ATIVIDADE ANTIMALÁRICA DO EXTRATO ETANÓLICO E FRAÇÃO DE DICLOROMETANO DE ELEUTHERINE PLICATA

ANTIMARIAL ACTIVITY FROM THE ETHANOLIC EXTRACT AND DICHLOROMETHANE FRACTION OF ELEUTHERINE PLICATA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10071970


Francilene Rodrigues da Silva¹
Cleidiana Felipe da Silva
Pedro Henrique dos Santos Fernandes
Nathalia Cunha de Carvalho
Ana Clívia Capistrano de Maria
Anna Paula Rocha e Silva
Valdicley Vieira Vale
Maria Fani Dolabela
Sandro Percário
Antônio Rafael Quadros Gomes2


Resumo

Introdução: A malária é uma das infecções humanas mais prevalentes e um enorme problema de saúde. A busca de novas alternativas terapêuticas para o tratamento da malária, a partir das plantas utilizadas popularmente podem dar valiosa contribuição, e dentre as espécies, a Euletherine plicata é a que apresenta grande potencial com esta ação. Objetivo: Avaliar a atividade antimalárica de Eleutherine plicata Herb. em camundongos infectados pelo Plasmodium berghei. Métodos: Para isso, foram utilizados 40 camundongos fêmeas (Mus musculus) divididos randomicamente em 4 grupos, como segue: Grupo I (controle negativo); Grupo II (controle positivo); Grupos III e IV (animais infectados com P. berghei e tratados diariamente com o extrato (EEEp) e a fração (FDMEp) de E. plicata, respectivamente). Durante o período de estudo foi avaliado a sobrevida diária e o percentual de parasitemia durante os trinta dias de estudo. Resultados: Tanto o EEEp como a FDMEp na dose de 200 mg/kg foram capazes de reduzir significativamente a parasitemia dos animais em relação ao grupo controle positivo durante o período de estudo. Tal redução, refletiu em prolongamento da sobrevida dos animais de ambos os grupos tratados, quando comparados ao controle. Conclusão: O EEEp e a FDMEp na dose testada foram capazes de reduzir a parasitemia e prolongar a sobrevida dos animais em relação ao controle infectado.

Palavras-chave: Malária, Plasmodium berghei, Eleutherine plicata, Antimaláricos.

1 INTRODUÇÃO

A malária é uma das infecções humanas mais prevalentes e um enorme problema de saúde pública (NASCIMENTO et al., 2019). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que no ano de 2021 a 2022 foram registrados 247 milhões de casos de malária no mundo, dos quais 619 mil evoluíram para o óbito, sendo que 47 mil mortes adicionais foram em virtude das interrupções nos serviços de saúde devido a pandemia por COVID-19 (OMS, 2023). O continente africano é o mais afetado pela malária com 90% dos casos globais, enquanto que cerca de 1% ocorre na América Central e do Sul (BRASIL, 2021; OMS, 2023). Na América do Sul, o maior número de casos é encontrado no Brasil, especificamente na região amazônica, evidenciando cerca de 99% das infecções no país (BRASIL, 2021).

Existem cinco espécies de Plasmodium conhecidas com importância epidemiológica, são elas: P. falciparum, P. vivax, P.malarie, P.ovale e P.knowlese, sendo todas elas, capazes de infectar os humanos. O seu ciclo biológico consiste no envolvimento de dois hospedeiros, o ser humano e o mosquito fêmea do gênero Anopheles, atuando como vetor. Nós seres humanos (hospedeiro vertebrado), se desenvolve a fase assexuada do parasito, sendo assim, apresentando esquizogonia pré-eritrocítica hepática, além de, esquizogonia eritrocítica, já no mosquito (hospedeiro invertebrado), se desenvolve a fase sexual, denominada esporogonia (MEIBALAN & MARTIM, 2017).

