CARACTERIZAÇÃO DO USO DE ANTIDEPRESSIVOS ENTRE ESTUDANTES DE MEDICINA

CHARACTERIZATION OF THE USE OF ANTIDEPRESSANTS AMONG MEDICAL STUDENTS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10070484


Daniella Clarisse Pereira Brito¹
Vitor Tajra Aguiar¹
Claudia Maria Sousa de Carvalho²


RESUMO

INTRODUÇÃO: O uso de antidepressivos entre estudantes de medicina é um fenômeno crescente, impulsionado pela pressão acadêmica e emocional inerente ao curso. A orientação cuidadosa dos profissionais de saúde é essencial para garantir uma terapia medicamentosa eficaz e segura, levando em consideração a natureza complexa dos transtornos depressivos entre os estudantes de medicina. OBJETIVO: Analisar o uso de antidepressivos entre estudantes do internato de medicina de uma instituição de ensino superior. MÉTODO: esse estudo foi realizado via formulário, usando-se o Google Forms. Os formulários foram enviados por meio eletrônico entre março e agosto de 2023. Ao final, os dados foram analisados. RESULTADOS: Com base na pesquisa realizada com 233 alunos do internato médico de uma faculdade particular em Teresina, Piauí, o estudo revela uma alta prevalência de uso de antidepressivos entre os estudantes. Notavelmente, os alunos do 10º período apresentaram o maior uso, muitas vezes combinando medicação com psicoterapia, possivelmente devido ao rigoroso currículo e estresse associado ao estágio final. Os Inibidores Seletivos da Receptação de Serotonina (ISRS) foram os mais utilizados, devido à sua eficácia e menor incidência de efeitos colaterais graves. No entanto, interrupções no tratamento foram comuns devido a efeitos colaterais indesejáveis e à demora nos resultados. Os principais motivos para o uso incluíram ansiedade, tristeza, dificuldade de concentração e insônia, com disfunções sexuais e distúrbios gastrointestinais sendo os efeitos colaterais mais relatados. A maioria dos alunos recebeu prescrição de médicos psiquiatras para o uso de antidepressivos. CONCLUSÃO: Destaca-se a importância de implementar apoio psicológico eficaz, promover conscientização sobre saúde mental e criar ambientes acadêmicos que fomentem o bem-estar dos alunos, reconhece-se que a saúde mental dos futuros médicos é essencial para uma prática médica bem-sucedida e destaca a importância de equilibrar a busca pelo conhecimento técnico com a preocupação com o bem-estar emocional.

Palavras-chave: Antidepressivo; Estudantes de Medicina; Efeitos Colaterais.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The use of antidepressants among medical students is a growing phenomenon driven by the inherent academic and emotional pressure of the course. Careful guidance from healthcare professionals is essential to ensure effective and safe drug therapy, considering the complex nature of depressive disorders among medical students. OBJECTIVE: To analyze the use of antidepressants among medical internship students at a higher education institution. METHOD: This study was conducted via a form using Google Forms. The forms were electronically distributed between March and August 2023. The data was then analyzed. RESULTS: Based on the research conducted with 233 medical internship students from a private college in Teresina, Piauí, the study reveals a high prevalence of antidepressant use among students. Notably, 10th-semester students had the highest usage, often combining medication with psychotherapy, possibly due to the rigorous curriculum and stress associated with the final stage. Selective Serotonin Reuptake Inhibitors (SSRIs) were the most utilized due to their effectiveness and lower incidence of severe side effects. However, treatment interruptions were common due to undesirable side effects and delayed results. The main reasons for use included anxiety, sadness, difficulty concentrating, and insomnia, with sexual dysfunctions and gastrointestinal disorders being the most reported side effects. Most students received prescriptions from psychiatrists for the use of antidepressants. CONCLUSION: The importance of implementing effective psychological support, promoting awareness of mental health, and creating academic environments that foster student well-being is emphasized. Recognizing that the mental health of future physicians is essential for successful medical practice, it underscores the importance of balancing the pursuit of technical knowledge with concern for emotional well-being.

Keywords: Antidepressant; Internship; Side Effects.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) a estimativa para a depressão é a existência de mais de 264 milhões de pessoas com depressão ao redor do mundo. Avalia-se que os transtornos depressivos são responsáveis pela terceira principal causa de incapacidade e, devido ao envelhecimento da população e das mudanças globais, há o entendimento de que seja a principal causa de incapacidade até 2030. Devido a cronificação dessa condição, podendo ser grave ou recorrente a presença de manifestações depressivas ao longo da vida configura fonte de sofrimento psicológico, prejuízos sociais e na qualidade de vida de muitos. Ademais, os transtornos depressivos estão associados a piores desfechos das doenças não psiquiátricas e aumento na morbimortalidade (LIU et al., 2020).

