Advogados do Brasil conduziam suas atividades.

A irrupção da pandemia da Covid-19 impactou abruptamente o cotidiano dos cidadãos brasileiros, gerando questionamentos e incertezas em relação ao “novo normal”. O distanciamento social, como medida preventiva, levou à implementação do tele trabalho como alternativa para manter a continuidade das atividades laborais, incluindo as do âmbito jurídico. Diante desse contexto, surge a indagação central: de que maneira a advocacia brasileira tem se adaptado à nova realidade digital imposta pela pandemia e quais são os desafios e oportunidades enfrentados pela comunidade jurídica?

Este artigo tem como objetivo principal analisar as mudanças ocorridas no cenário jurídico brasileiro, com foco no aspecto digital, considerando os impactos do distanciamento social causado pela pandemia na atuação dos advogados. Com base nessa premissa, delinearam-se objetivos específicos que consistem em identificar as principais transformações na prática advocatícia devido ao rápido crescimento digital provocado pela pandemia, analisar os desafios e oportunidades enfrentados pelos profissionais do direito ao adaptarem-se ao uso de ferramentas e tecnologias digitais, incluindo o marketing estratégico e o acesso à justiça, e, por fim, apresentar alternativas coerentes para a transição dos advogados tradicionais para o ambiente digital.

É crucial ressaltar que esse tema está em destaque no cenário pós-pandemia, referindo-se ao crescente uso de meios digitais e tecnológicos para aprimorar a atuação do advogado diante da competitividade no mercado jurídico. Assim, com o fechamento de escritórios e tribunais, a classe advocatícia voltou-se para o ambiente online, resultando em uma rápida evolução na produção de processos e no atendimento remoto aos clientes.

Desse modo, com o fechamento dos escritórios e dos tribunais, a corrida para manter-se em constância no ambiente de trabalho levou a classe advocatícia a recorrer ao ambiente online, proporcionando uma acelerada evolução na produção dos processos e no atendimento aos clientes de forma remota.

Quanto à metodologia utilizada, orientou-se a pesquisa por meio de abordagens qualitativas, coletando informações de bancos de dados acadêmicos, como SciElo, repositórios eletrônicos de universidades brasileiras (PUC, UFSB, entre outras), além de investigações bibliográficas e exames sistemáticos de teses, dissertações, artigos e reportagens online.

A pesquisa bibliográfica inicial abordará o contexto histórico da internet no âmbito jurídico brasileiro e mundial, seguido pela análise de decretos e normas que regulamentaram o distanciamento, a atuação dos escritórios sob a perspectiva da Advocacia 4.0 e a iminência do marketing digital e do networking para a funcionalidade dos escritórios e a figura do advogado.

Os resultados obtidos indicaram que a pandemia da Covid-19 impulsionou a necessidade de adaptação da advocacia brasileira ao ambiente online. Os advogados buscaram superar desafios tecnológicos, como a implementação de sistemas de videoconferência e a garantia da segurança das informações, bem como a relevância das questões éticas na produção do marketing e do networking digital dos escritórios.

A pesquisa também ressaltou a importância da capacitação profissional, tanto para jovens advogados quanto para os veteranos, visando manter a relevância em um cenário de alta concorrência no Brasil e o acesso à justiça, que foi prejudicado e enfatizado em algumas esferas populacionais.

No geral, espera-se que as reflexões e soluções apresentadas possam contribuir para a atualização e regulamentação de normas que regem a atuação dos advogados nessa nova realidade, afim de garantir a efetividade e a abrangêcia da justiça em todas as esferas.

2. METODOLOGIA

A metodologia é uma das partes cruciais para a elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso, pois representa a descrição do caminho a ser percorrido durante toda a pesquisa. Abrange as etapas que serão desenvolvidas e define quais técnicas e procedimentos serão utilizados para alcançar os objetivos propostos.

De acordo com Gil (2010, p. 26), a metodologia da pesquisa é “o conjunto de procedimentos que o pesquisador adota para conduzir sua pesquisa de maneira sistemática e racional, garantindo a validade e a confiabilidade dos resultados obtidos.”

O procedimento adotado neste trabalho consiste em uma abordagem qualitativa, considerando que a presente pesquisa terá uma natureza exploratória. Serão analisados documentos e bibliografias para compreender as inovações enfrentadas pelos advogados durante o período de pandemia da Covid-19.Por conseguinte, a pesquisa qualitativa é delimitada por Gil como

“A pesquisa qualitativa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado, trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” (Gil, 2010, p. 47).

A realização da pesquisa, portanto, consiste em abordagens além do cunho operacional, devendo o pesquisador buscar o aprofundamento, os motivos e as razões pelas quais a investigação acadêmica possui relevãncia.

Neste estudo, dedicou-se esforço à investigação dos eventos que contribuíram para a adaptação dessas inovações digitais. Dessa forma, a metodologia adotada é descritiva e explicativa, visando apresentar aspectos lógicos que contribuam para um entendimento aprimorado do obstáculo.

No que concerne à forma como a pesquisa foi elaborada, o estudo descritivo e explicativo utilizado neste trabalho serviu para descrever e explicar a situação da advocacia em tempos de Covid-19 e afastamento social. Conforme Lakatos e Marconi (2010), “O estudo descritivo tem como objetivo descrever as características de determinado fenômeno, enquanto o estudo explicativo busca compreender as causas e os efeitos de determinado fenômeno”.

