O PAPEL DO ENFERMEIRO NO MANEJO DE PACIENTES ONCOLÓGICOS EM CUIDADOS PALIATIVOS DOMICILIARES: REVISÃO DE LITERATURA

THE NURSES’ ROLE IN THE MANAGEMENT OF ONCOLOGICAL PATIENTS IN PALLIATIVE HOME CARE: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10182786


Cleizes Moldes de Abreu1
Daniela Alves da Silva2
Raiele Nascimento Campos3
Ginarajadaça Ferreira dos Santos Oliveira4


RESUMO

Cuidados paliativos é um conjunto de abordagens que visam melhorar a qualidade e promover o bem-estar de indivíduos e seus familiares diante de uma patologia que ameace a vida. Nesse cenário, as atribuições do enfermeiro consistem em promover a qualidade de vida através do manejo de sintomas e sinais ao longo do percurso do adoecimento, do falecimento e do luto englobando tais valores ao plano de cuidados que esses profissionais exercem na prática assistencial no dia a dia. O objetivo deste estudo é realizar uma revisão de literatura sobre o papel do enfermeiro no cuidado de pacientes oncológicos em cuidados paliativos domiciliares. Como metodologia, delineou-se a revisão de literatura com consulta a livros físicos e digitais e manuais de instituições nacionais e internacionais publicados entre 2013 a 2023. De acordo com os achados deste estudo, o enfermeiro presta uma assistência integral ao paciente oncológico, bem como promove a participação de sua família. Além disso, busca continuamente reduzir o sofrimento e estar presente durante todo o trajeto da doença. E ao passo que ocorre sua progressão, esse profissional participa ativamente para a preparação não apenas do paciente para a morte, mas também para ajudar a família vivenciar o luto.

Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Enfermagem de Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida; Programas de Cuidados Paliativos.

ABSTRACT

Palliative care is a set of approaches aimed at improving the quality and promoting the well-being of individuals and their families in the face of a life-threatening illness. In this scenario, nurses’ attributions consist of promoting quality of life through the management of symptoms and signs along the path of illness, death and bereavement, incorporating these values into the care plan that these professionals exercise in their day-to-day care practice. The aim of this study is to carry out a literature review on the role of nurses in caring for cancer patients in palliative home care. The methodology used was a literature review that consulted physical and digital books and manuals from national and international institutions published between 2013 and 2023. According to the findings of this study, nurses provide comprehensive care for cancer patients and promote the participation of their families. In addition, they continually seek to reduce suffering and be present throughout the course of the disease. As the disease progresses, nurses are actively involved not only in preparing the patient for death, but also in helping the family to experience bereavement.

Keywords: Palliative Care; Palliative Care Nursing at the End of Life; Palliative Care Programmes.

1. INTRODUÇÃO

O cuidado de pacientes fora da possibilidade terapêutica de cura demanda mais do que conhecimentos científicos, requer a compreensão de fato de sua particularidade, a partir de um ponto de vista interpessoal de valorização do ser humano (SILVA et al., 2019), contribuindo deste modo com o processo de humanização dos cuidados de saúde, por meio de prevenção e alívio do sofrimento de sintomas físicos, psicológicos, sociais e espirituais (WOOD, 2021).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2020) a terminologia “cuidados paliativos” (CP) é referente a um conjunto de abordagens que tem como objetivo melhorar a qualidade e promover o bem-estar de indivíduos e seus familiares diante de uma patologia que ameace a vida.

Sendo assim, os CP não agilizam e nem postergam a morte, entretanto, afirmam a vida e a compreendem como um processo natural, ofertando suporte para que o paciente terminal viva tão intensamente enquanto for possível. Logo, o CP deve ser iniciado o mais precoce possível, associado a outras medidas que prolonguem a vida com qualidade de vida (SANTOS, 2017).

No campo da enfermagem, a abordagem terapêutica dos CP abrange todos os cuidados da enfermagem generalista, pois os princípios do CP perpassam pela relação de cura espiritual e emocional de pacientes e familiares que experenciam a doença ameaçadora da vida, ou até mesmo a própria finitude da vida em qualquer situação assistencial (FIRMINO et al., 2021).

