DANO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

EXISTENTIAL DAMAGE IN LABOR RELATIONS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10056438


Clara Eduarda Rodrigues Lopes Sousa Oliverio1
Maria Eduarda Araújo de Carvalho2
Maria Eduarda Cardoso3
Letícia Aparecida Barga Santos Bittencourt (Or.)4


RESUMO

As relações de trabalho são dinâmicas e se adaptam às necessidades do mercado, porém nem sempre são acompanhadas de legislação que regule a matéria. Visando a proteção do trabalhador diante da fúria do capital, nasceu o instituto o dano existencial objetivando indenizar financeiramente o trabalhador quando seu direito ou perspectiva de existir é violado. O objetivo do presente estudo é compreender o instituto, sua aplicabilidade nas relações laborais visando o aprimoramento do exercício dos direitos dos trabalhadores em um ambiente digno e saudável. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica exploratória, que evidenciou uma jurisprudência tímida, por vezes confusa perante outros institutos pré existentes.

Palavras-chave: Dano. Existencial. Direito. Proteção. Trabalho.

ABSTRACT

Labor relations are dynamic and adapt to market needs, but they are not always accompanied by legislation that regulates the matter. Aiming to protect workers from the fury of capital, the existential damage institute was born, aiming to financially compensate workers when their right or perspective to exist is violated. The objective of this study is to understand the institute and its applicability in labor relations, aiming to improve the exercise of workers’ rights in a dignified and healthy environment. The methodology used was exploratory bibliographical research, which highlighted a timid jurisprudence, sometimes confusing compared to other pre-existing institutes.

Keywords: Damage. Existential. Right. Work.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar o dano existencial, seu surgimento, conceito, especificações, e princípios relacionados, tudo na perspectiva do ambiente laboral.

A relação patrão e empregado há muito é cercada de conflitos diante da dicotomia previamente estabelecida entre produção x condição humana. O capitalismo explora a fragilidade das relações industriais e transforma os cidadãos em meros instrumentos de produção de modo que as condições em que o labor se desenvolve, por vezes são ignoradas ou minoradas sua importância. A superexploração do trabalho pelo capital pode causar os chamados danos existenciais aos trabalhadores, que experimentam prejuízos de ordem extra-física; ofende o direito do trabalhador à uma perspectiva de futuro, prejudica a convivência familiar, lazer, descanso, causando prejuízos à saúde como um todo. Tais danos alcançam suas vidas pessoais, mas são decorrentes do ambiente e a forma com que seu labor se desenvolveu..

No entanto, tais prejuízos nem sempre são de fácil identificação, eis que é confundido por muitos como simplesmente se tratar do dano moral e/ou assédio que culmina numa indenização. Nessa esteira, o nexo de causalidade também é um elemento a ser explorado e provado, mas que apresenta dificuldade em seu estabelecimento de liame.

Logo, a pesquisa e o desenvolvimento deste estudo são fundamentais para a compreensão do instituto do dano existencial, sua aplicabilidade nas relações laborais, consequências e finalmente, almeja o aprimoramento do exercício dos direitos dos trabalhadores a um ambiente digno e saudável.

O desuso dos direitos sociais causa grandes prejuízos à saúde dos empregados, alijando-os do processo produtivo, e as consequências são as mais variadas : sobrecarga do sistema previdenciário, prejuízo à economia, falência das relações humanas, perda da razão da própria vida. Logo, faz-se necessário que nos debrucemos sobre os institutos que permeiam as relações laborais, para que a proteção ao trabalho se coadune com a produtividade buscada pelos empregadores.

Tais institutos guardam íntima relação com alguns princípios, notadamente o da dignidade da pessoa humana. No recorte da análise de estudo do dano existencial nas relações de trabalho – tem o condão de levar à reparação – há nítida infração de referido princípio, além de outros que serão abordados no presente trabalho, compondo assim, o objetivo geral e específico do presente estudo. Logo, este artigo foi desenvolvido abordando inicialmente os conceitos e origens do instituto, bem como os princípios e pressupostos pelos quais se constrói o dano existencial, conferindo a ele uma identidade própria e autônoma com relação a outros como o dano moral e a indenização pela perda de uma chance, que por vezes são invocados em sua substituição.

A metodologia escolhida foi a pesquisa bibliográfica, com revisão da literatura da temática abordada de modo dedutivo, partindo do estudo dos direitos fundamentais e sociais.

Nesse sentido, o dano existencial proveniente da relação de trabalho está primordialmente vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio da proteção constitucionalmente previstos, sendo sua reparação justificada pelo ideal da reparação integral, previsto no ordenamento civilista. Logo, inquestionável sua existência e reparabilidade como espécie de dano extrapatrimonial.

O trabalho foi dividido em cinco tópicos. Além da introdução, mereceu subtópicos para explorar além do conceito de dano existencial, o histórico, elementos e conexão com o Princípio da Dignidade Humana. Ao terceiro tópico, foi estudado sua aplicação nas relações do trabalho, no aspecto da saúde e meio ambiente do trabalhador, bem como a quantificação e prova. O quarto tópico abordou sua correlação com o Dano Moral e a Teoria da Perda de uma Chance, seguido da conclusão.

