FIBRINÓLISE PLEURAL NO TRATAMENTO DO EMPIEMA: ANÁLISE DE EFICÁCIA – UMA REVISÃO INTEGRATIVA

PLEURAL FIBRINOLYSIS IN THE TREATMENT OF EMPIEMA: EFFECTIVENESS ANALYSIS – AN INTEGRATIVE REVIEW.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10095586


Fábio Santos Fiel Júnior
Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Pires de Souza Lima


RESUMO

Dentre as enfermidades relacionadas à atividade do cirurgião torácico, o empiema pleural figura entre as mais prevalentes. Doença definida pela presença de pus no espaço pleural, com três fases evolutivas definidas e características peculiares, o empiema, tradicionalmente, tem na drenagem cirúrgica seu método terapêutico de escolha.

Salvar a vida, remover o empiema, reexpandir o pulmão encarcerado, obliterar o espaço pleural, restabelecer a mobilidade diafragmática, da parede torácica e ainda reduzir custo e período de permanência hospitalar, são os 7 objetivos primordiais no manuseio do empiema.¹, no entanto, ao atendermos pacientes nesta condição, nos deparamos com dilemas pertinentes à própria característica da doença. Qual a fase do empiema? Qual o melhor método terapêutico a ser empregado? Quais recursos diagnósticos estão disponíveis? O fator desencadeante da infecção está controlado? Tal situação torna evidente a necessidade de construir um elo sólido entre condutas possíveis e terapêutica adequada.

Logo, entender o amplo espectro do empiema pleural é substrato imprescindível ao cirurgião, fundamentalmente para estabelecer a correta relação entre a fase evolutiva da infecção e o método apropriado de drenagem, alcançando, desta forma, os objetivos estabelecidos para o seu manuseio.

Palavras-chave: Fibrinólise Pleural, Empiema, Eficiência, Tratamento.

METODOLOGIA

Na estratégia de busca, foram utilizadas bases de dados eletrônicas: Science Direct, SCOPUS, Web of Sciences, Pubmed, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e o buscador acadêmico (Google Scholar). Foram identificadas 142 referências, sendo 8 destes artigos selecionados para o presente estudo. De modo geral, a maioria significativa dos arquivos apresentam uma construção semelhante trazendo a fisiopatologia, diagnóstico, evolução clínica e possíveis propostas terapêuticas para o empiema.

INTRODUÇÃO

O empiema pleural é definido pela presença de pus no espaço pleural, resultante de uma progressão de inflamação e, ou, infecção pulmonar, geralmente de etiologia bacteriana. Essa contaminação da cavidade pleural pode ser causada por infecções pulmonares preexistentes (60%), infecção de órgãos contíguos à pleura, procedimentos cirúrgicos (20%), trauma torácico (10%). Como exemplo, o derrame parapneumônico, que oriundo de uma inflamação pulmonar, aumenta a produção e extravasamento de líquido para o espaço pleural Uma gama de opções terapêuticas está disponível para seu manejo, desde aspiração percutânea e drenagem intercostal até cirurgia toracoscópica videoassistida (VATS) ou drenagem por toracotomia.²

A opinião de especialistas quanto a abordagem do empiema ainda é divergente. Um estudo buscou a opinião de cirurgiões, pneumologistas, intensivistas, pediatras, e radiologistas intervencionistas, cirurgiões preferem inserção de dreno pleural com fibrinolítico (42%) ou VATS (42%) e radiologistas intervencionistas preferem drenagem pleural com (39,3%) ou sem (46,4%) fibrinolítico. A grande maioria dos participantes (75,3%) acredita que os estudos atuais ainda não definiram a melhor abordagem.³

