O USO INDISCRIMINADO DE ANABOLIZANTES POR PRATICANTES DE MUSCULAÇÃO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10086947


Everton Da Silva Leão1;
David Ramsés E. E Silva2;
Júlia Tenório Lossio De Macedo3;
Gabriela Rodrigues Da Silva Coqueiro4;
Bárbara Da Silva Vargas5;
Orientação: Professora Dra. Ana Silvia Suassuna Carneiro Lúcio 


RESUMO

A busca por um corpo que atenda aos padrões encontrados em fisiculturistas e outros atletas tem levado uma grande quantidade de praticantes de musculação, principalmente entre os jovens, a buscar resultados rápidos através do uso de esteroides anabolizantes. Os esteroides anabolizantes são, principalmente, derivados da testosterona sendo seu uso proibido nos esportes e competições, no entanto, seu uso indiscriminado vem crescendo entre praticantes de musculação. Sua utilização, apesar de poder proporcionar rápidos resultados referentes ao aumento na massa muscular, traz também diversos efeitos colaterais que podem atingir variados sistemas do organismo, principalmente com seu uso em doses suprafisiológicas. Efeitos dermatológicos como aumento ou surgimento de acne e crescimento de pelos, dentre outros, são frequentemente relatados. No sistema reprodutor, disfunção sexual, ginecomastia e a virilização são desajustes comuns. Alterações metabólicas e efeitos que variam da hepatomegalia ao câncer de fígado são descritos na literatura. Além disso, disfunção endotelial e alterações nos níveis de colesterol em associação com doenças miocárdicas foram apontadas. Com ênfase no sistema cardiovascular, os esteroides anabolizantes podem causar diversas complicações como insuficiência cardíaca, fibrilação ventricular, tromboses, doença isquêmica e infarto agudo do miocárdio. Por fim, alterações osseoarticulares, renais e neuropsíquicas associadas ao uso indevido dos esteroides vem sendo estudas. No entanto, os estudos epidemiológicos a respeito da utilização de anabolizantes ainda são muito escassos e por vezes divergentes demonstrando a necessidade de mais pesquisas na área a fim de conhecer melhor como se dá o seu uso pela população e quais os principais efeitos colaterais associados. 

Palavras-chave: Anabolizantes, Uso indiscriminado, Praticantes de musculação e Musculação.

Keywords: Anabolic Agents, indiscriminate use and bodybuilders.

INTRODUÇÃO

Os esteroides anabólicos androgênicos – EAAs comumente chamados simplesmente de anabolizantes, são substâncias sintetizadas em laboratório, relacionadas aos hormônios masculinos (androgênios). Essas substâncias aumentam a síntese proteica, a oxigenação e o armazenamento de energia resultando em incremento da massa muscular e de sua capacidade de trabalho (IRIART e ADRADE, 2002).

Apesar dos EAAs terem diversas finalidades para o tratamento/controle de diversas doenças, tais substâncias estão sendo utilizadas de forma não terapêutica e indiscriminada em nossa sociedade, com objetivos de melhora da performance esportiva e principalmente estéticas (SANTOS 2007, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013).  De acordo com IRIART et al (2002), para chamar atenção nas ruas, está havendo uma verdadeira competição entre os frequentadores de academia o que tem aumentado o uso dos EAAs. Segundo LOBO (2003, apud CARMO et al, 2012) o principal fator que leva esses indivíduos a utilizarem EAAs é a procura por melhor aparência física (LOBO et al., 2003).

Neste sentido, uso de EAAs sem qualquer critério e controle vem sendo crescente entre indivíduos que praticam atividade física como forma de lazer, principalmente jovens e adolescentes, com o simples objetivo de melhorar a aparência física (HARTGENS; KUIPERS, 2004; URHAUSEN et al., 2004, apud CARMO et al, 2012). Segundo PARSSINEN e SEPPALA (2002 apud CARMO et al, 2012), mais de um milhão de norte-americanos fazem uso de EAAs com esse mesmo objetivo.

Pesquisas nos Estados Unidos quantificaram o uso indevido de esteroides anabolizantes, mostrando que a idade de início de consumo é entre 15 e 18 anos, em estudantes de segundo grau e a incidência é maior no sexo masculino (RIBEIRO, 2001). 

No Brasil os resultados encontrados também são muito preocupantes. Em 2001 os EAAS foram os agentes que mais causaram intoxicação nos brasileiros, sendo uns dos mais utilizados dentre os medicamentos considerados drogas de abuso (NOTO et al., 2003, apud CARMO et al, 2012).

Um estudo realizado em fisiculturistas revelou baixa informação sobre os EAAs. Entre os efeitos colaterais mais conhecidos, foram registrados: impotência sexual em 10,7% e perda da libido em 8,1%. Tais dados sugerem que esse efeito adverso atinge a grande maioria desses atletas, devido, principalmente, ao uso prolongado de EAA (SANTOS; ROCHA; SILVA, 2011, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013).

Inúmeros são os efeitos colaterais que podem ser causados pelo uso não terapêutico, indiscriminado e abusivo de EAAs. Ressalta-se, ainda, que os efeitos adversos podem afetar vários órgãos e sistemas (ABRAHIN et al., 2013). 

Assim, apesar do fato dos esteroides anabolizantes demonstrarem possíveis melhoras tanto no desempenho físico como na aparência física, doses excessivas podem trazer diversas alterações deletérias, principalmente àquelas relacionadas ao sistema cardiovascular entre outras que comprometem seriamente a saúde dos usuários (ROCHA et al., 2007). 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, o qual representa um método de Pesquisa Baseada em Evidências, tendo como objetivo a reunião e sumarização de informações acerca da temática proposta através de pesquisas anteriores de forma ordenada, com o intuito de investigar e aprofundar o estudo em questão. Desse modo, seu produto final permite analisar a situação, garantir propostas de intervenções, além de apontar as principais imperfeições e lacunas que precisam ser solucionadas com a resolução de novos estudos (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008).