Assim, o estudo descritivo consolida uma varredura minuciosa das características observáveis de um fenômeno, proporcionando uma visão mais clara e abrangente do objeto estudado. Por outro viés, o estudo explicativo busca entender as razões subjetivas, a causuística e os efeitos resultantes do objeto.

Conforme Amaral (2007), a pesquisa bibliográfica deve levar em consideração todas as informações relevantes a qual influenciarão o teor da investigação:

[…] é uma etapa fundamental em todo trabalho científico que influenciará todas as etapas de uma pesquisa, na medida em que der o embasamento teórico em que se baseará o trabalho. Consistem no levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de informações relacionadas à pesquisa (Amaral, 2007, p. 1).

Por conseguinte, para obter os resultados finais do estudo foi necessária a pesquisa bibliográfica e o levantamento de dados pertinentes, ou seja, dados coletados através de buscas em sites e revistas acadêmicas como SciElo Brasil, Repositório Institucional da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal da Bahia (UFBA), artigos e revistas científicas dispostas no Google Acadêmico, jornais e mídias sociais, entre outros, afim de embasar a escrita final.

3. BREVE CONTEXTO MUNDIAL E NACIONAL DOS IMPACTOS DA PANDEMIA NA ADVOCACIA.

A pandemia da COVID-19, que impactou de forma abrangente a sociedade e a economia a partir de março de 2020, suscitou uma série de questionamentos entre os advogados, assim como em outras profissões. Além das preocupações com a própria saúde e a vida pessoal, havia a inquietação sobre como o distanciamento social afetaria o cotidiano laboral.

Contrariamente, para surpresa de muitos estudiosos da área, a pandemia revelou-se uma aliada para muitos escritórios de advocacia. Os empregadores optaram por enviar para casa os colaboradores que não precisavam estar fisicamente no local de trabalho para desempenhar suas funções. Essa decisão resultou em economia significativa nos registros financeiros das empresas e nos salários dos funcionários (Crecelius, J.D., 2022. Tradução nossa).

Consoante ao relatório anual da Harvard Law Bulletin, o lucro alcançado pelos associados nas principais firmas dos Estados Unidos aumentou progressivamente em 20% no ano de 2021. Observou-se, assim, um aumento considerável na produtividade dos advogados com o trabalho remoto provocado pelo lockdown.

Segundo o Professor e pesquisador do direito David Wilkins, renomado diretor acadêmico do Centro de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito de Harvard, a pandemia da COVID-19 trouxe desafios sem precedentes para o exercício da atividade jurídica, demandando uma adaptação ágil e eficiente dos profissionais do direito. Wilkins afirma que “a pandemia e questões relacionadas a esta destacaram a importância do direito e dos advogados, mostrando que o Estado de Direito nunca foi tão crucial” (Wilkins, 2022. Tradução Nossa).

Por outro lado, em consoante ao artigo da associação de consultoria jurídica ETL Rechtsanwälte (2021), na Alemanha o questionamento voltou-se para a necessidade de manter contínuo os setores profissionais. O judiciário alemão enfrentou demasiadas disputas acerca das medidas de distanciamento social durante a pandemia de COVID-19.

Desde a primeira manifestação global da covid-19, na primavera de 2020, foram produzidas inúmeras decisões judiciais na Alemanha, onde em muitos dos casos discutidos, o setor público reconheceu a legalidade das restrições à liberdade impostas pelo governo local e as regulamentações implementadas no início pandemia, afim de proteger a integridade e a saúde dos habitantes.

No entanto, ao longo do tempo, essas decisões judiciais passaram a requerer uma análise mais cuidadosa e individual de cada caso concreto. Mesmo com a observância singular, a maioria dos pedidos para que não fossem aprovadas as medidas de distanciamento não obteve sucesso.

Aproximadamente 90% dos processos encerrados resultaram a favor do entendimento formado pelo setor público. Consequentemente, as restrições também afetaram a esfera jurídica e as formas pelas quais o exercício da advocacia poderia manter-se de forma contínua e eficaz. No Brasil, antes do advento da pandemia da covid-19, a utilização da tecnologia no judiciário já era recorrente, visto a consolidação de meios de comunicação entre juristas e advogados através de portais processuais como o PJE, do qual é amplamente utilizado, servindo de modelo as demais nações, como veremos no próximo capítulo.

No entanto, o exercício da advocacia seguia predominantemente um modelo tradicional, no qual as interações entre advogados, clientes e demais operadores do sistema judiciário ocorriam de forma presencial. Os advogados realizavam suas atividades em seus escritórios, compareciam fisicamente a audiências, despachos e reuniões com clientes e outros profissionais do direito. Apesar de a maioria dos documentos não ser mais elaborada e armazenada fisicamente, algumas esferas em juízo ainda demandavam documentação física, como é o caso dos cartórios.

Consequentemente, a comunicação entre os operadores do direito e seus clientes de forma presencial também se tornou obsoleta, dada a facilidade e a expansão da interação online, acelerada pelo distanciamento social causado pela pandemia. O distanciamento social, assemelhando-se a outros países citados, tornou-se um impasse inevitável para os advogados. A captação de clientes foi prejudicada, além da preocupação em se adequar às vias online pelas quais o judiciário aderiu, como será discutido mais adiante.