2. DO DANO EXISTENCIAL

2.1. Histórico do Dano Existencial

A maioria das doutrinas aduz que o sistema jurídico italiano é o berço do delito inato. Desde a década de 60, advogados italianos começaram a pesquisar e apresentar alguns fatos que, caso surjam, prejudicaram a vida dos relacionamentos, inclusive os sociais e pessoais. (ALMEIDA NETO, 2004)

Isso porque, no ordenamento jurídico italiano há compensação pelos prejuízos patrimoniais (danos patrimoniais) que ocasionaram esse fato, devendo, portanto, ser provida em decorrência de atividade lícita ou ilícita. Assim, expõe muitas situações que efetivamente causam danos morais aos que estão sob sua jurisdição, causando insatisfação e injustiça, levando juristas e estudiosos a revisar o Instituto do Dano na década de 1960 para ampliar o rol de abrangência. (ENAMAT 2014)

Naquela época, os reformadores pensavam as pessoas como seres diferentes dos animais, numa perspectiva maior que o conceito de sobrevivência e sustento. Os homens precisam de acesso ao lazer, à integração social, à religião, à convivência familiar e à busca da felicidade com seus pares. Tendo esta análise dado origem ao conceito de dano à vida de relação. (ALMEIDA NETO, 2004)

O princípio básico de prejudicar a vida relacional é que os seres humanos como animais sociais sofrerão alterações mentais se sofrerem algum dano que dificulte ou diminua sua capacidade de interagir socialmente e com suas famílias. Não permite que ele desenvolva plenamente suas habilidades de trabalho, resultando em perdas financeiras.

Portanto, para a construção do dano na vida das relações, percebe-se que é necessário não apenas impedir que os indivíduos vivam ativamente na sociedade a que pertencem, diminuindo sua capacidade de trabalho, mas também impedi-los de realizá-la plenamente por si só..

Para Soares, 2009, esse conceito é muito primitivo, e até que ponto as dificuldades de relacionamento refletem as atividades de trabalho é questionado pela aplicação da lei.

A discussão dessa teoria sobre o dano à vida nas relações continuou até 1986, quando a Corte Constitucional italiana emitiu uma sentença de primeira instância em 10 de outubro de 1986, que reconhece a possibilidade de indenização em caso de dano à saúde, independentemente da comprovação de que o fato gerador do dano tenha sido crime (até então previsto em lei) ou que o dano tenha sido causado à vítima. É por isso que a Itália passou a proteger os danos do tipo 03(3), patrimoniais, morais e biológicos (saúde). (Soares, 2009).

No entanto, como o Direito Italiano era muito limitado e fechado na questão da definição de dano, uma vez que para configurar o dano moral o fato deveria estar previsto em lei ou ser decorrente de crime, a partir da sentença nº. 184 muitos aplicadores do Direito passaram a tentar enquadrar diversas situações dentro do chamado dano biológico, para escapar do rigor da Lei, o que levou da doutrina e jurisprudência infraconstitucional a expandirem, e definirem adequadamente, o conceito de dano biológico, que passou a ser chamado de dano existencial (sendo mais abrangente) a partir da década de 90. (ALMEIDA NETO, 2004)

Com a ampliação do conceito, os já denominados danos existenciais passaram a abranger as violações de todos os direitos fundamentais protegidos pela Constituição italiana que afetam negativamente a existência do indivíduo e impedem suas atividades e convivência social. Nenhum dano à propriedade é necessário.

À medida que avançava a discussão sobre o tema, o Tribunal Constitucional italiano analisou o caso de um pai que se recusou intencionalmente a sustentar o filho e o abandonou materialmente, impedindo-o de se desenvolver plenamente, proferindo a 10ª sentença em 10 de outubro de 1977. Em 7 de junho de 2000, o nº 7.713 foi o primeiro a reconhecer a existência de dano como uma espécie de perda extrapatrimonial. Na ocasião, o juiz afirmou que qualquer ato que viole os valores do indivíduo garantidos pela constituição italiana dá direito a indenização. (ALMEIDA NETO, 2004)

Desde a decisão 184, a doutrina e a jurisprudência italianas passaram a perceber que o dano ao direito da personalidade configura o dano à existência da pessoa, o que levou à discussão do dano existencial das aplicações do art. 2º da CF italiana, que trata da proteção da dignidade da pessoa humana.

Destas decisões surgiram várias com a característica de incluir a reparação do dano existencial, mas sem utilizar esta denominação, passou-se a utilizar a denominação de dano extrapatrimonial, pois entendeu-se que não havia possibilidade de classificação.

Em 30 de janeiro de 2009, o tribunal de Milão decidiu acerca desta temática, em 23 de dezembro de 2008, o tribunal de Milão concedeu uma indenização a uma mulher que, sendo mãe de um jovem ferido em um acidente de trânsito, teve que mudar sua vida para cuidar de seu filho . Em 24 de novembro de 2008, o Tribunal de Apelação de Perugia reconheceu a indenização por danos imateriais a uma menina de 4 anos que foi atacada por um cão, rotulado como dano existencial

Fica claro, portanto, que a direção seguida pela jurisprudência e doutrinas atuais, guardam como berço os precedentes criados a partir do dano extrapatrimonial nascido na Itália, ganhando contornos próprios conforme a legislação de cada país.

2.2. Conceito do dano existencial e o posicionamento jurisprudencial

O dano existencial caracteriza-se como uma espécie de dano imaterial que ocorre quando são violados os direitos sociais básicos dos trabalhadores, como o tempo livre, o direito à educação e o direito ao desenvolvimento social pleno. (ALMEIDA NETO, 2004)

Refere-se ao dano que reduz a qualidade de vida da vítima e a impossibilita de desfrutar de qualquer nível da vida cotidiana, ou seja, não consegue desfrutar do prazer da vida após sofrer dano existencial, como férias e etc. (SOARES, 2009).