Também é importante entender que o transtorno depressivo é diferente de tristeza. Terminar um relacionamento ou perder um ente querido são situações que nos trazem profundo sofrimento e geralmente são associados a depressão. Mas, estar triste é diferente do diagnóstico de depressão, que pode ser causada por fatores genéticos, bioquímicos, ambientais e pessoais. (BERNARDES, 2019).

Dentre os transtornos psiquiátricos, o transtorno depressivo maior tem a prevalência mais alta ao longo da vida (SADOCK et al., 2016). O primeiro episódio depressivo pode ocorrer em qualquer faixa etária, podendo iniciar na infância ou até mesmo na velhice. Contudo, 40% dos indivíduos apresentam o primeiro quadro depressivo ocorrendo antes dos 20 anos, fase que marca o início da vida adulta, mais frequentemente entre 24 e 25 anos (KENDLER, 2017). Frequentemente é nessa faixa etária que se desenvolvem as etapas do ensino superior.

Diferentes situações e fatores são considerados estressantes na vida acadêmica, especificamente dentro do curso de Medicina, na qual o estudante convive diariamente com o sofrimento humano, predispondo a transtornos psiquiátricos. Determinados fatores influenciam nesse quadro, como volume de provas e exames, dificuldade na gestão do tempo, conflitos entre dever e lazer, competição entre os estudantes, preocupação com os ganhos financeiros no futuro, plantões do internato, escolha da especialidade e preocupação de não ser aprovado no exame de residência médica.

Em dias atuais, existem diversos tratamentos eficazes para transtornos de ansiedade e transtornos depressivos. A psicoterapia é a primeira opção para pacientes com depressão leve. Contudo, em casos mais graves de depressão e em casos de resistência à terapia psicológica, o tratamento medicamentoso faz-se necessário (RIBEIRO et al., 2014). O tratamento da depressão tem como meta terapêutica reduzir os sinais e sintomas restabelecendo as funções ocupacionais e sociais (LIMA et al.,2016).

A abordagem medicamentosa é a base atual do tratamento das depressões moderadas a graves (NARDI et al.,2021). Destaca-se que a classe de antidepressivos mais utilizada no tratamento de jovens, incluindo estudantes, é a dos Inibidores seletivos da receptação de serotonina (ISRS) devido a sua ação seletiva apresentar um perfil mais tolerável de efeitos colaterais (USALA et al.,2008).

Apesar de os antidepressivos demonstrarem boa eficácia, é comum a dificuldade de aceitação aos mesmos devido, sobretudo, ao tempo de latência para início dos seus resultados terapêuticos e ao aparecimento dos efeitos colaterais logo no início do tratamento. Nesse cenário, os profissionais da saúde, exercem papel primordial na orientação do paciente psiquiátrico quanto ao uso de antidepressivos, objetivando uma terapia medicamentosa segura e efetiva (SADOCK et al., 2016).

Visto que o transtorno depressivo está cada vez mais prevalente entre os estudante do internato de Medicina, e que o tratamento farmacológico requer acompanhamento adequado, este trabalho tem como objetivo discutir sobre o uso de antidepressivos, verificar a adesão ao tratamento da depressão com medicamentos antidepressivos entre os estudantes, descrever sobre o uso de antidepressivos e principais motivos que levaram o estudante a recorrer aos antidepressivos, determinar quais medicamentos antidepressivos são utilizados por esses estudantes, durante a farmacoterapia dos transtornos depressivos.

2. METODOLOGIA

O estudo será do tipo descritivo, que visa à identificação, registro e análise das características, fatores ou variáveis que se relacionam com o fenômeno em questão.

Será de natureza exploratória, que tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A abordagem será quantitativa, logo esclarece Fonseca (2002) diferentemente da pesquisa qualitativa, os resultados da pesquisa quantitativa se apoiam predominantemente na análise de dados estatísticos. Como o próprio nome diz, há medição numérica, estudo estatístico, mensuração, há busca generalização dos resultados, as perguntas são fechadas, pois quando os dados já tiverem sido coletados e analisados, os resultados serão mensurados e apresentados por gráficos.