4. EVOLUÇÃO DIGITAL NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

O progresso tecnológico desempenha um papel transformador em diversas esferas da sociedade, incluindo o campo jurídico. A digitalização do direito tem se consolidado como uma realidade cada vez mais presente em nível global, ocasionando mudanças significativas na administração e aplicação da justiça. Para uma compreensão abrangente desse fenômeno, é crucial contextualizá-lo em um âmbito histórico mais amplo, abarcando as etapas evolutivas da digitalização do direito e suas implicações em escala mundial.

Uma citação relevante sobre o tema é de Lawrence Lessig, renomado professor de Direito e especialista em questões relacionadas à tecnologia e ao direito, extraída do livro “Code and Other Laws of Cyberspace”. Lessig afirma que o processo de digitalização do direito representa uma jornada histórica que está redefinindo os alicerces sobre os quais a sociedade estabelece suas normas e relações jurídicas (Lessig, 2006, tradução livre).

Tal citação destaca a importância de compreender o processo de digitalização como uma progressão histórica, caracterizada por transformações na estrutura do sistema jurídico e nas formas de interação entre as partes envolvidas.

Dessa forma, com o advento da virada do século XXI, as ambientações cibernéticas passaram a universalizar as interações individuais, apresentando uma estrutura inédita de oportunidades e conhecimento na chamada internet. Assim, é possível notar um grande avanço na consolidação do direito digital em solo brasileiro, visto que este surgiu como uma área específica de estudo e atuação no âmbito jurídico.

O avanço acelerado das tecnologias da informação e comunicação trouxe desafios e demandas jurídicas nunca antes vistas, exigindo assim uma nova abordagem por parte dos cursos formais e profissionais da área do direito.Por conseguinte, nota-se que uma das primeiras utilizações de tecnologia no exercício legislativo e advocatício seria o uso dos fax, instituído pela Lei nº 9.800/1999, a qual trouxe uma significativa inovação para a transmissão de dados de atos processuais.

No contexto do avanço tecnológico, a Lei n. 9.800/1999 trouxe uma considerável otimização de tempo ao permitir a utilização de sistemas de transmissão de dados, possibilitando que as partes envolvidas no processo enviassem seus documentos de forma eletrônica. Isso agilizava o fluxo de informações e conferia maior celeridade aos procedimentos jurídicos. No entanto, é importante ressaltar que, de acordo com a referida lei, as partes ainda eram responsáveis por providenciar a juntada dos documentos originais posteriormente, em um prazo de cinco dias, vejamos:

Art. 2º. A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo, necessariamente, até cinco dias da data de seu término. (Brasil, 1999)

A medida tinha como objetivo garantir a segurança e autenticidade dos documentos apresentados, assegurando a validade jurídica dos atos processuais realizados por meio dessa transmissão de dados.

Posteriormente, foi implementada a Lei nº 10.259, em 2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, concretizando a realização dos atos processuais de maneira eletrônica, dispensando a apresentação posterior dos documentos em papel, conforme exigido na lei anteriormente citada (FAX).Assim, com a implementação dessa legislação surgiu o sistema do e-Proc, que permitiu uma maior celeridade, eficiência e acessibilidade dos processos judiciais, possibilitando, também, a redução de custos, representando um importante marco na digitalização do sistema judiciário brasileiro, assim como afirma o doutrinador e estudioso do Direito Civil brasileiro, Marcos Destefenni:

“Uma das grandes vantagens desse processo é a desburocratização, pois será possível a prática dos atos processuais sem a intermediação de cartório ou de secretaria. As petições em formato digital poderão ser juntadas aos autos do processo eletrônico diretamente pelos advogados, com imediato fornecimento de recibo eletrônico de protocolo” (Destefenni, 2009, p. 174)

Deste modo, é possível afirmar que, além de promover uma maior acessibilidade ao acesso à justiça, não só para os interessados em lides processuais como também para os operadores do direito, a adoção dos instrumentos tecnológicos propõe um combate à morosidade das decisões judiciais, bem como a prevalência do princípio da economicidade processual.

Ainda no mesmo ano, instituiu-se a Medida Provisória nº 2.200/2, a qual certificou o uso de assinatura eletrônica nas petições a serem juntadas por meio do instrumento de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Essa medida estabeleceu um sistema de certificação digital, permitindo que a assinatura eletrônica autenticasse documentos, garantindo sua validade jurídica. A implementação desse sistema permitiu uma maior confiabilidade na integridade das transações processuais digitais.

Por conseguinte, cumpre destacar que a norma legislativa nº 11.419/2006 , a qual dispõe sobre a informatização dos procedimentos judiciais, aprimorou o sistema judicial eletrônico, visto a urgência em manter a transparência e a celeridade processual, ao estabelecer diretrizes para a informatização do processo judicial, também possibilitou a implantação de sistemas de intimação eletrônica, que contribuíram para a redução de prazos e para a notificação das partes envolvidas.

Dessa maneira, a Lei n. 13.793/2019, que legisla acerca dos procedimentos eletrônicos, alterou significativamente a Lei n. 11.419/2006, aprimorando a estrutura da informatização do processo judicial brasileiro. Dntre as alterações promovidas, destaca-se a ampliação do rol de documentos eletrônicos admitidos como originais, bem como a instituição de mecanismos de segurança e autenticidade das informações transmitidas eletronicamente, como as assinaturas virtuais pelo uso do dispositivo token1, o qual lembra o formato de pendrive.