O processo de sumarização foi realizado em seis etapas: determinação da questão norteadora, delimitação dos critérios de inclusão e exclusão, coleta de dados dos artigos extraídos, avaliação criteriosa dos estudos selecionados para consistira presente revisão integrativa, discussão e interpretação dos resultados e, por fim, apresentação da síntese elaborada (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010).

Nesse sentido, definiu-se a seguinte questão norteadora para compor a primeira etapa do presente estudo: “Quais efeitos indesejáveis podem decorrer do uso indiscriminado de anabolizantes por praticantes de musculação?”. 

A coleta de dados foi realizada durante os meses de outubro e novembro de 2021, através do levantamento bibliográfico na base de dado e bibliotecas eletrônicas: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), USA National Library of Medicine (PubMed), LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde) e MEDLINE (Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica). 

Como estratégias de investigação para a busca de artigos científicos, foram utilizados três descritores encontrado em Descritores de Ciências da Saúde (DeCS) na seguinte combinação: “Anabolizantes” AND “Uso indiscriminado” AND “Praticantes de musculação” OR “Musculação”.

Quanto aos critérios de inclusão, foram selecionados artigos completos disponíveis eletronicamente nos idiomas inglês e português, que contemplassem a temática proposta no título, resumo ou nos descritores. Após consulta na literatura, constituíram critérios de exclusão: artigos em duplicidade, recursos não científicos, artigos não disponíveis na íntegra e estudos que não abordassem o tema em seres humanos.

Posteriormente a essa busca, procedeu-se à leitura dos títulos e resumos, sendo um estudo excluído nessa etapa. Os estudos enquadrados nos critérios de inclusão foram lidos na íntegra para seleção daqueles de maior relevância para a temática em questão. Após esse processo, todos os artigos selecionados foram enquadrados quanto ao nível de evidência (MELNYK, 2005), conforme pode ser observado no Quadro 1. 

Quadro 1. Níveis de evidência.

Nível de evidênciaTipo de estudo
IRevisão sistemática ou meta-análise de ensaios clínicos randomizados
IIExperimentos de pelo menos um ensaio clínico randomizado ou controlado bem delineado
IIIExperimentos controlados bem delineados sem randomização
IVEstudo de coorte ou caso-controle bem delineados
VRevisão sistemática de estudos qualitativos ou descritivos
VIEstudos qualitativos ou descritivos
VIIOpinião de autoridades e/ou relatórios de comitê de especialistas

RESULTADOS 

Em todas as bases de dados e bibliotecas virtuais foram usadas a mesma combinação de descritores supramencionados e os mesmos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos.

Na BVS, utilizando o filtro para os dez últimos anos, foram encontrados dezoito artigos. Para escolha daqueles que abordassem a temática proposta, utilizou-se dos critérios de inclusão e exclusão. Após a leitura do tema foram excluídos seis artigos, restando doze. Após apreciação do conteúdo, foi retirado mais um dos artigos encontrados, este no formato de vídeo, restando assim onze artigos, todos em português.

Por sua vez, no SciELO, foram encontrados sete artigos, dos quais três foram excluídos após a leitura do tema. Entre os quatro que restaram, três eram repetidos em relação aos encontrados na BVS, restando apenas um artigo que atendia aos critérios de inclusão. 

Na base de dados da PubMed foi encontrado apenas um artigo cujo tema não guardava relação com o do proposto neste trabalho. 

Por sua vez, na base MEDLINE não foi encontrado nenhum resultado com os descritores utilizados.

Na plataforma LILACS, com o filtro temporal de dez anos, foram obtidos três estudos, contudo, dois deles eram duplicados com os encontrados na BVS e o terceiro foi excluído após a leitura do tema uma vez que não se aplicava ao proposto nesse trabalho. Assim, após aplicação dos critérios de exclusão, não restou nenhum artigo desse banco de dados.

Portanto, a partir dos critérios estabelecidos para a busca dos artigos, foram encontrados dezenove estudos nas bases de dados e biblioteca virtual. Após uma análise minuciosa, doze se enquadraram nos parâmetros almejados. Logo, esta foi a amostra final de artigos da presente revisão.

No que diz respeito aos níveis de evidência, o nível VI foi o de maior representatividade, com 75%. Por sua vez, 25% se enquadraram no nível V. Os demais níveis não obtiveram contagem nesta revisão integrativa.

No que tange às bases de dados/ biblioteca virtual, A BVS possuiu maior expressão com 91,67% dos estudos, seguido pela SciELO com 8,33%. Tanto a PubMed, quanto a MEDLINE e a LILACS não apresentaram representatividade.

Para facilitar a inspeção e apresentação dos resultados, elaborou-se a Quadro 2 que aponta a seleção dos artigos com base na combinação de descritores selecionados. Já o Quadro 3 mostra autores, ano de publicação, base de dados/ biblioteca virtual, nível de evidência, periódico de publicação, título e os principais resultados de cada estudo analisado.

Quadro 2. Seleção dos artigos com base na combinação dos descritores nos últimos cinco anos.







“Anabolizantes” AND “Uso indiscriminado” AND “Praticantes de musculação” OR “Musculação”

Banco de dadosArtigos encontradosDuplicadosRestaram 
Após leitura do temaApós leitura do resumoApós leitura integral
PubMed100
MEDLINE00
SCIELO101
BVS1801211
LILACS320

Quadro 3. Disposição dos artigos conforme combinação dos descritores nas fontes de pesquisa. 

