TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO E TRAUMA ABDOMINAL NO BRASIL: PANORAMA EPIDEMIOLÓGICO, DESAFIOS ASSISTENCIAIS E PERSPECTIVAS EM SAÚDE PÚBLICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202512181239


Ana Rafaela de Bairros, Ana Beatriz Teixeira Maciel, Laís Palumbo Sandrin,  Luan Facttore Brendolan, Pedro Henrique Alves Colaço, Priscila Garcia Gimenez, Thais de Oliveira Artuzi,  Ana Paula Cordeiro Fernandes, Luis Carlos Spaziani, Taynara Tavares dos Santos, Amanda Oliva Spaziani


RESUMO

O traumatismo cranioencefálico (TCE) e o trauma abdominal figuram entre os principais agravos relacionados às causas externas no Brasil, representando importante carga de morbimortalidade, sobretudo em homens jovens em idade produtiva. O TCE corresponde a uma das principais causas de internações no Sistema Único de Saúde, com média anual de mais de 130 mil hospitalizações e mortalidade significativa, associada principalmente a acidentes de trânsito e quedas. Já o trauma abdominal, presente em 13–15% dos acidentes fatais, relaciona-se majoritariamente a episódios de violência e colisões envolvendo motocicletas, cursando com alta letalidade quando associado a choque hemorrágico. Ambos os agravos frequentemente coexistem em cenários de politrauma, aumentando a complexidade assistencial, a necessidade de intervenções cirúrgicas precoces e o risco de desfechos adversos. Persistem desafios estruturais, incluindo sub-registro nos sistemas de informação, desigualdades regionais no acesso a centros de alta complexidade, limitações no atendimento pré-hospitalar e baixa integração entre serviços. Estratégias intersetoriais de prevenção como fiscalização do trânsito, controle da violência e educação em saúde,  aliadas ao fortalecimento das redes de cuidado, ao uso de protocolos padronizados e à ampliação da reabilitação, são essenciais para reduzir a mortalidade e mitigar sequelas de longo prazo.

Palavras-chave: Traumatismo cranioencefálico; Trauma abdominal; Epidemiologia; Causas externas; Brasil.

1. INTRODUÇÃO

O trauma constitui um dos mais relevantes desafios contemporâneos para a saúde pública, figurando entre as principais causas de morbimortalidade no mundo, sobretudo em adultos jovens (MAGALHÃES et al., 2022; ALMEIDA et al., 2016). No contexto brasileiro, o traumatismo cranioencefálico (TCE) e o trauma abdominal destacam-se pela elevada letalidade, pelo potencial de sequelas incapacitantes e pelos custos assistenciais associados (FERNANDES; SILVA, 2013; MARTINS et al., 2025).

O TCE caracteriza-se por qualquer agressão externa capaz de provocar lesão anatômica ou disfunção das estruturas intracranianas, sendo classificado pela Escala de Coma de Glasgow (MAGALHÃES et al., 2022). Estudos nacionais apontam o TCE como causa expressiva de internações e óbitos, representando parcela significativa das hospitalizações por causas externas no SUS (ALMEIDA et al., 2016; TABNET, 2025). Entre 2008 e 2019, observou-se incidência média anual de 65,54 internações por 100.000 habitantes e aproximadamente 131 mil internações anuais, com mortalidade de cerca de 10,27 óbitos por 100.000 habitantes (MAGALHÃES et al., 2022; TEODORO et al., 2025). Estima-se que mais de um milhão de brasileiros convivam com sequelas neurológicas decorrentes do TCE (MAGALHÃES et al., 2017).

O trauma abdominal, por sua vez, representa importante causa de mortalidade precoce e tardia, estando presente em 13–15% dos acidentes fatais e frequentemente relacionado a complicações infecciosas e sepse (RIBAS-FILHO et al., 2008; LIMA et al., 2012). No Brasil, há predomínio de vítimas jovens do sexo masculino, com forte associação a acidentes envolvendo motocicletas e episódios de violência interpessoal (SARQUIS et al., 2024; SILVA et al., 2024). As causas externas configuram a segunda principal causa de morte no país, refletindo um problema estrutural que envolve não apenas o sistema de saúde, mas também aspectos sociais, econômicos e de segurança pública (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, 2024).

Em situações de politraumatismo, TCE e trauma abdominal frequentemente coexistem, elevando a complexidade assistencial e o risco de desfechos desfavoráveis (ARAGÃO et al., 2021). Apesar da magnitude desse problema, ainda persistem desafios relacionados ao sub-registro, à inconsistência dos dados epidemiológicos e à escassez de estudos nacionais de grande abrangência (MAGALHÃES et al., 2017; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2025). A análise conjunta dessas condições é fundamental para subsidiar políticas públicas, fortalecer redes de atenção ao trauma e orientar estratégias de prevenção.