Ele inclui dois aspectos: dano à vida nas relações (conceito derivado do direito italiano) e o dano ao projeto de vida. Quando a vida de um relacionamento é prejudicada, o indivíduo fica impossibilitado de se reintegrar nas relações sociais, e maiores prejuízos aos projetos de vida impedem o indivíduo de realizar sua existência e de fazer planos para o futuro, tanto pessoais quanto educacionais. (ALMEIDA NETO, 2004)

O dano existencial também pode ser descrito como um dano total ou parcial ao conjunto de relações que moldam a personalidade de uma pessoa, que podem ser pessoais ou sociais, e afetam atividades que fazem parte da vida diária de uma pessoa (SOARES, 2009).

A jurisprudência pátria tem enfrentado o instituto em algumas decisões numa perspectiva de prejuízo para a vida pessoal com potencial de dano pela frustração em se alcançar um objetivo pessoal, decorrente de ato ilícito cometido no trabalho. Senão vejamos:

LEI Nº 13.015/14. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DANO EXISTENCIAL. JORNADA DE TRABALHO EXCESSIVA. 1. A prestação de horas extras, por si só, não gera direito à reparação por dano moral existencial. 2. Segundo José Affonso Dallegrave Neto, o dano existencial, no conceito elaborado por Amaro Almeida Neto, corresponde à “violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer” (in: Responsabilidade civil no direito do trabalho, 6ª ed., São Paulo: Ltr, 2017). Além de inviabilizar projetos de vida idealizados pelo empregado, de forma mais concreta, pode-se dizer que o dano existencial também se caracteriza a partir da frustração da fruição dos direitos sociais mínimos, dentre eles o direito ao lazer (que contempla a desconexão do trabalho), à saúde e ao convívio familiar (artigo 6º da Constituição da República). 3. Por decorrer o dano existencial da responsabilidade civil extracontratual, a sua caracterização depende, em regra, da comprovação do preenchimento dos requisitos da culpa aquiliana, a saber: (i) conduta ilícita voluntária, (ii) dano, (iii) nexo de causalidade entre a conduta e o dano e (iv) culpa ou dolo do agente. 4. Assim, tem-se inclinado a jurisprudência desta Corte, ao examinar o pleito de indenização por dano existencial, pela exigência, como regra, da demonstração da efetiva frustração de um projeto de vida como consequência da conduta ilícita do empregador. 5. Apenas em situações excepcionais e de flagrante violação de direitos sociais mínimos, será possível identificar o dano existencial in re ipsa, ou seja, a partir da simples conduta ilícita do agressor. Em tais casos, em razão da gravidade e intensidade da conduta ilícita do empregador, o dano existencial resulta como mera consequência lógica do ato ilícito, autorizando, assim, a sua presunção. 6. Em relação à caracterização do dano existencial, esta Egrégia Corte tem se manifestado no sentido de que a exigência de jornada de trabalho excessiva, por si só, não caracteriza dano existencial, não sendo possível presumir, em regra, o dano existencial pela simples exigência de prestação de horas extras. 7 . No caso dos autos, o Tribunal Regional, a partir das regras de distribuição do ônus da prova, manteve a sentença que arbitrou a jornada “das 12h às 23h30min (nas 3 primeiras semanas de cada mês) e das 6h30min às 19h (na última semana de cada mês), de segundas-feiras a sábados, e neste último horário, em 2 domingos alternados por mês e em 5 feriados por ano, fruindo apenas 20 minutos de intervalo intrajornada” (p. 1.159 do ESIJ). (TST – RR: XXXXX20135040020, Relator: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 21/02/2018, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/03/2018)

Considerando os conceitos apresentados acima, é possível que os transtornos existenciais afetem o cotidiano das pessoas, alterem suas relações com a sociedade, impeçam o pleno convívio com amigos e familiares e limitem as expectativas dos indivíduos quanto ao futuro a ponto de não permitir o que o retirou de seu conforto. Para fazer isso, o planejamento de longo prazo é longo e pode levar à insatisfação pessoal, depressão e outros problemas psicológicos. (ALMEIDA NETO, 2004)

Exemplos do trato trabalhista em que o dano existencial ocorre, pode-se verificar quando funcionários não recebem férias anuais remuneradas, horas extras e/ou salários, além de outros direitos que afetem sua dignidade e alcance extra muros de sua existência. Metas inatingíveis, assédios moral e/ou sexual também podem ser incluídos nesse rol, na medida que tais condutas signifique a impossibilidade do funcionário projetar e investir em sua vida profissional ou ainda impeça que participe ativamente de relacionamentos sociais com familiares e amigos.

Entrelaçado com eventos que afetam a integridade física, moral e psicológica, o dano existencial é um tipo de dano não material que torna a vítima, parcial ou totalmente, incapaz de realizar, continuar ou reconstruir seu projeto de vida – familiar, afetivo- dimensão sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, entre outras – bem como as dificuldades em renovar a sua vida relacional – na esfera pública ou privada, especialmente na área da convivência familiar e profissional ou social (FROTA , 2013).

Reconhecer os danos existenciais como danos autônomos garantiria maior proteção e reparabilidade e também permitiria sua cumulação com outros danos extrapatrimoniais (BEBBER, 2009).

O enfrentamento ao tema do dano existencial está sendo aventado cada vez mais em nossos Tribunais, apesar ainda da timidez na sua abordagem, talvez pela confusão comum que se faz dos demais institutos, que, como se verá, nada se confunde com o presente.