Autores/ AnoBase de dados/ BibliotecaNível de evidênciaPeriódico de publicaçãoTítulo do estudoPrincipais resultados
ROQUE, ROCHA, HASHIMOTO, ALVES, NEGRÃO E OLIVEIRA, 2007.BVSVIRevista Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. 
Efeitos do uso de esteróides anabolizantes: do atleta ao paciente.
As alterações estruturais nas musculaturas esquelética e cardíaca e as modificações humorais decorrentes do uso de esteróides anabolizantes, por efeitos diretos e/ou indiretos, podem provocar e perpetuar doenças cardiovasculares.
CARMO, FERNANDES e OLIVEIRA, 2012.BVSVRev. Educ. Fis/UEM Esteróides anabolizantes: do atleta ao cardiopata Os efeitosdeletérios do EAs sobre o sistemacardiovascular podem causar prejuízos àestrutura e função cardíaca
BOFF, S. R., 2008.BVSVIRevista Brasileira de Ciências e MovimentoEfeitos colaterais dos esteróides anabolizantessintéticos  O uso dos anabolizantes podem causar danos permanentes e irreversíveis, com ospossíveis benefícios sendo transitórios.
ABRAHIN e SOUZA, 2013BVSVRev. Educ. Fis/UEMEsteroides anabolizantes androgênicos e seus efeitoscolaterais: uma revisão crítico-científica.Os efeitos adversos podem afetar vários órgãos e sistemas. Alguns desses efeitos parecem ser desconhecidos ou pouco evidenciados na literatura.
ROCHA, GOMES e OLIVEIRA, 2007.BVSVIO MUNDO DA SAÚDE São PauloEsteróides anabolizantes: mecanismos de ação e efeitos sobre o sistema cardiovascular.As alterações estruturais e funcionais da musculatura cardíacadecorrente do uso de esteróidesanabolizantes, por efeitos diretose/ou indiretos, podem provocar eperpetuar doenças cardiovasculares.
KAHWAGE, PESSOA, PEREIRA, TUPIASSÚ,EINECK, CAVALCANTE,e RESENDE, 2017.BVSVIRev. Soc. Bras. Clin. Médica.Hepatite tóxica complicada com lesão renal aguda por hiperbilirrubinemia decorrente do uso excessivo deesteroides anabolizantes.O uso indiscriminado de ciclos deEstanozolol® resultou em síndrome colestática associada à insuficiência renal. O abuso desta substância, relativamente comumentre estes atletas, pode levar a complicações graves.
IRIART e ANDRADE 2002.BVSVICad. Saúde Pública, Rio de JaneiroMusculação, uso de esteróides anabolizantese percepção de risco entre jovens fisiculturistasde um bairro popular de Salvador, Bahia, Brasil.Os dados apontam a faltade informação dos jovens entrevistados sobrea extensão dos danos à saúde decorrentes douso de anabolizantes, mostrando que para muitos, o desejo de desenvolver massa muscular ealcançar um suposto corpo ideal se sobrepõeao risco de efeitos colaterais.
LUCHI, RICARTE, ROITMAN, SANTOS, 2014.BVSVIJornal Brasileiro de Nefrologia.Nefrocalcinose associada ao uso de esteroide anabolizante.O conhecimento detalhado da fisiopatologia da lesãorenal pelos EA ainda não está claro. A presença denefrocalcinose propõe ummecanismo adicional de lesão dos EA.
DARTORA,  WARTCHOW E ACELAS, 2014.BVSVIRevista Cuidarte.O uso abusivo de esteroides anabolizantes como umproblema de Saúde Pública.Problemas de saúde estão descritos na literaturadevido ao uso deste tipo de substâncias, problemas comodoenças cardíacas, hepáticas, câncer, esterilidade, entreoutras.
ABRAHIN (b), SOUZA, SOUSA, MOREIRA E NASCIMENTO, 2013.BVSVRevista Brasileira de Medicina do Esporte.Prevalência do uso e conhecimento de esteroidesanabolizantes androgênicos por estudantes eprofessores de Educação Física que atuamem Academias de Ginástica.Possívelprevalência de uso de EAA significativa entre os estudantes e professores de educação física que atuam em academias de Belém, PA, revelando assim prováveis desconhecimentos desses sobre alguns dos efeitoscolaterais, podendo implicar no uso indiscriminado dessas drogas.
SANTOS, MARQUES, SANTOS A, BENUTE e LUCIA, 2012.BVSVIPsicologia Hospitalar, São Paulo.Vigorexia, uso de anabolizantes e a (não) procura por tratamento psicológico: relato de experiênciaDificuldade destesindivíduos em procurar serviços de saúde para o tratamento psicológico. A prática implica a dificuldade de relação do indivíduo consigomesmo e com o outro que encontra, no corpo, via de expressão para essacomplexa vivência.
AZEVEDO, FERREIRA, SILVA, CAMINHA, FREITAS, 2012.SCIELOVIMotricidade.Dismorfia muscular: A busca pelo corpo hiper musculosoA dismorfia muscular é uma temática pouco estudada, prevalente em indivíduos do sexo masculino, principalmente entre indivíduos praticantes do treinamento de força que buscam uma aparência física hegemônica por meio de corpo musculoso.

DISCUSSÃO

Os esteroides anabolizantes androgênicos (EAAs) são um subgrupo dos andrógenos, derivados sintéticos da testosterona, desenvolvidos a partir da tentativa de dissociação das ações androgênicas e anabólico-proteicas (ROQUE, ROCHA, HASHIMOTO, ALVES, NEGRÃO e OLIVEIRA, 2007). Nestes compostos, são realizadas modificações em sua estrutura molecular a fim de alterar sua bioatividade, atrasar sua absorção na circulação, minimizar suas ações androgênicas e maximizar as anabólicas (KUHN, 2002; HARTGENS; KUIPERS, 2004, apud CARMO, FERNANDES, OLIVEIRA).

Segundo ABRAHIN e SOUSA (2013), os efeitos colaterais decorrentes do uso, abusivo, ou não, dos EAAs, tem como principal fator às propriedades androgênicas desses compostos. Tais efeitos podem ter como alvo os mais variados órgãos e sistemas nos quais irá atuar via de regra alterando o seu funcionamento.

 A utilização de diversos EAAs, inclusive outras drogas, como GH, insulina, efedrina, óleos localizados, entre outras, podem aumentar os riscos, em função da interação de diversas substâncias que podem potencializar os efeitos colaterais. Esses efeitos ainda podem ser somados a outros fatores, tais como: o tipo de EAA (via oral, injetável e adesivo transdérmico); a dosagem, a idade, como no caso de adolescentes em que pode ocorrer fechamento prematuro das epífises, o sexo dos usuários, a predisposição genética e o uso prolongado (WU, 1997; HOFFHMAN; RATAMESS, 2006; FIGUEIREDO et al., 2011, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013).