Em CP, as atribuições do enfermeiro consistem em promover a qualidade de vida através do manejo de sintomas e sinais ao longo do percurso do adoecimento, do falecimento e do luto englobando tais valores ao plano de cuidados que esses profissionais exercem na prática assistencial no dia a dia (FIRMINO et al., 2021).  De acordo com Instituto Nacional de Câncer (INCA) (2022) na perspectiva do cuidado do paciente oncológico avançado, a enfermagem enfrenta múltiplas e complexas demandas de cuidado, desde aspectos físicos até biopsicossocioculturais, que por sua vez, imprimem idiossincrasias à área de atuação da enfermagem.

Em virtude do que foi mencionado, o presente tema leva a seguinte questão norteadora: Como os cuidados paliativos domiciliares oferecidos pelo enfermeiro promovem o bem-estar em pacientes oncológicos fora da possibilidade de cura? Nesse cenário, justifica-se a escolha do tema devido escassez de artigos sobre CP oncológicos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda mais que o câncer é um problema de saúde pública que modifica o perfil da morbidade e da mortalidade dos pacientes acometidos em todo o mundo. Além disso, o enfermeiro encontra-se envolvido em todas as fases do tratamento, (radioterapia/quimioterapia e/ou cirurgia) e também cuidados paliativos, sendo assim, é relevante refletir sobre as atribuições desse profissional nessa prática assistencial.

Sendo assim, o objetivo deste estudo é realizar uma revisão de literatura sobre o papel do enfermeiro no cuidado de pacientes oncológicos em cuidados paliativos domiciliares. E para melhor compreensão da temática, determinou-se os seguintes objetivos específicos: conhecer os aspectos que compõe os cuidados paliativos oncológicos; compreender a importância dos cuidados paliativos para os pacientes em finitude da vida e seus familiares e elencar as atribuições do enfermeiro nos cuidados paliativos no âmbito do sistema único de saúde.

Como metodologia, delineou-se a revisão de literatura, onde contou com a busca de artigos, livros físicos e digitais e manuais do Ministério da Saúde (MS), Organização Mundial da Saúde e Instituto Nacional do Câncer encontrados na base de dados SciELO e Google Acadêmico, publicados em língua portuguesa e inglesa no recorte temporal de 10 anos (2013 a 2023).

2 REFERÊNCIAL TEÓRICO

2.1 Cuidados paliativos: considerações gerais

  O vocábulo paliativo vem do latim Pallium, e segundo historiadores remete a um tipo de casaco de lã usado por pastores de ovelhas para se protegerem das intempéries (INCA, 2022). Entretanto, a origem dos CP se fundamenta no pensamento filosófico do movimento moderno hospice. Os hospices, (hospedarias em inglês) abrigavam pessoas moribundas, doentes, famintas, mulheres grávidas, órfãos e leprosos durante a idade média. Esse tipo de hospitalidade tinha como características principais o acolhimento e o alívio do sofrimento (ALVES et al., 2019).

  Mas foi apenas em meados da década de 60 que os CP surgiram de fato como uma prática da área de saúde, graças aos esforços da enfermeira, assistente social e médica inglesa Cicely Saunders (1918-2005) por meio da construção do St. Christopher’s Hospice no sul de Londres. O foco principal dos primeiros hospícios era a excelência nos CP holísticos e no fim da vida de pacientes com câncer (TOBIN et al., 2022). Portanto, Saunders é amplamente conhecida como fundadora do movimento moderno de hospice e introduziu a teoria de dor total, revelando que a dor de um indivíduo fora de possibilidade de cura não é apenas física, mas também fisiológica, psicossocial e espiritual (WOOD, 2021).

  De acordo com Castro et al., (2021) Sauders considerou que todas as dimensões do indivíduo implicam na dor e sofrimento, com isso é possível compreender a importância de múltiplas intervenções para o controle e um cuidado que envolve a integridade de pessoa, promovendo conforto e dignidade até a finitude de sua vida (figura 1). 

