CLINICAL ASPECTS AND THERAPEUTIC ALTERNATIVES FOR PHANTOM LIMB PAIN
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10047666
Lídia Schreiner Lima¹
Mário de Souza Filho²
Chimene Kuhn Nobre³
RESUMO
A dor do membro fantasma é característica em casos que ocorreram amputação ou perda de um membro, entretanto mesmo com o membro ausente o cérebro entende que o membro perdido ainda se encontra presente, através de sensações causadas pela hiperatividade neuronal e ativações exageradas das vias nociceptivas. Sendo assim, podendo sentir dores, formigamentos e diversos outros incômodos na região do membro perdido e por haver sensações em um membro ausente, como se ainda estivesse presente, elas são referidas como ‘fenômeno fantasma’ ou ‘síndrome dolorosa fantasma’. Nesse sentido, objetiva-se caracterizar aspectos clínicos e discutir as alternativas terapêuticas da dor do membro fantasma. Trata-se de uma revisão bibliográfica de artigos sobre dor fantasma e tratamentos e análise de dados estatísticos e publicações a partir de 2002. Acredite-se que os mecanismos tanto centrais quanto periférico favorecem para a manifestação da dor, assim os mecanismos de atividade neuronal ectópica e atividade espontânea dos neurônios contribuem para casos de dor, assim como o surgimento de fibras nervosas periféricas após a amputação do membro, pois as mesmas continuam conectadas ao corpo passando assim informações que o membro. Baseado na reorganização do mapeamento dessas estruturas afetadas, pode-se concluir que essa síndrome causa problemas psicológicos e físicos para o paciente, onde nem sempre o uso de medicamentos orais ou intravenosos são suficientes para o tratamento, recomendando assim métodos cirúrgicos mais eficazes, buscando melhor qualidade de vida.
Descritores: Dor do membro fantasma; Fenômeno fantasma; Síndrome dolorosa fantasma
ABSTRACT
Phantom limb pain is characteristic in cases of amputation or loss of a limb; however, even with the missing limb, the brain understands that the lost limb is still present, through sensations caused by neuronal hyperactivity and exaggerated activations of nociceptive pathways. Therefore, being able to feel pain, tingling and several other discomforts in the region of the lost limb and because there are sensations in an absent limb, as if it were still present, they are referred to as ‘phantom phenomenon’ or ‘phantom pain syndrome’. In this sense, the objective is to characterize clinical aspects and discuss therapeutic alternatives for phantom limb pain. This is a bibliographical review of articles on phantom pain and treatments and analysis of statistical data and publications from 2002. It is believed that both central and peripheral mechanisms favor the manifestation of pain, as well as the mechanisms of ectopic neuronal activity and spontaneous activity of neurons contribute to cases of pain, as well as the emergence of peripheral nerve fibers after amputation of the limb, as they remain connected to the body, thus passing on information that the limb. Based on the reorganization of the mapping of these affected structures, it can be concluded that this syndrome causes psychological and physical problems for the patient, where the use of oral or intravenous medications is not always sufficient for the treatment, thus recommending more effective surgical methods, seeking better quality of life.
Keywords: Phantom limb pain; Phantom phenomenon; Phantom pain syndrome.
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente denominada Síndrome Pós Amputação, a sensação do membro fantasma foi descrita no século XVI pelo cirurgião militar francês, Ambróise Paré (1510-1590). No século XIX, a partir dos estudos de Silas Weir Mitchell, o termo dor fantasma passou a ser utilizado (CHAMLIAN et al., 2012).
Pode-se definir como membro fantasma a experiência de possuir um membro ausente que se comporta similarmente ao membro real, assim como sensações de membro fantasma a vários tipos de sensações referidas ao membro ausente. A sensação da presença do membro ou do órgão após a sua extirpação é descrita por quase todos os doentes que sofreram amputação e muitas vezes vem associada a dor que varia em intensidade e duração de caso para caso (DEMIDOFF et al., 2007).
Esse tipo de dor ocorre em 50-80% dos casos de amputação e pode surgir dias após a cirurgia por razões ainda não totalmente compreendidas. Existem fatores que agravam a dor, dentre eles estão a atenção, emoção, toque no coto ou pressão, mudança de temperatura, reflexos autônomos, dor de outra origem, colocação de uma prótese. E ainda, fatores que aliviam a dor, como o descanso, distração, movimentação do coto, uso de uma prótese, elevação do coto, percussão ou massagem do mesmo (PADOVANI et al., 2014).