Não tem sido incomum a associação entre uso de anabolizantes em doses exageradas e aparecimento de distúrbios cardíacos, hepáticos e renais (ROQUE et al, 2007).

EFEITOS COLATERAIS

Efeitos dermatológicos

Para Maravelias et al (2005, apud Carmo et al, 2012), o uso de EAAs em dose suprafisiológicas pode dar causa ao surgimento de severos efeitos colaterais, entre eles o aparecimento e a complicação da acne, o hirsutismo e a hipertricose. 

Para Evans (1997); Lambert; Titlestad; Schwellnus (1998) e O’Sullivan et al (2000) (apud ABRAHIN e SOUSA, 2013), a acne aparece como sendo o mais comum efeito colateral relacionado ao uso indiscriminado e abusivo de EAA, tal afirmação também foi descrita por Dartora et al (2014).

Um estudo revelou prevalência de 63,4% de acne em usuários de EAAs (PARKINSON; EVANS, 2006, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013). O’Sullivan et al. (2000, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013) encontraram resultado de 43% desse efeito adverso em ex-usuários e usuários dessas drogas. A provável causa desse efeito adverso está relacionada à estimulação das glândulas sebáceas em produzir mais óleo. Os locais geralmente afetados são a face e as costas (HOFFHMAN; RATAMESS, 2006, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013).

 Outro efeito colateral dermatológico bastante comum são as estrias, atingindo normalmente a região axilar e deltopeitoral. Evans (1997, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013) observou a prevalência de 34% das estrias, segundo ele, sendo esse o terceiro efeito adverso mais citado por usuários de diversos EAAs (decanoato de nandrolona, estanozolol, dianabol, entre outros) ouvidos em sua pesquisa. Posteriormente, outra pesquisa semelhante revelou resultado mais expressivo: 44,4% (PARKINSON; EVANS, 2006, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013). 

As estrias parecem estar associadas ao rápido crescimento muscular. A única maneira de impedir essas marcas é aumentar, de forma fisiológica, a sessão transversa do tecido musculoesquelético, contribuindo, assim, para uma melhor adaptação do tecido epitelial, entretanto esse não é o desejo de indivíduos que utilizam os EAA de forma abusiva (ABRAHIN E SOUSA, 2013).

Efeitos no sistema reprodutor

Segundo Boff (2008), os efeitos colaterais no sistema reprodutor que podemos citar, no caso dos homens, vão desde a redução na produção de espermatozoides, atrofia testicular, disfunção sexual, disúria, algúria, ginecomastia, priaprismo, hipertrofia prostática benigna (HPB) e o carcinoma prostático. Já em relação as usuárias de EAAs do sexo feminino, o que tem se observado é a virilização que se manifesta, dentre outros aspectos, na redução da gordura corporal, dos seios e no agravamento da voz, além de dismenorreia, hipertrofia do clitóris e alteração na libido.

Nesse mesmo sentido aponta Carmo et al (2012, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013), segundo os quais doses suprafisiológicas podem provocar a redução na síntese de testosterona fisiológica bem como da espermatogênese conduzindo a um quadro de atrofia testicular. Esses efeitos decorrem da inibição da secreção de gonadotrofina, bem como pela conversão dos andrógenos em estrógenos, além de causar uma ereção dolorosa e persistente, denominada priapismo já descritos por Abril et al (2005) e Bonetti et al. (2008) (apud ABRAHIN e SOUSA, 2013). Tais consequências normalmente voltam ao normal após o término do uso da droga, no entanto podem durar até seis meses (MARAVELIAS et al., 2005, CARMO et al, 2012). Segundo Guerra, Bion e Almeida (2005, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013), foi observado como resultado um espermograma compatível com infertilidade nos usuários de EAAs há mais de três anos.

Segundo Dartora et al (2014), alguns autores tem defendido a hipótese destas substâncias causarem, além de ginecomastia, alterações morfológicas nos espermas levando a sua inviabilidade. A ginecomastia, inclusive, parece ser comum em usuários de EAAs do sexo masculino. Evans (1997, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013) encontrou prevalência de 34% em usuários de EAA. Segundo o referido autor, foi o segundo efeito colateral mais citado pelos entrevistados.

 Por sua vez, nas mulheres podem ocorrer encolhimento dos seios, aumento da libido, e alterações na menstruação (FORTUNATO, ROSENTHAL, CARVALHO, 2007 and MELNIK, JANSEN, GRABBE, 2007 and EVANS, 2004 and IRIART, CHAVES, ORLEANS, 2009, apud DARTORA et al, 2014), além disso, aumento do clitóris, agravamento da voz, crescimento de cabelos no corpo, que nas mulheres são efeitos colaterais irreversíveis. Não se pode esquecer que os EAAs são derivados sintéticos da testosterona; logo, a mulher adquire características sexuais masculinas (HOFFHMAN; RATAMESS, 2006; FERREIRA et al., 2007; IP et al., 2010, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013).

Em particular, mecanismos de inibição da produção de hormônio folículo estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH) em mulheres, tem sido descrito em populações sob uso abusivo de EAAs (HASSAN NA, SALEM MF, SAYED MA, 2009 apud KAHWAGE, PESSOA, PEREIRA, TUPIASSÚ, EINECK, CAVALCANTE e RESENDE, 2017), bem como a inibição da foliculogênese e da ovulação; alterações do ciclo menstrual que incluem o prolongamento da fase folicular, encurtamento da fase lútea e, em alguns casos, ocorrência de amenorreia (IP et al., 2010, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013).

 Recente estudo conduzido por Ip et al. (2010, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013) observou que mesmo tomando doses semanais menores de EAAs, quando comparadas aos homens, as mulheres podem ser mais vulneráreis a muitos dos efeitos adversos do seu uso.