 Figura 1 – Teoria de dor total criado por Cicely Saunders.

Fonte: Adaptado de Castro et al., (2021).

Em 2002, a OMS definiu o conceito de CP como um conjunto de práticas assistenciais que visam a melhora da qualidade de vida de pacientes que enfrentam problemas associadas a enfermidades ativas, progressivas e ameaçadoras da vida, ou seja, pessoas que se encontram fora da possibilidade terapêutica de cura, logo, os cuidados paliativos buscam trazer dignidade e prover alívio (conforto) do sofrimento de ordem física, espiritual ou psicossocial desses pacientes e seus familiares (OMS, 2020).

De acordo com Castro et al., (2021) a OMS em sua definição de conceito e abordagem de CP integrou a teoria de Dor Total de Sauders e a Teoria do Conforto (ambiental, social, psicoespiritual e físico) de Katharine Kolcaba (compreensão das necessidades do outro, ou seja, um cuidado individualizado). Ainda de acordo com os supracitados autores, é crucial a compreensão da multidimensionalidade da dor, da subjetividade da apreensão do que venha significar conforto e suas implicações no cuidado ofertado aos pacientes em CP. De acordo com Pereira et al., (2022), tais cuidados podem ser implementados de modo singular e individualizados em conformidade com as necessidades particularidades do usuário, como pode ser observador na figura 2, a seguir.

Figura 2 – Teoria do Conforto.

Fonte: Adaptado de Castro et al., (2021).

Desde o início da década de 1980, a necessidade de CP para o câncer tem sido progressivamente reconhecida em todo o mundo. Mais recentemente, há uma maior conscientização sobre a necessidade de CP para outras doenças ou condições crônicas, como HIV e AIDS, insuficiência cardíaca congestiva, doença cerebrovascular, distúrbios neurodegenerativos, doenças respiratórias crônicas, tuberculose resistente a medicamentos, lesões e doenças de pessoas idosas (CONNOR, 2021).

De acordo com o mais recente Atlas Global de CP, aproximadamente 40 milhões de pessoas em todo mundo precisam de CP, deste montante, 25,7 milhões se encontram no período de finitude da vida, porém, somente 12% dessas pessoas tem suas necessidades por CP atendidas. Onde 40% são adultos com 70 anos ou mais, 27% entre 50-69 anos, 26% entre 20-49 anos e 7% são crianças (0 a 17 anos) (CONNOR, 2021).

Para Bertagnoli et al., (2021) os CP modernos mantêm desde sua gênese uma relação estreita com o conceito e do ponto de vida da humanização nos cuidados em saúde. Ademais, o CP tem uma atenção especial com a oferta de cuidados a pacientes negligenciados tradicionalmente pela medicina tecnológica. De acordo com a Aliança Mundial de CP, a relação CP e cuidados curativos devem ocorrer de modo diferente em diversos países em decorrência de sistemas de saúde, características socioeconômicas e outras razões. Sendo assim os CP devem ser preconizados em associação ao tratamento ativo o mais precoce possível, como pode ser observado na figura 3 (D’ALESSANDRO et al., 2020).

Figura 3 – Modelo integrado de cuidados curativos e paliativos para doenças crônicas progressivas.

 Fonte: Aliança Mundial de CP (2014).

         Com base na Figura 3, é possível compreender que o objetivo da assistência paliativa é aliviar o sofrimento a fim de melhorar a qualidade de vida das pessoas em grave sofrimento relacionado à saúde. As pessoas que recebem cuidados paliativos têm o direito de escolher seus tratamentos e também podem receber tratamentos ou intervenções curativas juntamente com o tratamento paliativo.

         De acordo com D’Alessandro et al., (2020) os profissionais de saúde especialistas em CP devem monitorar os sintomas a fim de perceber se as terapias curativas estão aumentando o sofrimento do paciente e com isso planejar alternativas terapêuticas que visem o bem-estar do paciente, mesmo que a terapia definida seja para aliviar o sofrimento por meio dos CP.