A pesquisa será realizada em uma instituição de nível superior privada da capital do estado do Piauí que iniciou suas atividades acadêmicas em 12 de fevereiro de 2001 com os cursos de Enfermagem e Odontologia que haviam sido autorizadas, respectivamente, em maio e junho de 2000. Ao longo do tempo mais cursos foram adicionados, porém só em 9 de julho de 2004 a instituição obteve autorização para ter o curso de medicina, então assim começou com a sua primeira turma em agosto de 2004.

Participarão do estudo alunos regularmente matriculados e cursando o ciclo de internato do curso de graduação em medicina, com idade maior ou igual a 18 anos, de ambos os sexos. A população do estudo é de 530 alunos. A amostra será calculada com nível de significância de 95% e margem de erro de 5%, conforme o cálculo de amostragem finita. Serão excluídos da pesquisa alunos de outros períodos do curso de medicina (1º ao 8º período), bem como, aqueles que estejam afastados dos ciclos de internato no período da coleta de dados da pesquisa.

Sendo assim, a amostra para o estudo constará de 223 alunos do internato do curso de medicina da referida instituição de ensino superior, selecionados aleatoriamente, entre os 530 matriculados no primeiro semestre de 2023. Esse número foi calculado através da fórmula: n = (z2∙0,25∙N)/(E2(N-1)+z2∙0,25) = (1,962∙0,25∙530)/(0,052∙529+1,962∙0,25) = 223, na qual, z é o valor crítico, E a margem de erro e N o tamanho da população, considerando o grau de confiança de 95% (z=1,96), margem de erro E = 5% e N = 530.

A escolha por incluir alunos do internato do curso de medicina nesta proposta de pesquisa se deve ao fato de que esta constitui uma área de grande demanda e significativa carga de estresse, desde o início da fase acadêmica. Além disso, o aluno de medicina na fase do internato, além de, nesse nível da formação, ter acumulado conhecimento científico que o induz a aplicar para solução de problemas pessoais, encontra-se inserido nos diferentes campos de atenção à saúde e, portanto, com acesso facilitado às várias classes de medicamentos, desenvolvendo a prática da automedicação ou a aquisição de prescrições sem um acompanhamento específico. Sendo assim, torna- se relevante desenvolver estudos que possam caracterizar o público escolhido para o estudo.

A coleta de dados será desenvolvida nos meses de fevereiro e março de 2023, contudo somente será iniciada após autorização da instituição coparticipante e aprovação pelo Comitê de ética e pesquisa do Centro Universitário UNINOVAFAPI.

Para o procedimento de coleta dos dados, serão aplicados um questionário sociodemográfico que possibilitará conhecer o perfil dos participantes da pesquisa e um questionário único e anônimo, elaborado pelos pesquisadores, contendo perguntas que abordam o objeto de estudo (APÊNDICE B).

Assim, na coleta de dados os instrumentos serão disponibilizados aos possíveis participantes do estudo por meio de formulário online, elaborado na plataforma GoogleForms. Desse modo, um formulário com dados sociodemográfico e questões que respondem aos objetivos deste estudo, será enviado aos participantes, por meio de um link disponibilizado nos grupos de WhatsApp dos respectivos períodos do internato (9o,10o,11o,12o períodos), pelo líder da turma, após prévio esclarecimento sobre a pesquisa aos administradores dos grupos. O acesso poderá ser feito através de computadores ou smartphones conectados à internet.

Vale ressaltar que a o acesso aos instrumentos de coleta de dados somente será permitido após o participante ter acesso e concordar com o detalhamento da pesquisa, descrito no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (APÊNDICE A), e declarar o aceite assinalando “li e concordo” na página do formulário. Cada participante será identificado por um código numérico para preservar sua identidade.

Os dados coletados serão digitados em uma planilha do Excel e, posteriormente, importados para o software SPSS versão 20.0, que consiste em um programa de análise estatística, sendo uma ferramenta de informática que permite realizar cálculos estatísticos complexos e visualizar em poucos segundos os resultados que serão apresentados em forma de gráficos e tabelas para que possam ser analisados de forma objetiva e estatística.

Esta pesquisa obedecerá a Resolução nº 466/12 que trata das pesquisas envolvendo seres humanos (BRASIL, 2012).

Todos os participantes receberão por meio do link, informações quanto ao detalhamento da pesquisa, ressaltando os objetivos e aspectos éticos relacionados e garantidos por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE A).