2.3. Elementos do dano existencial

O dano existencial pode ser entendido como a perda da qualidade de vida do indivíduo, de espécie extrapatrimonial ou imaterial caracterizando, assim, o ato ilícito com resultado danoso, que é a lesão sofrida consubstanciada na alteração ou perda da capacidade de manter as atividades cotidianas habituais.

Para se consubstanciar o dano existencial, temos os elementos inerentes a toda e qualquer forma de dano, como o ato ilícito cometido pelo agressor, a existência de prejuízo e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta realizada. Integram-se a eles a frustração, limitação ou inexistência do projeto de vida e das relações pessoais do trabalhador, ao se falar em dano à existência. (SOARES, 2009)

O dano ao projeto de vida é conceituado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como aquele que “implica a perda ou o grave prejuízo de oportunidades de desenvolvimento pessoal, de forma irreparável ou muito dificilmente reparável”. É uma modalidade de dano que limita o indivíduo a usufruir, se relacionar, com seu ambiente familiar ou social, por conta de violências do tipo físico, mental, psicológico ou emocional. (CORTE IDH, 2012)

O ser humano, como bem observa Bebber, se encontra por sua natureza, constantemente e permanentemente realizando planos em relação ao futuro, com o intuito de alcançar a realização de certo projeto de vida, e ao mesmo tempo extrair o máximo de suas potencialidades. Ao passo que, qualquer fato injusto que obrigue o sujeito a mudar seus planos, ou impeça a sua realização, é considerado um dano existencial. (BEBBER, 2009, p. 28.)

Como o objetivo dos danos existenciais é, em última instância, proteger a felicidade dos jurisdicionados, respeitando seus direitos fundamentais, deve-se sempre pesar o equilíbrio entre um dia de trabalho designado e o tempo disponível para outras necessidades humanas. Dado tempo para pleno desenvolvimento, descanso, relaxamento e convivência social, é sempre necessário analisar se o empregador tem impedido o empregado de desenvolver projetos de vida, passar a vida dos filhos e participar ativamente deles. (SOARES, 2009).

Segundo Hidemberg Alves da Frota, o projeto de vida só é efetivado de fato quando é direcionado pela liberdade de escolha do indivíduo, em um contexto de espaço-tempo, em que estão inseridos os seus objetivos, metas e ideais que dão sentido a sua existência, com foco no próprio desenvolvimento e autorrealização. (FROTA, 2010)

Para exemplificar, imaginemos que o ofendido vê frustrada suas expectativas sobre o futuro em que planejava se tornar um pintor de parede, ou passar a realizar qualquer outra atividade manual, que se tornaram impossíveis, por conta de um acidente de trabalho que lhe custou as duas mãos; ou ainda um homem que não consegue realizar o sonho em ser pai, porque viu-se compelido a tomar medicamentos que controlam sua ansiedade – e consequentemente inibem seu desejo sexual – em decorrência de um ambiente de trabalho altamente competitivo.

Ao se falar em dano a vida de relação, entende-se por violências físicas ou psíquicas, que atingem diretamente a vida cotidiana da pessoa, impedindo-a de vivenciar as mais diversas atividades recreativas e extra laborativas, como cinema, teatro, pesca, turismo, prática de esportes, entre outras. Atividades estas, que influenciam no estado emocional e de ânimo, gerando prejuízos, consequentemente, na vida social, profissional, além do desenvolvimento patrimonial do trabalhador.

Frota pondera que o dano a vida de relação atinge o conjunto de relações interpessoais, em diversos contextos e ambientes, prejudicando por sua vez, o desenvolvimento da história vivencial do ser humano, de forma ampla e saudável, como o compartilhamento de pensamentos, sentimentos, hábitos, reflexões, afinidades, valores, culturas, e a experiência humana como um todo, por meio do contato contínuo em torno da diversidade de ideias com seus semelhantes. (FROTA, 2010)

O exemplo mais horrível de dano existencial pode ser atribuído àqueles que sobreviveram às torturas físicas e psicológicas infligidas à população judaica da Europa pelos nazistas. Neste momento desprezível da história humana, as formas mais repugnantes e inimagináveis de ataques a indivíduos incluíram morte, lesões, danos psicológicos, dano estético, prejuízo para os objetivos da vida, e dano para a capacidade de formar relacionamentos, entre outras coisas.

Em seu livro “Em Busca de Sentido”, o psiquiatra Viktor Frankl, um dos sobreviventes de Auschwitz (n. 119.104), aborda especificamente este dano existencial. Ele descreve como os judeus chegaram ao campo de concentração e o que eles se tornaram em suas relações dentro desta prisão.(FRANKL, 2012)

O dano ao projeto de vida e o dano à vida de relação, trazem como vítima na justiça do trabalho, justamente a parte hipossuficiente das relações trabalhistas que é o próprio empregado. Outrossim, à luz do princípio da proteção ao trabalhador “indúbioprooperário”,na tentativa de igualar as partes, na ocorrência desse tipo de dano, gera ao empregador o dever de indenizar.

2.4. Dano Existencial e o Princípio da Dignidade Da Pessoa Humana

Para Kant, os elementos que fundamentam a dignidade da pessoa humana, tem como ponto partida, a educação da razão, pois é por ela que o ser humano é construído. KANT, Immanuel. Grundlegung zur metaphysik der sitten. Berlim: L. Heimann, 1870.

O pensamento kantiano é correlacionado com a conduta humana individual e com as ações morais em conjunto, uma vez que a finalidade da educação é conscientizar o homem para o cumprimento das leis e do Direito, para se alcançar a justiça. Não há como conceber um direito social que é o trabalho, sem o conceito básico do direito à personalidade que é o da dignidade humana.