Em meio a essa discussão, é importante citar dois importantes documentos: Diretivas Antecipadas de Vontade e Testamento Vital (OLIVEIRA et al., 2017; LUCAS et al., 2020) que visam documentar de modo expresso os anseios acerca dos cuidados de saúde em casos de paciente com doenças degenerativas, graves e sem possibilidade de cura, ou seja, “o direito à morte, então, merece estar abrigado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que todos devem ter o direito a uma morte digna, bem como à vida, enquanto lhes perdurar” (PROVIN; GARCIA, 2013, p. 31).

Os documentos supracitados buscam assegurar que o indivíduo não sofra distanásia, isto é, uma obsessão terapêutica. Sendo de certo modo, o oposto da eutanásia, logo, trata-se da não aplicação terapias que prolonguem a vida de uma pessoa sem esperança de cura, através de meios artificiais e desproporcionais (LUCAS et al., 2020).

Nesse contexto, convém citar o Artigo 66 do código deontológico da ordem dos médicos que trata dos CP, onde em caso de doenças avançadas e progressivas, cujos tratamentos não permitem reverter a sua progressão natural, os profissionais devem direcionar suas ações para o bem-estar do paciente, evitando tratamentos ineficazes, mesmo que utilizados isoladamente, causando mais sofrendo sem trazer nenhum benefício (BRASIL, 2016). Portanto, a distanásia é uma questão discutida no campo da bioética e do biodireito e sua suspensão é aconselhada em casos de pacientes fora da possibilidade de cura.

2.1.1 Cuidados Paliativos: A humanização na finitude da vida de pacientes oncológicos

         A associação entre indivíduos com câncer e hospices ocorreu por trabalhos realizados por Jeanne Garnier que fundou em 1843 o primeiro hospice para pacientes em finitude da vida acometidos por algum tipo de neoplasia na França. 40 anos depois foi criado o Hospice Saint Luke´s destinado a promover assistência a indivíduos pobres fora da possibilidade cura, que precisam que seus sofrimentos fossem aliviados de alguma forma (FIRMINO et al., 2021).

         De acordo com Alcade & Zimmermann (2022), receber um diagnóstico de câncer é, por si só, uma experiência temerosa, mas a introdução dos “cuidados paliativos” como opção de tratamento talvez seja igualmente traumática. O “cuidado paliativo” é percebido pelos pacientes e seus cuidadores – e, muitas vezes, pelos profissionais de saúde – como significando interrupção do tratamento, falta de esperança e morte iminente. 

         Os CP podem ser considerados como um poderoso complemento à oncologia que agrega um valor distinto ao bem-estar físico, mental e psicossocial dos pacientes que vivem com câncer (AGARWAL et al., 2017). Entretanto, ainda é muito comum que oncologistas encaminhem para os CP, quando os pacientes já estão na reta final do curso da doença, quando os sintomas estão mal controlados e os tratamentos sistêmicos já foram esgotados (JORDAN et al., 2020).

         Algumas das manifestações físicas comuns do câncer incluem dor, anorexia, caquexia, fadiga, náusea, constipação, dispneia e obstruções intestinais malignas. Esses sintomas físicos, bem como a angústia espiritual e psicossocial relacionada ao curso do tratamento de um paciente nem sempre são abordadas pela equipe de saúde e por especialistas em cuidados paliativos em consultas clínicas (AGARWAL et al., 2017).

         De acordo com Hui et al., (2016) antes da definição do encaminhamento do paciente oncológico para CP, é importante saber quais os principais requisitos abrangem a gestão da doença oncológica, pois não há abandono da equipe oncológica, mas associação da equipe de CP. Sendo assim, a integração das duas especialidades implica comunicação, colaboração e partilhamento de recursos e conhecimentos com foco no bem-estar do paciente.