Na maioria dos casos, o membro fantasma possui o mesmo tamanho, forma e postura que o membro amputado apresentava no pré-operatório, podendo, em até 20% dos casos, evoluir com redução progressiva do tamanho do membro (MORAES et al., 2013).
Independente da causa que motivou a amputação, até 80% dos pacientes apresentam dor no membro fantasma, o que pode ocupar uma postura anormal ou anatomicamente impossível (MORAES et al., 2013).
Observando que dentre mais de 60 técnicas de reabilitação 48 tem resultados mais efetivos mesmo que não solucionem nem 30% dos casos. Com base nisto, é necessário organizar melhor estudos sobre a dor para desta maneira auxiliar médicos e pesquisadores a entenderem melhor como funciona a patologia e como tratar e evitá-la de uma maneira mais eficaz. (ROHLFS e ZAZÁ, 2000)
2 MATERIAL E MÉTODOS
Foi aplicado neste estudo, uma pesquisa bibliográfica utilizando as principais ferramentas online de busca de artigos científicos e/ou clínicos indexados, como: Scientific Eletronic Library Online (Scielo), Google Acadêmico, Public Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (PubMed).
Como descritores para a busca e seleção de artigos foram utilizados: Dor do membro fantasma, membro fantasma, órgão fantasma, síndrome do membro fantasma, dor fantasma. Buscando pela língua inglesa pode-se encontrar phantom limb ou phantom limb syndrome, para obtenção de estudos publicados em revistas ou periódicos internacionais. Em uma análise da busca, foram encontrados cerca de 47.800 resultados, entretanto com o objetivo do estudo sendo as alternativas terapêuticas mais efetivas da dor do membro fantasma, e retirando os estudos duplicados, muitos destes foram retirados da pesquisa, sendo utilizados apenas 15 deles.
Foram considerados prioritariamente artigos publicados entre os anos 2000 e 2023. Não sendo descartados artigos publicados em anos anteriores com grande relevância. Foram dispensados estudos incompletos que não apresentem as informações necessárias para abordagem do tema proposto no trabalho. Posteriormente, foi realizada uma leitura seletiva dos resumos desses materiais bibliográficos encontrados, tendo como base o tema e seus descritores. Após uma leitura completa desses estudos, houve uma análise crítica dos mesmos. Aqueles selecionados foram submetidos a um roteiro de avaliação que considerou as características do estudo e principais desfechos clínicos.
3 RESULTADOS
O estudo conseguiu identificar os efeitos neuronais que possibilitam a inclinação para a comprovação clínica da dor em membro fantasma. Diante disso, verificou-se que existem estímulos aliados à essa constatação, como a emoção, a mudança de temperatura, a dor de origem inespecífica, uma vez que pode ocorrer uma perda sensorial de um nervo após a amputação do membro. Nesse sentido, o trabalho promoveu a constatação da viabilidade da inserção de um tratamento terapêutico em pacientes com dor em membro fantasma. Assim, notou-se que o tratamento dessas sensações necessita de uma equipe multidisciplinar, com acompanhamento fisioterápico, psicológico e médico, posto que o tratamento será adequado ao contexto do paciente, com ênfase na prevenção de contraturas e deformidades.