Com base nas disposições da lei mencionada e do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, que regula o amplo acesso à justiça, o Código de Processo Civil foi uma das legislações que se adequaram à utilização dos processos eletrônicos, vejamos:

Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei.(Brasil, 2015)

Em suma, como visto anteriormente, o avanço da tecnologia tem exercido uma influência profunda nos sistemas judiciários atuais, proporcionando uma maior eficiência, celeridade, acessibilidade e transparência nos processos judiciais. Isso contribui para a desburocratização do sistema judicial e aprimora a prestação jurisdicional.

5. ADVOCACIA 4.0

Diante do exposto, a pandemia da Covid-19 acelerou um estado de evolução humana diante do uso das tecnologias, permitindo que diversas áreas de conhecimento pudessem revolucionar suas atuações. Além disso, é inerente à natureza humana o desejo por novas descobertas, as quais são fenômenos complexos de interações sociais que não devem ser encarados como algo inevitável (Schwab, 2016).

Assim, assim como em outros eventos históricos que ocasionaram mudanças significativas na maneira como o ser humano otimiza o tempo a seu favor, como a primeira e segunda Revolução Industrial, é possível observar uma nova revolução se formando ao nosso redor. A Revolução 4.0, também conhecida como a quarta revolução Industrial, é um termo que se refere à integração desmedida de tecnologias digitais, como as inteligências artificiais e setores de automação por toda a sociedade.

“Ocorre que a base da Quarta Revolução Industrial é a integração entre o mundo digital e o mundo material na produção econômica das empresas, bem como a produção gerada apenas no meio digital (virtual). Essa integração possibilita que estas empresas atuem de forma global, ou seja, existem empresas com grande capital, atuando apenas no meio digital, sem depender do mundo material para obter lucro. Essas empresas já nascem integradas ao mundo globalizado via Internet, no qual os Estados encontram dificuldades em regulamentar e acompanhar essas transformações econômicas-tecnológicas” (Naconeski; Villatore; Izuta, 2021, p.121).

Portanto, essa globalização digital também se aplica à advocacia, já que os escritórios podem operar suas atividades virtualmente, alcançando clientes em esfera global. Contudo, esse novo paradigma apresenta desafios, especialmente no que diz respeito às dificuldades para lidar com as transformações econômicas e tecnológicas proporcionadas pela Revolução 4.0.

“A quarta revolução industrial, no entanto, não diz respeito apenas a sistemas e máquinas inteligentes e conectadas. Seu escopo é muito mais amplo. Ondas de novas descobertas ocorrem simultaneamente em áreas que vão desde o sequenciamento genético até a nanotecnologia, das energias renováveis à computação quântica. O que torna a quarta revolução industrial fundamentalmente diferente das anteriores é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitas e biológicos.” (Schwab, 2016, p. 20):

No contexto atual, a Advocacia 4.0 impulsiona uma transformação na maneira como os advogados se relacionam com seus clientes e com o ambiente de trabalho, gerando impactos que ultrapassam a simples digitalização. Trata-se de uma forma mais complexa de inovação, que se baseia na combinação de diversas tecnologias.

Isso obriga os profissionais do direito a repensarem como gerenciam seus escritórios e processos, como se posicionam no mercado jurídico, como concebem o desenvolvimento de novas soluções e como as introduzem para atender às demandas dos clientes. Nesse cenário, ajustar estratégias de marketing e de prestação de serviços torna-se crucial (Coelho, 2016, p. 15).

Deste modo, o convencionalismo passa a ser deixado de lado para dar espaço as tecnologias inusitadas que dão mais agilidade e eficiência ao trabalho, como o uso dos chatbots2 e inteligências artificiais que produzem de forma automática petições completas podem, apesar de auxiliar na conservação do tempo útil, trazer consigo o perigo da constante dependência criativa e da perda da autenticidade argumentativa por parte do advogado e dos juristas. Isso ocorre sem a devida preocupação com a proteção dos dados e a privacidade do cliente, o que coloca em risco a ética na gestão dessas informações.

Dessa forma, é notório que, conforme afirmam Bertozzi e Bucco (2017, p. 16), “O processo de transformação só beneficiará quem for capaz de inovar e se adaptar”. Em última instância, é responsabilidade de cada indivíduo assegurar que a tecnologia seja utilizada de forma cautelosa, sem que sejamos subjugados a esta.

Em um contexto coletivo, também é crucial garantir que os desafios apresentados pela tecnologia sejam devidamente compreendidos e analisados. Somente dessa forma podemos ter a certeza de que a Quarta Revolução Industrial na Advocacia irá aprimorar nosso bem-estar, em vez de causar danos (Schwab, 2016, p. 100).

6. DISTANCIAMENTO SOCIAL

A pandemia da COVID-19 teve início aproximadamente no final do ano de 2019 e logo se espalhou por todo o globo, desencadeando uma crise de saúde desenfreada e sem precedentes. Originado a partir de um novo coronavírus, o SARS-CoV-2, o vírus se disseminou de maneira rápida e alarmante, afetando milhões de pessoas em todos os continentes.

No âmbito jurídico, a pandemia provocou uma série de impactos significativos no exercício dos profissionais. O sistema judiciário enfrentou uma sobrecarga considerável, com a suspensão de prazos e a necessidade de adaptar procedimentos para garantir a continuidade. das atividades. A realização das audiências presenciais, antes altamente requisitadas, tornou-se algo inviável, o que levou à busca pela realização de audiências virtuais, com o uso de plataformas digitais para protocolar petições dentre outros.