         Para o Instituto Nacional Câncer (2022) a família do paciente oncológico é um componente fundamental para a definição de um plano terapêutico em CP, especialmente, quando se leva em consideração as dificuldades decorrentes de mudanças de rotina, da dependência de terceiras pessoas para atividades diária e alterações de papeis no núcleo familiar, entre outros.  Portanto, um olhar sobre essa estrutura familiar, de sua organização e dos vínculos íntimos e afetivos é parte crucial desta discussão, visto que, na maioria dos casos um dos membros da família desempenha ou desempenhará um papel central na rede de cuidados ao paciente usuário do serviço de saúde.

         Portanto, é importante que o paciente e seus familiares/responsáveis reconheçam que o CP, não significa descontinuar um tratamento para considerar outro, portanto, os CP promovem os cuidados centrados na pessoa de forma proporcional, porque à medida que a doença progride, o prognóstico piora, assim como a possibilidade de tratamentos modificadores da doença, ou seja, tornam-se limitados ou ineficazes, quando a morte é iminente (DUARTE, 2022). Nesse cenário, o CP ao passo que a doença evolui se tornarão prioritários e exclusivos, reforçando que não se trata de uma escolha, mas sim de um direito baseado em princípios e boas práticas em saúde.

2. 2 Cuidados Paliativos Domiciliar: o direito de morrer com dignidade

Estudos demonstram que a maioria das pessoas em vários locais do mundo preferem morrer em casa, contudo, é sabido que a grande parte desse contingente morre em hospitais, ao passo que a mesma literatura aponta que há indícios que há a utilização em excesso de medidas médicas agressivas no fim da vida, ou seja, aquém do que seria padrão de CP nessa etapa (BROWNLEE et al., 2017).  Wiegand e Meirelles (2018) afirmam que com a desospitalização os pacientes podem estar próximos de seus familiares, evitando a ocupação de leitos hospitalares e até mesmo a redução dos riscos infecções hospitalares, colaborando diretamente para regulação dos serviços fora do ambiente hospitalar.

         No Brasil, os CP podem ser realizados em qualquer nível do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, desde atenção básica até à alta complexidade. A Agência Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) em 2006 produziu um documento que apresentava os critérios recomendados para a realização do CP no país. Na atenção básica, pode ser oferecido em regime domiciliar; o supracitado documento justifica o CP em âmbito domiciliar como um meio de liberar leitos e desafogar hospitais (ALVES et al., 2019).

          Em 2018, o Ministério da Saúde sancionou a Resolução no 41, onde é disposto acerca das diretrizes para a organização dos CP, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito do SUS. É proposto que nas redes de atenção à saúde que os CP devem estar disponíveis na atenção primária à saúde (APS), hospitalar, urgência, emergência e ambulatorial. A assistência em domiciliar (AD) é indicada para indivíduos que necessitarem de CP em situação de restrição ao leito ou ao domicílio, sempre que esta for considerada a oferta de cuidado mais adequado (BRASIL, 2018).

         Ainda de acordo com a supracitada Resolução, a AD conta com equipes de saúde, cuja modalidade será determinada por meio da intensidade do cuidado, observando-se o plano terapêutico singular (PTS).  Além disso, o domicílio deverá ser equipado para que se torne o principal locus de cuidados no período de finitude da vida, sempre que desejado pelo paciente e/ou familiares, sempre que desejado e possível.

         O cuidado domiciliar para pacientes oncológicos é previsto para aqueles indivíduos com pior funcionalidade de acordo com Karnofsky Performance Status[1] (50% ou inferior), ou pessoas com boa funcionalidade, porém, a locomoção para consultas em ambulatório pode ocasionar complicações, por exemplo, fraturas ósseas patológicas (INCA, 2022).

         Ademais, a AD proporciona uma visão mais apurada acerca da adesão, atendimento, limitações e conhecimentos do próprio paciente e familiares. Nesse contexto, equipe interdisciplinar pode observar o ambiente físico e social em que o paciente se encontra e com isso propor intervenções a fim de melhorar a qualidade de vida, cuja modalidade será determinada por meio da intensidade do cuidado, observando-se o plano terapêutico singular (PTS) (BRASIL, 2018).  