A partir de pesquisas encontraram se um total de 15 estudos na qual tiveram maior destaque e relevância alinhados ao objetivo de estudo deste trabalho. Ver tabela 1:
Título do artigo/ Autores | Ano de publicação | Objetivo de estudo | Considerações gerais |
ANSIEDADE, DEPRESSÃO E QUALIDADE DE VIDA EM INDIVÍDUOS COM DOR DO MEMBRO FANTASMA Theozzo Padovani, Mariana, Ismaci Martins, Marielza Regina, Venâncio, Alexandre, Nogueira, José Eduardo | 2015 | Avaliação dos fatores emocionais, como depressão e ansiedade, e a qualidade de vida dos indivíduos com a dor crônica persistente após amputação | Consideraram que a dor do membro fantasma leva alterações do perfil psicossocial dos indivíduos. Logo a avaliação e orientação terapêutica devem ser parte da abordagem desses indivíduos |
MEMBRO FANTASMA: o que os olhos não veem, o cérebro sente. Alessandra de Oliveira Demidoff, Fernanda Gallindo Pacheco, Alfred Sholl-Franco | 2007 | Catalogar os diversos fatores que ocasionam a sensação do membro fantasma, e seus sintomas. | Apesar de não saber a origem da dor do membro fantasma pode-se afirmar que está baseado tanto em fatores fisiológicos quanto psicológicos. |
REVISÃO SISTEMÁTICA SOBRE TRATAMENTO MEDICAMENTOSO PARA DOR NO MEMBRO FANTASMA Sara Socorro Faria, Pedro Leme Silva | 2014 | Realizar uma revisão sistemática da literatura com possíveis condutas medicamentosas utilizadas para o tratamento de dor fantasma. | Há necessidade de maiores estudos com amostras populacionais. E, foi demonstrada que morfina e quetamina são analgésicos eficazes a curto prazo. |
REINTEGRAÇÃO CORPORAL EM PACIENTES AMPUTADOS E A DOR-FANTASMA. Kátia Monteiro De Benedetto, Maria Cristina Rizzi Forgione, Vera Lúcia Rodrigues Alves | 2002 | Ressaltar a importância de evitar o uso maciço de negação como mecanismo defensivo durante o processo de elaboração de perda física. | A importância de reintegrar o indivíduo que sofreu amputação na sociedade, sem que o mesmo não tenha sua imagem auto denegrida dificultando a aceitação de suas condições. E o tratamento deve ser multidisciplinar uma vez que a dor fantasma engloba diversas áreas para uma reabilitação considerável boa. |
BLOQUEIO DO SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO PARA TRATAMENTO DE DOR DO MEMBRO FANTASMA. RELATO DE CASO Marcos Fernando Breda de Moraes, José Osvaldo, Thaís Khouri, Luciana Chaves de Morais, Ângela Maria Sousa, Hazem Adel | 2013 | Apresentar caso de bloqueio do sistema nervoso simpático sendo utilizado como adjuvante no tratamento da dor fantasma. | O bloqueio do sistema nervoso simpático foi feito através de infusão venosa de lidocaína, seguido de bloqueio da cadeia simpática torácica. Resultando no alívio da dor sem apresentar efeitos colaterais. |
DOR DO MEMBRO FANTASMA Isabel Maria Veríssimo Moreira de Carvalho e Almeida | 2017 | Realizar uma revisão bibliográfica sobre a fisiopatologia da dor fantasma, dando a conhecer, de forma mais aprofundada, as teorias desenvolvidas até ao momento | Vários mecanismos estarão envolvidos no desenvolvimento e manutenção da dor fantasma. É possível que as primeiras alterações tenham lugar na periferia onde as terminações nervosas são sensitizadas pela dor pré amputação e pela lesão nervosa. A observação clínica que a DF se pode desenvolver logo após a amputação, sugere que outros fatores, para além da formação do neuroma, aparecimento de atividade ectópica, sobrerregulação dos canais de sódio e alterações nos campos recetivos contribuam para o desenvolvimento precoce desta dor (36). A não eliminação da DF crónica pelo bloqueio periférico e pela remoção do neuroma sugere que alterações mais centrais estarão envolvidas |
ABORDAGEM FARMACOLÓGICA NA DOR FANTASMA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA FREDDY AUGUSTO BORGO, JULYANNA HYCZY KAMINSK, MICHELLY SARUWATARI MIYAGUSUKU, ORLANDO C. G. COLHADO | 2019 | Reunir os tratamentos indicados da síndrome dolorosa conhecida como dor fantasma | A dor no membro fantasma continua sendo prevalente. Seus tratamentos são baseados em mecanismos específicos e ainda estão em andamento sendo a maioria recomendações para dores neuropáticas. |
INFLUÊNCIA DA REALIDADE VIRTUAL NO TRATAMENTO DA DOR FANTASMA EM PESSOAS AMPUTADAS: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Clémence Mathilde Abergel | 2020 | Verificar a eficácia da realidade virtual no alívio da dor fantasma em amputados. | A realidade virtual parece mostrar benéficos no alívio da dor fantasma e sensações fantasmas desagradáveis. Contudo são necessários mais estudos randomizados controlados e com amostra maior para demonstrar a sua eficácia |