Efeitos endócrinos

Do ponto de vista endócrino, para Dawson 2001, Hatfield 1986, Labree 1991, Lise 1999 e Moura 1994 (apud BOFF, 2008), foram observadas significativas mudanças no metabolismo de carboidratos com aumento da resistência a insulina e intolerância à glicose. Tal fato foi corroborado por Shahidi (2001, apud CARMO et al, 2012), que alertou ainda para a alteração do perfil dos hormônios da tireóide com a diminuição na liberação de seus hormônios (T3 ou triiodotironina e T4 ou tiroxina), além da diminuição na liberação de hormônio estimulante da tireóide pela hipófise a exemplo do primeiro. 

Efeitos hepáticos 

Os efeitos adversos hepáticos decorrentes do uso de EAAs estão entre os mais comuns e graves, dentre os quais podemos destacar aumentos dos níveis de marcadores enzimáticos de toxicidade no fígado, podendo ocasionar hepatotoxicidade, além de hepatomegalia, adenoma hepatocelular (tumor de origem epitelial), entre outros (VIEIRA et al., 2008; SCHWINGEL et al., 2011, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013). 

São encontrados níveis elevados da enzima aspartato aminotransferase, alanina aminotransferase e lactato desidrogenase (MARAVELIAS et al., apud CARMO et al, 2012) sendo esta, também, uma constatação de Schwingel et al. (2011, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013), que observaram estatisticamente, de forma significativa, o aumento na síntese dessas mesmas enzimas, no grupo de usuários de EAAs em comparação ao grupo de não usuários. Segundo Dourakis e Tolis (1998, apud CARMO et al, 2012), esses achados poderiam ter relação direta com o aparecimento de tumores e hepatite (DOURAKIS; TOLIS,). Socas et al. (2005, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013) reportaram casos de adenoma hepatocelular e lesões no fígado em fisiculturistas usuários de EAA.

Um estudo publicado no Liver International, por pesquisadores brasileiros, avaliou a prevalência de doenças hepáticas gordurosas não alcoólicas através da ultrassonografia abdominal em 85 sujeitos do sexo masculino que tinham histórico do uso intramuscular de EAAs pelo período superior a dois anos. Os resultados revelaram casos de hepatomegalia em 12,6% e esteatose hepática em 13,7% dos sujeitos pesquisados (SCHWINGEL et al., 2011, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013). Usando o mesmo método em fisiculturistas, Bonetti et al. (2008, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013) observaram, a prevalência de hepatomegalia de 64%, 36% desse total devido a esteatose. 

Outros problemas hepáticos têm sido documentados, como hepatite peliótica (cistos de sangue no fígado e de etiologia desconhecida), além do risco aumentado de câncer hepático. O risco para problemas hepáticos parece estar relacionado, principalmente, ao uso abusivo de EAA orais (17α-alquilados), por serem mais tóxicos e resistentes ao metabolismo hepático (HOFFHMAN; RATAMESS, 2006, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013).

 A hepatotoxicidade relacionada ao uso crônico e abusivo de EAA já está se tornando ocorrência relativamente frequente nos centros médicos mundiais, o que levou à descrição de um “fenótipo comum” aos pacientes com este diagnóstico. Estes pacientes são jovens e relativamente saudáveis, com desenvolvimento rápido de fadiga, icterícia e prurido (CHAHLA E, HAMMAMI MB, BEFELER AS, 2014, apud KAHWAGE et al 2017).

 Apesar de a icterícia ser comum em usuários crônicos de anabolizantes, e de que o risco de efeitos hepáticos adversos aumentar quanto maior for a exposição aos esteroides, as doenças hepáticas de longo prazo induzidas por EAAs são raras. Tal dado é justificado pelo fato de que os efeitos adversos das drogas sobre o órgão são geralmente reversíveis após sua suspensão (KAHWAGE et al 2017). 

Efeitos lipídicos

Em relação às mudanças no perfi lipídico, observa-se aumento do colesterol total e de triglicerídeos, diminuição da lipoproteína de alta densidade (HDL) e aumento da lipoproteína de baixa densidade (LDL). Bonetti et al. (2008, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013) verificaram reduções estatisticamente significativas nos níveis HDL e aumento não significativo no LDL em fisiculturistas após a administração de diversos EAA (estanozolol, norandrostenediona, Oxandrolona, DHEA, entre outros) pelo período de dois anos.

O uso prolongado de esteróides anabolizantes pode estimular a agregação plaquetária (Ferenchick, 1991, apud ROCHA F et al, 2007) e aumentar a atividade da lipase triglicerídica hepática (HTGL). O aumento na atividade desta enzima pode estar correlacionado com a diminuição nos níveis plasmáticos de HDL (Glazer, 1991, apud ROCHA F et al, 2007) fato corroborado por Melchert, Welder, 1995; Severo et al., 2012, (apud CARMO et al, 2012), ou, ainda, com o aumento nas concentrações plasmáticas de LDL como resultado do aumentado catabolismo das VLDL (lipoproteínas de muito baixa densidade), podendo potencializar a aterosclerose (Baldo-Enzi et al, 1990, apud ROCHA F et al, 2007) tal como também sustenta Hartgens e Kuipers (2004, apud CARMO et al, 2012).

Efeitos vasculares

Os efeitos dos EEAs na estrutura e função arterial também têm sido evidenciados, como as implicações para formação de ateromas. Evidências sugerem que os andrógenos provocam adesão de monócitos em células endoteliais, além de alterações na parede de artérias (Sader MA. et al, apud BOFF, S. R., 2008). Segundo Hartgens et al, 2004; Kuipers et al, 1991 (apud ROCHA et al 2007), essas disfunções promovem a aterosclerose e o infarto agudo do miocárdio (IAM) devido as alterações no metabolismo de lipoproteínas e a essas disfunções endoteliais.

Um estudo com fisiculturistas demonstrou, com auxílio de ultrassom, que o consumo de esteroides anabolizantes, por estes atletas, levou a uma disfunção endotelial e alteração do perfil lipídico, por diminuir os níveis de HDL (lipoproteína de alta densidade) colesterol, podendo aumentar os riscos de aterosclerose (Ebenbichler et al, 2001, apud ROCHA, F et al 2007).