Nesse contexto, o serviço de CP domiciliar consiste no atendimento médico presencial, realizado por uma equipe de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas e psicólogos) além de motoristas. Ademais, existem atendimentos virtuais prestados por nutricionistas e fonoaudiólogos. Já a assistência farmacêutica é realizada por meio de agendamento, comunicação e distribuição de insumos, que é supervisionada por auxiliares de farmácia e pessoal administrativo (INCA, 2022).

Muito embora, os CP já esteja presente nos SUS, o cuidado domiciliar impõe condições não apenas ao próprio sistema de saúde, mas aos cuidadores e aos familiares, pois estes por sua vez, precisam de capacitação para atender as demandas que um paciente fora da possibilidade de cura, além disso  muitas vezes a família se encontra fragilizada, logo, é necessário que haja uma política em âmbito nacional que seja efetiva e contribua para a redução das vulnerabilidades em que o paciente em CP e familiares possam vir a enfrentar durante o processo de desospitalização (WIEGAND; MEIRELLES, 2018).

Sendo assim, Bertagnoli et al., (2021) afirmam que a AD é um importante serviço do SUS em defesa e promoção dos cuidados horizontalizados, onde o compartilhamento de conhecimentos em um contexto menos hierarquizado e menos pautados em saberes e valores técnicos, com valorização e espaço das vivências dos usuários e sobretudo cuidadores.

2.3 Os Cuidados Paliativos em domicílio e a importância do enfermeiro nesse cenário

         O principal objetivo dos CP é ser o conforto, o alívio da dor e de suas dimensões (físico, espiritual,psicossocial e espiritual), contudo, há ainda pacientes que vivenciam diferentes graus de desconforto, daí emerge a importância das ações da enfermagem quanto a elaboração de um plano de enfermagem que vise a valorização das necessidades relatadas pelo indivíduo em CP (CASTRO et al., 2021).

         Sendo assim, as atribuições do enfermeiro de CP em domicílio incluem a coordenação de alguns cuidados complexos e demorados que incluem gerenciamento das necessidades médicas, medicamentosas, manejo de sintomas e os cuidados na finitude da vida (SCHROEDER; LORENZ, 2018).

         Para Fonseca & Afonso (2020) a dor oncológica é bastante peculiar e agrava-se ao passo que a doença progride, causando exaustão física e mental ao paciente. Nesse cenário, é essencial que o enfermeiro estabeleça uma empática durante esse cuidado, sendo assim é primordial que essa assistência seja fundamentada nos princípios da humanização, tornando-se apto a compreender a linguagem não verbal desse paciente.

         Para Tarberg et al., (2020) além do cuidado humanizado, o enfermeiro pode oferecer cuidados compassivos. A verdadeira compaixão é expressa através do mais alto nível de prática clínica, que aborda a totalidade da carga de sintomas e das necessidades complexas. A compaixão implica um senso de coerência, sendo os enfermeiros capazes de comunicar uma essência compassiva, com base no conhecimento, na proatividade e na interconexão na prestação de serviços de enfermagem.

         A assistência de enfermagem compassiva nesse contexto não se refere apenas a respostas individuais, mas sim a como os enfermeiros são capacitados pelo sistema de saúde para se manterem e se apoiarem na complexidade dos CP. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (2022), o enfoque terapêutico do enfermeiro é voltado para alívio dos sintomas que impactam a qualidade de vida, compreendendo também as ações médicas, psicológicas, nutricionais, sociais, espirituais e de reabilitação, buscando assim promover uma finitude da vida de modo pacífico.

         Castro et al., (2021) afirmam que o enfermeiro deve considerar a percepção do paciente acerca de sua necessidade de conforto, de modo a orientar o cuidado na prática dos CP contribui para implantação das intervenções que visem o alívio do sofrimento. Logo, o enfermeiro sempre que possível deve envolver o próprio paciente desse processo dinâmico do cuidado, nesse contexto, o profissional de enfermagem atuará como facilitador quanto a busca de conforto desse paciente, isto é, o foco do cuidado deverá ser o paciente e não a sua doença.