Tradicionalmente, o tratamento convencional envolveu a drenagem do espaço pleural, seja por meio de drenagem torácica ou cirurgia, associada ou não à antibioticoterapia. No entanto, a fibrinólise pleural emergiu como uma opção terapêutica intrigante, que visa a resolução do empiema com maior eficácia e menor morbidade em comparação com os métodos convencionais. A fibrinólise pleural envolve a administração intrapleural de agentes fibrinolíticos, como a estreptoquinase, na tentativa de romper as aderências fibrinosas que encapsulam o espaço pleural e, dessa forma, promover a drenagem eficaz do líquido infectado.^4

Esse artigo busca explorar em detalhes a eficácia desta abordagem, analisando estudos clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises disponíveis, a fim de fornecer uma visão abrangente sobre a utilidade da fibrinólise pleural como alternativa terapêutica no manejo do empiema. Compreender a relevância e os desafios da fibrinólise pleural é fundamental para aprimorar as opções terapêuticas disponíveis para pacientes com empiema e, consequentemente, melhorar os resultados clínicos e a qualidade de vida desses indivíduos.

MATERIAL E MÉTODO

O presente estudo se trata de uma revisão integrativa da literatura científica realizada em Setembro de 2023, com o objetivo de analisar a eficácia da fibrinólise pleural no tratamento do empiema. Optou-se pela exclusão de revisões integrativas e foram incluídos estudos quantitativos, qualitativos e estudo de casos clínicos para maior embasamento teórico buscando fornecer uma visão abrangente da eficácia do método. Na estratégia de busca, foram utilizadas bases de dados eletrônicas: Science Direct, SCOPUS, Web of Sciences, Pubmed, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e o buscador acadêmico (Google Scholar). Optou-se por utilizar o formulário avançado com os descritores em suas versões em inglês ou português para verificar o título, o resumo ou o assunto, a depender da base de dados. Os operadores booleanos adotados nas estratégias foram “and” e “or”. Foram identificadas 142 referências, sendo 8 destes artigos, publicados entre 1995 e 2022, selecionados para o presente estudo.

REVISÃO DA LITERATURA

No final da década de 40, surgem os primeiros trabalhos mostrando a utilização de substâncias fibrinolíticas no tratamento do empiema em sua fase fibrinopurulenta. A utilização da terapêutica intrapleural de fibrinolíticos para lise de septações no derrame pleural foi descrita pela primeira vez em 1950 (Rosen et al., 1993), mas devido a reações alérgicas causadas por esses agentes, essa abordagem foi abandonada por anos subsequentes.

A Sociedade Americana de Cirurgia Torácica definiu, em 1962, a evolução do derrame pleural em três fases distintas.^5 A primeira fase é a exsudativa, com duração de 24 a 72 horas.8 É o derrame não complicado, isto é, sem invasão bacteriana. A antibioticoterapia poderá ser eficaz e evitar a evolução para a fase seguinte. Na segunda fase, denominada de fibrinopurulenta, com duração de sete a 10 dias, ocorre a invasão bacteriana que caracteriza o derrame complicado. Por esse motivo, o pH e a glicose diminuem (atividade metabólica das bactérias) e a LDH eleva (necrose celular de bactérias e neutrófilos). Gram e cultura podem mostrar bactérias. Verifica-se intenso processo inflamatório, com formação de fibrinas e tendência a loculações. Antibioticoterapia apenas não é suficiente, é necessária também a drenagem ou a toracoscopia ou o debridamento químico com fibrinolíticos. A última fase é a de organização, com início após duas a quatro semanas, há migração de fibroblastos com formação de fibrose e encarceramento pulmonar. É o que se pretende evitar com a abordagem adequada nas fases anteriores. Se o derrame encontra-se nesta fase e o processo infeccioso não está controlado, provavelmente nem a drenagem nem o debridamento serão eficazes, necessitando-se de intervenção mais agressiva, como toracotomia e decorticação pulmonar.