No entendimento de Paulo Bonavides (2000, p. 233), “não há princípio mais valioso que encapsula a unidade material da Constituição do que o princípio da dignidade da pessoa humana”.

Sergio Cavalieri Filho (2004) entende que “o dano moral na atual Constituição nada mais é do que uma violação do direito à dignidade”.

Esta tese se baseia no fato de que a dignidade da pessoa humana consubstanciada nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal de 1988, é um dos fundamentos da nossa nação democrática que confere ao ser humano o direito subjetivo à dignidade.

O princípio da dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho se consubstancia no artigo 1o da Carta Magna de 1988, quando estabelece que são fundamentos da República e do Estado democrático de Direito, entre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.

A dignidade humana se expressa como o valor máximo que exige a observância e aplicação dos direitos fundamentais, entre eles o direito à vida. Para José Afonso da Silva (2008, p. 105): “É do valor mais elevado derivar o conteúdo de todos os direitos humanos, a começar pelo direito à vida”.

Bittar (2003) ensina acerca da personalidade que os direitos pessoais são os direitos reconhecidos pela pessoa humana em si mesma e nas suas projeções na sociedade, instituídos no ordenamento jurídico justamente para defender os valores inerentes ao homem, como a vida, a saúde física, a intimidade, a honra, o intelecto e tantos outros.

Os direitos da personalidade, como protetores da dignidade da pessoa humana, visam assegurar os elementos constitutivos da personalidade do ser humano no sentido da integridade física, psíquica, moral e intelectual da pessoa humana. Além disso, são direitos que nunca desaparecem com o tempo e nunca se separam de seu titular.

Logo, integram a essência do ser humano como condição de sua própria existência, por isso a doutrina os conceitua como direitos naturais, inatos e por isso são individualizados. Pela sua natureza e característica personalíssima, cumpre ao Estado o dever de reconhecê-lo e protegê-lo face às intromissões de particulares, impondo condutas negativas através do poder/dever de aplicar sanções em caso de desrespeito ou ofensa.

3. DANO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Inúmeras são as condutas positivas e negativas que sugerem a existência deste instituto. De um modo geral, o dano à existência do trabalhador decorre da conduta patronal ilícita ao obstar os projetos de vida do obreiro, que devido uma demanda exaustiva de trabalho, uma carga horária excessiva ou exposição a agentes perigosos/insalubres sem treinamentos e EPI (equipamento de proteção individual), interfere nas relações sociais em detrimento das atividades profissionais, tirando do empregado a possibilidade de usufruir de atividades que lhe proporcionem qualidade de vida.

Tal conduta ilícita foi expressamente incluída em nossa Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei 13.467 de julho de 2017, que em seu art. 223-B afirma que causa dano de natureza extrapatrimonial qualquer ação ou omissão que ofenda a esfera existencial da pessoa física ou jurídica.

Na doutrina, Murilo Rosário, conceitua dano existencial como sendo as lesões que comprometem os direitos fundamentais do indivíduo e frustram seu projeto de vida pessoal elaborado para sua realização fora do ambiente de trabalho, decorrentes da conduta patronal.

Na mesma linha, Almeida Neto (2005) preleciona que, nos danos desse gênero, o indivíduo é privado de valores fundamentais da pessoa humana, direitos assegurados na Constituição Federal, havendo um desrespeito ao direito alheio de livre dispor de seu tempo livre. Em suma, o indivíduo é privado de seu direito à liberdade e à sua dignidade.

Na esfera do direito do trabalho, o dano existencial pode também ser aferido, na constatação de trabalho em condição degradante ou análogo à escravidão, no qual o trabalhador é submetido a condições inumanas de trabalho, sem acesso ao básico de alimentação, higiene e jornada de trabalho, sem contraprestação pecuniária. Soares (2009), afirma que são criados artifícios para que a remuneração seja totalmente consumida no âmbito do trabalho, tornando o empregado escravo de seu próprio trabalho.

Desse modo, possível assegurar que o dano existencial na relação de trabalho em última instância, busca tutelar a felicidade do jurisdicionado, o respeito aos seus direitos previstos no artigo 5º da Carta Magna, razão a qual se deve sempre aferir o equilíbrio entre a jornada de trabalho imposta e o tempo disponível para as demais atividades necessárias ao homem e seu desenvolvimento pleno. Deve-se sempre analisar se o empregado não foi privado pelo empregador de desenvolver seus projetos de vida, de acompanhar a vida dos filhos, participando ativamente, se lhe foi concedido tempo para o lazer, o descanso e a convivência social (SOARES, 2009).

Assim, a ilicitude da conduta sob comento, advém, de uma violação dos direitos pessoais do trabalhador. Os danos ao projeto de vida e ao bem estar relacional incidem sobre os seguintes aspectos do direito à personalidade: o direito à integridade física e psíquica, o direito à integridade intelectual, direito à integração social.

Neste ponto, conforme já mencionado anteriormente, importante salientar que o dano moral refere-se ao impacto e sentimento da vítima, sendo sua extensão aferida de maneira subjetiva in re ipsa, já o dano existencial afere-se a partir de alterações prejudiciais no dia a dia do empregado, ou seja, sua constatação é objetiva.

O artigo 6º da Constituição Federal, elenca alguns direitos sociais, entre eles o trabalho e o lazer, de modo que tais direitos são mínimos para preservar a dignidade da pessoa humana.