FISIOTERAPIA EM PACIENTE AMPUTADO DE MEMBRO INFERIOR Larissa Barreto, Natália dos Anjos Menezes, Deise Elizabete de Souza | 2013 | Tornar o paciente com amputação unilateral de membro inferior a nível transtibial, apto à deambulação e independência funcional com a utilização de prótese. | A reabilitação fisioterapêutica, seja de suma importância para que o paciente amputado tenha a possibilidade de retornar às suas atividades de vida diária com o uso da prótese e com maior independência funcional |
PREVALENCE OF PHANTOM PAIN AMONG AMPUTEES AT LAR ESCOLA SÃO FRANCISCO Therezinha Rosane Chamlian, Mariana Matteis Martins Bonilha, Márcia Cristina Matos Macêdo, Flávia Rezende, Caio Augusto Pereira Leal | 2012 | Determinar a prevalência de dor em membro fantasma em amputados atendidos em Lar Escola São Francisco | A prevalência de dor do membro fantasma foi baixa entre os amputados estudados no LESF, sua abordagem precisa ser melhor investigada durante a avaliação individual dos amputados |
FREQUÊNCIA E FATORES DETERMINANTES DA DOR DO MEMBRO FANTASMA EM PACIENTES AMPUTADOS ASSISTIDOS POR UM CENTRO DE REABILITAÇÃO SITUADO NO CENTRO OESTE DO BRASIL Tauana Lemos Coimbra, Rodrigo Parente Medeiros | 2018 | Avaliar a frequência de dor do membro fantasma (DMF) em pacientes amputados que são assistidos por um centro de reabilitação assim como verificar a influência do perfil biopsicossocial, uso de tecnologias assistivas, medicamentos e terapias no caráter da DMF. | A amostra estudada apresentou alta prevalência de dor do membro fantasma. São necessários mais estudos sobre a DMF e seus determinantes a fim de evidenciar seu impacto na vida do amputado |
DOR DO MEMBRO FANTASMA E SUA REPERCUSSÃO NA VIDA DOS PACIENTES André Gustavo Peixoto Conceição, João Manuel da Silva Júnior | 2023 | Identificar as informações mais exatas no que diz respeito à dor do membro fantasma e como intervir diante do processo saúde-doença | O tratamento da dor após a cirurgia de amputação pode ser coordenado em três âmbitos, que incluem tratamentos não farmacológicos, farmacológicos e cirúrgicos |
REVISÃO SISTEMÁTICA SOBRE A IMPORTÂNCIA DA UTILIZAÇÃO DA ESTIMULAÇÃO MEDULAR NO TRATAMENTO DA SÍNDROME DOLOROSA DO MEMBRO FANTASMA Thiago André Ferreira dos Anjos, Elí Matos dos Santos, Ledismar José da Silva | 2018 | Realizar uma revisão sistemática sumarizando e organizando a importância da estimulação medular no tratamento da síndrome dolorosa do membro fantasma em pacientes refratários a outras formas de tratamento | A estimulação medular surge como opção terapêutica em pacientes selecionados. É uma técnica neuromodulatória reversível, ajustável e minimamente invasiva. Propicia resultados satisfatórios a curto/médio prazo, mas conforme demonstrado nos artigos o resultado sustentado a longo prazo permanece em um número reduzido de pacientes. Por este motivo deve-se ter critérios rigorosos na sua indicação |
TRATAMENTO DA DOR FANTASMA EM PACIENTES SUBMETIDOS À AMPUTAÇÃO: REVISÃO DE ABORDAGENS CLÍNICAS E DE REABILITAÇÃO Luiz Fernando Martins De Souza Filho, jordana Campos Martins De Oliveira, Ana Cristina Ferreira Garcia, Flavia Martins Gervásio | 2016 | Identificar e descrever intervenções clínicas e/ou de reabilitação para o tratamento da dor fantasma em pessoas submetidas à amputação | Foram identificadas as medidas terapêuticas mais relatas e utilizadas na prática terapêutica, sendo: terapia medicamentosa, terapia invasiva e terapia física, entretanto, não houve consenso na literatura consultada sobre a melhor opção terapêutica no tratamento da dor fantasma |
Prevalência de dor fantasma, sensação fantasma e dor no membro residual após amputação: revisão sistemática Pedro Preto, Matilde Martins, Ilda Barreira | 2015 | Determinar a prevalência de DF, SF e DMR e determinar os fatores de risco associados. | Sugere-se o tratamento precoce da dor no pré e pós-operatório e o uso de tratamento farmacológico e não farmacológico para a DF e a DMF |
4 DISCUSSÃO
A dor fantasma é uma sensação dolorosa referente ao membro (ou parte dele) perdido que pode se apresentar de diversas formas tais como ardor, aperto, compressão ou até mesmo uma dor intensa e frequente (DEMIDOFF et al., 2007).