Durante os anos 1990, o emprego de agentes como estreptoquinase e uroquinase ganhou destaque no tratamento de empiema. Esses agentes fibrinolíticos ativam o plasminogênio para formar plasmina, que por sua vez dissolve os septos de fibrina em efusões pleurais, tornando o conteúdo mais fluido para eliminação por meio de drenagem torácica. A ação desses medicamentos otimiza a saída de material infeccioso e amplifica a ação dos antibióticos, ao mesmo tempo em que limpa os poros do sistema de drenagem pleural, facilitando a restauração da circulação pleural (Strachan e Jaffe, 2011; Marchi et al., 2006; Jerjes-Sanchez et al., 1996). Entretanto, críticas apontaram que essa terapia poderia requerer maior tempo de hospitalização e apresentava taxas não desprezíveis de ineficácia (Krishnan et al., 1997).

Avançando para o século XXI, apesar de múltiplos estudos, somente quatro foram ensaios clínicos randomizados que avaliaram o uso de uroquinase, alteplase e reteplase, mostrando eficácia entre 80 a 90%. As complicações mais frequentes envolviam, basicamente, dor durante a infusão do medicamento (Kurt et al., 2006; Sonnappa et al., 2006; Singh et al., 2004; Thomson et al., 2002).

A administração dos fibrinolíticos é realizada via drenagem torácica, necessitando de sedação, mas sem a necessidade de intubação orotraqueal. São administradas três doses diluídas em solução salina, em intervalos de 24 horas e podem ser feitas no próprio leito do paciente. Além disso, é particularmente útil onde não há uma equipe de cirurgia disponível para realizar a VATS.³

Dúvidas ainda existem sobre a comparação entre a técnica de VATS e os fibrinolíticos modernos como uroquinase e alteplase. Dois estudos prospectivos mostraram resultados parecidos entre a uroquinase e a alteplase em comparação com a VATS, destacando os benefícios de custo e segurança dos fibrinolíticos, uma vez que não requerem anestesia geral com intubação orotraqueal. O comitê científico da Associação Americana de Cirurgia Pediátrica definiu um nível de evidência A para o uso de fibrinolíticos como primeira linha de tratamento em derrames pleurais loculados, apesar de uma taxa de falha de 16% onde a técnica de VATS deverá ser considerada.³

DISCUSSÃO

Conforme evidências encontradas, o uso da fibrinólise tem mostrado resultados promissores em relação a sua eficiência, mas também ambíguos no que diz respeito ao método de escolha no tratamento do empiema.

Apesar do sucesso terapêutico da drenagem, ainda restavam em torno de sete a 24% dos empiemas que não respondiam a ela (Huang et al., 1999; Fortes et al., 1985), devido principalmente a presença de loculações pleurais ou a própria viscosidade do fluido (Rizalar et al., 1997), tornando necessária a abordagem cirúrgica. Essas loculações são resultantes da ativação do sistema de coagulação, com formação de uma extensa malha de fibrina na cavidade pleural, constituindo o substrato para a migração e proliferação de fibroblastos. O resultado final é a deposição de colágeno, que constitui o espessamento pleural e encarceramento pulmonar (Vargas et al., 2004).

Em uma revisão sistemática realizada por Coote e Kay (2009) na qual foram selecionados os ensaios randomizados controlados que comparam o tratamento conservador e o tratamento cirúrgico com suas várias técnicas para o tratamento do empiema, apenas um estudo satisfez todos os critérios de inclusão. Este concluiu que para os empiemas extensos e loculados, a VATS é superior ao dreno em relação ao tempo de permanência deste e ao tempo de internação hospitalar (Wait et al., 1997). No entanto, devido ao pequeno número de pacientes (n=20), os autores da revisão sistemática sugerem a realização de estudos maiores e multicêntricos.