Ao tratarmos do dano existencial no direito do trabalho, temos que observar o princípio da proteção ao trabalhador, com o objetivo de minimizar a desigualdade econômica entre empregado e empregador trazendo uma proteção jurídica mais favorável ao empregado.

Martins (2008) ensina que tal princípio se divide em: in dubio pro operário, que preleciona a aplicação da norma mais favorável ao trabalhador e a aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador, ou seja, quaisquer vantagens já alcançadas pelo obreiro não podem ser modificadas para pior, analogamente, podemos dizer que seria uma vedação ao retrocesso no direito do trabalho.

Assim, o dano à existência do trabalhador pode se dar de várias formas, sendo certo se tratar de lesões que impedem a efetiva integração deste na sociedade, obstando seu pleno desenvolvimento como ser humano. Ademais, o aproveitamento efetivo de todas as suas possibilidades só seria possível com o aproveitamento de todas as áreas de sua vida, entre outras: social, esportiva, cultural, afetiva, recreativa, profissional e artística.

3.1. Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente de Trabalho Saudável

A integração do ser humano com o ambiente é fator preponderante para uma saúde e segurança adequadas. Trabalhar num ambiente saudável é condição imprescindível para uma boa qualidade de vida. Neste sentido, a Constituição Federal de 1988, tutela de maneira imediata o meio ambiente de trabalho no seu artigo 200, inciso VIII, ao prever que:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
(…)
VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (grifonosso).

Outrossim, a Carta Constitucional também prevê a redução dos riscos inerentes aos trabalhadores urbanos e rurais, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, trazendo tais aspectos como direito fundamental em seu artigo 7º, incisos XXII e XXIII, a redução dos riscos, por normas de saúde, higiene e segurança e adicional para atividades perigosas e nocivas a saúde.

Nota-se que, os direitos outrora previstos em lei ordinária foram alçados para norma constitucional de direito fundamental, buscando a proteção da saúde do trabalhador.

Seguindo na seara de direitos difusos e pertencentes a todos, a Carta Magna em seu artigo 225, caput,assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tal proteção foi alargada para todos os aspectos que o compõem, inclusive o direito a um meio ambiente de trabalho seguro e saudável, alcançando desde o meio ambiente natural ao meio artificial, conforme denota a sistemática constitucional.

Corroborando isto, o artigo 200, inciso VIII, da Carta Magna, elucida que o Sistema Único de Saúde deve colaborar na proteção ao meio ambiente, inserindo-se expressamente o meio ambiente de trabalho, de modo que a Constituição deixou clarividente sua intenção de proteger a saúde do trabalhador, que se concretiza com um ambiente de trabalho equilibrado e tendente a redução dos riscos laborais.

De mesmo modo, Giongo (2009), afirma que o meio ambiente de trabalho engloba tudo o que o envolve e o condiciona, seja direta ou indiretamente, sendo o local onde o homem prover sua subsistência, e deve ser protegido, complementa demonstrando a proteção Constitucional se dá de forma imediata no art. 200, VIII, e mediata no art. 225, caput, §1º, IV, VI e §3º. Portanto, observa-se que a proteção à saúde do obreiro deixou de ser matéria apenas ordinária, sendo elevada à categoria de direito fundamental.

Nota-se que apesar de a Constituição Federal evidenciar a proteção ideal ao meio ambiente de trabalho, não conceitua ou define como tal proteção seria efetivada, tratando-se de um conceito jurídico indeterminado, cuja suas nuances a doutrina apresenta.

O professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, define o meio ambiente de trabalho como o local onde o homem exerce suas atividades laborais, sejam elas remuneradas ou não, cujo equilíbrio é assentado na salubridade do meio e na ausência de fatores nocivos à incolumidade física e psíquica dos trabalhadores, independente de gênero ou regime de trabalho (FIORILLO, 2021, p. 98).

Amauri Mascaro Nascimento, com uma visão mais detalhista, define o meio ambiente de trabalho como todo o complexo máquina-trabalho, ou seja, desde a edificação, equipamentos de proteção individual a jornada de trabalho e todas as suas nuances e as condições de trabalho. Abarcando assim, todo o conjunto de equipamentos e edificações que propiciam o trabalhador a desempenhar suas atividades, bem como a administração do trabalho pelo empregador.

Notável que a definição de meio ambiente de trabalho consolidada pela doutrina é muito abrangente, extrapolando as hipóteses de relação empregatícia previstas em nossa Consolidação das Leis Trabalhistas. Nesse mesmo sentido, vale citar a lição de Francisco Milton Araújo Júnior acerca da adaptação da CLT às inovações, especificamente sobre o teletrabalho, afirmando que o reconhecimento estabelecido pela Lei 12.551/2011, demonstra que a norma avança para o reconhecimento que o meio ambiente de trabalho consiste em todo e qualquer lugar, seja natural e/ou artificial em que o obreiro desenvolve suas atividades.

Observando as definições doutrinárias, o meio ambiente de trabalho é um ramo autônomo, e seu objeto é a salvaguarda do homem na execução da labor contra todas as formas de degradação de sua qualidade de vida. E, tal conceito, abarca todo o sistema de trabalho, seja um ambiente natural ou artificial, presencial ou virtual, tutelando o bem-estar não apenas físico, mas também mental e social do ambiente laboral.

Tal proteção ao meio ambiente de trabalho é indissociável da proteção à saúde do trabalhador, conforme bem dimensiona Fiorillo, em seu Curso de Direito Ambiental Brasieliro, aonde leciona que é a própria Constituição Federal que vincula o conceito jurídico de saúde ao de meio ambiente, se revelando ser um estado de bem-estar físico, social e mental e não apenas marcado pela não ocorrência de enfermidades.

