CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO EM PACIENTES COM CÂNCER DE COLO DE ÚTERO NO PIAUÍ ENTRE 2019 A 2023

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10076659


Emília Victória Simões Cabral Coimbra
Isabella Maria Cavalcante Souza
João Paulo da Silva Sampaio


Resumo

O câncer é um conjunto de doenças no qual há divisão celular e replicação de mutações de modo desorganizado, sendo, atualmente no Brasil, a segunda causa de morte. Nesse sentido, quando se trata do colo do útero, a principal causa do câncer é a infecção pelo Papiloma Vírus Humano, sobretudo os subtipos mais oncogênico 16 e 18. Com isso, o presente estudo tem como objetivo analisar o perfil epidemiológico das pacientes com câncer de colo do útero no Piauí, correlacionando a faixa etária, no período de 2019 a 2023, haja vista que esses dados possuem relevância quanto à elaboração de políticas intervencionistas. Desse modo, constatou-se uma incidência maior do câncer de colo uterino em seis cidades do Piauí e em mulheres de idade mais avançada, corroborando a elaboração de ações voltadas à prevenção e diagnóstico precoce dessa doença.

Palavras-chave: Câncer de colo do útero. Neoplasia. Papiloma Vírus Humano.

1. INTRODUÇÃO

O câncer é o conjunto de doenças que apresentam um curso em comum. O comportamento típico da neoplasia maligna é a divisão celular e a formação de novas estruturas doentes, que replicam mutações de modo desorganizado e escapam do controle do corpo. Atualmente, é considerada a segunda causa de morte no Brasil e em todo o mundo, ficando atrás apenas dos distúrbios cardiovasculares (INCA, 2022 & RODRIGUES, 2021).

Somado a isso, o colo do útero é um canal de transição que une a vagina ao útero. A neoplasia maligna desse segmento é ocasionada pelos tipos oncogênicos do papiloma vírus humano (HPV) transmitidos sexualmente, sendo o preservativo o melhor dispositivo de prevenção (INCA, 2023).

Assim, faz-se necessário um levantamento informativo a respeito da epidemiologia dessa patologia, tendo vista que esses dados são eficazes para elaboração de políticas intervencionistas. Com isso, o presente estudo tem por objetivo analisar o perfil epidemiológico das pacientes com câncer de colo do útero no Piauí, correlacionando a faixa etária, no período de 2019 a 2023.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Definição e fisiopatologia do câncer

O câncer refere-se ao crescimento celular desordenado com tendência a invadir tecidos e órgão adjacentes ou a distância. Esse termo engloba mais de 100 doenças conhecidas que possuem em comum a multiplicação anormal desacompanhada pelo organismo (INCA,2022).

A neoplasia maligna pode advir de qualquer célula do corpo, recebendo uma nomenclatura diferente a partir do tecido de origem. Nesse sentido, quando o câncer inicia nos tecidos epiteliais como a pele ou a mucosa, é chamado de carcinoma. Por outro lado, quando os tecidos conjuntivos são o local de origem, como osso, músculo ou cartilagem, são denominados de sarcoma (INCA, 2022).

O processo pelo qual surge o câncer é chamado de carcinogênese, e ocorre por meio de uma mutação do material genético. Nesse viés, a célula com modificada transmite informações erradas, desenvolve atividade anormal e se multiplica, levando adiante o erro adquirido. Alguns genes inativados, conhecidos como proto-oncogenes, estão por trás das mutações. Uma vez ativados eles são capazes de alterar as células normais e modificá-las em cancerígenas (INCA, 2022).

Os agentes oncogênicos sofrem efeitos acumulativos ao longo do tempo, desse modo, a exposição frequente a fatores de risco a um período prolongado pode predispor ao desenvolvimento do câncer com o passar da idade. Além disso, cada organismo apresenta um curso único, dependendo a evolução da doença de características individuais (INCA, 2022).

2.2. Câncer de colo de útero

O câncer cervical, como também é chamado, é causado pelos tipos oncogênicos do HPV e representa o terceiro tumor maligno mais comum nas mulheres, excetuando-se o câncer de pele não melanoma. A principal via de transmissão desse vírus é pelo contato sexual desprotegindo, sendo evitado pelo uso de preservativos (INCA, 2023).

Nesse sentido, o vírus não ocasiona sintomas no momento da infecção, porém provoca alterações nas células do colo do útero ao longo dos anos. Assim, por ser assintomático na maioria das vezes, a realização do exame preventivo ou citologia oncótica (conhecida popularmente como Papanicolau) representa uma forma de prevenção secundária, auxiliando no rastreamento da doença e implentando um diagnóstico precoce, por identificar lesões pré-cancerígenas (INCA, 2023).