O parasito se mantém em um período de incubação, podendo variar dependendo da espécie infectante, dessa forma, após esse tempo, manifesta-se a doença. As manifestações clínicas da doença ocorrem devido aos esquizontes intracelulares romperem os eritrócitos, junto com os merozoítos, citocinas pró-inflamatórias, ocasionando na ativação do sistema imunológico do hospedeiro vertebrado, desenvolvendo febre alta, cefaleia, sudorese, vômitos, dores musculares e calafrios. O P. falciparum é o responsável por induzir sintomas mais graves da doença, como complicações neurológicas, ocasionando a malária cerebral (GHAZANFARI, MUELLER & HEATH, 2018). A malária cerebral é uma complicação letal da infecção que é caracterizada pela disfunção central do sistema nervoso, como obnubilação da consciência, convulsões e disfunção do tronco cerebral, condições que ao serem agravadas podem levar o indivíduo a morte (NISHANTH & SCHLÜTER, 2019; SCHIESS et al., 2020).

Os principais antimaláricos utilizados para tratamento e profilaxia da doença, demonstram que seus usos prévios ou mesmo prolongados podem induzir alterações oxidativas e diminuição da capacidade de defesa antioxidante endógena do organismo o que pode contribuir para os danos (STYKA & SAVITZ 2020; GASMI et al., 2021). Adicionalmente, em casos graves da infecção que levam ao comprometimento da barreira hematoencefálica, como ocorre na malária cerebral, as terapias combinadas muitas vezes não são efetivas (GIOVANELLA et al., 2015; WAH et al., 2016).

Para diminuição dos danos provocados durante a infecção, os estudos se baseiam em compostos com propriedades antioxidantes e antimaláricas, a fim de proporcionar novas alternativas para favorecer a redução da parasitemia (GOMES et al., 2022). Nesse sentido, uma das espécies que merece destaque é a Eleutherine plicata Herb, que é uma espécie vegetal utilizada para esses fins, pertencente à família Iridaceae, popularmente conhecida na região Amazônica como marupazinho, marupari, palmerinha e marupá-pirranga (DUARTE 2006; GALUCIO, 2014), pois a partir dessa espécie podem ser extraídas substâncias para fins terapêuticos, como a isoeleuterina (MALHEIROS et al., 2008).

A isoeleuterina é um composto obtido a partir dos bulbos das plantas da família Iridaceae, junto a eleuterina, constituem os principais compostos derivados do naftaleno. Dentre suas funções estudadas, já foram descritas a isoeleuterina com potencial antiproliferativo em células de câncer, por exemplo, (CAMPOS, 2015) e com ação antimicrobiana em várias cepas de bactérias (MALHEIROS et al., 2008). Partindo desta premissa, o trabalho teve como objetivo avaliar a atividade antimalárica do extrato etanólico de Eleutherine plicata (EEEp) e fração diclorometano de Eleutherine plicata (FDMEp) em camundongos infectados pelo Plasmodium berghei.

2 METODOLOGIA

Obtenção do extrato etanólico e fração de diclorometano de E.plicata

Os bulbos de E. plicata foram coletados no município de Traquateua – PA, Brasil, BR 318, Lat. 1.1436°, Long. 46.95511°. A identificação botânica foi realizada pela Dra. Márlia Coelho, depositando-se a exsicata no Herbário João Murça Pires (MG) do Museu Paraense “Emílio Goeldi” sob o registro MG. 202631.

O material vegetal coletado foi lavado em água corrente e seco em estufa a ar forçado por duas semanas, até adquirir peso constante. Após este período o material seco foi triturado em moinho de facas, sendo obtido o pó, utilizando 500 g para o preparo extrato etanólico, o qual foi obtido por maceração em etanol 96° (Santa Cruz®) durante sete dias, com agitação diária, repetindo-se o processo novamente, monitorando a extração das naftoquinonas por Cromatografia em Camada Delgada (CCD), eluída com Diclorometano. A fração diclorometano foi produzida pelo profº Dr. Valdicley Vieira Vale no laboratório de farmacologia de doenças negligenciadas da Universidade Federal do Pará (UFPA).

A tintura obtida foi concentrada em evaporador rotativo até resíduo, obtendo-se 42 g de extrato seco. Uma alíquota do extrato etanólico (7 g), por sua vez, foi então foi fracionado por coluna cromatográfica (40x500mm) utilizando como fase estacionária, a sílica gel (Sigma, 230 x 400 mesh, 40-63 µm), eluindo-se com solventes de polaridade crescente (hexano, diclorometano, acetato de etila, metanol), obtendo-se então quatro frações: hexânica (0,21 g), diclorometano (0,65 g), acetato de etila (1,10 g), metanólica (3,5 g).

