ANATOMIA TOPOGRÁFICA DA MÃO: O GRAU DE CONHECIMENTO DOS ORTOPEDISTAS EM HOSPITAIS DE REFERÊNCIA DA CIDADE DE MANAUS

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10052325


Júlio Muniz Nogueira1
Filipe Oliveira do Valle Filho2
Flávio de Figueiredo Bezerra3
Samantha Brandão Romero2
Caroline Brum Sena4


RESUMO

Introdução: Alguns especialistas adotaram o termo “epidemia dos traumas de mão” para se referir a crescente incidência desses eventos. Assim, urge verificar o nível de conhecimento anatômico dos ortopedistas acerca da mão, com o propósito de um tratamento mais resolutivo, posto que o médico que age com imperícia está indo de encontro com os princípios médicos propostos por lei. Método: Trata-se de um estudo transversal, realizado por meio de questionários aplicados com a plataforma Google Formulários, que consistiram em 9 questões que abordaram a anatomia topográfica da mão. Participaram 74 ortopedistas da cidade de Manaus. Objetivos: Averiguar se há um domínio dos ortopedistas no que concerne à anatomia topográfica da mão. Resultados: Ao considerar que a nota dos ortopedistas foi atribuída de 0 a 9 e que cada questão correta valia 1 ponto, foi possível identificar uma média de 6,43 pontos e uma mediana de 7 pontos. A questão acerca da localização da margem lateral do hamato foi a mais errada, apenas 14 médicos responderam corretamente. As questões com maior número de acerto foram as que dizem respeito à localização da artéria ulnar, do início da primeira falange proximal e da margem medial do osso pisiforme. A do início do segundo metacarpo foi a segunda questão mais errada pelos médicos participantes, ainda que seja uma topografia com incidência de fraturas significativa na região amazônica.

Palavras-Chave: Anatomia; conhecimento; ossos da mão; ortopedia.

INTRODUÇÃO

A anatomia topográfica compreende todos os predicados internos e superficiais de uma determinada região do corpo (Martini et al, 2009), como a cabeça, o pescoço, ou a mão, a qual é o foco do estudo. Além disso, essa diretriz anatômica cumpre melhor as demandas da medicina prática, uma vez que atua como fundamento científico na execução do exame físico do doente, na interpretação dos sintomas e, consequentemente, na terapêutica (Silva, 2019).

A mão é um dos instrumentos que o ser humano possui para se relacionar com o meio externo. Entretanto, com os índices de violência urbana e de acidentes de trânsito cada vez mais altos, alguns especialistas adotaram o termo “epidemia dos traumas de mão”. Em um hospital de Ribeirão Preto, do total de casos de traumatismo, 27,6% foram referentes aos traumas da mão, e do total de casos ligados à Ortopedia e Traumatologia, os acidentes de mão corresponderam a 42,5% (Fonseca et al, 2006). Já em estudo realizado em um hospital de referência do Espírito Santo, em um intervalo de pouco menos de dois anos, das consultas ortopédicas, 21,6% foram de queixas relacionadas ao punho e à mão. Embora este número seja relativamente expressivo, ainda assim se encontra longe da realidade, uma vez que muitas lesões do pulso e da mão dão entrada ao pronto socorro registradas por outras especialidades – principalmente como cirurgia geral (Junqueira et al, 2017).

Nesse ínterim, urge verificar o nível de conhecimento anatômico dos ortopedistas acerca da mão, com o propósito de um tratamento mais resolutivo para as recorrentes lesões nessa região, já que, como consta no capítulo III do Código de Ética Médica: “Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.”, o médico que age com imperícia, isto é, aquele profissional que não possui conhecimento técnico, teórico e prático para exercer determinada atividade médica e mesmo assim, ele a pratica, está indo de encontro com os princípios médicos propostos por lei e, portanto, pondo em risco seu paciente (Conselho Federal de Medicina, 2009).