2. OBJETIVOS

Descrever o panorama epidemiológico do traumatismo cranioencefálico e do trauma abdominal no Brasil, discutindo seus determinantes, desfechos e implicações para a organização da atenção ao trauma e para a formulação de políticas públicas em saúde.

3. METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão narrativa da literatura, complementada por análise descritiva de evidências secundárias provenientes de estudos epidemiológicos e relatórios governamentais. A busca bibliográfica abrangeu as bases PubMed, SciELO e LILACS, além de periódicos nacionais e documentos técnicos do Ministério da Saúde.

Utilizaram-se descritores em português e inglês, combinados por operadores booleanos, incluindo “traumatismo cranioencefálico”, “traumatic brain injury”, “trauma abdominal”, “abdominal trauma”, “epidemiologia”, “Brasil”. Foram incluídos estudos publicados entre 2000 e 2025 com dados epidemiológicos, clínicos ou de desfecho. Excluíram-se pesquisas exclusivamente pediátricas ou geriátricas sem dados generalizáveis, relatos de caso isolados e publicações sem texto completo.

Foram extraídas informações referentes a desenho metodológico, local e período do estudo, características sociodemográficas, mecanismos de trauma, gravidade, mortalidade, lesões associadas e desfechos funcionais. Devido à heterogeneidade dos estudos, não se realizou metanálise; optou-se por síntese narrativa estruturada.

4. RESULTADOS

4.1 Traumatismo Cranioencefálico no Brasil

O TCE permanece como uma das principais causas de internações e óbitos por causas externas no país. A literatura aponta predominância de vítimas do sexo masculino (70–80%), com maior frequência entre 20 e 40 anos, associada sobretudo a acidentes de trânsito especialmente motociclísticos e quedas (FERNANDES; SILVA, 2013; TEODORO et al., 2025). Entre 2008 e 2019, registrou-se média de 131.014 internações anuais e incidência de 65,54 casos por 100.000 habitantes, com maior concentração nas regiões Sul e Sudeste (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2025). A mortalidade hospitalar foi de aproximadamente 10,27 óbitos por 100.000 habitantes, acometendo predominantemente adultos jovens (SANTOS et al., 2024).

A maior parte dos casos corresponde ao TCE leve (80–90%), embora as formas moderadas e graves concentrem a mortalidade e as sequelas mais significativas (MAGALHÃES et al., 2022). A associação do TCE com outras lesões é frequente, especialmente em tórax, abdômen e extremidades, caracterizando quadros de politrauma (ARAGÃO et al., 2021).

4.2 Trauma Abdominal no Brasil

O trauma abdominal apresenta perfil epidemiológico semelhante ao do TCE, acometendo principalmente homens jovens envolvidos em acidentes de transporte e situações de violência urbana (LIMA et al., 2012; SARQUIS et al., 2024). Estima-se que esteja presente em 13–15% dos acidentes fatais (RIBAS-FILHO et al., 2008). Lesões penetrantes atingem com maior frequência intestino delgado, cólon, fígado e rins, enquanto traumas contusos acometem predominantemente fígado e baço (ARAGÃO et al., 2021).

Hospitais de referência relatam elevada proporção de laparotomias de emergência, sobretudo em contextos de politrauma, com mortalidade superior a 20–30% em casos graves ou associados a choque hemorrágico (SARQUIS et al., 2024). Por outro lado, há expansão consistente do tratamento não operatório (TNO) em centros capacitados, com altas taxas de sucesso em lesões contusas de vísceras sólidas.

4.3 Politrauma: associação entre TCE e trauma abdominal

A concomitância entre TCE e trauma abdominal é frequente em traumas de alta energia, tornando o manejo clínico-cirúrgico mais complexo e aumentando o risco de mortalidade (MAGALHÃES et al., 2022; TEODORO et al., 2025). Esses pacientes frequentemente necessitam de intubação orotraqueal, suporte ventilatório, monitorização neurológica intensiva e múltiplas intervenções cirúrgicas. A atuação integrada de equipes multidisciplinares e a estruturação de centros de trauma mostram-se fundamentais para otimizar resultados.