Com os estabelecimentos jurídicos fechados e o funcionamento do judiciário suspenso, diversos receios surgiram sobre como os advogados sustentariam suas demandas. Além disso, a dúvida pairava sobre como sobreviveriam a este advento, já que com o distanciamento social não seria possível receber clientes nos escritórios, nem atrair nova clientela, não restando outra solução além do enquadramento da advocacia em novas modalidades digitais.

Ainda, deve-se frisar que, se anteriormente o advogado convencional elaborava várias petições e contratos, ou se dirigia ao tribunal para acompanhar processos, esse tipo de serviço será cada vez menos requisitado diante das novas tecnologias (Feferbaum; Silva, 2018, p. 215).

Assim, advogados tradicionais com longos anos de carreira e atuação convencional dos quais encontravam-se habituados ao modelo genérico de trabalho foram confrontados com a urgência de se adaptar ao marketing digital e estratégico e incorporar novas habilidades tecnológicas em sua prática profissional.

Elenca o autor, ainda, que a otimização do tempo ocorre com a democratização do acessoà justiça, a qual vem eliminar o exercício monótomo e repetitivo por parte dos operadores do direito. Desse modo, os advogados conseguiriam, assim, dedicar-se completamente em suas estratégias (Feferbaum; Silva, 2018, p. 216).

Deve-se ressaltar, portanto, que em tempos de pandemia enfrentamos uma disputa intensa, uma espécie de “cabo de guerra”, em que de um lado estarão aqueles em busca de receber seus direitos, enquanto do outro lado estarão aqueles que enfrentam dificuldades financeiras e, assim, não possuem condições de arcar com suas obrigações. É importante frisar que, por trás dessa dinâmica, estão interesses comuns, em que todas as partes estão lutando pela sobrevivência (Tilkian, 2020).

Um estudo atribuído ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , no ano de 2020, destaca que o Brasil possui a maior proporção de advogados por habitante em todo o mundo, contando com aproximadamente 1,3 milhão de profissionais atuantes.3 Essa quantidade expressiva representa um advogado para cada 164 brasileiros, de acordo com dados do Instituto. Esse fenômeno é diretamente atribuído à demasiada abertura de novos cursos de direito pelo país.

Com aproximadamente 1,8 mil instituições de ensino jurídico e um número de estudantes que ultrapassa os 700 mil, surge o questionamento não apenas sobre a qualidade intelectual dos profissionais, mas também sobre a intensificação da concorrência no mercado jurídico, impulsionada pela transição do espaço físico para o digital.

Entretanto, mesmo considerando que a classe judiciária está familiarizada com as ferramentas de trabalho aprimoradas pelo avanço tecnológico, como os portais de peticionamento e consulta processual mencionados anteriormente, é interessante observar, inicialmente, que os advogados enfrentavam dificuldades ao lidar com essas ferramentas. Isso se evidenciava pelo fato de que muitos buscavam otimizar suas atividades por meio de plataformas mais simplificadas e pela contratação de estagiários com habilidades em tecnologia da informação para auxílio nas tarefas diárias.

Nesse sentido, as oportunidades geradas pela rápida transição para o trabalho remoto e a adoção de medidas de distanciamento social impulsionaram a necessidade de utilizar ferramentas tecnológicas para o exercício da advocacia e aprimorar o seu tempo em busca de novos públicos, com o uso de softwares e IA (Inteligência Artificial) no processo de produção, restando límpido que “Ter sucesso na advocacia moderna significa ter empenho, foco, estratégia e produção intelectual tangível. As mídias sociais permitiram ampliar o alcance desta produção – porém a inteligência artificial a levará a níveis inacreditáveis. […]” (Bertozzi; Bucco, 2017, p. 18).

A demanda por serviços online e a formalização de audiências virtuais tornaram-se a nova realidade, exigindo que os advogados abandonassem o comodismo e se adequassem às tecnologias da informação e comunicação eminente. Aqueles que não possuíam conhecimento digital se viram diante de um vasto e complicado desafio, que demandou uma rápida capacitação para garantir a continuidade da sua profissão e a efetividade na prestação de serviços jurídicos, a fim de não se deixar sucumbir à concorrência.

7. LIMITAÇÕES AO ACESSO À JUSTIÇA

A pandemia da Covid-19 representou um divisor de águas em muitos aspectos da sociedade, e o acesso à justiça não foi exceção. As restrições de distanciamento social e as medidas de isolamento impostas pela crise sanitária afetaram profundamente a forma como as pessoas, especialmente as mais vulneráveis, buscaram e receberam assistência jurídica. Neste contexto, o acesso à justiça se tornou um desafio ainda maior para aqueles que já estavam em desvantagem.

O direito de acesso à justiça, ao longo da história, assumiu diferentes tipos e formas, correlacionando sua existência a regimes religiosos e, como na Grécia Antiga, à figura dos pretores, mas sempre com a finalidade de garantir a efetivação dos direitos humanos.

No momento atual, o acesso à justiça não se limita apenas a processos judiciais formais, mas também envolve a capacidade de compreender e utilizar recursos legais e serviços jurídicos de forma significativa. A pandemia da Covid-19 destacou a necessidade de repensar como as pessoas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade, podem acessar e compreender os mecanismos legais em um mundo cada vez mais digital e complexo.

As mudanças ocasionadas pelo surgimento do Covid-19 afetou diferentes aspectos do cotidiano e influênciou a mudança de rotina em diversos grupos sociais. Atividades, antes vistas como rotineiras, tornaram-se empccilhos para a manutenção da saúde e bem estar familiar e individual.