Os extratos e fração tiveram suas toxicidades avaliados in vivo em camundongos e foi constatado que não houve alterações clinicas, hematológicas e bioquímicas aos animais durante os testes de toxicidade, conforme o estudo de Gomes et al., (2021)

Indução do parasito nos camundongos

A cepa de Plasmodium berghei ANKAconservada em sangue total de camundongos foi fornecida pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) localizado em Belém-Pa. Inicialmente, o inóculo da cepa original foi descongelado em banho-maria a 37° C durante cinco minutos. Depois deste procedimento, foi introduzido a inoculação intraperitoneal com 100µL de sangue com hemácias infectadas pelo P. berghei ANKA em 5 camundongos fêmeas, linhagem Balb C-An como animais de passagem da cepa, sendo utilizados um total de 15 animais para manutenção da cepa. Posteriormente, ao atingirem uma parasitemia em torno de 10% foi realizada a coleta de sangue e infecção de 1×106 hemácias parasitadas nos camundongos.

Após aproximadamente 5 dias de infecção do camundongos, foi realizada a determinação do percentual de hemácias parasitadas, e quando a parasitemia estiver entre 5-15% de hemácias infectadas, sendo então, preparado o inóculo, do seguinte modo: realiza-se o corte transversal da ponta da cauda do animal e coleta de duas gotas de sangue em tubo de ensaio contendo 2 mL de citrato de sódio 3,8%. Desta solução, foram retirados 20 μL para a contagem em câmara de Neubauer, então foram contados cinco quadrantes mediano maior em microscópio óptico (Olympus, CX2) no aumento de 400 vezes. O valor total desta contagem foi multiplicado pelo fator de correção (fc = 50.000) e o resultado reflete a quantidade de hemácias em 1 ml da solução. Em seguida, foi ajustada a solução em 1×106 hemácias parasitadas por 0,2 mL de meio completo (RPMI 1640- Sigma Aldrich, Cat # R5886 e 5% de soro bovino fetal –In vitro gen, Cat # 12657029), sendo administrado 0,2mL por camundongo, por via intraperitoneal.

Grupos experimentais e esquemas de tratamento

O projeto foi submetido à Comissão de Ética no Uso de Animais- CEUA/UFPA e aprovado sob parecer nº 7464060618 (ID 001020). Foram utilizados 40 camundongos da espécie Mus musculus, linhagem BalbC-An, com massa corpórea variando de 25 a 30g, procedentes do biotério do IEC /Belém-PA. Os animais foram divididos randomicamente em 4 grupos, como segue:

Grupo I (Controle Positivo): (N=10 cada), correspondem aos animais que foram inoculados com eritrócitos infectados com P. berghei e receberam solução salina fisiológica (0,9%; 0,4 mL/Kg peso corporal; via oral diariamente), e foram submetidos à eutanásia, de acordo com o período de estudo.

Grupo II (Tratado): (N=10 cada), os animais foram inoculados com P. berghei e tratados simultaneamente com concentração de 200 mg/kg de EEEp. As doses foram administradas via oral diariamente após a inoculação do P. berghei, até o dia determinado para a eutanásia dos animais.

Grupo III (Tratado): (N=20 cada subgrupo) Foi dividido em dois subgrupos de animais que foram inoculados com P. berghei e tratados via oral diariamente durante três dias, com concentrações de 200 mg/kg da FDMEp, até o dia determinado para a eutanásia dos animais.

Grupo IV (Controle negativo tratado com cloroquina): (N=10 cada), correspondem aos animais que foram infectados com P. berghei e tratados com cloroquina (30 mg/kg de peso via oral) e submetidos à eutanásia, de acordo com o período de estudo.