3. DISCUSSÃO

A enfermagem é uma profissão fundamenta nos preceitos do cuidado, respeito e integridade do indivíduo em todas as fases de sua vida, ou seja, do nascimento à morte, respeitando os princípios da bioética e da ética (FONSECA; AFONSO, 2020). O CP de natureza domiciliar, além de desenvolver sua prática assistencial holística, o enfermeiro auxilia o paciente enfermo na aceitação e na convivência com a doença de modo mais natural em meio a convivência familiar, auxiliando na amenização não apenas do sofrimento, mas também das incertezas advindas da doença (HEY et al., 2017).

A integração dos cuidados paliativos no tratamento oncológico padrão é um complemento valioso que oferece benefícios únicos aos pacientes que vivem com câncer (AGARWAL, et al., 2017). Segundo Hui et al., (2016) os CP vêm demonstrando a sua eficácia na redução da carga de sintomas, elevando assim o bem-estar físico, mental e psicossocial dos pacientes em finitude da vida. Em última análise, como afirmam Agarwal, et al. (2017), a prática do tratamento paliativo pode levar a uma melhor qualidade de vida e à sobrevida geral dos pacientes oncológicos.

De acordo com o Instituto Nacional Câncer (2022) os CP de natureza domiciliar buscam oferecer avaliação e tratamento apropriado dos sintomas para que o usuário possar permanecer confortável em seu ambiente familiar até a fase final da vida, sempre almejando respeitar a vontade do paciente e/ou do familiar, em casos em que o indivíduo não puder expressar sua vontade.

Passarelles et al., (2019) acreditam que os CP oncológicos ainda é um cenário em construção no campo da enfermagem e que sua atuação vem prestando cuidados importantes a esse contingente de pacientes oncológicos, através da padronização de linguagem profissional e raciocínio clínico sagaz em planejar o cuidado sistematizado que minimize do sofrimento deste paciente trazendo-lhe conforto durante a finitude da vida.

Corroborando com os supracitados autores, Cardoso et al. (2017) afirmam que o cuidado do enfermeiro ao paciente oncológico representa um grande avanço da prática profissional fundamental, visto que, os sintomas e sinais dessa doença provocam uma profunda transformação na vida dos pacientes e familiares.

Nesse cenário, Bittencourt et al. (2021) asseveram que CP em domicílio coordenado pelo enfermeiro favorece maior controle das complicações e sintomas que emergem durante todo o curso da doença, ainda que o paciente apresente certo nível de desconforto, sua abordagem eficaz evita que o paciente precise ser atendido em centros de urgência e emergência e consequentemente internações que impactam o número de leitos e acabam afastando esse paciente em finitude de vida de seu núcleo familiar.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos cuidados paliativos, o enfermeiro presta uma assistência integral ao paciente oncológico, bem como promove a participação de sua família. Além disso, busca continuamente reduzir o sofrimento e estar presente durante todo o trajeto da doença. E ao passo que ocorre sua progressão, esse profissional participa ativamente para a preparação não apenas do paciente para a morte, mas também para ajudar a família vivenciar o luto.

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[1] Ferramenta diretamente relacionada ao prognóstico em oncologia. Quanto pior a funcionalidade, maior a chance de toxicidade com o tratamento e menor a probabilidade de sobrevida.


Cleizes Moldes de Abreu – Graduanda do Curso de Enfermagem
Instituição: Faculdade Martha Falcão – Wyden1
Daniela Alves da Silva – Graduanda do Curso de Enfermagem
Instituição: Faculdade Martha Falcão – Wyden2
Raiele Nascimento Campos – Graduanda do Curso de Enfermagem
Instituição: Faculdade Martha Falcão – Wyden3
Ginarajadaça Ferreira dos Santos Oliveira – Doutora em Biotecnologia – UFAM
Instituição: Faculdade Martha Falcão – Wyden4