VOLVO ILEAL AO REDOR DE DlVERTÍCULO DE MECKEL: UM RELATO DE CASO

SMALL BOWEL VOLVULUS CAUSED BY MECKEL’S DIVERTICULUM: A CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507311418


Geovanna Pereira Costa1
Luiz Guilherme Figueira Honório2
Orientador: Guilherme Higa da Silva3


Resumo

O divertículo de Meckel resulta da falha na obliteração do ducto vitelino durante o desenvolvimento fetal e pode levar a várias complicações, incluindo, em casos raros, a obstrução intestinal, cujo diagnóstico tardio pode resultar em desfechos desfavoráveis. O diagnóstico é realizado com base em dados clínicos associado à tomografia computadorizada de abdome com contraste. O tratamento é cirúrgico, incluindo diverticulectomia e tratamento das alças acometidas conforme sua viabilidade. Neste trabalho, relatamos um caso de obstrução intestinal em um paciente de 26 anos causada por torção axial de alças ileais ao redor de um divertículo de Meckel, levando à necessidade de enterectomia segmentar e enteroenteroanastomose. 

Palavras chave (descritores DeCS): Volvo intestinal; Hérnia interna; Divertículo Ileal 

Abstract: 

Meckel’s diverticulum results from failure of the vitelline duct to close during fetal development and can lead to several complications, including, in rare cases, intestinal obstruction, whose delayed diagnosis can result in unfavorable outcomes. Diagnosis is based on clinical findings combined with contrast-enhanced abdominal computed tomography. Treatment is surgical, including diverticulectomy and treatment of the affected loops, depending on viability. In this study, we report a case of intestinal obstruction in a 26-year-old patient caused by axial torsion of the ileal loops around a Meckel’s diverticulum, requiring segmental enterectomy and enteroenteroanastomosis. 

Keywords: Intestinal volvulus; Internal hernia; Ileal diverticulum 

Introdução 

O divertículo de Meckel representa a anomalia congênita mais comum do trato gastrointestinal, resultante da falha de involução completa do ducto vitelino durante o desenvolvimento embrionário. Embora a maioria dos portadores permaneça assintomática ao longo da vida, complicações como hemorragia digestiva, inflamação, perfuração e obstrução intestinal podem ocorrer, especialmente na infância e em adultos jovens¹. 

A obstrução intestinal associada ao divertículo de Meckel pode se desenvolver por mecanismos diversos, incluindo bandas mesodiverticulares, invaginação intestinal, hérnia de Littré e, mais raramente, volvo intestinal³. Este último, caracterizado por torção axial do intestino delgado e seu mesentério, é uma condição clínica grave e incomum quando associada ao divertículo de Meckel. 

Em adultos, a obstrução intestinal torna-se uma das apresentações mais frequentes do divertículo, devendo ser considerada entre os diagnósticos diferenciais em pacientes com abdome agudo obstrutivo, especialmente na ausência de outros fatores predisponentes mais comuns, como cirurgias abdominais prévias ou hérnias⁵. 

O presente trabalho tem como objetivo relatar o caso de um paciente jovem, previamente hígido, com quadro de obstrução intestinal secundária a volvo ileal ao redor de um divertículo de Meckel, ressaltando a relevância clínica dessa entidade rara e a necessidade de reconhecimento intraoperatório preciso. 

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, em conformidade com as resoluções CNS/MS nº 466/2012 e nº 510/2016, não havendo conflito de interesses na sua elaboração. 

Descrição do caso 

Paciente masculino, 26 anos, previamente hígido, sem antecedentes cirúrgicos, deu entrada no pronto-socorro com quadro de dor abdominal em região periumbilical, com início há dois dias, evoluindo com localização e piora da intensidade da dor em fossa ilíaca direita, associada a vômitos e hiporexia. Ao exame físico, apresentava abdome distendido, ruídos hidroaéreos aumentados à ausculta, abdome hipertimpânico e doloroso à palpação profunda, sem sinais de irritação peritoneal e sem hérnias de parede abdominal ou da região inguinal. Solicitada tomografia computadorizada de abdome, que evidenciou distensão de alças com níveis hidroaéreos em intestino delgado e uma estrutura tubular em fundo cego em íleo distal, compatível com divertículo de Meckel. (Figura 1). Diagnóstico diferencial incluiu bridas intestinais, hérnias internas e neoplasia obstrutiva, sendo a suspeita de divertículo confirmada no intraoperatório.