De acordo com a Resolução nº 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde, toda pesquisa possui riscos potenciais, maiores ou menores, de acordo com o objeto de pesquisa, seus objetivos e a metodologia escolhida.

Nesta proposta de pesquisa, os riscos aos participantes são considerados mínimos e consistem em perda do sigilo das informações fornecidas e dificuldade de acesso aos instrumentos de coleta de dados por instabilidade na conexão com a internet. Contudo, tais riscos serão evitados ou minimizados considerando que o participante terá acesso direto aos instrumentos de coleta de dados, sem a necessidade de intermediários e, além disso, as informações levantadas serão analisadas, exclusivamente, pelos pesquisadores e utilizadas, unicamente, para fins desta pesquisa. Quanto ao acesso à internet, os instrumentos de coleta de dados ficarão disponíveis durante o período de coleta de dados, podendo o participante fazer mais de uma tentativa, em caso de dificuldade de acesso à rede. Também, a fim de garantir maior segurança no sigilo das informações, ressalta-se que o linkde acesso ao formulário será encerrado após o período de coleta de dados, impedindo o acesso de novos participantes ou de outras pessoas.

Quanto aos benefícios, estes poderão ser diretos ou indiretos. Como benefício direto aos participantes do estudo, a abordagem sobre o tema de pesquisa poderá representar um momento de reflexão aos participantes quanto a prática da automedicação, quando for o caso, e de questões pertinentes ao uso de antidepressivos e suas implicações, principalmente, quando utilizado sem critérios ou acompanhamento profissional. Quanto aos benefícios indiretos, mesmo que não imediatos, poderão surgir por meio da divulgação na comunidade científica dos resultados desse estudo, os quais possibilitarão o ampliar às discussões sobre o tema de pesquisa.

3. RESULTADOS

A pesquisa contou com a participação de 233 alunos do internato médico de uma faculdade particular em Teresina, Piauí. Com base nos dados coletados sobre o uso de antidepressivos em estudantes de medicina, é notável que a maioria dos alunos que responderam ao formulário relataram fazer uso desses medicamentos. Além disso, a observação de que esses alunos estão predominantemente na faixa etária de 22 a 29 anos sugere uma possível correlação entre o estresse associado ao rigoroso currículo de medicina e a necessidade de apoio psicológico.

Gráfico 1: Faixa etária de alunos que fazem uso de antidepressivos

Fonte: próprios autores

A análise comparativa indica que o uso de antidepressivos é mais prevalente entre os alunos do 10º período de medicina, em comparação com os outros períodos do internato. Além disso, observa-se que, em todos os quatro períodos do internato, a quantidade de estudantes que fazem uso de antidepressivos é superior àqueles que não o utilizam, o que sugere uma tendência consistente de necessidade do uso desses medicamentos ao longo do internato médico.

Gráfico 2: Período letivo dos alunos entrevistados


A notável predominância do uso de tratamentos combinados de medicação e psicoterapia entre os alunos do 10º período pode indicar uma busca mais intensa por suporte psicológico nessa fase crítica da formação médica. Isso sugere a necessidade de implementar políticas de apoio à saúde mental especificamente direcionadas para os estudantes em estágios mais avançados do curso de medicina, com uma ênfase particular na promoção de estratégias de gerenciamento do estresse e no acesso facilitado a serviços de saúde mental.

Gráfico 3: Alunos que fazem uso de antidepressivos e acompanhamento psicológico


A preferência pela classe dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) entre os estudantes que fazem uso de medicação antidepressiva pode ser atribuída a vários fatores. Primeiramente, os ISRS têm sido comprovados como tratamentos eficazes para uma variedade de transtornos psiquiátricos, incluindo depressão e ansiedade, e são frequentemente prescritos devido à sua eficácia e perfil de efeitos colaterais relativamente favorável em comparação com outras classes de antidepressivos. Além disso, a familiaridade dos alunos com a eficácia dos ISRS, devido ao seu amplo uso e relatos de sucesso clínico, pode influenciar sua escolha. A menor incidência de efeitos colaterais graves, como problemas cardiovasculares associados a antidepressivos tricíclicos, também pode ser um fator determinante na escolha dessa classe de medicamentos.

Gráfico 4: Classe dos antidepressivos utilizados


Em relação aos inibidores seletivos de recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN), sua posição como a segunda opção mais comum pode estar relacionada à capacidade desses medicamentos de tratar não apenas sintomas de depressão, mas também sintomas de ansiedade e dor crônica, o que pode ser particularmente relevante em um ambiente estressante, como o curso de medicina.