5. DISCUSSÃO

Os achados reforçam a expressiva carga epidemiológica do TCE e do trauma abdominal no Brasil. Ambos acometem de forma desproporcional homens jovens em idade produtiva, reproduzindo padrões observados em países de média e baixa renda (MAGALHÃES et al., 2022). A forte associação com acidentes motociclísticos, violência urbana e uso de substâncias psicoativas revela determinantes sociais que ultrapassam a esfera biomédica (MARTINS et al., 2025; SANTOS et al., 2024).

Persistem desigualdades regionais no acesso a serviços de alta complexidade, incluindo tomografia computadorizada, unidades de terapia intensiva e equipes especializadas (TEODORO et al., 2025). O tempo-resposta no atendimento pré-hospitalar permanece como fator prognóstico crítico, sobretudo em hemorragias intracranianas e abdominais (ARAGÃO et al., 2021).

A coexistência entre TCE e trauma abdominal desafia a priorização terapêutica, exigindo integração entre cirurgias de controle de danos e estratégias de manutenção da perfusão cerebral, conforme diretrizes do ATLS e recomendações internacionais (ALMEIDA et al., 2016).

Problemas estruturais nos sistemas de informação como sub-registro e uso de categorias inespecíficas prejudicam a vigilância epidemiológica e o planejamento das ações de prevenção (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2025). A elevada carga de sequelas gera impactos significativos sobre a produtividade, o mercado de trabalho e as famílias, reforçando a necessidade de políticas intersetoriais de prevenção e reabilitação (FERNANDES; SILVA, 2013).

6. CONCLUSÃO

O TCE e o trauma abdominal constituem agravos de elevada relevância para a saúde pública brasileira, caracterizados por alta incidência, mortalidade significativa e grande impacto socioeconômico. A coexistência frequente dessas lesões em vítimas de politrauma aumenta a complexidade assistencial e exige redes organizadas de atendimento, desde o pré-hospitalar até a reabilitação.

O fortalecimento das estratégias de prevenção, a qualificação da atenção pré-hospitalar, a ampliação da capacidade diagnóstica, a integração dos sistemas de informação e a expansão dos serviços de reabilitação são fundamentais para reduzir a mortalidade e sequela, além de melhorar a qualidade de vida das vítimas.

7. REFERÊNCIAS

  1. ALMEIDA, C. E. R. et al. Traumatic brain injury epidemiology in Brazil. World Neurosurgery, v. 87, p. 540-547, 2016.
  2. ARAGÃO, D. A. de et al. Sobrevida e perfil de vítimas de trauma abdominal com ou sem politrauma. Research, Society and Development, v. 10, n. 6, e47610615990, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i6.15990.
  3. FERNANDES, R. N. R.; SILVA, M. Epidemiology of traumatic brain injury in Brazil. Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia, v. 32, n. 3, p. 136-142, 2013.
  4. LIMA, S. O. et al. Avaliação epidemiológica das vítimas de trauma abdominal submetidas à laparotomia em hospital de emergência. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, 2012.
  5. MAGALHÃES, A. L. G. et al. Traumatic brain injury in Brazil: an epidemiological study and systematic review of the literature. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 80, n. 4, p. 410-423, 2022. DOI: 10.1590/0004-282X-ANP-2021-0035.
  6. MAGALHÃES, A. L. G. et al. Epidemiologia do traumatismo cranioencefálico no Brasil. Revista Brasileira de Neurologia (on-line), 2017.
  7. MARTINS, H. O. et al. Traumatic brain injury in the Brazilian Amazon: a neglected public health problem. Injury Epidemiology, 2025.
  8. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA (Brasil). Mortes por causas externas: qualificação dos registros inespecíficos. Brasília, 2024.
  9. MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). DATASUS. Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM): dados de causas externas e traumatismos, Brasil, 2008–2023. Brasília, 2025.
  10. RIBAS-FILHO, J. M. et al. Trauma abdominal: estudo das lesões mais frequentes. ABCD – Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, 2008.
  11. SANTOS, V. E. C. et al. Trauma brain injury mortality rate and Brazilian drinking-driving law: a temporal series. Brazilian Journal of Neurosurgery, 2024.
  12. SARQUIS, L. M. et al. Perfil epidemiológico dos pacientes submetidos a tratamento não operatório de trauma em hospital de referência. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, 2024.
  13. TEODORO, C. R. G. et al. Perfil epidemiológico do traumatismo cranioencefálico no Brasil entre 2014 e 2023. Revista REASE, 2025.
  14. UNIPAR. Perfil de óbitos associados à trauma abdominal submetidos ao Instituto Médico-Legal de Toledo–PR. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, v. 28, n. 2, p. 1-17, 2024.