Desse modo, o membro-fantasma pode ser entendido como a interação entre o que se detecta ao nível periférico (corpo) e o que se integra ao nível central (mente), sendo criada então, a aparência final do corpo no sistema nervoso. Como o ser humano está acostumado a ter um corpo por completo, o fantasma acaba sendo a expressão de uma dificuldade de adaptação a um defeito súbito de uma parte periférica importante do corpo (Idem ibidem).
As memórias somatossensoriais de dor previamente à amputação também a influenciam, pois, além da intensidade, alguns dos amputados afirmam ter Dor Fantasma (DF) que se assemelha à dor sentida no membro antes da amputação. Descobertas mais recentes sugerem que estas dores de memória somatossensorial podem basear-se em alterações funcionais e estruturais dentro do sistema nervoso central, como resposta a aferências somatossensoriais nocivas (ALMEIDA, 2017).
Apesar de não se saber ao certo a origem da sensação do membro fantasma, sabe-se que esta é baseada tanto em fatores psíquicos como em fatores fisiológicos. Sabe-se também que ainda não existe um tratamento específico para tal fenômeno. Entretanto, existem terapias e medicamentos que são utilizados para a redução da dor, sem, contudo, terem se mostrado eficazes para a cura da dor fantasma e de suas sensações. Desse modo, como não existe, ainda, uma cura para o fascinante fenômeno das sensações fantasmas, muitos indivíduos precisam se adaptar com essa situação (DEMIDOFF et al., 2007).
4.1 Fisiopatologia do membro fantasma
A dor fantasma pode apresentar-se de forma ocasional ou contínua, nas formas: contraturante, lancinante, ardente, esmagadora ou em pontada na região correspondente à porção amputada (SOUZA FILHO et al., 2016)
A fisiopatologia da dor fantasma não é totalmente compreendida. Há descrições na literatura como um processo motor e sensorial de plasticidade, caracterizado pela reorganização do mapeamento das estruturas representadas no córtex cerebral com re-modelamento sináptico de fibras sensoriais tálamocorticais e mecanismos de adaptação compensatórios na área representante da região amputada (CHAMLIAN et al., 2012)
São citados fatores associados à dor fantasma, que podem favorecer sua perpetuação e o aumento da intensidade, tais como, a formação de neuromas, presença de dor miofascial, lesões no membro residual (coto) e no membro pré-amputação (Idem ibidem).
Estudos realizados por Almeida (2017) categorizam as teorias em periféricas, centrais e psicológicas. Contudo, nenhuma destas construções teóricas parece ser capaz de explicar cabalmente o fenómeno da DF, fazendo supor que podem coexistir múltiplos mecanismos.
A teoria Periférica diz que o facto de frequentemente coexistirem dor no coto de amputação e DF sugere que eventos periféricos serão importantes no desenvolvimento de DF. Quando se observou que a manipulação do coto influenciava a DF, vários investigadores propuseram que a estimulação das terminações nervosas no coto da amputação transmitiria informação ao cérebro, e que este atribui essas sensações à parte do corpo originalmente inervada sendo reinterpretadas como DF.
Dentre os mecanismos periféricos encontram-se: a atividade neuronal ectópica de nervos aferentes provenientes de um neuroma no coto de amputação (“dor do coto”) e atividade anormal de axônios dos gânglios da raiz dorsal devido à ativação de subtipos de canais de sódio resistentes à tetrodotoxina manifestada em neurônios lesionados.