A utilização de esteróides anabólicos associados ou não com exercício físico pode resultar em alterações do sistema cardiovascular, cujos resultados ainda são muito controversos (ROQUE et al, 2007).

Efeitos na Pressão Arterial 

Outro fator muito discutido ainda na literatura são os efeitos dos EAAs sobre a pressão arterial (PA). Trabalhos mostram aumento da PA induzida pelo uso de EAAs em atletas, aumento que pode persistir mesmo após a interrupção de seu uso, como observado em um estudo no qual, mesmo após cinco meses sem o uso da droga, a PA sistólica permaneceu cerca de seis mmHg maior em repouso nos usuários quando comparados aos não usuários (PEASRSON et al., 1986, apud CARMO et al, 2012).

Aumento de fato pronunciado da pressão arterial foi relatado por Kuipers et al. (1991, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013). Esses autores encontraram, inicialmente, 74 mmHg na pressão arterial diastólica e, após 10 semanas de autoadministração de altas doses de EAA, os níveis pressóricos chegaram a 86 mmHg. 

Por outro lado, alguns autores não apontam um aumento de PA provocado pelo uso de EAAs. Por exemplo, Nottin et al. (2006, apud CARMO et al, 2012), observaram que os níveis de pressóricos de fisiculturistas usuários de EAAs não diferiam dos níveis dos não usuários. Outro estudo realizado com levantadores de peso não observou aumento da PA em repouso e durante o exercício em usuários de EAAs (KRIEG et al., 2007, apud CARMO et al, 2012).

O’Sullivan et al. (2000, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013) não encontraram diferenças dignas de nota em relação aos níveis de PA diastólicos apresentados por não usuários, usuários e ex-usuários de EAAs. Porém, 8% do grupo dos não usuários, 29% dos usuários e 37% dos ex-usuários eram hipertensos. 

Estudos acerca do uso de EAA sobre os níveis pressóricos apontam resultados contraditórios. Algumas pesquisas citam alterações significativas, enquanto outras não (KUIPERS et al., 1991; O’SULLIVAN et al., 2000; HARTGENS; KUIPERS, 2004, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013). 

As discrepâncias de resultados encontrados na literatura sobre a administração de EAAs induzindo alteração na PA podem estar relacionadas às diferentes metodologias aplicadas nos estudos.

Efeitos sobre o miocárdio

Segundo Roque et al (2007), precisa ser melhor compreendida a hipertrofia cardíaca decorrente do uso de EAAs, relatada em diversos estudos e que pode estar associada ao exercício físico. Em um estudo que analisou as alterações cardíacas em usuários de EAAs por meio de ecocardiograma, foi observado aumento do índice de massa ventricular e espessura do septo intraventricular, além de redução no pico de velocidade durante a fase inicial de enchimento diastólico, sem alterações da função sistólica (KRIEG et al., 2007, apud CARMO et al, 2012).

Trabalhos realizados com ex-usuários observaram que os efeitos dos EAAs sobre a massa do ventrículo esquerdo e sobre a função ventricular persistiram mesmo após um ano da interrupção do uso da droga (URHAUSEN et al., 2004, apud CARMO et al, 2012); entretanto, o prejuízo sobre a função ventricular é controverso e vai depender, em parte, da metodologia usada, dos tipos e dosagens de EAAs.

Tagarakis et al (2000, apud ROQUE, 2007) observaram que a associação de EAAs e exercício físico induzia hipertrofia moderada dos miócitos cardíacos, contudo, esse aumento muscular não se acompanhava de angiogênese cardíaca. De fato, estudos recentes mostram que o uso de doses suprafisiológicas de EAAs, associado ao treinamento de natação, promoveu a inibição da angiogênese induzida pelo treinamento físico aeróbio tanto no músculo cardíaco como do esquelético, por meio de uma redução dos níveis locais de VEGF (fator de crescimento vascular endotelial), considerado o principal fator de crescimento vascular envolvido no processo angiogênico, por promover proliferação, migração, adesão e incorporação de células endoteliais e suas progenitoras (REDONDO, 2007; SOCI et al., 2009, apud CARMO et al, 2012).

Para Nieminen et al., (1996); Fineschi et al., (2001); Domas, Oliveira e Nagem, (2008) (apud ABRAHIN e SOUSA, 2013) essa hipertrofia acima dos graus fisiológicos atua como um fator de risco independente para morbidade e mortalidade. Esse risco tem sido associado à arritmia ventricular e à morte súbita.

Segundo Nieminen e colaboradores (1996, apud ROQUE, 2007), foram registradas evidências de doença cardiovascular em usuários crônicos de grandes quantidades de esteróides anabolizantes após muitos anos de treinamento de força. Dentre essas doenças estaria a fibrilação ventricular durante o exercício, trombose arterial e sintomas e sinais de insuficiência cardíaca, tendo todos eles apresentado hipertrofia cardíaca patológica.

Contrapondo-se as conclusões supramencionadas, Bonetti et al. (2008, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013), corroborados por Thompson e colaboradores (1992, apud ROQUE, 2007), não apontaram significativas diferenças no ecocardiograma de fisiculturistas após dois anos de administração, nesses pacientes, de EAAs. Contudo, essa discrepância na literatura sugere a ocorrência de fatores diversos que implicam diferenças metodológicas tais como: diferentes dosagens de EAA, o tipo de EAA utilizado, associação com outras drogas (insulina, GH, estimulantes), predisposição genética, entre outros.

Ressalta-se ainda que o ecocardiograma pode não ser sensível o suficiente para detectar, precocemente, alterações mínimas induzidas pelo uso abusivo de EAA, como alterações em nível celular (HARTGENS; KUIPERS, 2004; BONETTI et al., 2008, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013), já que as biópsias no miocárdio obtidas em animais de laboratório – e também em seres humanos – documentam danos celulares do miocárdio (NIEMINEN et al., 1996; FINESCHI et al., 2001, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013).