Ademais, existem mais de 100 tipos de HPV, dos quais a menor porção sao cancerígenos. Os tipos 16 e 18 estão relacionados a 70% das neoplasia malignas do colo, mas podem ocasior lesões em outros órgaos adjacentes. Dependendo do tipo de HPV, as lesões podem ser transitórias e regredirem em até dois anos, corroborando ao fato de que outros fatores de risco são influentes no surgimento do câncer além da infecção pelo HPV isoladamente (IARC, 2007 e OPAS, 2016).

2.3. Fatores de risco

Dentre os fatores de risco relacionados ao vírus HPV, o subtipo 16 e 18 são mais oncogênicos e representam um risco maior de desenvolver a doença quando adquiridos. O estado imunológico da pessoa infectada também expressa um fator de risco para desencadear a doença, uma vez que as pessoas convivendo com HIV e outros casos de debilitação do sistema imunológico favorece uma progressão mais rápida das lesões geradas pelo vírus (OPAS, 2016).

Além disso, segundo a Organização Pan-Americamana de Saúde (2016) a coinfecção por outros microorganismo como o herpes simples, a clamídia e a gonorreia também represntam fatores de risco para infecção persistente do HPV, o números de filhos e o tabagismo.

Também, o Instituto Nacional de Câncer (2023) acrescenta como maiores risco os fatores ligados à genética, à idade, ao comportamento sexual, à multiplicidade de parceiros, ao uso de contraceptivos orais e ao início da prática sexual.

2.4. Sinais e sintomas

Como a maioria das neoplasias malignas, o câncer de colo de útero pode não apresentar sintomas no início da infecção, mas gerar lesões que se desenvolvem por até 20 anos silenciosamente (INCA, 2023).

Em contrapartida, nos estágios mais avançados da doença, pode haver sangramento vaginal anormal, secreção de cor, odor e quantidade diferentes do habitual, dor ou desconforto pélvico, sangramento ou dor na relação sexual, alterações no hábito intestinal e/ou urinário, perda de peso, fadiga e inchaço nas pernas (INCA, 2023 e OPAS, 2016).

2.5. Prevenção

Segundo a Biblioteca Virtual de Saúde, a prevenção primária faz-se por meio da vacinação da população em faixa etária oportuna e, de preferência, antes do incío da vida sexual. Sendo assim, no Brasil há três vacinas disponíveis, sendo duas fornecidas pelo Sistema Único de Saúde. A vacina bivalente protege contra os subtipos 16 e 18 e a vacina recombinante ou tetravalente protege contra os subtipos 6 e 11 que causam verrugas genitais e contra os tipos oncogênicos 16 e 18. Assim, meninos e meninos entre 9 e 14 anos podem e devem se imunizar.

Ademais, na rede privada, há disponível a vacina nonavalente, que protege contra nove subtipos do HPV, sendo os quatro contemplados na tetravalente associado à proteção contra os tipos 31, 33, 45, 52 e 58. Desse modo, a vacina HPV9 está disponível para mulheres de 9 a 45 anos e homens de 9 a 26 anos de idade (AC CAMARGO, 2023).

Em contrapartida, a prevenção secundária dá-se pela realização de exame em pessoas sem sintomas a fim de detectar lesões precoces. No caso do câncer de colo de útero, o rastreamento é feito através do exame de citologia oncótica fornecido às mulheres de faixa etária entre 25 e 64 anos que já iniciaram a atividade sexual (INCA, 2016).

No Brasil, é recomendado repetir o papanicolau trienalmente após dois exames normais consecutivos com intervalo de um ano. Esse intervalo de um ano posteriormente ao primeiro exame reduz as chances de falso-negativo, mas a realização anual não mostrou-se mais efetiva, por isso, após repetir o primeiro exame, a nova realização deve ser com três anos (INCA 2023).

2.6. Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico dá-se pela suspeita frente à interpretação do laudo do papanicolau. Nesse viés, resultados normais ou com alterações celulares benignas seguem a rotina de rastreamento preconizada para a faixa etária. Todavia, atipias nas quais não se pode afastar lesões de alto grau devem ser encaminhadas à colposcopia, que é um exame que possibilita uma melhor visualização da vagina e do colo uterino (INCA, 2023 e BRASIL, 2010).

Assim, quando são visualizadas lesões suspeitas, estas devem ser biopsiadas e analisadas pelo médico patologista que irá definir se é algo maligno ou não, bem como o tipo de neoplasia (INCA, 2023).

Finalmente, detectado câncer, é realizado o estadiamento para definir o melhor tratamento a ser fornecido, podendo incluir quimioterapia, radioterapia e cirurgias (INCA, 2023).

3. METODOLOGIA

Estudo de natureza epidemiológica e descritiva, realizado entre os anos de 2019 a 2023, em todo o estado do Piauí. Os dados foram obtidos no banco de dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), por meio do Sistema de Informação do Câncer (SICAN), para câncer de colo do útero. Posteriormente, foram correlacionados os municípios de residência das pacientes aos anos dos resultados, delimitados pela adequabilidade da amostra, sendo satisfatória, e pela faixa etária, abrangendo as idades de 25 a 49 anos.