De igual maneira, direitos básicos e fundamentais previstos na Constituição brasileira passaram a ser negligenciados, principalmente em populações carentes das quais sentiram de forma severa os impactos do corovavírus. O princípio do acesso à justiça está consagrado no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual sentencia que nenhuma forma de ameaça ou lesão ao direito será excluído da tutela jurisidicional, vejamos:

“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (Brasil,1988).

Também, em seu artigo 23, determina como competência intrínseca dos órgãos políticos do Estado (União, Estados, DF e municípios) o acesso aos meios tecnológicos de pesquisa e inovação à população, como podemos observar a seguir:

Art. 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(…)

V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação (Brasil,1988).

Da mesma forma, apesar de ampliado o alcance da justiça em algumas facetas, a pandemia ocasionou uma maior restrição ao acesso à justiça dessas populações menos favorecidas. As medidas de restrição e isolamento social impostas para conter a propagação do vírus tiveram impactos diretos nas fontes de renda dessas populações, aumentando a insegurança alimentar e a pobreza.

No atual contexto jurídico, é crucial buscar soluções que garantam que a evolução digital não resulte em uma maior marginalização dos grupos socialmente desfavorecidos. Isso implica em políticas públicas que visem à inclusão digital, à capacitação tecnológica e ao acesso equitativo à justiça. Somente assim será possível concretizar plenamente os princípios constitucionais que asseguram o acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação para todos os cidadãos, independentemente de sua condição socioeconômica ou digital.

7.1. Impacto nas Consultas e Atendimento ao Cliente

A rápida disseminação do vírus SARS-CoV-2 em 2020 resultou no estabelecimento de medidas de distanciamento social e restrições de mobilidade, provocando um impacto significativo nos serviços judiciais convencionais. Audiências presenciais e procedimentos em papel tornaram-se desafiadores e até arriscados em termos de saúde pública.

Nesse cenário, o Poder Judiciário Brasileiro reconheceu a imperativa necessidade de adaptação e inovação. Investiu-se em recursos tecnológicos para viabilizar o funcionamento remoto dos tribunais, a realização de audiências virtuais e o acesso eletrônico aos processos judiciais. Esse movimento não almejava apenas manter a continuidade dos serviços, mas também assegurar a segurança de magistrados, advogados e partes envolvidas.

De tal modo, nas palavras de Adriana dos Santos Silva, “a noção de Justiça está intimamente ligada a seu acesso, pois de nada adiantaria seu asseguramento sem uma maneira hábil de torná-la aplicável e possível”4

Diversas camadas da população enfrentaram dificuldades para buscar auxílio jurídico, resolver questões legais pendentes ou até mesmo obter conhecimento e/ou informações básicas sobre seus direitos. A falta de acesso à internet e à tecnologia adequada também foi um obstáculo para o acesso à justiça, conforme destacam os autores. Com a transição para serviços judiciais remotos, acentuaram-se as barreiras à participação efetiva na esfera jurídica, evidenciando a necessidade de abordagens mais inclusivas diante do novo panorama tecnológico, assim como elenca os autores:

“É importante destacar três obstáculos que contribuem para o afastamento entre os cidadãos e a administração da Justiça: econômicos, sociais e culturais. Desta maneira, a distância entre os cidadãos a administração da Justiça, ocorrerá: 1 – diante da ausência de um conhecimento e identificar seus direitos; 2- frente à ausência de uma disposição de pessoas débeis de interpor a ação, já que estas muitas vezes possuem más experiências com o Judiciário que deixaram traumas; 3 – medo de represálias de se recorrer aos tribunais; 4 – quanto mais vulnerável sua condição, mais provável que não conheça um advogado.” (Aguiar; Gonzaga; Labruna, 2020, p.7)

Em síntese, apesar do avanço tecnológico que facilitou o acesso à justiça para muitos, não foi igualmente eficaz para a população em extrema pobreza. A falta de acesso a dispositivos eletrônicos, uma conexão à internet estável e habilidades digitais adequadas demonstraram ser mais um obstáculo para essas comunidades, resultando em uma desigualdade ainda maior no acesso à justiça e na capacidade de afirmar seus direitos constitucionais.

Consequentemente, as desigualdades sociais que já existiam foram agravadas durante a pandemia, especialmente no que diz respeito ao acesso à justiça. Pessoas em situação de vulnerabilidade econômica muitas vezes enfrentaram dificuldades adicionais para acessar serviços jurídicos essenciais, sendo consideradas por muitos na esfera, tanto social quanto jurídica, como “analfabetos digitais”. A falta de recursos tecnológicos e habilidades digitais adequadas tornou-se um obstáculo significativo, conforme a doutrina de Siqueira et al. (2021, p.14):

percebe-se que a tecnologia impactano acesso à justiça de grupos vulneráveis, seja pelo agravamento das vulnerabilidades em decorrência da pandemia, seja por dificuldades relacionadas com a ausência de habilidades tecnológicas para manuseio das ferramentas virtuais de acesso, destacando-senesse grupo os denominados analfabetos digitais. (Siqueira, et al. 2021)

Em conclusão, é fundamental compreender que nossa Constituição protege a igualdade de todos; no entanto, a desigualdade socioeconômica prevalece, revelando uma clara contradição entre a lógica formal e a lógica do razoável que deve orientar magistrados e demais agentes do Direito. Ademais, a Carta Magna em vigência promove o desenvolvimento e a capacitação da população no que tange às inovações tecnológicas. Vejamos:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.