Em paralelo, também foi observada uma redução do débito cardíaco, acompanhada de um prejuízo do fluxo sanguíneo coronário e muscular esquelético causado pela diminuição da resposta vasodilatadora endotélio-dependente, demonstrando que esta associação é capaz de gerar anormalidades na resposta vascular ao exercício, mediada por uma disfunção endotelial (REDONDO, 2007; SOCI et al., 2009, apud CARMO et al, 2012) fato corroborado por Ammar et al (2004) e Ebenbichler et al (2001) (apud ROCHA et al 2007).

Estudos também têm demonstrado a associação do uso de EAAs com o aumento do colágeno miocárdico (ROCHA et al., 2007; NIEMINEN et al., 1996; LEGROSS et al., 2000; CARMO et al., 2011, apud CARMO et al, 2012). O aumento do colágeno cardíaco pode induzir mudanças eletrofisiológicas no miocárdio, com anormal propagação da onda de excitação (WYSOCZANSKI et al., 2008, apud CARMO et al, 2012), facilitando a taquicardia, o que pode explicar as repetidas ocorrências de morte súbita em usuários (NIEMINEN et al., 1996; LUIJKX et al., 2012, apud CARMO et al, 2012).

Efeitos ósseo-articulares 

 Com relação às alterações no aparelho locomotor, o uso abusivo e indiscriminado de EAAs pode aumentar os riscos de lesões musculotendíneas, pois a estrutura osteoarticular não consegue acompanhar o crescimento muscular, inibindo a síntese de colágeno em ligamentos e tendões (HOFFHMAN; RATAMESS, 2006; FERREIRA et al., 2007, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013).  Da mesma forma, os EAAs podem causar danos à estrutura óssea, sendo observadas alterações no tecido cartilaginoso e efeitos deletérios sobre tendões, resultando em diminuição da força tensional (STANNARD; BUCKNELL, 1993, apud CARMO et al, 2012). 

Em crianças e jovens podem levar ao fechamento prematuro das epífises, antecipando a fase final de crescimento (CALFEE; FADALE, 2006, apud CARMO et al, 2012) o que foi constato em pesquisa realizada em adolescentes por Lambert, Titlestad e Schwellnus (1998, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013), porém com ressalvas sobre a necessidade de pesquisas com metodologias adequadas para essa área.

Nesse aspecto, foram relatados efeitos sobre o sistema muscolesquelético, como a necrose avascular da cabeça do fêmur e aumento de lesões musculotendíneas (Dawson RT 2001, Evans NA. 2004, Hatfield FC 1996, apud BOFF, S. R., 2008).

Horn; Gregory; Guskiewicz (2009, apud ABRAHIN e SOUSA, 2013) pesquisaram sobre a prevalência de lesões musculo-articulares em ex-jogadores de futebol americano, usuários ou não de EAAs. Os dados apresentados sugerem maior número de lesões nas articulações, cartilagens, meniscos e ligamentos no grupo usuário de EAAs. Um estudo de caso reportou rompimento bilateral do tendão do quadríceps em fisiculturista após uso abusivo e prolongado de EAAs e outras drogas por, aproximadamente, 10 anos (DAVID et al., 1995, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013).

Efeitos renais 

As anormalidades renais encontradas no abuso de EAAs podem variar desde hematúria benigna até lesão renal aguda. Tais efeitos podem ser mediados tanto por mecanismos indiretos (como o acúmulo de substâncias nocivas nos túbulos renais, como pigmentos biliares) como diretos: apesar de estudos ainda não comprovarem a localização exata dos receptores de androgênio nos néfrons, sabe-se que eles estão presentes em células do mesângio, dos glomérulos, dos túbulos proximais e ductos coletores corticais, e que a atividade renal é alterada quando tais estruturas são constantemente estimuladas (KAHWAGE et al, 2017)

Segundo Takahashi et al. (2004, apud CARMO et al, 2012), os efeitos renais dos EAAs associados a um quadro de necrose tubular aguda são caracterizados por inchaço de células tubulares com redução no número de células, túbulos distais hemorrágicos, desnaturação proteica e deposição de fibrina.

Por sua vez, a doença colestática grave pode causar nefrose colêmica, condição geralmente associada à IRA juntamente de variadas formas de hepatopatias, embora existam poucos relatos na literatura que revisem essa entidade e casos relacionados (CHIMENTO, SIRIANNI, ZOLEA, DE LUCA, LANZINO, CATALANO, et al, 2011. e SLAMBROUCK, SALEM, MEEHAN, CHANG, 2013 apud KAHWAGE et al, 2017). 

Os relatos existentes frequentemente correlacionam sua ocorrência à hiperbilirrubinemia secundária ao uso recreativo ilícito de esteroides anabólicos (ALMUKHTAR SE, ABBAS AA, MUHEALDEEN DN, HUGHSON MD, 2015, apud KAHWAGE et al, 2017). Acrescenta VAN SLAMBROUCK et al (2013, apud KAHWAGE et al, 2017) que a nefrose colêmica, ou nefropatia por ácido biliar, é consequência da icterícia colestática grave, na qual níveis elevados de bilirrubina lesam células dos túbulos renais e desencadeiam um quadro injúria renal aguda, com elevação dos níveis séricos de creatinina e perda da função renal. Tais danos são secundários à vasoconstrição renal (secundária à vasodilatação periférica com relativa hipovolemia tubular), à obstrução dos túbulos pelo acúmulo de pigmentos biliares e à própria nefrotoxicidade direta da substância (ALKHUNAIZI AM, ELTIGANI MA, RABAH RS, NASR SH, 2016, apud KAHWAGE et al, 2017).

As primeiras associações entre lesão renal e EAAs são da década de 60 do século XX, com trabalhos experimentais na Alemanha, de Bekemeier & Pohle, evidenciando o potencial efeito indutor de depósito renal de cálcio dessas drogas (BEKEMEIER, POHLE1968, apud LUCHI, RICARTE, ROITMAN, SANTOS, 2014).                                                

Em 2010, Herlitz, Markowitz, Farris, Schwimmer, Stokes, Kunis, et al (apud LUCHI, 2014) descreveram 10 casos de GESF, glomerulomegalia e arteriolosclerose em praticantes de musculação, usuários de EAAs, hormônio do crescimento, aminoácidos, creatina e outras substâncias. Os indivíduos apresentaram proteinúria nefrótica e a hipertensão arterial esteve presente em 6 pacientes.