JUSTIFICATIVA

“Acidentes que acometem as mãos já são considerados epidemia, principalmente acidentes de trabalho e os decorrentes da violência urbana, atingindo diretamente a situação econômica e a qualidade de vida do indivíduo, ocasionando com frequência o afastamento do trabalho e prejuízo” (Pereira de Oliveira et al, 2013).

Médicos com um tempo avançado de profissão relatam grande dificuldade no exame físico de pacientes com suspeita de lesão dos tendões do antebraço e da mão. Estudos têm demonstrado até 20% de atrasos no diagnóstico, acarretando em morbidade que poderia ser prevenida e evitada. Em atendimento de emergência, o diagnóstico clínico correto corresponde a apenas 64% dos casos (Patel et al, 1998).

Sob esse prisma, o presente estudo tem como foco analisar a cognição geral dos médicos ortopedistas sobre a anatomia topográfica da mão, uma vez que a zona das mãos requer maior critério de conhecimento. Traumas específicos de mão demandam uma atenção maior por ser uma área delicada, a qual reproduz funções motoras e sensitivas refinadas e precisas pela grande quantidade de nervos, além de irrigação vascular importante. Sendo assim, verificar esse conhecimento é de suma importância, tendo em vista que os traumas de mão estão presentes majoritariamente nas emergências hospitalares, logo, é dever dos médicos saberem decerto sua anatomia ampla e delineada. Por isso realizar um estudo com o fito de relatar o real domínio da anatomia da mão poderia auxiliar os médicos ortopedistas a definir um tratamento eficaz sustentado no conhecimento prático da anatomia topográfica das estruturas que compõe a mão.

OBJETIVOS

Objetivo geral:

Averiguar se há um domínio dos ortopedistas no que concerne à anatomia topográfica da mão.

Objetivos específicos:

  1. Definir estatisticamente o real conhecimento dos ortopedistas acerca da anatomia topográfica da mão e suas vertentes.
  2. Demonstrar se há ou não uma concordância entre os aspectos observados na fotografia da mão e no exame de imagem.
  3. Explanar a respeito do tratamento resolutivo dos traumas de mão baseado no domínio da anatomia topográfica dessa região.
  4. Publicar os dados no campo científico brasileiro e/ou mundial, visando a preservação da identidade dos envolvidos no estudo.
MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional transversal, realizado a partir da comparação de exames de imagem (tomografia e ultrassonografia) com uma fotografia, ambos da mão do acadêmico responsável por esse projeto. Assim, as fotografias da mão foram utilizadas em questionários, os quais foram disponibilizados para os médicos ortopedistas no formato online por meio da plataforma Google Formulários. Eles foram compostos de 9 questões abordando a anatomia topográfica da região com o propósito de avaliar o real conhecimento dos participantes a respeito das estruturas que compõem a anatomia topográfica da mão. Posteriormente, a tomografia e a ultrassonografia serviram como suporte para a correção dos questionários.

Foram selecionados médicos ortopedistas da cidade de Manaus, membros do ITO-AM, no período entre agosto de 2022 e julho de 2023. Foram inseridos no estudo os médicos que atendam na cidade de Manaus, especialistas em ortopedia e que aceitem participar da pesquisa formalmente através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de exclusão incluem o não aceite em participar. O projeto foi subjugado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge (CEP/FHAJ). Como limitação do estudo, convém citar a amostra diminuída em relação à quantidade de ortopedistas que atuam na cidade de Manaus, além dos questionários via remota permitirem aos entrevistados recorrerem à ajuda para respondê-los.

Os resultados foram analisados através de um método estatístico de natureza exploratória descritiva, de caráter quantitativo. Foram levadas em consideração variáveis como a subespecialidade, ano de especialização, instituição de ensino e quantidade de acertos.

O orçamento mensal do estudo está ilustrado no Quadro 1 e a realização se deu por financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Quadro 1. Orçamento mensal para realização do estudo.
  Material  Quant.  Qualid.Valor      U. (R$)Preço Total (R$)
Pen Drive01128 GB159,95159,95
Resma de Papel04A418,0072,00
Cartucho de Impressora01Preto59,9059,90
Pasta Plástica10Pasta Plástica aba cor Preto FRAMA2,2022,00
Canetas50Canetas azuis1,0050,00
Total (R$):363,85

Fonte: Elaborado pelo autor (2023).