Após a coleta, procedeu-se a tabulação dos dados, o quais foram transferidos para o software de planilha eletrônica Excel, onde realizou-se análise descritiva simples, e os achados mais significativos foram apresentados em tabelas. A seguir, a discussão foi embasada no referencial científico prévio sobre a temática. Considerando que esta pesquisa foi realizada a partir de uma base de dados de domínio público, não foi necessária a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.

4. RESULTADO E DISCUSSÃO

No estado do Piauí, entre 2019 a 2023, foram diagnosticadas 719 neoplasias malignas de colo de útero, utilizando o exame histopatológico, com amostras satisfatórias. Destes, observou-se, em todas as faixas etárias selecionadas, a prevalência das cidades Altos (13), Barras (15), José de Freitas (27), Oeiras (15), Teresina (382) e União (14), representando, juntas 64,8% do total de diagnósticos de todas as cidades do estado, conforme a Tabela 01.

Tabela 01 – Descrição do total de exames diagnósticos por município de residência.

Município de ResidênciaTotal
Altos13
Barras15
José de Freitas27
Oeiras15
Teresina382
União14

Quanto a faixa etária, foi verificado um considerável aumento nos números de diagnósticos, conforme aumentava-se a idade das pacientes, dos 25 anos de idade até os 44 anos, com os maiores registros a partir de 40 anos. Porém, nas idades subsequentes, entre 45 a 49 anos, encontrou-se um discreto declínio, como aponta a Tabela 02.

Tabela 02 – Prevalência de exames diagnósticos de câncer de colo de útero por faixa etária.

Faixa etáriaTotal
Entre 25 a 29 anos72
Entre 30 a 34 anos130
Entre 35 a 39 anos187
Entre 40 a 44 anos196
Entre 45 a 49 anos134

Esta análise considerou todos os municípios com registro de exames histopatológico para câncer de colo do útero, no DATASUS, e evidenciou seis munícipios com maiores prevalências. Tal dado indica que, nesses municípios, ações corretivas podem ser implementadas para o controle da doença, sobretudo, quanto à prevenção.

Ademais, conforme a Biblioteca Virtual de Saúde, para este tipo de neoplasia, a prevenção primária se faz por meio da vacinação. Simultaneamente, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (2016), faz-se necessário, para a prevenção secundária, o fornecimento o exame de citologia oncótica, nas faixas etárias de 25 a 64 anos. Por isso, deve-se analisar se tais medidas preventivas estão amplamente sendo realizadas, bem como intensificá-las no âmbito da Atenção Primária a Saúde, tanto nos municípios destacados, quanto nos demais, a fim de se evitar subnotificação de dados.

Ao longo do período analisado, observou-se também o aumento da prevalência dos exames de acordo com a sucessão de idade. Explica-se isso por meio da própria fisiopatologia da doença e de seus fatores de risco. Além de os agentes oncogênicos sofrerem efeitos acumulativos com o tempo, a maioria das neoplasias malignas podem não apresentar sintomas no início da infecção, mas continuar sua patogênese em ate 20 anos, de maneira insidiosa (INCA, 2023).

Pode-se justificar, contudo, o inesperado declínio entre a faixa etária a partir dos 45 anos, pelos outros fatores de risco, além da idade. A evolução da doença depende do subtipo a qual a mulher foi infectada, ao seu estado imunológico, à coinfecção por outros microrganismos, à genética, ao comportamento sexual, entre outros fatores, podendo alterar o curso e outras características esperadas para a doença (OPAS, 2016).

5. CONCLUSÃO

Os achados deste estudo permitem inferir que as neoplasias malignas no colo do útero constituem, ainda, um problema alarmante no Piauí, mesmo frente às medidas preventivas e de rastreio bem estabelecidas, sobretudo, em seis cidade, que, juntas, somaram mais da metade do registro total de diagnósticos, nos últimos cinco anos. Também, de maneira geral, confirma-se a prevalência dessa neoplasia em idades mais tardias, cumprindo-se o curso natural da doença, embora ainda haja interferência de outros fatores que possam alterar estes dados.

Assim sendo, nota-se que há necessidade de implementação de medidas corretivas para o controle dessa patologia. Para isso, ressalta-se a relevância da educação em saúde, quanto as formas de prevenção, de rastreamento, de diagnóstico precoce e de opções terapêuticas, além de incentivar a proteção quanto à exposição dos fatores de risco evitáveis. Ademias, é imprescindível a vigilância na Atenção Básica, sobretudo para o fornecimento de informações de qualidade quanto a investigação e a notificação, para um melhor direcionamento das medidas de controle.

REFERÊNCIAS

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