A interrupção do tratamento com ISRSs, apesar de sua ampla utilização, pode estar associada a vários fatores. Um motivo frequente é a experiência de efeitos colaterais incômodos ou desagradáveis, como náuseas, insônia, ganho de peso ou disfunções sexuais, que podem impactar negativamente a qualidade de vida dos pacientes. Além disso, a percepção de que os ISRSs podem levar algum tempo para mostrar resultados significativos pode levar alguns pacientes a interromperem o tratamento prematuramente, especialmente se eles não sentirem alívio imediato dos sintomas.

Gráfico 5: Alunos que fizeram interrupção do tratamento medicamentoso


Por outro lado, a maior consistência na adesão ao tratamento com ISRSN pode ser atribuída à percepção de uma resposta mais robusta e abrangente a uma variedade de sintomas, como ansiedade e depressão, devido ao mecanismo de ação dupla desses medicamentos. Além disso, a menor incidência de efeitos colaterais em comparação com outras classes de antidepressivos pode contribuir para uma adesão mais contínua ao tratamento.

Ademais, o motivo que leva os estudantes a fazerem a interrupção dessa medicação é devido à piora dos sintomas, o que ressalta a complexidade do tratamento da depressão e a importância de uma abordagem individualizada, pois os antidepressivos podem não funcionar da mesma maneira para todos os pacientes.

Gráfico 6: Motivos da interrupção do uso de antidepressivos


Os motivos para o uso variaram amplamente, com ansiedade (33,5%) e tristeza/desânimo (33,5%) figurando como as principais razões. Também foram citados outros fatores, como dificuldade de concentração (29,5%) e insônia (25,6%).

Gráfico 7: Motivos do uso de antidepressivos


A maioria dos estudantes que faziam uso de antidepressivos havia recebido indicação de médicos psiquiatras (49,6%). Com relação aos efeitos colaterais, disfunções sexuais (36,8%), distúrbios gastrointestinais (28,1%), sonolência (21,9%) e boca seca (16,2%) foram os mais frequentemente relatados.

Gráfico 8: Efeitos colaterais relatados com mais frequência


Esses achados destacam a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e personalizada no tratamento de pacientes com depressão, com foco não apenas na eficácia do medicamento, mas também na monitorização regular de efeitos colaterais, na comunicação eficaz entre médico e paciente e na consideração das necessidades individuais de cada paciente.

4. DISCUSSÃO

A análise detalhada dos resultados desta pesquisa, realizada com estudantes do internato médico em uma faculdade particular de Teresina, Piauí, revela uma realidade complexa e desafiadora. Os altos índices de uso de antidepressivos entre esses estudantes refletem não apenas questões individuais de saúde mental, mas também aspectos políticos e culturais que permeiam o contexto da formação médica (RIBEIRO et al., 2014; ABRÃO et al., 2008; AMARAL et al., 2008; CYBULSKI et al., 2017).

Esses estudos, realizados em diferentes contextos, corroboram a preocupante prevalência do uso de antidepressivos entre estudantes de medicina, sinalizando que esse é um problema relevante em diversas regiões e universidades (RIBEIRO et al., 2014; ABRÃO et al., 2008; AMARAL et al., 2008; CYBULSKI et al., 2017). Além disso, eles ressaltam que a saúde mental desses estudantes está influenciada por diversos fatores complexos, indo além das questões individuais.

A pressão acadêmica intensa, caracterizada pela competição acirrada e a busca incessante pela excelência, pode contribuir significativamente para o estresse e os problemas de saúde mental enfrentados por esses jovens médicos em formação (SEN et al., 2010; ZONTA et al., 2006; DYRBYE et al., 2014). A incerteza em relação ao futuro, especialmente a obtenção de vagas em residências médicas altamente concorridas, adiciona uma camada adicional de pressão. Essa preocupação é observada em diferentes estudos, destacando a importância de lidar com o estresse acadêmico e as expectativas de carreira na saúde mental dos estudantes (SEN et al., 2010; ZONTA et al., 2006; DYRBYE et al., 2014).

Além disso, o ambiente competitivo do meio médico, no qual o desejo constante de alcançar alto desempenho e a competição por reconhecimento e oportunidades são predominantes, pode criar um ambiente estressante (DYRBYE et al., 2014). Essa cultura competitiva pode desempenhar um papel significativo nos problemas de saúde mental dos estudantes de medicina, conforme sugerido por esses estudos.