RESULTADOS

Ao final, 74 ortopedistas da cidade de Manaus, membros do ITO-AM, responderam ao questionário proposto, que consistia em 9 questões de múltipla escolha com 3 alternativas cada. As alternativas continham fotografias da mão com marcações distintas, sendo que apenas uma retratava a correta localização anatômica conforme a tomografia e ultrassonografia previamente realizadas. Desse modo, ao considerar que a nota dos médicos ortopedistas foi atribuída de 0 a 9 e que cada questão correta valia 1 ponto, foi possível identificar um intervalo das respostas entre 3 a 8 pontos, uma média de 6,43 pontos e uma mediana de 7 pontos, como observado na Figura 1.

Figura 1. Frequência de acertos. Fonte: Elaborado pelo autor (2023).

Nesse ínterim, 75% dos ortopedistas entrevistados fizeram especialização em Manaus (56/74), como ilustrado na Figura 2, e obtiveram uma média de 6,28 acertos, já os que realizaram especialização fora de Manaus (18/74) obtiveram uma média de 6,88 acertos. Além disso, 32% dos ortopedistas entrevistados (24/74) não possuem subespecialização e apresentaram uma média de acerto de 6,1 pontos, enquanto a dos ortopedistas especialistas em joelho (16/74) foi de 6,87 pontos e a dos especialistas em coluna vertebral (10/74) foi de 6 pontos, como observado na Tabela 1.

Figura 2. Instituição de ensino dos participantes. Fonte: Elaborado pelo autor

Tabela 1. Área de subespecialidade dos participantes.

Fonte: Elaborado pelo autor (2023).

Outrossim, 25% dos ortopedistas entrevistados (18/74) concluíram sua especialização no ano de 2000 ou antes e acertaram uma média de 6,22 pontos, já 75% dos ortopedistas (56/74) concluíram sua especialização a partir de 2001, como observado na Figura 3, e acertaram uma média de 6,25 pontos.

Figura 3. Ano da especialidade dos participantes. Fonte: Elaborado pelo autor(2023).

As questões com maior número de acerto foram as que dizem respeito à

localização da artéria ulnar (72 acertos), do início da primeira falange proximal (70 acertos) e da margem medial do osso pisiforme (68 acertos). Em seguida, em ordem decrescente de acertos, a pergunta sobre a localização do tendão do músculo palmar longo obteve 66 respostas corretas dos 74 questionários respondidos, e as questões sobre o início da terceira falange proximal e o tubérculo de Lister obtiveram 56 acertos.

A questão acerca da localização da margem lateral do hamato foi a mais errada, apenas 14 médicos responderam corretamente, como ilustrado na Figura 4. Nesse ínterim, a segunda questão mais errada diz respeito a localização do início do segundo metacarpo, em que apenas 22 ortopedistas marcaram a opção correta, como observado na Figura 5.

Figura 4. Respostas quanto a localização da margem lateral do hamato. Fonte: Elaborado pelo autor (2023).

Figura 5. Respostas quanto a localização do início do segundo metacarpo. Fonte: Elaborado pelo autor (2023).

DISCUSSÃO

A questão menos acertada pelos médicos ortopedistas diz respeito à localização da margem lateral do hamato — um dado que reforça a observação que as fraturas do hamato são raras e subnotificadas, com lesões geralmente mal diagnosticadas ou confundidas com entorses simples do punho (Abrego Mo et al, 2022).

O estudo realizado por Vaz Lopez et. al.,2022, teve o objetivo de identificar o perfil clínico-epidemiológico de 50 pacientes com 57 fraturas, no total, em ossos da mão, atendidos em hospital de referência da Amazônia Ocidental. Assim, observou- se que 42% (24/57) das fraturas ocorreram nos metacarpos, sendo 25% no segundo (6/24) e 37% (9/24) no quinto metacarpo. No entanto, no presente estudo, a localização do início do segundo metacarpo foi a segunda questão mais errada pelos médicos ortopedistas participantes, ainda que seja uma topografia com incidência de fraturas significativa na região amazônica.