O córtex somatossensorial primário é conhecido por estar envolvido no processamento da dor, e pode ser um elemento significativo para discriminar as características sensoriais daquela experiência. Existem ainda relatos de que a DF foi abolida após a remoção cirúrgica de partes do córtex somatossensorial primário e que a estimulação deste evoca aquela dor.
Os fatores psicológicos, apesar de não parecerem ser etiológicos, podem afetar o curso e a severidade da dor. Um cenário provável é que não só se reorganizam nas áreas envolvidas nas características sensoriais e discriminativas da dor, mas também no giro do cíngulo e no córtex frontal.
4.1 Clínica do membro fantasma
Dentre os sintomas descritos por pacientes, os mais frequentemente relatados são a dor, queimação, dormência, câimbra, pontadas e até mesmo uma ilusão vívida do movimento do membro. Considerando também que o modelo postural do corpo humano é desenvolvido através do contato com o mundo externo, as áreas com as quais se tem mais contato, ou que seus contatos são mais variáveis e diversificados, a sensação nesses membros são maiores (DEMIDOFF et al, 2007).
As características e a intensidade da dor são diversas. Podem estar associadas à região amputada, sendo mais frequente em amputações proximais, a presença de dor local, a duração e intensidade prévias à amputação. É referido na literatura, que esta reduz com o tempo após a amputação, independente do tratamento realizado (CHAMLIAN et al, 2012).
Diante disso, a perda de um membro altera a integridade do corpo e perturba o estado físico e psicológico dos pacientes submetidos à cirurgia de amputação. Esse tipo de lesão gera um enorme impacto, não apenas para o corpo do paciente e para a maneira como ele percebe, mas também para a percepção do ambiente ao seu redor. (CONCEIÇÃO et al., 2023)
4.3 Tratamentos
O recurso terapêutico para a dor após a amputação pode ser dividido em três domínios, que compreendem tratamentos farmacológicos, não farmacológicos e cirúrgicos. A terapia não medicamentosa compreende, principalmente, os tratamentos psicológicos, o que inclui terapia de espelho, imagens mentais, hipnose, biofeedback e meditação. (CONCEIÇÃO et al., 2023)
As técnicas não farmacológicas revelaram eficácia limitada. Todavia, a terapia com espelho ou também chamada de sistema de realidade virtual foi uma das únicas que demonstrou superioridade na sua efetividade (Idem ibidem).
O uso da Realidade Virtual para fins terapêuticos na área da neurologia parece ser uma realidade que a cada dia cresce mais e ganha novos adeptos. As indicações e recursos disponíveis são vastos. É possível tratar pacientes com diferentes condições neurológicas, usando desde um espelho (terapia espelho) até videogames com óculos especiais de última geração (TONG et al., 2020)
As terapias medicamentosas são popularmente usadas para tratar a dor do membro fantasma (DMbF) em uma primeira linha de tratamento, como analgésicos simples, opioides, neurotoxinas botulínicas, antiinflamatórios não-esteroides, antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes, antagonistas dos receptores N-metil- D- aspartato, anestésicos locais e calcitonina (CONCEIÇÃO et al., 2023).
No grupo medicamentoso de manuseio, tem sido utilizada uma vasta gama de drogas, como os anestésicos locais, calcitonina e opióides. Por outro lado, os tratamentos de apoio incluem técnicas não invasivas como antagonistas do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), antidepressivos, os anticonvulsivantes, estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS), hipnose, terapia do espelho, biofeedback, integrativos e comportamentais (BORGO et al., 2019).
Em todos os estudos empregados a memantina não houve nenhum efeito benéfico no controle da dor, alodínea ou hiperalgesia. Entretanto, a memantina foi eficaz em combinação com o bloqueio do plexo braquial para prevenir a DMbF na fase aguda, sugerindo que o momento da administração pode ser importante (Idem ibidem).
Os opióides podem ser benéficos no tratamento da DMbF devido ao seu mecanismo de ação inibindo as vias de sinalização da dor e no nível supra espinhal, onde pode diminuir o grau de reorganização cortical associada à intensidade da dor (BORGO et al., 2019).