Determinação da parasitemia

Com o propósito de verificar a parasitemia dos camundongos durante o período determinado de infecção, foram realizados esfregaços sanguíneos no 5° e 8° dia, obtidos dos animais por punção da veia caudal, depois de seco em temperatura ambiente, foi fixado com metanol (Dinâmica, Cat # 1230) por 2 min e corado com o reagente de Gyemsa (Merk, Cat #1092041022) por 10min. Em seguida, foi feita a lavagem em água corrente da lâmina corada e acondicionadas para secagem. Após a secagem das lâminas, foi efetuado a contagem de hemácias parasitadas em microscópio óptico (Olympus, CX2) com aumento de 100X utilizando o óleo de imersão, de acordo com o quadro 1, visto que, a estimativa do número de hemácias parasitadas foi determinante para o número de campos contados. A razão percentual entre o número de hemácias parasitadas e o número de hemácias totais contadas foi considerada como o grau de parasitemia.

Análise estatística

A análise estatística, assim como os gráficos, foi realizada utilizando os programas Microsoft Office Excel 2019 e Graphpad Prisma 5. Para cada parâmetro analisado foi feita a análise dos possíveis pontos discrepantes (outliers) a qual utiliza em seu cálculo o intervalo interquartil. Em seu cálculo é determinada a diferença entre o terceiro quartil (Q3) e o primeiro quartil (Q1), chamada de dj. Considerou-se todo valor menor que Q1– 3/2 dj ou maior que Q3+ 3/2 dj, como sendo discrepante, não sendo considerado nos cálculos estatísticos.

Foi realizado o teste t de Student para verificar a existência de diferenças significativas para cada parâmetro analisado em cada grupo do início ao final do estudo e na comparação entre os dois tecidos estudados. Para verificação de possível correlação entre parâmetros, foi realizado o teste de correlação de Pearson, considerando-se os valores pareados de dois parâmetros obtidos para um mesmo animal, realizando-se os cálculos com os dados obtidos de todos os animais simultaneamente, independente do grupo a que pertençam. Para os pares de valores em que houve suspeita de relação linear, foi realizada a Análise de Regressão utilizando-se todos os animais de ambos os grupos simultaneamente. Em todos os testes foi considerado um nível de significância de 5% (p ≤ 0,05).

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Parasitemia

O gráfico 1 mostra a evolução da parasitemia de camundongos no grupo tratado com extrato etanólico de 200mg/kg (EEEp 200mg), grupo tratado com fração diclorometano de 200mg/kg (FDMEEp 200mg), grupo tratado com cloroquina 30mg/kg e tratado com controle positivo.

Legenda:* Controle positivo vs todos os grupos (p<0,05); # EEEp 200 mg/kg vs FDMEp 200 mg/kg (p=0,034); & Cloroquina 30 mg/kg vs todos os grupos (<0,0001).
Fonte: Autores (2023).

O desenvolvimento de resistência aos antimaláricos tradicionais utilizados no combate à malária faz com que haja a necessidade de buscar novos fármacos para o combate da doença. Uma estratégia promissora é a busca de drogas derivadas de extratos vegetais, pois são menos custosas e são abundantes em quantidade e em biodiversidade em nossa região. No entanto, essa diversidade ainda é pouco estudada e muito se desconhece a seu respeito (KRETTLI et al., 2001; KRETTLI, 2009).

Em relação à atividade antimalárica do EEEp, foi observado que a dose de 200mg/kg reduziu a parasitemia, em relação ao controle (p<0,05) e FDMEp (0,034). Vários fatores podem estar envolvidos nesta atividade, tais como baixa biodisponibilidade oral e meia-vida das naftoquinonas contidas no EEEp. Além disso, é possível que uma terapia combinada com as naftoquinonas contidas no EEEp poderiam aumentar sua eficácia terapêutica. Para isso, faz-se necessários estudos adicionais que comprovem tais hipóteses.

Em estudo inicial realizado por nosso grupo de pesquisa sobre atividade antimalárica de E. plicata, Silva (2012) demonstrou que o EEEpna dose de 200mg/kg em camundongos infectados com P. berghei foi capaz reduzir a parasitemia, mas não de alterar os níveis pulmonares e cerebrais de capacidade antioxidante, enquanto que para o MDA houve aumento significante dos animais tratados, sugerindo um possível efeito pró-oxidante dos constituintes do extrato, em especial as naftoquinonas, em modular o estresse oxidativo. Em estudo posterior, foi identificado que os tratamentos com EEEp, FDMEp, isoeleuterina, eleuterine e eleuterol isolados de E. plicata estimularam o aumento da capacidade antioxidante e a redução do estresse oxidativo em camundongos infectados por P. berghei, sendo as naftoquinonas responsáveis ​​pela redução das alterações oxidativas e da gravidade da doença (GOMES et al., 2023).