Desse modo, extraímos do texto constitucional a indivisibilidade do conceito jurídico de meio ambiente de trabalho e do conceito jurídico de saúde do trabalhador, do qual um não se sustenta sem o outro. Assim, sendo o direito à vida o objeto do direito ambiental, só quem detém vida com qualidade e saúde, terá condições de exercitar em plenitude os demais direitos humanos.

Somado a isto, notório que o trabalhador passa a maior parte da vida útil no trabalho, sendo este período o de plenitude de suas condições físicas e mentais, razão pela qual o trabalho determina seu estilo de vida. Portanto, um ambiente de trabalho equilibrado e saudável, o qual permita plena execução de seus projetos de vida, ou seja, que não lhe cause danos à existência, merece especial proteção, lhe garantindo um estado de bem-estar físico, social e mental, o direito à saúde e a vida com qualidade.

3.2. Quantificação do Dano e Prova

A reparação por danos extrapatrimoniais, apenas foi reconhecida no final da década de 60 pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, o dano existencial só era reparado em decorrência de uma violação por danos materiais, em concomitância. (BONATTO, 2011, p 136)

A possibilidade de averiguação do dano de forma mais concreta, com a promulgação da Constituição de 1988, ressaltando a tutela de bens existenciais, tornou necessário a quantificação do dano existencial, em que deve-se levar em consideração as formas de compensação e seus critérios. (DUARTE, 2013)

No direito do trabalho, o montante da compensação tem sido frequentemente uma fonte de debates e incertezas. Na ausência de um padrão mais exato, o tribunal terá a discrição de atribuir uma pontuação com base na gravidade do dano e no nível de culpa do agente causador. No entanto, esse não foi o objetivo principal das discrepâncias na lei e na doutrina, tais como as relativas à utilização de compensações consideradas inconstitucionais. (MEDEIROS, 2018)

Estabelecer a recompensa reparatória por danos morais/extrapatrimoniais levou um período muito longo. O juiz devia considerar, entre outras coisas, de acordo com a melhor doutrina, os seguintes critérios: a) as circunstâncias sociais, políticas e econômicas dos indivíduos questionados, diante do princípio da igualdade; b) o grau de sofrimento causado;

c) observância do dolo ou culpa; d) a tentativa efetiva para reduzir a ofensa ou dano; e) a perpetuação da respectiva lesão no tempo (quanto mais duradoura, mais grave é a lesão); f) natureza do ato danoso (civil, criminal), e natureza e gravidade do bem jurídico atingido pelo dano; g) circunstâncias atenuantes e agravantes. (MEDEIROS, 2018)

De acordo com José Felipe Ledur, devem ser observados pelo julgador os seguintes elementos para a aferição do dano existencial: a) se o dano foi injusto. Apenas o prejuízo injusto pode ser considerado ilegal; b) a circunstância presente, os passos tomados (passados) para realizar o projeto de vida, a circunstância da qual a pessoa deve renunciar no futuro, e c) a validade do plano de vida. Somente a obstrução injusta de planos aceitáveis (dentro da lógica do presente) resulta em danos existenciais. Em outras palavras, é essencial que haja uma chance ou probabilidade de que o projeto de vida seja realizado; d) do tamanho e alcance do dano. A lesão injusta inevitavelmente prejudicou (comprometeu) a realização do objetivo da vida, resultando em renúncias diárias, que agora precisam ser reprogramadas para atender às restrições impostas pelo dano. (BEBBER, 2009).

Com relação às provas, conforme o decidido pelo 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT18), ao pleitear ação por danos a existência na Justiça do Trabalho, o trabalhador deverá comprovar o prejuízo na realização de seus objetivos pessoais, bem como de gozar de seu tempo livre, chegando a comprometer sua qualidade de vida por conta da atividade laboral exercida.

4. Dano Existencial, Dano Moral e Perda de uma Chance

SUSSEKIND (2004, p. 632), define o dano moral como o amargor causado por um ato ilícito de terceiro que afeta os bens imateriais ou magoa as concepções íntimas da vítima, nos quais se formam a base sobre qual sua personalidade é moldada e a sua forma de se postar nas relações em sociedade construída.

Em comparação com o sofrimento moral, o dano existencial tem um efeito maior na existência diária de uma pessoa. No entanto, aquele pode tornar algumas atividades das quais realizava antes, mais desafiadoras, pois mesmo que momentaneamente, costuma afetar o estado de espírito da vítima, fazendo com que estas tomem atitudes diferentes das que tomariam normalmente, mudando por vezes, seus objetivos iniciais.(SOARES, 2009)

Com isso, consequentemente, o dano moral se refere ao sofrimento, uma violação da dignidade, por outro lado, o dano existencial está relacionado com a dificuldade de realizar atividades diárias ou as interações interpessoais são impossíveis.

De acordo com o Ministro Maurício Godinho Delgado (2012), o dano moral possui reparação, buscando equilibrar, ainda que por meio de fornecimento monetário, o desprezo psicológico ocasionado pela infração do direito à liberdade, honra, saúde, integridade física, imagem, vida privada e intimidade.