Os efeitos dos bloqueios perineurais locais e sistêmicos utilizando opióides na prevenção da DMbF têm sido estudados em pacientes amputados. Entretanto, os efeitos benéficos ainda permanecem inconsistentes. A infusão de anestesia local foi administrada durante um período de três dias após a cirurgia e o cateter perineural foi removido após nove dias. Uma comparação direta dos bloqueios perineural e epidural não demonstrou diferença entre as duas técnicas em relação ao controle pós-operatório da dor, bem como dos efeitos a longo prazo nos pacientes (FARIA; SILVA, 2014).
Os anticonvulsivantes há muito tempo tem sido a base do tratamento da dor neuropática. No entanto, a gabapentina apresentou resultados positivos em alguns estudos, enquanto outros não demonstraram eficácia no tratamento de DMbF. A gabapentina foi associada a efeitos colaterais significativos, incluindo sonolência, tontura, dor de cabeça e náuseas (BORGO et al., 2019).
Em estudo duplo-cego, incluindo 19 pacientes com DMbF foi analisado o efeito da gabapentina com doses iniciais em incrementos de 300 mg até a dosagem máxima de 2400 mg por dia. Após seis semanas de tratamento, notou-se que o fármaco teve melhor desempenho que o placebo na redução da DMbF. Foi administrada gabapentina e placebo durante um período de 6 semanas a 46 amputados de maneira cruzada, com uma dose máxima de 1800 mg. Não houve diminuição na intensidade dolorosa de maneira significativa, mas os participantes classificaram o período do tratamento como aquele em que sentiram uma maior redução da dor (FARIA; SILVA, 2014)
A terapia invasiva é caracterizada pela utilização de meios intravenosos e/ou cirúrgicos para bloqueio de transmissões nervosas, inibindo o estímulo doloroso (SOUZA FILHO et al., 2016) Entre os tratamentos cirúrgicos se encontram cordotomia, reinervação muscular direcionada, lesão de raiz e implante de nervo alvo; técnicas cirúrgicas globais que evitam ou reduzem a DMF. No entanto, a longevidade do alívio da dor após o tratamento cirúrgico não é alta e geralmente o neuroma cresce novamente após a cirurgia (CONCEIÇÃO et al., 2023). Através de estudos sobre efeitos de diferentes técnicas de anestesia sobre a dor fantasma encontrou-se os pacientes que receberam anestesia epidural e raquidiana que apresentaram, na primeira semana do pós-operatório, menos DF que os pacientes que receberam anestesia geral. Contudo, a técnica anestésica não teve efeito sobre a dor fantasma, síndrome fantasma e dor do membro residual aos 14 meses após a amputação de membros inferiores. Aos 24 meses os pacientes apresentavam dor fantasma = 63,1%, dor do membro residual = 32,6%. (PRETO et al., 2015).
É uma condição de dor extremamente difícil de tratar, em grande parte devido ao grande número de fenômenos fisiopatológicos associados. Os três mecanismos da dor fantasma provavelmente interagem entre si e podem ser categorizados em: vias periféricas, que incluem neuromas no local do membro residual; vias centrais, que envolvem hiperexcitabilidade na medula espinhal e; vias eferentes, na qual o sistema nervoso simpático pode manter um estímulo para desenvolvimento posterior (BORGO et al.,2019).
Logo, compreende-se que, apesar de inúmeros estudos a físiopatologia da dor do membro fantasma é cercada de teorias e hipóteses mas nenhuma realmente comprovada, e há diversas alternativas terapêuticas que são utilizadas a fim de promover uma melhor qualidade de vida para o paciente, entretanto, nenhuma se provou completamente eficaz variando de caso para caso de acordo com o estudo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredita-se que os mecanismos tanto centrais quanto periféricos favorecem para a manifestação da dor do membro fantasma ou fenômeno fantasma. Mecanismos de atividade neuronal ectópica e de atividade espontânea dos neurônios estão correlacionados em alguns estudos, logo, conclui-se que com base na reorganização do mapeamento das estruturas afetadas dependendo como são rearranjadas de acordo com cada indivíduo a síndrome pode vir a causar danos tanto físicos como psicológicos para o paciente, onde nem sempre o uso de medicamentos orais ou intravenosos são suficientes para o tratamento e os pacientes tendem a buscar demais medidas alternativas tais como a terapia espelhada e diversos outros.
REFERÊNCIAS
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