A utilização de diversas substâncias concomitantes limita e confunde a interpretação dos mecanismos de hipercalcemia e nefrocalcinose especificamente relacionados aos EAAs, sendo que o conhecimento detalhado da fisiopatologia da lesão renal por eles causada ainda não está claro (LUCHI, 2014).

Efeitos neuropsíquicos 

O uso abusivo e continuado de EAAs em humanos, também pode causar severos efeitos adversos à saúde mental como: euforia, irritabilidade, hiperatividade, tensão nervosa, mudança na libido, psicose (LINDQUIST, et al 2002, MARTINEZ-SANCHIS S, et al.1998, apud BOFF, S. R., 2008, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013), tal mudanças de comportamento também foram descritas por UZYCH, (1992, apud CARMO et al, 2012) além da depressão e alteração de humor. Ademais, Dawson (2001), Hatfield (1986), Ventulani (2001), (apud BOFF, S. R., 2008, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013) acrescentaram que o uso indevido de esteróides está associado a mudanças dramáticas no humor, distração, problemas cognitivos relacionados com a memória e orientação, e agressividade com suas manifestações mais graves podendo gerar de fúria com possibilidade de suicídio e assassinato. 

Esses efeitos têm sido associados a possíveis alterações do sistema nervoso central (TAKAHASHI et al., 2004, apud CARMO et al, 2012), ou ainda a alterações na expressão dos receptores de dopamina (BIRGNER et al., 2008, apud CARMO et al, 2012); porém eles podem ser questionados, já que outros trabalhos não observaram alterações de comportamento (WANG et al., 1996, apud CARMO et al, 2012).

Com relação às alterações psicológicas causadas pelo uso de EAAs, deve-se levar em consideração o perfil individual, já que alguns podem ser mais suscetíveis a tais drogas (POPE; KOURI; HUDSON, 2000; KANAYAMA; HUDSON; POPE, 2009, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013). 

Além dos possíveis efeitos supracitados, os EAAs ainda podem causar síndrome de dependência, no entanto esse efeito parece ser causado em uma minoria de usuários (KANAYAMA; HUDSON; POPE, 2009; 2010, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013). Uma Recente pesquisa comparou usuários dependentes de EAAs com usuários não dependentes, e os resultados demonstraram que o primeiro grupo parece ser dependente também de outras substâncias, como opioides, drogas lícitas (álcool e cigarro), outros hormônios e medicamentos. Entretanto, a síndrome de dependência ainda é pouco estudada e compreendida (KANAYAMA; HUDSON; POPE, 2009, apud ABRAHIN E SOUSA, 2013).

A relação entre uso de esteroides anabolizantes e distúrbios psiquiátricos é controversa (POPE e KATZ, 1988; PERRY, YATES e ANDERSEN, 1990; POPE e KATZ, 1994; PELUSO, ASSUNÇÃO, ARAÚJO e ANDRADE, 2000, apud SANTOS, MARQUES, SANTOS A, BENUTE e LUCIA, 2012). Estudos encontraram sinais depressivos durante os períodos de abstinência. Ocorrência de sintomatologia característica de psicose e mania associados ao abuso de EAAs também foram relatados (ANNITTO & LAYMAN, 1980; FREINHAR & ALVAREZ, 1985; PELUSO ET AL., 2000, apud SANTOS et al, 2012). A diferença na metodologia aplicada nos diversos estudos possibilita resultados discrepantes entre um e outro, dificultando uma análise mais precisa (SANTOS et al, 2012).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora possam ocorrer efeitos colaterais com o uso dos EAAs em doses consideradas terapêuticas, a maioria dos efeitos colaterais foram evidenciados pelo uso de esteroides em doses suprafisiológicas decorrentes do seu uso indiscriminado e abusivo geralmente por parte de usuários que objetivam melhora na estética física. 

Dentre os principais efeitos colaterais do uso indiscriminado dos EAAs em doses muito superiores à dose terapêutica, podemos destacar os dermatológicos, os musuculoesqueléticos, os endócrinos, os geniturinários, os lipídicos, os hepáticos, os cardíacos e os neuropsíquicos, além da própria morte súbita do paciente que foi registrada em decorrência do uso crônico dos EEAs em doses suprafisiológicas.

Embora o uso dos EAAS esteja associado a efeitos maléficos nos mais variados sistemas, seus usuários parecem ignorá-los ou tratá-los com relativa naturalidade não sendo eles suficientes para a interrupção do uso mesmo entre aqueles que tem conhecimento a respeito.

Nesse sentido, seria importante a realização de estudos padronizados quanto aos efeitos do uso EAAs em doses suprafisiológicas nos mais variados sistemas com vistas a sanar algumas divergências que ainda existem na literatura e que parecem estar ligadas justamente a necessidade de um maior rigor metodológico na sua realização.

Conseguinte, é notável o comprometimento de sistemas e órgãos e da saúde do indivíduo como um todo pelo uso dos EAAs, inclusive com o aumento do risco de morte entre seus usuários. Portanto, além de ser imperativo que esses riscos sejam levados ao conhecimento dos indivíduos, também é necessária a sensibilização dos profissionais de saúde e educadores físicos que conhecem tais efeitos, mas, interessados apenas nas mudanças estéticas imediatas do uso, acabam os ignorando e não só os utilizando como indicando seu uso para aqueles que buscam corpos vistos como saudáveis e esteticamente desejados. 

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1https://orcid.org/0000-0002-6840-8016,  e-mail: evertonleo82@gmail.com;
2https://orcid.org/0000-0002-5916-2296;
3https://orcid.org/0000-0002-2118-0181;
4https://orcid.org/0009-0003-7334-7793;
5https://orcid.org/0000-0002-2649-9685