Tendo em vista que os traumas de mão estão presentes majoritariamente nas emergências hospitalares e os resultados do presente estudo, faz-se necessário ampliar o conhecimento geral dos ortopedistas sobre a anatomia topográfica da mão, uma vez que até médicos experientes podem apresentar certa dificuldade no exame físico de pacientes com suspeita de lesão dos tendões do antebraço e da mão, por exemplo, acarretando em morbidade que poderia ser prevenida e evitada (Francisco et. al., 2007). Otimizar tal conhecimento é de suma importância, poderia auxiliar os ortopedistas a definir um tratamento eficaz sustentado no conhecimento prático da anatomia topográfica da mão.

A partir da pesquisa, observa-se a importância da realização de novos e maiores estudos que possam ampliar o conhecimento acerca da relação entre o conhecimento da anatomia topográfica da mão e um tratamento mais resolutivo para conter a “epidemia dos traumas da mão”.

PLANO E CRONOGRAMA DE ATIVIDADE
Quadro 2. Programação da realização do estudo.
  ATIVIDADES20222023
AgoSetOutNovDezJaFeMarAbrMaiJunJu
Revisão bibliográficaXXXXXXXXXXX 
Elaboração do relatório parcial      X  X      
Coleta de dados      XXXX  
Análise dos dados       XXXX 
Tabulação dos dados       XXXX 
Relatório final          XX

Fonte: Elaborado pelo autor (2023).

REFERÊNCIAS
  1. COLEN, Ana Carolina Souza Viana et al. AMPUTAÇÕES DECORRENTES DE ACIDENTES DE TRÂNSITO NA REGIÃO DE TEÓFILO OTONI, NORDESTE DE MINAS GERAIS (20122019). Interfaces Científicas-Saúde e Ambiente, v. 9, n. 1, p. 28-40,2022.
  2. DE ÉTICA MÉDICA, Código. Resolução CFM nº 1931, de 17 de setembro de 2009 (versão de bolso)/Conselho Federal de Medicina. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2010.
  3. FONSECA, Marisa de Cássia Registro et al. Traumas da mão: estudo retrospectivo. Rev bras ortop, v. 41, n. 5, p. 181-6, 2006.
  4. FRANCISCO, Marina Celli et al. Mecanismo extensor da mão: desvendando a anatomia e avaliação por métodos de imagem. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 47, p. 290-294, 2007.
  5. JUNQUEIRA, Giovanna Damm Raphael et al. Incidence of acute trauma on hand and wrist: a retrospective study. Acta ortopedica brasileira, v. 25, p. 287-290, 2017.
  6. KANIS, J. A. et al. Long-term risk of osteoporotic fracture in Malmö. Osteoporosis international, v. 11, p. 669-674, 2000.
  7. LOPES, Thiago Vaz et al. Perfil clínico-epidemiológico dos pacientes com fraturas em ossos da mão, atendidos em hospital de referência da amazônia ocidental. Research, Society and Development, v. 11, n. 4, p. e44211426596-e44211426596, 2022.
  8. MATTAR JR, RAMES. Lesões traumáticas da mão. Rev Bras Ortop, v. 36, n. 10, p. 359-66, 2001.
  9. PEREIRA DE OLIVEIRA, Tamara et al. Estudo retrospectivo dos acidentes traumáticos da mão relacionados ao trabalho. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, v. 21, n. 2, 2013.

1Médico especialista em Ortopedia e Traumatologia pela Fundação Hospital Adriano Jorge (Manaus – AM).

2Acadêmico (a) de medicina da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

3Médico especialista em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital Universitário Getúlio Vargas e em Ortopedia Pediátrica pela Universidade Federal de São Paulo.

4Médica especialista em Ortopedia e Traumatologia pela Fundação Hospital Adriano Jorge (Manaus – AM) e em Cirurgia da Mão pelo Serviço de Cirurgia da Mão e Microcirurgia na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP-RP-SP).