Figura 1. Tomografia computadorizada de abdome em cortes sagital e axial evidenciando alças de intestino delgado dilatadas, com área de transição brusca de calibre.

O paciente foi submetido a uma laparotomia exploradora. Ao inventário da cavidade abdominal, identificou-se pequena quantidade de líquido ascítico claro e a presença de torção axial do intestino delgado a 60 cm da válvula ileocecal, ao redor de divertículo de Meckel comprometendo seu suprimento vascular. O divertículo encontrava-se com sinais evidentes de necrose, porém sem perfuração (Figura 2).

Figura 2. Imagem intra operatória evidenciando divertículo de Meckel ao centro, com sinais evidentes de necrose. Ao redor, visualizam-se alças de intestino delgado com torção axial ao redor do divertículo.  

Procedeu-se à diverticulectomia e ressecção de segmento de delgado adjacente. Realizadas ligaduras vasculares em mesentério com algodão 2-0 e enterectomia de 15cm de íleo, compreendendo segmento de divertículo de Meckel, com grampeador linear. Realizada entero-enteroanastomose íleo-ileal anisoperistáltica – à Barcelona – com grampeador linear. A peça cirúrgica foi encaminhada para análise histopatológica (Figura 3).  No pós-operatório, apresentou íleo adinâmico transitório, resolvido com suporte clínico. Ao terceiro dia de pós-operatório, houve retorno da função intestinal com eliminação de flatos e melhora do peristaltismo. Recebeu alta hospitalar no sexto dia, orientado quanto ao seguimento ambulatorial e cuidados domiciliares. No acompanhamento ambulatorial, manteve boa evolução, sem sinais de complicações ou recorrência de sintomas.

Figura 3. Produto de diverticulectomia. 

Discussão 

No caso apresentado, o paciente evoluiu com quadro de abdome agudo obstrutivo, caracterizado por dor abdominal difusa, distensão abdominal e vômitos. A tomografia computadorizada evidenciou sinais de obstrução do intestino delgado, com área de transição abrupta e imagem tubular compatível com divertículo de Meckel. 

A obstrução intestinal pode ser causada por fatores metabólicos, fatores luminais intrínsecos ou por compressão extrínseca. As etiologias mais prevalentes de obstrução intestinal alta incluem aderências intestinais ou bridas (55-75%), hérnias (15-25%) e neoplasias (5-10%). Outras etiologias de abdome agudo obstrutivo em adultos incluem carcinomatose, endometriose, intussuscepção, estenoses pós-radiação, doença inflamatória intestinal, estenoses de anastomoses digestivas, íleo biliar, corpos estranhos, e bezoares, correspondendo todas essas causas somadas a aproximadamente 15% das obstruções intestinais⁴. Há poucos dados disponíveis na literatura quanto à prevalência de obstruções intestinais altas ocasionadas por divertículos de Meckel, estimando-se que corresponda a menos de 1% dos casos, correspondendo a um diagnóstico de exceção. A ausência de cirurgias abdominais prévias, de hérnias e de comorbidades relevantes neste paciente reduzia a probabilidade das causas mais prevalentes, o que reforçou a hipótese diagnóstica baseada nos achados de imagem. 

O divertículo de Meckel resulta do fechamento incompleto do ducto vitelino durante o desenvolvimento embrionário e caracteriza-se como um verdadeiro divertículo, geralmente localizado na superfície antimesentérica do íleo. Estima-se que o divertículo de Meckel esteja presente em aproximadamente 2% dos indivíduos, com predominância em homens na proporção de 2 para 1. Sua localização habitual é próxima à válvula ileocecal, podendo estar situada até 60 cm de distância e medindo cerca de 5 cm. Apesar de muitos indivíduos permanecerem assintomáticos, 2 a 4% desenvolvem complicações, geralmente antes dos 2 anos de idade. As principais complicações associadas ao divertículo de Meckel envolvem hemorragia digestiva, processos inflamatórios, perfuração e quadros obstrutivos, frequentemente relacionados à presença de mucosa ectópica, como gástrica ou pancreática, no interior da lesão. A apresentação clínica varia, sendo os sintomas mais comuns sangramento gastrointestinal inferior indolor, dor abdominal e sinais de obstrução intestinal. A identificação diagnóstica pode ser dificultada pela ausência de manifestações clínicas específicas. No entanto, exames complementares como a cintilografia com tecnécio-99m, tomografia abdominal e arteriografia podem auxiliar na confirmação do diagnóstico².  