À data da redação deste artigo, existem três estudos randomizados publicados que comparam a instilação intrapleural de fibrinolítico com a toracoscopia videoassistida (VATS), no tratamento de DPP complicados, na população pediátrica.^8,10 Os três concluem não haver diferenças estatisticamente significativas entre as opções terapêuticas no que diz respeito a duração de internamento, tempo de drenagem e taxa de falência terapêutica.^8,10

Na literatura, vários estudos, quer retrospectivos quer prospectivos, apontam para o sucesso terapêutico da VATS nos derrames parapneumônicos (DPP) complicados, que leva a uma resolução mais precoce e completa dos DPP complicados e a menor tempo de internamento.^4,10-14. Isto levou a que a VATS fosse recomendada como tratamento primário de DPP complicados, assim que o diagnóstico fosse feito. No entanto, a evidência atual sugere que o tratamento dos DPP complicados através da instilação intrapleural de fibrinolítico é equivalente ao tratamento cirúrgico.³

A American Pediatric Surgical Association definiu, com um nível A de evidência, que a instilação intrapleural de fibrinolíticos deve ser utilizada como primeira opção de tratamento, ficando reservada a VATS para os doentes que não respondam ao tratamento.^7

Febre, calafrios e reações alérgicas podem ser relatados com a utilização da estreptoquinase, porém complicações mais sérias como sangramento pleural, fibrilação ventricular e insuficiência respiratória aguda são raras. Os trombolíticos administrados no espaço pleural não alteram a coagulação sistêmica, sendo considerados drogas seguras para a prática clínica. As contra-indicações absolutas para sua utilização são reações alérgicas prévias ao trombolítico ou a presença de sangramento ativo no espaço pleural.²

Ao comparar estes dois tipos de tratamento, há diferenças a considerar. A VATS é um procedimento cirúrgico, que demora cerca de 1h sob anestesia geral, enquanto a colocação do dreno pode requerer apenas uma sedação.³,4,11,12 Estes pacientes, pela patologia infeciosa, apresentam um risco anestésico aumentado, ASA II ou ASA III.¹4 Além disso, os custos da VATS são significativamente mais elevados do que do tratamento com fibrinolítico.

Finalmente, apesar de muitos estudos na literatura terem proposto a avaliação comparativa de técnicas de manejo do empiema pleural, ainda há uma grande lacuna na eleição do melhor procedimento, visto que a grande maioria dos estudos é de coorte retrospectiva ou ensaios clínicos com grupos pequenos, de modo que não há como tomar as evidências para a adoção na prática clínica.

CONCLUSÃO

Com base na revisão integrativa realizada, a fibrinólise pleural apresenta-se como uma opção eficaz, desde que escolhida em coerência com fase de evolução e recursos tanto profissionais quanto em relação ao local de realização. Além das peculiaridades inerentes a cada paciente (como risco cirúrgico aumentado). Dessa forma, bem conduzida e orientada, trata-se de uma excelente alternativa para o tratamento do empiema.

O fator crítico no prognóstico de empiema é o intervalo entre o início dos sintomas e a instituição do tratamento adequado. Está claro que qualquer que seja a terapia escolhida, ela deve ser instituída precocemente e ser específica para a fase evolutiva do derrame.¹³ A VATS é um procedimento cirúrgico seguro e eficiente, devendo ser realizada precocemente na fase fibrinopurulenta do derrame pleural, evitando-se o encarceramento pulmonar e as complicações como fístulas broncopleurais. ¹²

Os fibrinolíticos, em especial a alteplase, encontram apoio com nível de evidência A na literatura ¹¹ e parecem ser uma alternativa extremamente útil, especialmente em locais sem cirurgião.

Na nossa revisão, a instilação intrapleural de alteplase e a VATS surgem como peças chave de atuação, tendo como primeira linha terapêutica o fibrinolítico. A opção terapêutica apresentada teve uma baixa taxa de falência, permitiu evitar um procedimento cirúrgico mais agressivo, e teve um baixo índice de sequelas a médio ou a longo prazo, sendo as mesmas relacionadas com a própria doença. Consideramos que esta é uma opção de tratamento eficaz e que, em nosso estudo, cursou com baixas taxas de falência e sequelas.

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