A FDMEEp, usada no estudo, é rica em naftoquinonas. Estas substâncias apresentam atividade citotóxica, genotóxica e imunomodulatória (GALUCIO 2014; CAMPOS et al., 2016). Em relação à citotoxicidade ao hERG, a isoeleuterina e a eleuterina apresentaram risco médio e pareceram ser carcinogênicas apenas para ratos. O teste bioindicador de genotoxicidade do Allium cepa demonstrou que a isoeleutherina, em todas as concentrações avaliadas, não interferiu significativamente no índice mitótico e não causou anomalias no ciclo mitótico, não sendo observadas células micronucleadas (CASTRO et al., 2021). Também foi avaliada a genotoxicidade do EEEp, da FDMEp e da isoeleuterina isolada de E. plicata, utilizando o teste do micronúcleo em células de hepatoma humano (HepG2). O fracionamento do EEEp contribuiu para o aumento da frequência do micronúcleo. O FDMEp apresentou taxas maiores que o EEEp e a isoeleuterina com menor toxicidade (ALBUQUERQUE et al., 2023).

As naftoquinonas são amplamente descritas na literatura pela sua atividade antimalárica, ou seja, foram capazes de reduzir a parasitemia in vitro ou in vivo. Dentre os compostos químicos deste grupo, identifica-se o lapachol e seus derivados, a atovaquona, a eleuterina e o eleuterol. (DE ANDRADE-NETO et al., 2004; BRANDÃO et al., 2018; IMPERATORE et al., 2019; VALE et al., 2020). Em especial a isoeleuterina, apresentou resultados significativos na literatura para atividade antifúngica para algumas espécies de Candida sp (FERREIRA et al., 2018), atividade antibiótica contra Staphylococcus aureus (PINTO DIAS et al., 2018; BORGES et al., 2020), atividade anticancerígena para linhagens celulares de câncer de mama e glioma (CAMPOS et al., 2016) e atividade antimalárica, inclusive contra cepas de P. falciparum resistentes à cloroquina (clone W2) (IMPERATORE et al., 2019; VALE et al., 2020).

Neste estudo, o grupo tratado com FDMEEp 200mg/kg apresentou parasitemia significativamente inferior ao grupo EEEp (Figura 1). Apesar disso, ambos os grupos apresentaram atividade antimalárica, e possivelmente, os efeitos citotóxicos mediados pelas naftoquinonas se devem ao estresse oxidativo provocado pela formação de espécies reativas de oxigênio (EROs), causando danos ao DNA celular, além da ação inibitória sobre a atividade da topoisomerase. Com isso, o dano celular induzido leva a um sinal para morte celular por meio do apoptose (CAVALCANTI et al., 2013; CAMPOS et al., 2016). Além disso, em sua forma reduzida, os metabólitos de benzoíla provenientes das naftoquinonas podem converter a metemoglobina em hemoglobina indigestível, o que interrompe o desenvolvimento e gera a morte do plasmódio no estágio de trofozoíto (BELORGEY, ANTOINE LANFRANCHI & DAVIOUD-CHARVET, 2013).

A hipótese para atividade antimalárica do substrato é de que a orientação das naftoquinonas cetonas paraposicionadas seja importante para sua ação, reforçada pela atovaquona, uma paranafotquinona, a qual inibe a oxirredução no sítio do complexo bc1 do citocromo mitocondrial, interferindo no funcionamento da cadeia transportadora de elétrons da mitocôndria. Consequentemente, leva à interrupção da síntese de pirimidinas e, portanto, impedindo a replicação do DNA do parasita (VALE et al., 2020; GOMES et al., 2021).

Sobrevida

A gráfico 2 mostra a evolução da sobrevivência dos camundongos infectados, grupo tratado com o extrato etanólico de 200mg/kg, grupo tratado com FDMEEp de 200mg/kg, grupo tratado com cloroquina 30mg/kg e o controle positivo.

Gráfico 2 – Sobrevivência dos animais tratados com EEEp e FDMEEp.