Obstruções intestinais por divertículo de Meckel podem ocorrer por múltiplos mecanismos, incluindo hérnia de Littré (situação em que o divertículo está presente em um saco herniário, frequentemente inguinal ou femoral, podendo levar a encarceramento ou estrangulamento), obstrução de uma alça de delgado por bandas mesodiverticulares, intussuscepção intestinal ou presença de volvo ou torção de delgado associada ao divertículo⁶. 

O tratamento do divertículo de Meckel depende da sua apresentação clínica. Casos sintomáticos requerem ressecção cirúrgica, enquanto a abordagem para casos assintomáticos descobertos incidentalmente depende de fatores como idade, tamanho do divertículo e presença de tecido ectópico. As técnicas incluem diverticulectomia simples ou ressecção segmentar, com crescente uso de abordagens laparoscópicas devido à sua segurança e eficácia. A técnica de escolha dependerá da integridade da base do divertículo e da viabilidade do íleo adjacente, bem como da presença e da localização do tecido ectópico diverticular¹,².  

Conclusão 

Embora a obstrução intestinal causada por divertículo de Meckel seja uma condição incomum, deve ser considerada entre os diagnósticos diferenciais, especialmente em pacientes sem antecedentes cirúrgicos ou hérnias abdominais aparentes. O reconhecimento precoce dessa etiologia é fundamental para a adoção de condutas cirúrgicas adequadas e para a prevenção de complicações como isquemia ou necrose intestinal. O presente relato contribui para a ampliação do conhecimento sobre essa manifestação clínica rara e reforça a importância da abordagem diagnóstica minuciosa em quadros de abdome agudo obstrutivo. 

Referências 

  1. Blouhos K, Boulas KA, Tsalis K, Barettas N, Paraskeva A, Kariotis I, et al. Meckel’s diverticulum in adults: surgical concerns. Front Surg. 2018;5. doi:10.3389/fsurg.2018.00055. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/surgery/articles/10.3389/fsurg.2018.00055
  2. Ivatury RR. Meckel’s diverticulum and the eponymous legend. J Trauma Acute Care Surg. 2019 Feb;87(2):451-455. doi:10.1097/TA.0000000000002300. Disponível em: https://journals.lww.com/jtrauma/abstract/2019/08000/meckel_s_diverticulum_and_th e_eponymous_legend.25.aspx 
  3. Tiong VTY, Shimpi T, Shikhare S, et al. Axial torsion of Meckel’s diverticulum. ANZ J Surg. 2018;88:E809–E810. doi:10.1111/ans.13889. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ans.13889. 
  4. Catena F, De Simon B, Coccolini F, Di Saverio S, Sartelli M, Ansaloni L, et al. Bowel obstruction: a narrative review for all physicians. World J Emerg Surg. 2019;14:20. doi:10.1186/s13017-019-0240-7. Disponível em: https://wjes.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13017-019-0240-7. 
  5. Hansen CC, Søreide K. Systematic review of epidemiology, presentation, and management of Meckel’s diverticulum in the 21st century. Medicine (Baltimore). 2018 Aug;97(35):e12154. doi:10.1097/MD.0000000000012154. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30170459/  
  6. Prall RT, Bannon MP, Bharucha AE. Divertículo de Meckel causando obstrução intestinal. Am J Gastroenterol. 2001 Dec;96(12):3426-7. doi:10.1111/j.15720241.2001.05344.x. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11774961/

1Residente do Programa de Residência em Cirurgia Geral – Associação Beneficente de Campo Grande – Santa Casa, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, e-mail: drageovannacosta@gmail.com
2Acadêmico do Estágio Extracurricular em Cirurgia Geral – Associação Beneficente de Campo Grande – Santa Casa, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, e-mail: figueiraluizguilherme@gmail.com
3Preceptor do Programa de Residência em Cirurgia Geral – Associação Beneficente de Campo Grande – Santa Casa, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, e-mail: guilhermemjj@yahoo.com.br