Portanto, também se faz necessário uma reflexão sociológica que possibilite uma investigação sistemática e empírica dos obstáculos ao efetivo acesso à Justiça por parte das classes populares, a fim de propor soluções que possam ampará-los de maneira mais adequada (Aguiar; Gonzaga; Labruna, 2020, p.7-8.)

8. DESAFIOS ÉTICOS NO MARKETING JURÍDICO

No cenário contemporâneo pós-pandêmico, a advocacia se depara com a necessidade premente de se adequar às transformações e tendências do mercado. A prestação de serviços jurídicos, tradicionalmente marcada por suas peculiaridades e normas regulatórias, agora tem como nova diretriz o uso do marketing digital jurídico como instrumento essencial para a manutenção dos escritórios.

Embora existam normas que estabeleçam orientações e restrições à publicidade dos serviços advocatícios, é inegável que a advocacia pode e deve explorar as oportunidades oferecidas pelo ambiente digital, a fim de se manter competitiva e eficaz na comunicação com seus clientes.

Nesse contexto, o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil restringe as formas de publicidade no âmbito da advocacia.

Art. 39. A publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão.

No artigo 46 da referida legislação, são estabelecidas as diretrizes sobre a publicidade veiculada pela internet ou outros meios eletrônicos. Em consonância com essas diretrizes, o parágrafo único destaca que a telefonia e a internet podem ser utilizadas como veículos de publicidade, permitindo o envio de mensagens direcionadas a destinatários específicos. No entanto, ressalva-se que essas mensagens não devem envolver o oferecimento de serviços advocatícios ou representar uma forma de captação de clientela.

Dessa maneira, compreende-se como marketing jurídico todos os esforços e estratégias inseridos na esfera do marketing comercial em consonância com a atuação advocatícia, os quais utilizam suas estratégias sem ferir as normas previstas no Código de Ética e Disciplina da OAB (Bertozzi; Bucco, 2017).

De qualquer modo, o marketing se enquadra na modalidade de divulgação, a fim de proporcionar maior visibilidade ao serviço oferecido e, consequentemente, alcançar um maior número de clientes. O networking jurídico, intrinsecamente ligado ao marketing, busca aperfeiçoar o modelo de trabalho diário do advogado, oferecendo a este maior organização e sistematização, em conformidade com as diretrizes impostas pela norma da OAB.

Ademais, manter-se em conformidade com o Código de Ética e Disciplina não é apenas uma obrigatoriedade imposta pela legislação, mas também uma maneira de preservar a integridade e a reputação da advocacia, ao mesmo tempo em que aproveita as oportunidades que o mundo digital oferece para a expansão da prática jurídica.

Nesse sentido, o marketing jurídico também pode ser compreendido como “a ponte que une o advogado ao mercado e facilita que o advogado se torne conhecido, diferenciado positivamente da concorrência e fortalecido em sua imagem” (Dominguez, 2003)”.

Portanto, tem como finalidade a construção da imagem da pessoa do Advogado, utilizando estratégias sociais para captar a atenção do público-alvo de maneira efetiva. O Provimento 205/2021, que dispõe sobre as formas de publicidade e informação da advocacia, substituiu o então provimento nº 94/2000 do CFOAB e normatiza, em seu artigo 1º, o marketing jurídico da seguinte forma:

Art. 1º É permitido o marketing jurídico, desde que exercido de forma compatível com os preceitos éticos e respeitadas as limitações impostas pelo Estatuto da Advocacia, Regulamento Geral, Código de Ética e Disciplina e por este Provimento. (Brasil, 2021)

Ainda, em seu artigo 2º e 3º, o provimento supracitado cumpre em sistematizar a diferenciação do marketing para a publicidade jurídica, determinando as formas de vedações da atividade jurídica que cometer a publicidade ativa, vejamos:

Art. 6º Fica vedada, na publicidade ativa, qualquer informação relativa às dimensões, qualidades ou estrutura física do escritório, assim como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional. Parágrafo único. Fica vedada em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, como uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo, bem como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional. (Brasil, 2021)

As disposições acima, portanto, visam manter a dignidade e a integridade o exercício da advocacia, bem como asseguram o uso ético da publicidade jurídica afim de impedir a quebra da confiança entre a figura do advogado e do cliente.

8.1. Estratégias digitais em redes sociais

Em consonância com as atribuições do Provimento 205/2021 e do Código de Ética da OAB, o surgimento considerável de perfis profissionais na área jurídica tornou-se quase que um requisito obrigatório para os advogados e aspirantes à advocacia, ainda mais com o distanciamento social provocado pela pandemia, já abordado nesta pesquisa.

Com o fechamento dos escritórios e a diminuição da clientela, as redes sociais se apresentaram como uma modalidade alternativa para atrair a atenção da população, não só local como de todas as demais regiões do país. A interlocução entre o advogado e o cliente tornou-se mais dinâmica, possibilitando um atendimento jurídico eficaz durante o distanciamento social.

Contudo, a presença social demarcou o início de uma corrida entre aqueles que optaram por abraçar por completo o meio digital e aqueles que ainda não tinham quaisquer familiaridades com este, alavancando o sucesso jurídico dos aspirantes na carreira em detrimento dos mais veteranos. Com isso, o fortalecimento da figura do advogado, diante desse novo provimento, possibilitou a flexibilização da profissão, criando novos padrões de atendimento e divulgação sem que estes infringissem a ética e a segurança do negócio jurídico.