Legenda:* Controle positivo vs todos os grupos (p<0,05); # EEEp 200 mg/kg vs FDMEp 200 mg/kg (p=0,042); & Cloroquina 30 mg/kg vs todos os grupos (<0,0001).
Fonte: Autores (2023).

Comportamento semelhante foi observado na sobrevida, em que houve aumento na sobrevivência do grupo tratado com o extrato na dose de 200mg/kg em relação ao controle positivo. Além disso, estes resultados de parasitemia refletiram na sobrevivência dos animais, uma vez que os animais tratados com EEEp apresentaram sobrevivência significante, quando comparada ao controle durante o período de estudo. Estes resultados estão de acordo com os achados encontrados nos estudos de Silva (2012).

Em nosso estudo, o grupo FDMEEP apresentou diferença significativa na sobrevida entre os grupos estudados, com maior tempo de sobrevida quando comparado ao grupo que recebeu solução salina. No entanto, não houve redução da mortalidade destes, pois toda população foi a óbito ao final de 25 dias. Nossos resultados estão de acordo com o que foi identificado nos estudos de Silva (2012), os quais identificaram uma sobrevida média de 20 dias para os animais tratados com substratos contendo naftoquinonas.

Outras naftoquinonas foram testadas pela sua atividade antimalárica, no entanto, ainda existem poucos estudos in vivo utilizando esses extratos (BRANDÃO et al., 2018). No estudo de Souza, et al, (2014) não houve diferença significativa na sobrevida dos ratos tratados com os derivados das naftoquinonas quando comparada ao controle negativo (SOUZA, et al., 2014). Já o estudo de Sousa (2021) demonstrou taxa de sobrevivência superior à observada no grupo controle, utilizando-se de um complexo metálico rutênio-naftoquinona na população de ratos infectados com as cepas 3D7, D10 e W2 do Plasmodium falciparum (SOUSA, 2021).

Portanto, os resultados apresentados em nosso estudo são promissores, pois o extrato foi capaz de reduzir a parasitemia e prolongar a sobrevida dos animais, podendo ser considerado como uma possível futura abordagem farmacológica adjuvante no tratamento da malária, em especial no tratamento de cepas resistentes à cloroquina. Para isso, é necessário que mais estudos sejam realizados e a sua aplicabilidade clínica seja comprovada.

O desenvolvimento de resistência aos antimaláricos tradicionais utilizados no combate à malária faz com que haja a necessidade de novos fármacos para o combate da doença. Uma estratégia promissora é a busca de drogas derivadas de extratos vegetais, os quais representam uma importante alternativa, pois são menos custosas e são abundantes em quantidade e em biodiversidade em nossa região, em especial a região Amazônica (GOMES et al., 2022).

4 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Baseado neste modelo experimental de atividade antimalárica utilizando a espécie vegetal E. plicata Herb é possível concluir que o tratamento com extrato etanólico e fração de E. plicata reduziram a parasitemia do grupo tratado em relação ao grupo controle de camundongos infectados pelo P. berghei. Em relação à sobrevida, ambos os tratamentos de E. plicata aumentaram a sobrevida do grupo tratado em relação ao grupo controle de camundongos infectados pelo P. berghei, sendo que a parasitemia e sobrevida dos animais se correlacionaram de maneira inversamente proporcional em ambos os grupos.

Portanto, os resultados apresentados em nosso estudo são promissores, pois o extrato etanólico e a fração diclorometano foram capazes de reduzir a parasitemia e prolongar a sobrevida dos animais, sendo o extrato significativamente mais promissor que a fração. Baseado nisto, a E. plicata pode ser considerada como uma possível alternativa farmacológica para o desenvolvimento de medicamentos para o tratamento da malária, em especial no tratamento de cepas resistentes à cloroquina. Para isso, é necessário que mais estudos sejam realizados comprovando a sua aplicabilidade clínica.

REFERÊNCIAS

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¹Discente do Curso Superior de Bacharelado em Farmácia da Faculdade Cosmopolita Campus Belém/PA e-mail: francinha.bia@gmail.com
²Docente do Curso Superior de Bacharelado em Farmácia da Faculdade Cosmopolita Campus Belém/PA. Doutor em Inovação Farmacêutica (PPGIF/UFPA). e-mail: rafaelquadros13@gmail.com