Diferentemente do dano existencial que é passível de constatação objetiva, em que o indivíduo deve obter provas, o dano moral possui natureza subjetiva, configurado essencialmente no sentir, não se exige, portanto, prova. (BEBBER, 2009, p. 31)

Na década de 1960, a França foi o local de nascimento da hipótese de “perda de chance”. A vítima perde a chance de garantir um futuro melhor por causa do comportamento ilegal. Descreve-se quando não há mais a possibilidade de que um evento ocorra devido às ações de outro indivíduo. A vítima será incapaz de ter um futuro brilhante como resultado, incluindo o progresso profissional para obter um emprego melhor, abster-se de apelar uma má sentença devido ao advogado, e assim por diante. (CAVALIERI FILHO, 2012)

Na perda de uma chance, a indenização se baseia pelo princípio da razoabilidade, por meio de porcentagens e probabilidades, de acordo com os valores que a vítima iria ganhar se não tivesse ocorrido o dano. (HAMUD, 2017)

Portanto, de acordo com Boucinhas Filho e Alvarenga (2013, p. 1), a perda de uma chance é diferente do dano existencial, pois enquanto a perda de uma chance se refere a uma certa certeza, com um prejuízo quantificável de um ganho futuro, o dano existencial se baseia nos sonhos e projetos de vida da vítima, não podendo ser quantificado, mas apenas arbitrado.

Logo, de notar-se que entre ambos os institutos – comumente confundidos pelos Tribunais no afã de justificar a improcedência a um pedido de indenização por danos existencial – há contornos que lhe conferem individualidade e por consequência, reparações distintas, mesmo que provenientes de um mesmo fato causa.

Por fim, o dano existencial, embora faça parte do rol dos danos extrapatrimoniais, não pode ser confundido com o dano moral, pois o primeiro inclui a perturbação da existência do indivíduo como um dano que o impede de participar do meio social e familiar na qual se insere, caracterizada pela exclusão; enquanto a outra trata da difamação, ações causadoras de sofrimento e angústia, que, no âmbito puramente animista, não acarretam necessariamente a exclusão do indivíduo de seu convívio social.

5. CONCLUSÃO

O estudo desenvolvido no presente artigo permitiu evidenciar a íntima relação do instituto com o ambiente laboral e que dessa relação pode decorrer uma indenização se houver ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Com o intuito de entender melhor a sua manifestação, ocasionalidade e reparabilidade como um dano extrapatrimonial, embora pouco discutido e por consequência ignorado pela maioria das pessoas – mesmo entre os operadores do direito – e pelos trabalhadores, que acabam por se tornar as vítimas de uma conduta, muitas vezes não identificada.

O dano existencial surgiu na Itália e era considerado inicialmente como uma teoria sobre o dano à vida nas relações, onde houve uma perspectiva maior sobre o conceito de sobrevivência e sustento. Com a evolução do instituto, foi definido como dano biológico de forma a abranger as violações de todos os direitos fundamentais protegidos pela Constituição

italiana. No Brasil, teve sua implementação no ordenamento jurídico em 2009, com aplicação recente que vem sendo gradualmente difundida.

O instituto encontra amparo na legislação pátria nos artigos 1º, III e 5º, V e X da Constituição Federal conciliados ao princípio da dignidade da pessoa humana, aos direitos da personalidade e direitos fundamentais, que evidenciam seu conceito numa perspectiva de reparabilidade por ato ilícito cometido pelo empregador, seja por uma conduta ativa ou passiva ocorrida no ambiente do trabalho. O resultado danoso ao empregado ocorre todas as vezes que ele perde a esperança, expectativa de futuro, ausência de desejo de interação, falta de vontade de realizar atos que antes era prazeroso, demonstrando uma situação de extremo enclausuramento e tristeza, que o afeta socialmente, em especial com sua família e projeção de evolução profissional.

Embora ainda tímida a produção doutrinária e enfrentamento jurisprudencial, demonstrou-se que os Tribunais quando analisam referido instituto dão a ele autonomia e potencialidade em seus contornos. É o que se verifica com relação à sua caracterização e quantificação. O julgador observa diversos critérios para se obter uma averiguação de forma mais concreta, o que nos leva a uma criteriosa diferenciação entre o dano existencial, dano moral e perda de uma chance, uma vez que referido instituto em análise se diferencia daqueles ao passo que o dano moral se refere ao sofrimento causado de forma subjetiva e a perda de uma chance é um prejuízo quantificável de um ganho futuro, sendo o dano existencial passível de constatação objetiva baseado nos sonhos e projetos de vida da vítima, não podendo ser quantificado.

Portanto, o dano existencial nas relações trabalhistas merece uma atenção especial, notadamente nos tempos modernos, em que o fator tempo tem ganhado relevância pela sua importância e significado valorativo não só monetário, mas conteudistas de sinônimo de qualidade de vida. Enquanto o trabalho tem se tornado super explorado e o fator tempo mais exigido, por consequência a questão a se discutir é se esse tempo dispendido no trabalho tem sido aplicado de modo equilibrado numa relação que é bilateral, onerosa e sinalagmática, de modo a convergir para um trabalho numa perspectiva digna.

Diante das transformações societárias, o direito do trabalho tem buscado viabilizar o instituto oferecendo ao trabalhador o direito à indenização por perdas que interfiram com sua família, relações sociais, ou aspirações para sua vida pessoal e profissional.

Nota-se que, apesar do dano existencial estar timidamente aceito e aplicado pelo ordenamento jurisprudencial, apenas com o tempo e amadurecimento dos debates, será possível um posicionamento legal sobre o referido tema.

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1 Graduanda em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione

2 Graduanda em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione

3 Graduanda em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione

4 Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela UNESA. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo ITOP. Advogado. Professora na Faculdade Católica Dom Orione.