A produção de lives, posts, cursos e vídeos nas redes sociais famosas como o Instagram e com temática jurídica, tornaram-se corriqueiros durante e após a pandemia, acelerando um crescimento digital e a migração de muitos para esse novo ramo. Para Sérgio Merola (2019), jurista e comentador do assunto, tais redes fortaleceram a relação profissional entre o advogado e o cliente, vejamos abaixo:

“O Instagram se torna uma interessante ferramenta de atração de clientes por meio da estratégia de fortalecimento de marca. É o caso, por exemplo, do advogado criar um perfil profissional, seja dele ou do escritório, e começar a produzir bons conteúdos voltados para o fortalecimento de sua marca profissional.” (Merola, 2019, on-line)

De tal maneira, a criação de perfis profissionais nas redes sociais proporcionam aos advogados a possibilidade de compartilhar conteúdos jurídicos relevantes e informativos, estabelecendo uma presença online que vai além do tradicional ambiente jurídico, o qual se transforma em um canal estratégico para atrair clientes em potencial. A construção de uma presença online sólida pode ser um diferencial significativo, especialmente em um contexto pós-Covid-19, onde a interação digital tornou-se mais prevalente.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia da Covid-19 alterou profundamente a forma como vivíamos o cotidiano laboral, estendendo seus efeitos para todas as esferas da sociedade, inclusive o campo jurídico. A acelerada transição para o ambiente digital trouxe consigo a necessidade de adaptação às inovações, o que apresentou inúmeros desafios e oportunidades.

A presente pesquisa buscou essencialmente conceituar as significativas mudanças ocorridas no âmbito jurídico brasileiro devido ao distanciamento social, com foco específico em como as inovações digitais, advindas da advocacia 4.0, impactaram a relação entre advogado e clientela, bem como a dinâmica de trabalho nos escritórios.

A constituição deste estudo permitiu contextualizar e compreender como o crescente uso de ferramentas digitais afetou a rotina dos operadores do direito, exigindo que os advogados enfrentassem e continuassem a enfrentar as dificuldades relacionadas à capacitação online e aos custos digitais, ao mesmo tempo em que ressaltou as oportunidades decorrentes dessa mudança de paradigma.

Muitos profissionais, considerados veteranos, viram-se diante do desafio de dominar novas tecnologias e ferramentas inovadoras, como o marketing digital, que surgiram com o distanciamento social provocado pela pandemia, buscando a adaptação para manter a continuidade laborativa.

A adaptação do advogado tornou-se imperativa para acompanhar as demandas da advocacia na era pós-pandêmica. Essa nova realidade ressalta a necessidade de instaurar programas de treinamento e capacitação específicos para profissionais com vasta experiência, bem como para os mais jovens, garantindo que todos os advogados estejam preparados para enfrentar os desafios e explorar as oportunidades da advocacia digital.

Diante desse pensamento, nota-se o impasse criado pela rápida migração para o atendimento online que afetou também a clientela de baixa renda e baixa capacitação eletrônica, dificultando o acesso destes à justiça. A falta de acesso à tecnologia e à internet de qualidade, assim como a escassa informação digital, dificulta a participação efetiva dessas pessoas nos processos judiciais e consultas jurídicas online.

Com a delimitação do problema, os objetivos deste trabalho ajudaram a entender que a digitalização, embora tenha o potencial de facilitar o acesso à justiça, pode aprofundar as desigualdades já existentes no sistema jurídico, deixando os menos privilegiados em uma posição ainda mais desvantajosa. Portanto, faz-se necessário adotar políticas e iniciativas que visem garantir que a transformação digital da advocacia seja mais inclusiva, assegurando que todos, independentemente de sua renda ou status social, possam usufruir dos benefícios da justiça digital.

Em conclusão, a pesquisa sobre “A Adequação da Advocacia Brasileira à Realidade Digital em Tempos de Covid-19: Desafios e Oportunidades” destacou a adoção do marketing digital para o ambiente digital. As demandas crescentes por capacitação, atualização e ética profissional destacam a complexidade do cenário jurídico moderno. À medida que avançamos neste novo cenário, é essencial equilibrar a inovação com a ética, a tecnologia com o atendimento às necessidades da clientela, garantindo que a justiça permaneça acessível a todos os cidadãos.

REFERÊNCIAS

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1 Dispositivo em forma de USB que armazena o certificado digital do advogado.

2 Algoritmos robóticos usados em sites, chats e aplicativos para imitar uma conversa humana e conduzir um atendimento ágil.

3 Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/59992/brasil-tem-1-advogado-a-cada-164-habitantes-cfoab-se-preocupa-com-qualidade-dos-cursos-juridicos#:~:text=p%C3%A1gina, Brasil%20tem%201%20advogado%20a%20cada%20164%20habitantes%3B%20CFOAB%20se, com%20qualidade%20dos%20cursos%20jur%C3%ADdicos&text=O%20Brasil%20%C3%A9%20o%20pa%C3%ADs,milh%C3%B5es%20de%20pessoas%20(IBGE). Acesso em: 19 mai. 2023.

4 SILVA, Adriana dos Santos. Acesso à justiça e arbitragem: um caminho para a crise do judiciário. São Paulo: Manole, 2005


Artigo apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito, em 2023.

1 Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – E-mail: mariaanittacabral@gmail.com

2 Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Regional na Faculdade Vale do Cricaré-ES. Especialista em Processo Civil pela UNISUL-SC. Docente e Coordenador do curso de Direito da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas.na Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – E-mail: pasitto@uol.com.br