O choque cultural experimentado por muitos estudantes ao ingressar no sistema de saúde pública do Brasil também é mencionado como um fator que pode afetar a saúde mental desses estudantes (GONÇALVES; BENEVIDES-PEREIRA, 2009). Especialmente para aqueles de origens socioeconômicas mais altas, essa transição pode ser desafiadora, pois eles se deparam com as complexidades e limitações do sistema único de saúde, o que pode influenciar sua visão sobre a saúde pública e a prestação de cuidados médicos.

Uma tendência preocupante observada é que muitos estudantes estão recorrendo ao uso de antidepressivos antes de buscar a psicoterapia (JOSE DE LEON et al., 2002; GIVENS; TJIA, 2002). Isso pode ser atribuído à falta de tempo no meio médico, devido à carga horária intensa de estudos e estágios, ou aos custos associados à manutenção de sessões de psicoterapia semanalmente. Essa tendência levanta questões sobre a acessibilidade dos serviços de saúde mental para os próprios profissionais de saúde, algo que merece atenção e ação por parte das instituições educacionais e do sistema de saúde como um todo.

A facilidade de acesso a profissionais de saúde, incluindo médicos psiquiatras, pode influenciar a escolha de tratamento com antidepressivos, proporcionando uma solução rápida para enfrentar os desafios de saúde mental (JOSE DE LEON et al., 2002; GIVENS; TJIA, 2002). A preferência por classes de medicamentos com menos probabilidade de causar efeitos colaterais, como disfunções sexuais, pode ser uma resposta à vida sexualmente ativa desses estudantes (GIVENS et al., 2007).

De acordo com um estudo realizado por Brito Jr. et al. (2021), que analisou o consumo de ansiolíticos e antidepressivos entre estudantes de Medicina, foi observado que a maioria dos participantes afirmou fazer uso desses medicamentos. Além disso, o estudo destacou uma tendência consistente de uso de antidepressivos ao longo dos anos do curso de medicina, com uma prevalência maior no 10º período. Esse padrão foi corroborado por outro estudo mais amplo, que incluiu estudantes de diferentes faixas etárias. Neste estudo, foi notado que cerca de 29,4% dos participantes fazem uso atual de medicamentos psicotrópicos para ansiedade e depressão, enquanto 36% nunca usaram esse tipo de medicamento. Ambos os estudos ressaltam a importância de políticas específicas de apoio à saúde mental para os estudantes de Medicina, especialmente para aqueles em estágios mais avançados do curso, e indicam a necessidade de compreender os fatores que influenciam as escolhas dos estudantes em relação aos medicamentos antidepressivos.

Em resumo, os resultados desta pesquisa, juntamente com os dados de diversos estudos mencionados, chamam a atenção para a necessidade de abordar questões de saúde mental de forma mais aberta e eficaz no contexto da formação médica. Isso inclui o fornecimento de apoio psicológico adequado, a conscientização sobre a importância do bem-estar mental e a criação de ambientes acadêmicos que promovam a saúde mental dos estudantes, permitindo que eles enfrentem os desafios com mais resiliência e equilíbrio emocional.

5. CONCLUSÃO

Este estudo destaca a importância de abordar a saúde mental dos estudantes de medicina de maneira holística e proativa. É fundamental fornecer apoio psicológico adequado, conscientização sobre a saúde mental e criar ambientes acadêmicos que promovam o bem-estar dos estudantes. A formação médica é desafiadora, mas a resiliência emocional e o cuidado com a saúde mental são essenciais para que esses futuros médicos enfrentem os desafios com sucesso.

A pesquisa também destaca a necessidade de uma discussão mais ampla sobre as políticas de saúde mental nas faculdades de medicina e a importância de uma abordagem mais empática e acessível à saúde mental no campo médico. Reconhecer as complexidades e desafios que os estudantes de medicina enfrentam é o primeiro passo para promover um ambiente acadêmico mais saudável e apoiador.

Em conclusão, abordar a saúde mental dos estudantes de medicina é um passo fundamental para promover um ambiente acadêmico mais saudável e apoiador. Isso exige não apenas ações práticas, como fornecer apoio psicológico e recursos, mas também uma mudança cultural mais ampla que valorize o bem-estar dos estudantes tanto quanto a busca pelo conhecimento técnico. A saúde mental dos futuros médicos deve ser uma prioridade para criar profissionais mais equilibrados, capazes de oferecer um cuidado de qualidade aos pacientes, enquanto também cuidam de si mesmos.

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¹Autores
²Orientador